Extensão como possibilidade de parceria com o poder público:
Projeto +Telecentros: educação, tecnologia e cultura pela inclusão digital
Teresa Mary Pires de Castro Melo1
Dalton Martins2
Gustavo Valentim3
Introdução
O Projeto +Telecentros; educação, tecnologia e cultura pela inclusão digital é um
projeto de extensão da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), executado
pelo Departamento de Ciências Humanas e Educação, do Centro de Ciências e
Tecnologias para a Sustentabilidade, localizado em Sorocaba-SP. Resultado de uma
cooperação técnica entre a UFSCar e o Ministério das Comunicações (MC), por
meio da Secretaria de Inclusão Digital (SID), o projeto teve como objetivos gerais
colaborar nos processos de constituição de rede entre atuais e potenciais parceiros
dos programas de inclusão digital do governo federal, assim como desenvolver
estudos e Seminários que contribuíssem com as questões de inclusão digital,
cultura, tecnologia e sustentabilidade.
Ao pensar a Inclusão Digital, entendemos que, para além da estrutura
organizacional pública que viabiliza e dá sustentação para a apropriação da
tecnologia através da implantação de infraestrutura física (computadores, móveis,
cabos, roteadores) e infraestrutura lógica (software, banda larga), é necessário
ressaltar a possibilidade de uso dessa infraestrutura para livre acesso e livre
circulação da informação em rede, ampliando as possibilidades de conexão entre
pessoas. Pensar inclusão digital, portanto, não é apenas capacitar para uso técnico
de ferramentas e equipamentos, mas sim, e antes, fomentar redes que aumentam a
capacidade de afetar e ser afetado pelo contato com outros.
O Projeto +Telecentros, na perspectiva de Inclusão Digital acima descrita, teve como
objetivos gerais ampliar as redes já estabelecidas entre parceiros e governo federal
e agregar saberes e metodologias acadêmicas na compreensão e busca de
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Doutora em Ciências da Comunicação, docente da Universidade Federal de São Carlos, campus Sorocaba.
Coordenadora do Projeto de Extensão +Telecentros. Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Educação,
Comunidade e Movimentos Sociais
Doutor em Ciências da Informação, consultor do Projeto +Telecentros
Mestrando em Psicologia pela Universidade de São Paulo, consultor do Projeto +Telecentros
soluções de problemas e/ou novas possibilidades em torno do tema. Tais objetivos
gerais podem ser assim especificados:
•
investir em processos de constituição de rede entre atuais e potenciais
parceiros dos programas de inclusão digital do governo federal;
•
desenvolver estudos e Seminários que contribuam com as questões de
inclusão digital, cultura, tecnologia e sustentabilidade;
•
desenvolver tecnologias que contribuam com projetos de inclusão digital.
No sentido de organizar os objetivos e contemplar as áreas de interesse da SID
naquele momento, o Projeto foi articulado em Eixos de Trabalho, que resumimos a
seguir.
Eixo 1 - Centro de Recondicionamento de Computadores (CRCs)
Os Centros de Recondicionamento de Computadores – CRCs - fazem parte do
Projeto Computadores para Inclusão, criado com o objetivo geral de apoiar e
viabilizar iniciativas de promoção da inclusão digital por meio da doação de
equipamentos de informática recondicionados a telecentros comunitários, escolas
públicas, bibliotecas e outras ações consideradas de impacto estratégico. O objetivo
geral deste Eixo foi articular estas entidades para comporem suas experiências e
conhecimentos, dando visibilidade às ações e dificuldades por meio de uma
construção coletiva. Desta maneira, o Projeto +Telecentros reuniu os participantes
de uma ação governamental no sentido de examinar suas especifidades, reunir seus
integrantes e sistematizar essas experiências de maneira a serem avaliadas na sua
replicabilidade.
Eixo 2 – Inclusão Digital e Lixo Eletrônico
Por ser a reutilização de equipamentos de informática um tema central à prática dos
CRCs e levando em consideração que a aceleração da produção e do consumo de
eletrônicos tem aumentado exponencialmente o volume desse tipo de descarte, o
objetivo central deste Eixo foi a realização de um Seminário sobre o tema. As
discussões produzidas a partir da legislação brasileira sobre resíduos sólidos, o
levantamento de bibliografia específica sobre o tema, a pesquisa em 56 parcerias do
governo federal para ações de inclusão digital e os resultados do Seminário Inclusão
Digital e Lixo Eletrônico constituem um material de apoio às atuais e possíveis
políticas públicas relacionadas ao tema.
Eixo 3 – Inclusão Digital e Acessibilidade
Os espaços públicos de acesso digital aglutinam as mais diversas necessidades da
parcela da população que é portadora de necessidades especiais e para tanto
precisam ser planejados, não apenas nos aspectos físicos de acessibilidade, mas
igualmente na disponibilização de equipamentos e softwares específicos para essa
população.
O objetivo deste Eixo foi pesquisar a situação atual da produção
bibliográfica e das práticas de acessibilidade em espaços e projetos de inclusão
digital. O Seminário Inclusão Digital e Acessibilidade reuniu o trabalho preparatório e
atores ligados ao tema nas questões de hardware e softwares acessíveis, no sentido
de subsidiar possíveis políticas públicas a partir das múltiplas realidades mapeadas.
Eixo 4 - Centros de Referência em Assistência Social – CRAs
Os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) são uma ação do Plano
Brasil sem Miséria, do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), operada em
parceria com estados e municípios pelo território brasileiro. Foi objetivo deste Eixo
mapear as ações desenvolvidas nestes equipamentos de política pública, visando à
integração de suas práticas e concepções por meio da construção de uma rede
entre os seus profissionais.
Eixo 5 – Dispositivos móveis
A utilização dos dispositivos móveis de comunicação entre programas sociais e seus
usuários foi o foco deste eixo, a partir de pesquisas de projetos que desenvolvam
este uso, customizar e implementar um piloto de aplicativo de apoio às ações dos
CRAS. No contexto de implantação do Plano Brasil Sem Miséria pelo Governo
Federal, também as articulações do projeto e do MC junto ao Ministério do
Desenvolvimento Social vem colaborar com a consolidação uma política de
assistência social que faça uso da cultura digital para fortalecimento dos seus
usuários.
O Projeto +Telecentros atuou, a partir desses Eixos e suas relações com as políticas
públicas de inclusão digital, na perspectiva da extensão como espaço/tempo de
conexão entre saberes e da contribuição de tecnologias sociais para o
fortalecimento de políticas públicas. As ações dos Eixos CRAS e Dispositivos
Móveis estarão aqui resumidamente relatadas para melhor explicitar essas relações.
No sentido de organizar a implementação das ações necessárias à amplitude do
projeto, foi composta uma equipe de sete docentes, dez discentes e 14 consultores,
à qual soma-se uma técnica administrativa da Universidade. Como princípios de
participação adotamos a gestão partilhada e o acompanhamento contínuo de cada
participante do projeto como um todo, além do trabalho específico de seu Eixo de
atuação.
O ensino foi contemplado com a presença de estudantes de graduação, assim como
pela incorporação de conceitos e práticas em disciplinas da Licenciatura em
Pedagogia. A pesquisa esteve presente no projeto de diversas maneiras:
bibliográfica e documental, de campo, por meio de instrumentos estruturados a partir
de demandas identificadas ao longo do processo, e como pesquisa-ação.
Tais experiências têm sido sistematizadas para apresentação em eventos científicos
e para publicações descritivas e críticas dos cenários encontrados, seus
mapeamentos, intervenções e resultados. Desdobra-se, também, esta ação de
extensão, na formação de um Grupo de Pesquisa em Sociedade, Cultura e
Tecnologias, na UFSCar.
As avaliações contínuas no grupo e junto à equipe da Secretaria de Inclusão Digital
permitiram a oxigenação do projeto o qual, sem perder o seu escopo e objetivos
maiores, teve a oportunidade real de se modificar, de maneira a tornar cada vez
mais pertinentes as reflexões e ações resultantes desse processo.
Extensão Universitária e poder público
As atividades de extensão universitária no Brasil não estão descoladas do contexto
acadêmico mundial. MIRRA, apud PAULA, analisa o surgimento desta modalidade
de atuação universitária ainda no século XIX, na Inglaterra, com a finalidade de
oferecer ‘cursos de extensão’, iniciativa que se espalha pelas universidades da
Europa e consolida-se nos Estados Unidos no limiar do século XX, na Universidade
de Wisconsin, com o que foi denominada como Wisconsin Idea, que colocou “seus
professores como technical experts do governo do estado”.
[...] As ações desencadeadas nesse quadro foram decisivas para a
modernização da tecnologia agrícola americana, surgindo dessa forma
um modelo de interação com a comunidade que implicava a
universidade na questão do desenvolvimento. O efeito ampliou-se
mais ainda pela diversificação do programa extensionista, com a
educação continuada e expansão das atividades extramuros. A partir
daí a extensão universitária estava consagrada. (MIRRA, 2009, p. 78).
PAULA credita a consolidação da extensão universitária a este momento da história
em que o modo de produção capitalista tem como contraposição a propagação das
idéias e movimentos socialistas que “significaram a entrada em cena de segmentos
sociais, historicamente marginalizados, centrados nas classes trabalhadoras
submetidas ao capital, que denunciavam o conjunto da ordem social capitalista”.
Segundo o autor, não só a Universidade, mas outras organizações buscaram
empreender propostas “como resposta apaziguadora desses conflitos”
No Brasil, a primeira Universidade data da primeira década do século passado tardiamente, se comparado a outros países da América do Sul, que tiveram suas
primeiras universidades já a partir do XVI. Embora tenha sido regulamentada como
obrigatória em 1968, pela Lei 5.540, que tratou da Reforma Universitária, a extensão
universitária no Brasil já estava prevista no Decreto nº 19.851, de 1931, que indica
as primeiras bases do sistema universitário brasileiro.
Desde então, a Extensão Universitária no Brasil tem passado por transformações
que refletem a visão de Universidade não apenas ao longo do tempo, mas nos
diversos espaços em que se insere. O desafio de ultrapassar o caráter mercantilista
ou assistencialista das atividades extensionistas e fortalecê-las como espaço de
diálogo entre a academia e a comunidade depende, fundamentalmente, das
pessoas que realizam essas ações e de sua visão de mundo e de Universidade.
Como ‘mercantilista’, entende-se a venda de conhecimento e expertise de docentes
universitários e como ‘assistencialista’ entende-se a ação extensionista que presta
serviço à comunidade ‘carente’, entendendo que o ‘compromisso social’ da
Universidade se traduz em ações de Extensão que devem preencher as lacunas das
ações governamentais.
Uma terceira vertente da extensão universitária não pretende vender o
conhecimento acadêmico nem substituir o poder público, mas atuar em uma
perspectiva crítica, transformadora e propositiva frente aos desafios apresentados
nas diferentes realidades em que insere.
Desta maneira, as atividades de extensão universitária convivem entre as forças que
promovem a mercantilização das relações sociais e as que atuam para a garantia
dos direitos dos cidadãos. Entre essas duas forças, encontra-se o Estado, que pode
agir no sentido de legitimar ações extensionistas, creditando à Universidade também
um locus de intervenção social para além do ensino e da pesquisa.
O imbricamento destas relações conduz à discussão sobre a ação extensionista em
sua intencionalidade, na sua relação com a sociedade pautada no respeito e o
diálogo ou em atitudes 'salvacionistas'. A esse respeito, Paulo Freire em ' Extensão
ou Comunicação?' examina os significados, intenções e ideologias subjacentes às
atividades extensionistas da universidade, tendo como interlocutores agrônomos
chilenos participantes em projetos de extensão junto a camponeses, em 1969. Diz o
autor:
Parece-nos, entretanto, que a ação extensionista envolve, qualquer
que seja o setor em que se realize, a necessidade que sentem
aqueles que a fazem, de ir até a “outra parte do mundo”, considerada
inferior, para, à sua maneira, “normalizá-la”. Para fazê-la mais ou
menos semelhante a seu mundo. Daí que, em seu “campo
associativo”, o termo extensão se encontre em relação significativa
com transmissão, entrega, doação, messianismo, mecanicismo,
invasão cultural, manipulação, etc. (FREIRE, 1983)
Ao exercer essa crítica, FREIRE propõe que a extensão universitária deve entender
que “o sujeito pensante não pode pensar sozinho; não pode pensar sem a coparticipação de outros sujeitos no ato de pensar sobre o objeto. Não há um “penso”,
mas um “pensamos”. É o “pensamos” que estabelece o “penso” e não o contrário.”
(FREIRE, 1983).
Realizar dessa maneira a extensão universitária significa, primeiramente, planejar,
implementar e avaliar as atividades em uma perspectiva que não atenda à lógica
mercantil nem tampouco ceda à tentação assistencialista.
Significa, ainda, não
alienar a extensão das outras atividades acadêmicas, na medida em que a
Universidade tem o compromisso de produzir conhecimento para a transformação
da sociedade e colaborar na formação de cidadãos igualmente comprometidos com
essa transformação.
Entendemos que os projetos de extensão universitária que fazem interface com
ações da esfera governamental passam, a partir das perspectivas acima apontadas,
a exercer um papel político mais explicitado, conforme a definição do Fórum de Pró-
Reitores de Extensão das Universidades Públicas Brasileiras, em sua proposta para
a Política Nacional de Extensão Universitária (FORPROEX, 2012): “criar condições
para a participação da Universidade na elaboração das políticas públicas voltadas
para a maioria da população, bem como para que ela se constitua como organismo
legítimo para acompanhar e avaliar a implantação das mesmas”.
O documento enfatiza a importância dessa articulação pela contribuição na
formulação, implementação e avaliação dessas políticas, especialmente as sociais,
destacando:
Também nesse tipo de articulação, é importante ter claro que a
contribuição da Extensão Universitária deve estar pautada não apenas
pela competência acadêmica, mas também pelo espírito crítico e pela
autonomia. A Universidade não pode substituir as responsabilidades
do Estado na garantia dos direitos de cidadania ou na provisão de
bens públicos, mas, sim, somar-se aos seus esforços e subsidiá-lo, de
forma crítica e autônoma, no desempenho dessas atribuições.
Avalia ainda que a contribuição na formulação e implementação de políticas públicas
coloca a extensão universitária em um local de “superação da fragmentação,
setorialização, desarticulação e superposição de programas e projetos sociais”,
colaborando para a continuidade e sustentabilidade financeira dessas políticas.
Nesse sentido, propõe que essa articulação “esteja orientada pelo compromisso com
o enfrentamento da exclusão e vulnerabilidade sociais e combate a todas as formas
de desigualdade e discriminação”.
Também os estudos sobre o Plano Nacional de Extensão apontam, dentre as metas
para 2020 “Articular, até 2013, ao menos um programa institucional de extensão em
cada universidade pública articulado com as políticas de erradicação da Fome e da
Miséria conduzidas pelo governo” Para tanto, considera estratégia “Ampliar a
parceria do Ministério da Educação com ministérios que possuam políticas
destinadas a combater a Fome e a Miséria”.
O Projeto +Telecentros atuou nessa interseção a partir do entendimento de seu
lugar enquanto ação de extensão e a possibilidade de construir subsídios para o
fortalecimento ou criação de políticas públicas no âmbito da Inclusão Digital. Atuou,
ainda, no sentido de conceber e executar suas atividades de maneira a privilegiar a
indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão; contemplando atividades
interdisciplinares; congregando docentes, discentes e especialistas do tema;
interagindo com diversos setores da sociedade e subsidiando possíveis políticas
públicas - atendendo às diretrizes que estão sendo historicamente construídas para
a atividade de extensão universitária, no sentido da valorização de sua inserção na
vida acadêmica.
Articulando Eixos do Projeto +Telecentros em torno de Políticas Públicas
A interlocução entre os Eixos de Trabalho com os CRAS e Dispositivos Móveis
dentro do Projeto +Telecentros foi se constituindo como uma ação significativa ao
longo do projeto, a partir das partilhas sobre as pesquisas iniciais dos grupos
responsáveis por cada tema, à luz das políticas públicas do MDS e das concepções
de Inclusão Digital do projeto.
Vejamos o panorama que permite o entendimento dessa intersecção.
Eixo CRAs – articulando a comunicação entre os profissionais
O eixo CRAS do Projeto +Telecentros nasceu da percepção, por parte de atores
governamentais, da necessidade de articular políticas de inclusão digital e de
combate à miséria. No bojo do Plano Brasil sem Miséria e de seu processo de
implantação, a partir do diálogo com o Ministério das Comunicações, novas
possibilidades de parceria inter-ministeriais foram aventadas, e é nesse contexto que
o presente projeto se iniciou.
O Plano Brasil sem Miséria visa a aprimorar a experiência brasileira na área social e
mobilizar, de forma articulada, a estrutura do governo federal, dos estados e
municípios. O plano incorpora o trabalho de ministérios, cria, renova, amplia e,
especialmente, integra dezenas de programas sociais. Como elemento privilegiado
desse plano, se disseminam pelo país os Centros de Referência de Assistência
Social (CRAS), que é uma política de assistência social do Ministério do
Desenvolvimento Social (MDS) cujo objetivo é dar acesso à população das áreas de
vulnerabilidade social à proteção social básica.
Os Centros de Referência em Assistência Social (CRAS) são uma ação do Plano
Brasil sem Miséria, do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), operada em
parceria com estados e municípios pelo território brasileiro.
As pesquisas bibliográficas inicialmente empreendidas pelo Projeto +Telecentros
sobre a relação Inclusão Digital e CRAS indicaram que a busca pela reflexão
sobre a inclusão social em um contexto de pobreza é muito mais frequente entre
pesquisadores que estudam a inclusão digital propriamente dita do que entre
aqueles que têm a pobreza e a assistência social como foco. Uma hipótese que
pode ser levantada dessa observação é a de que as condições de subsistência,
saúde, moradia e educação acabam sendo mais enfatizadas pelos estudiosos do
campo do Serviço Social, sendo a inclusão digital vista com tendo uma importância
secundária. No campo do Serviço Social, há referências à ‘informática’ apenas em
relação ao seu uso na escola, o que reflete muito mais a preocupação com a
informática como estratégia de ensino-aprendizagem do que uma preocupação com
a inclusão digital propriamente dita.
Entre os autores que trabalham com o campo da inclusão digital pode-se perceber
que, em alguns casos, há a utilização da inclusão digital como uma estratégia de
“resgate” do indivíduo de uma situação de pobreza, e não como um instrumento
para facilitação da mobilização coletiva, com vistas a um enfrentamento das diversas
formas de opressão que usualmente subjugam os grupos economicamente
desfavorecidos. Nesse sentido, reflete-se sobre como a inclusão digital pode estar
associada à empregabilidade dos indivíduos ou ao “empreendedorismo”, mas não
sobre seu papel no fomento dos movimentos sociais
A partir desse panorama, realizamos um projeto-piloto de ativação de rede entre os
trabalhadores dessa política pública e inserção de tecnologias de comunicação
digital junto a trabalhadores e usuários dos CRAS. Como território de
experimentação, o Projeto +Telecentros, em decisão conjunta com representantes
do MC e do MDS, definiram a realização desses projetos na região do Médio
Paraíba, no Estado do Rio de Janeiro.
Visitas prévias a dez CRAS do Rio de Janeiro foram feitas, para posterior
agendamento de um encontro presencial e planejamento de implantação de um
projeto piloto de constituição de rede entre funcionários dos CRAS e teste do SMS
Social, sobre o qual discorreremos adiante. A proposta incluiu ações presenciais de
visitas de mapeamento, acompanhamento e encontros regionais e também ações a
distância, utilizando a mediação de tecnologias para gerar conversações e
aprendizados. Tanto a proposta de articulação presencial quanto a distância foram
tidas como inovadoras dentro das políticas do MDS, que tem muitas orientações
para a construção de rede nos territórios dos CRAS, mas não entre os profissionais
da atenção básica do sistema.
A partir do contato estabelecido nas visitas, propusemos o primeiro encontro, com
duração de três dias, focado no estabelecimento de conversas a partir das
demandas identificadas. O objetivo do encontro foi organizar um espaço dialógico,
interdisciplinar e coletivo para refletir sobre as ações realizadas nos CRAS, com
adensamento conceitual, partilha de experiências e encaminhamentos futuros. Foi
também garantido um espaço de interlocução direta entre os trabalhadores dos
CRAS e os representantes da gestão estadual dessa política.
Para estabelecer o canal a distância no qual as trocas continuariam a acontecer, foi
realizada uma pesquisa no I Encontro com todos os participantes sobre os hábitos
na web e as ferramentas digitais que conheciam e utilizavam. Optamos, a partir da
pesquisa que indicou o e-mail como espaço da Internet mais utilizado pelos
participantes, partir de tecnologias básicas, disseminadas, inseridas e apropriadas
no contexto das pessoas, evitando escolher uma tecnologia que fosse sofisticada
em termos de recursos, mas com pouca circulação e apropriação por parte do
grupo.
A experiência revelou um modo de uso do e-mail que não é corriqueiro. Em uma
política onde há muito debate, adensamento de conceitos e práticas, o grupo de emails acabou tendo este caráter de espaço de adensamento e tempo de elaboração.
Um segundo encontro foi realizado, após outras visitas presenciais e conversas
online, envolvendo uma produção mais afinada com o grupo, avaliação e finalização
do processo. Mantendo os objetivos e características de organização do primeiro, foi
ali gestada uma proposta de continuidade de contato - nomeada de Fórum Regional
de Trabalhadores, esta proposta teve sua organização, tarefas, responsáveis, data e
local do próximo encontro definidos pelos participantes, uma vez que encerrava-se
ali a ação direta de articulação de rede do +Telecentros com estes profissionais.
Assim, a atuação do +Telecentros junto aos CRAS trabalhou com formas de
produção de vínculos e modos de ativação de redes na área da assistência social
que dialogam com importantes reflexões dos meios de funcionamento e constituição
dessa política. Entendemos que o potencial que esse tipo de trabalho cria nesse
campo de produção de políticas públicas vai além dos limites da tecnologia: indica
novos modos de pensar as formas de funcionamento dessa política e seus próprios
princípios de investimento e constituição de ações.
Eixo Dispositivos Móveis – articulando a comunicação entre profissionais e
usuários dos CRAS
Paralelamente ao movimento de ativação de rede entre os profissionais dos CRAS,
o Eixo Dispositivos Móveis do Projeto +Telecentros atuou no sentido de
experimentar a possibilidade de potencializar a comunicação entre os trabalhadores
desses equipamentos públicos e seus usuários.
As reflexões e as experimentações sobre comunicação no contexto de políticas
públicas parecem ganhar não apenas maior relevância estratégica na concepção de
diferentes modos de governar como têm se tornado um dos elementos estruturantes
da própria concepção desses modos, sobretudo em tempos em que as mídias
possuem cada vez maior interoperabilidade tecnológica, permitindo amplas
possibilidades de recombinação e articulação de pessoas.
Entendendo que políticas públicas são concebidas com a intenção de produzir
determinadas formas de governar e que governar passa por conceber formas de
relacionamento entre estado e sociedade civil, passando por determinar que
informação deve circular, de que formas as pessoas podem participar, que relações
são estabelecidas e como são construídos os papéis dos governados e governantes,
as diferentes formas de comunicação terminam por expressar uma parte
fundamental de como essas formas de governar são pensadas e operadas no
exercício prático da política.
É com essa visão de fundo sobre comunicação e governo que o Eixo Dispositivos
Móveis tinha por intenção pesquisar e experimentar uma tecnologia baseada em
dispositivos móveis para comunicação no contexto de uma política pública, mas,
sobretudo, como constituir um processo de concepção dessa tecnologia levando em
consideração essa política pública de partida, entendendo suas questões, seus
problemas de comunicação, suas forças atuantes, seu território de operação, suas
contradições e suas potencias.
Vale ressaltar que a dimensão da comunicação não é entendida neste contexto
como uma dimensão meramente técnica, onde se concebem seus fluxos sem levar
em conta os modos políticos de constituição desses fluxos. A comunicação é aqui
vista como espaço de intervenção, como projeto ético e político no exercício de
formas de relacionamento que instauram jeitos de se fazer as coisas, produzindo e
sendo produzida por racionalidades e tecnologias que desenham seus fluxos.
No caso das políticas públicas que se entrelaçam com os CRAS, a questão da
comunicação pauta, de modo a simplificar a questão, sobretudo dois aspectos: o
modo como as pessoas são informadas sobre seus direitos e deveres em relação a
essas políticas que lhes são, de certa forma, impostas por um governo que recebe o
mandato de direito para tal e o modo como as pessoas podem ou não intervir e
participar nos processos de concepção dessas políticas. Por um lado, temos aqui
uma questão de difusão da informação com a preocupação de alcançar o máximo
de pessoas que saibam quais são as formas de conduta corretas em relação às
questões que uma determinada política visa regular; por outro lado, temos a questão
do diálogo, da participação e dos diferentes modos de comunicação que visam não
difundir uma informação, mas construir uma visão abrangente de modo a levar em
consideração as diferenças, divergências e sinergias que aparecem quando
processos mais democráticos e menos hierárquicos são levados em consideração.
Para empreender esse experimento, as primeiras pesquisas que realizamos
apontavam que os dispositivos móveis, sobretudo os celulares, estavam
disseminados no território nacional de forma extremamente abrangente, chegando
mesmo alguns dados a apontarem que os celulares seriam hoje um dos maiores
canais de comunicação no Brasil, superando telefonia fixa, acesso à Internet,
estando esses aparelhos incorporados à comunicação de mais de 84% da
população brasileira, segundo dados do Comitê Gestor da Internet disponibilizados
pela pesquisa TIC DOMICÍLIOS e USUÁRIOS 2012 (CETIC.Br, 2012).
A partir desse mapeamento inicial e outros estudos paralelos sobre o uso de
dispositivos móveis em ações sociais no mundo, entendemos que poderíamos
experimentar os potenciais comunicacionais que essa camada de rede de envio e
recebimento de SMS poderiam proporcionar na relação com uma política pública.
A construção em software livre do que nominamos “SMS Social” levou em
consideração dois aspectos centrais: ser simples, com poucas funcionalidades que
pudessem confundir os usuários, além de ser fácil de utilizar para o envio de
mensagens SMS. Uma vez o projeto do software orientado por essas premissas,
passamos a pesquisar qual seria a melhor opção para desenvolver tal solução. A
experiência de relacionamento do Projeto +Telecentros com a assistência social,
suas questões e maneiras de entender o relacionamento com os usuários do CRAS,
permitiu nos conectarmos com uma política onde a essência de seu funcionamento
se dá na dimensão da articulação social e do referenciamento de serviços que é
capaz de realizar.
Logo, as questões de comunicação, redes e a produção do trabalho da assistência
social no espaço informacional, mesmo que ainda não formuladas desse modo pelos
atuantes dessa política, foram questões que permitiram fácil aproximação e espaço
de discussão nas dimensões propostas pelo projeto. Some-se a isso o fato de os
programadores
do
SMS
Social
estarem
envolvidos
diretamente
com
os
trabalhadores dos CRAS, em um trabalho pleno de sentido e de diálogo
permanente.
O projeto-piloto foi aplicado em dois CRAS do Estado do Rio de Janeiro, com os
quais estávamos também trabalhando na ativação de rede, conforme relatado
anteriormente. O desenvolvimento do aplicativo foi realizado por profissionais
envolvidos diretamente com esses CRAS, a partir das necessidades e expectativas
levantadas e sua aplicação envolveu um momento de capacitação dos trabalhadores
e acompanhamento contínuo durante dois meses. Foram criadas três possibilidades
de envio de mensagens: individuais, em grupos de interesse comum ou para todos
os usuários. Dessa maneira, seria possível a comunicação com usuários que se
encontravam em uma situação específica (por exemplo, o lembrete para levar até o
CRAS um documento), usuários que pertenciam a um grupo de ação (por exemplo,
a comunicação aos idosos sobre uma nova atividade) ou todos os usuários para a
comunicação de uma ação geral do CRAS.
Ao final do segundo mês de uso do SMS Social, apresentou-se um aumento de 24%
de atendimentos nesses equipamentos públicos, como conseqüência de usuários
que atenderam às mensagens enviadas. Importante salientar que a outra
possibilidade de comunicação direta com o usuário se dá por telefone, com a média
de 3 minutos por ligação, segundo relatos dos profissionais – as 9713 mensagens
encaminhadas via SMS seriam equivalentes a 485 horas ao telefone.
Números como esses impactam quantativamente e são significativos para avaliar os
processos de comunicação entre atores e usuários de políticas públicas – nos é
confirmada a importância da busca de soluções que atendam e façam sentido nas
bases onde essas políticas operam.
No entanto, para além dos números, a aposta da tecnologia como elemento que
permite reorganizar fluxos de comunicação se dá, nesse contexto do Projeto
+Telecentros, na conjunção com uma política que sustenta modos de relação
refletidos nesses fluxos, criando caminhos e experiências que potencializam um jeito
de trabalhar no modo de lidar com a informação. Essa, sem dúvida, é uma questão
essencialmente política e não tecnológica.
Considerações finais
Avaliamos que o Projeto de Extensão +Telecentros (mais detalhado aqui em dois de
seus Eixos) atuou junto ao poder público ao efetivar ações relacionadas a políticas
públicas de inclusão digital que fazem uma interface com outras políticas públicas.
Essas ações, capazes de promover a reunião de pessoas e a democratização do
acesso e construção do conhecimento, não tiveram caráter assistencialista, uma vez
que foram empreendidas com os sujeitos envolvidos nos processos. Ao privilegiar a
constituição de redes cuja continuidade independe da atuação do Projeto,
acreditamos que os indivíduos e/ou instituições trazidos à tona nestes momentos
serão capazes de dar continuidade a esse processo.
Por outro lado, entendemos que as escolhas metodológicas e tecnológicas feitas
pelo Projeto de Extensão +Telecentros ao atuar junto ao poder público não
substituíram o papel do Estado, mas potencializaram os indivíduos e grupos no
sentido do entendimento da política pública em seu nível ‘micro’, onde se dão as
relações que impulsionam (ou não) sua execução. Ainda nesse sentido, essas
escolhas e as ações resultantes deste projeto experimentaram metodologias e
tecnologias que estão disponíveis para outros grupos que comunguem do nosso
entendimento sobre o desafio da atuação da Universidade em parceria com o poder
público, desafio este que o FORPROEX atribui também às atividades de extensão
universitária:
.A transformação da Extensão Universitária em um instrumento efetivo de
mudança da Universidade e da sociedade, em direção a justiça social e ao
aprofundamento da democracia, caminha pari passu com o enfrentamento
desses desafios e a busca das novas oportunidades que se descortinam no
contexto internacional e na realidade brasileira. Desafios a serem
confrontados e oportunidades a serem aproveitadas por meio de políticas
públicas. Mas as efetividades destas, por sua vez, dependem fortemente do
que a Universidade Pública, em geral, e a Extensão Universitária, em
especial, podem oferecer aos governos e à sociedade. (FORPROEX, 2012)
Bibliografia
FORPOREX – Fórum de Pró-reitores de Extensão das Universidades Públicas
Brasileiras. Política de Extensão Universitária. Manaus. 2012.
FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1983.
PAULA, João Antonio de. A extensão universitária: história, conceito e propostas, in
Interfaces - Revista de Extensão, v. 1, n. 1, p. 05-23, jul./nov. 2013
TIC DOMICÍLIOS e USUÁRIOS 2012 (CETIC.Br, 2012).
Download

Projeto +Telecentros: educação, tecnologia e cultura pela inclu