Percepções de Competência: Um Estudo com
Crianças e Adolescentes do Ensino Fundamental
Gustavo de Almeida *
Nadia Cristina Valentini* *
Adriana Berleze* **
Resumo: Este estudo teve o objetivo de investigar como as
crianças expressam suas percepções de competência nos
diferentes domínios do comportamento humano. Foi utilizada a
Escala de Percepção de Competência para Crianças com 96
crianças do ensino fundamental público. Os resultados suge­
rem que: a) crianças mais velhas apresentam níveis menores de
percepção de competência; b) as percepções de competên­
cia de meninos e meninas nos diferentes domínios foram seme­
lhantes; c) a percepção de competência escolar é mais baixa
para as crianças mais velhas e repetentes; e, d) a menor
competência escolar percebida, parece não afetar os níveis
de competência nos demais domínios.
Palavras-chave: Percepção. Educação baseada em compe­
tências. Criança.
1 INTRODUÇÃO
Ao longo do processo de desenvolvimento, o indivíduo busca
relacionar-se de forma eficiente com o ambiente, tornando-se mais
competente. A qualidade dessas interações conduzirá a criança à
conquista da autonomia e a autoconfiança em suas habilidades e,
consequentemente, a perceber-se competente (WHITE, 1959;
HARTER, 1978, 1985, 1992). A competência percebida, entendida
como o julgamento expresso pelo indivíduo relativo a uma capacidade
realizada (VALENTINI, 2002a), pode ser expressa pela criança na
* Graduado Educação Física. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Curso de Educação
Física, Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected]
** PhD. Comportamento Motor. Professor do Curso de Educação Física da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected]
*** Doutoranda Ciências do Movimento Humano da Escola de Educação Física da Universida­
de Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, RS, Brasil. E-mail: [email protected]
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Artigos Originais
Gustavo de Almeida, et al.
infância em domínios específicos do comportamento humano (cognitivo,
social ou motor); sendo, portanto, multidimensional. Entretanto, as
mesmas podem mudar em decorrência das experiências dependendo
de suas conquistas. Essa abordagem multidimensional permite verificar
em qual domínio a criança investiu, ou está investindo, maior energia e
esforço, para tornar-se competente.
Quanto maior o nível de realizações ou conquistas, mais provável
é que o indivíduo perceba-se competente no específico domínio em
que sua ação foi eficiente no ambiente (HARTER, 1978, 1984, 1992,
1999) conduzindo o indivíduo a sentir prazer em descobrir o que
consegue fazer bem (GALLAHUE, 2001). Percepções positivas
de competência são influenciadas pelas características do indivíduo
(idade, gênero, motivação) em interação com os valores de agentes
socializadores (pais, pares, professores); e de como os agentes
socializadores respondem aos esforços das crianças nos contextos
específicos de aprendizagem em que a mesma está socialmente
inserida (HARTER, 1978). Esses fatores são decisivos no desenvol­
vimento da própria competência; na confiança na própria habilidade de
efetivamente interagir no ambiente; fortalecendo, portanto, a auto
estima e o autoconceito (GALLAHUE, 2001; VALENTINI, 2007;
VIEIRA et al., 1997).
2 AS CARACTERÍSTICAS DO INDIVÍDUO E AS PERCEPÇÕES DE
COMPETÊNCIA
O processo de socialização da criança se diferencia conside­
rando-se as características pertinentes as diferentes faixas etárias, ao
gênero e a própria motivação intrínseca da criança ao realizar dife­
rentes tarefas. Quanto à idade, vários estudos sugerem crianças
mais jovens superestimando suas competências em decorrência da
pouca experiência para realizar julgamentos autônomos, sendo que o
julgamento relativo às capacidades e aptidões é baseado inteiramente
no feedback social, em geral, proveniente de pais e professores.
Crianças mais velhas (acima de 10 anos) passam a considerar suas
expectativas próprias de padrões sociais, bem como o feedback
social fornecido por pessoas importantes, como os pares, na elaboração
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de seu julgamento. Desse modo, nas crianças mais velhas, os senti­
mentos de competência passam a ser autodeterminados e mais realis­
tas quanto as suas próprias competências; ou seja, crianças mais velhas
tendem a não mais superestimem suas competências (GALLAHUE,
2001; GOODWAY; RUDISILL, 1996; HARTER, 1978; HARTER;
CONNEL, 1984; MAÏANO et al., 2004; PIEK et al., 2006; RUDISILL
et al., 1993; VIEIRA et al., 1997; ULRICH, 1987; WHITE, 1959).
Entretanto, é importante destacar que alguns estudos evidenciam
que não necessariamente crianças mais velhas são precisas sobre
suas competências e que as mesmas podem evidenciar percepções
superestimadas similares as observadas na infância. Esta percepção
não realista é decorrente da falta de parâmetros para julgar a própria
competência; e, pode ser prevalente quando o contexto não contribui
de forma a auxiliar as mesmas a construir critérios internos de julga­
mento de suas habilidades e capacidades (RUDISILL et al., 1993;
VALENTIN, 2007, 2002b).
Crianças e adolescentes que superestimam suas capacidades
tendem a julgar todas as tarefas como fáceis. Julgar uma tarefa como
fácil engajar-se na tarefa e ter essa experiência fracassada resulta
em baixas percepções de competência. Em contrapartida, quando a
criança e o adolescente subestimam sua competência atual, ela pode
ter baixas expectativas para competências futuras, influenciando
negativamente os resultados de sua performance (RUDISILL et
al., 1993; VALENTINI, 2007, 2002b). As experiências negativas
resultam em uma percepção de competência imprecisa e essa falta
de precisão pode resultar em expectativas irreais frente a uma tarefa.
Portanto, as percepções de competência, para um determinado domí­
nio, podem ser consideradas como o resultado de uma história de
conquistas e fracassos. A criança que se percebe como desvalori­
zada devido a constantes fracassos utiliza a estratégia de afastar-se
deliberadamente da atividade, protegendo sua habilidade (HARTER,
1978). Além disso, quando as crianças percebem que possuem difi­
culdades nas tarefas é possível que elas evitem essa experiência,
perdendo oportunidades vitais de desenvolvimento de novas habili­
dades (PIEK et al., 2006). Ressalva-se, entretanto, que o envolvimento
da criança no processo de aprendizagem é dependente também do
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valor atribuído pela criança à atividade. Repercussões negativas no
autoconceito parecem só ocorrer quando a criança valoriza a tarefa
e percebe-se, nesta tarefa, pouco competente. Quando emoções
positivas de conquista estão relacionadas com a tarefa, a criança
demonstra engajamento e continuidade na participação (CARROL
et al., 2001; VALENTINI, 2007).
Diferentes processos de socialização podem influenciar as per­
cepções de meninos e meninas, refletindo a cultura em que a criança
está inserida. Desde a infância, as crianças são estereotipadas con­
forme o gênero em papéis determinados, inclusive nos tipos de brinquedos.Assim, o estereótipo social reforça que meninas sejam passivas
e dependentes e, que os meninos mostrem-se como agressivos e inde­
pendentes, sendo mais incentivados à prática de atividades motoras
amplas e esportivas (CARDOSO; GAYA, 2004; PIEK et al., 2006;
VALENTINI, 2007, 2002b). Esses estereótipos podem restringir a
percepção que a menina tem de si mesma, sua motivação para desen­
volver habilidades, e, consequentemente, sua competência real.
Dentre os diferentes, domínios diferenças entre os gêneros têm
sido observadas quanto às percepções de competência atlética, con­
duta comportamental, aparência física e, autovalor global (BOIS et al.,
2005; DALEY, 2002; HARTER, 1985; PIEK et al., 2006; RUDISILL
et al.; 1993). Na competência atlética, geralmente os meninos apre­
sentam percepções mais positivas quando comparados às meninas
(CARROLL; LOUMIDIS, 2001; MAÏANO et al., 2004). Carroll e
Loumidis (2001) e BOIS et al. (2005) atentam que a percepção
mais elevada dos meninos pode ser decorrente da maior participação
e competência dos meninos nas atividades físicas. Meninos participam
mais em termos de tempo e em número de sessões semanais. Daley
(2002), embora reforce essa perspectiva, sugere ainda que a diferença
entre meninos e meninas esteja também relacionada aos seus diferen­
tes motivos para a prática de exercícios. A participação feminina tende
a ser motivada pela busca da diversão, o sentir-se bem e a busca e a
manutenção de amizades enquanto que meninos buscam efetivamente
competir e tornarem-se competentes. Além disso, tradicionalmente
meninos recebem mais suporte de familiares adultos para o envolvimento
em esportes (HARTER, 1985, 1992).
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Quanto às percepções em relação à aparência física, as dife­
renças de gênero podem estar associadas às mudanças psicológicas
típicas que ocorrem com as meninas na época da adolescência (DALEY,
2002). A aparência física pode ter um papel mais significativo para
as meninas do que para os meninos (DALEY, 2002; PIEK et al.,
2006). Segundo esses pesquisadores, para as meninas, ter uma boa
aparência ou ser bonita mostra-se como um valor mais importante,
enquanto que, para os meninos, demonstrar habilidades tende a ser
considerado o mais importante. Piek et al. (2006) afirmam ainda que
devido à grande necessidade de conformar-se aos padrões do grupo
na adolescência, questões referentes à forma de vestir-se e a aparência
pessoal teriam um impacto maior no autovalor global e na percepção
de maior aceitação da conduta comportamental das meninas.
O sentimento de competência ocasiona impacto na motiva­
ção intrínseca e no julgamento autônomo da criança. A criança que
se percebe competente é mais intrinsecamente motivada para empe­
nhar tarefas que a desafiem e para atingir metas autorreferenciadas;
enquanto que aquela que se considera pouco competente tende a
evitar situações desafiadoras e engaja-se em tarefas não necessaria­
mente com metas próprias a serem conquistadas (DECI, 1998;
HARTER; CONNEL, 1984). Muitas vezes as metas que levam crian­
ças a engajarem-se em diferentes atividades são de adultos que con­
vivem com a criança e de seus pares. Este controle externo no
engajamento da tarefa, quando excessivo, diminui a motivação intrín­
seca e o engajamento nas atividades; repercutindo negativamente no
desempenho de qualquer atividade que necessite criatividade, com­
preensão conceitual ou resolução flexível de problemas (DECI, 1998;
HARTER, 1985; VALENTINI, 2007, 2002a; WHITE, 1959).
Além disso, a criança que exibe pouca motivação intrínseca
talvez esteja menos consciente de sua competência por possuir pou­
cas experiências prévias e, no decorrer das experiências, recebe­
rem pouco suporte de pessoas significativas (VALENTINI, 2007,
2002b). A necessidade de sentir-se competente é característica de
um comportamento intrinsecamente motivado; portanto, a motivação
deve ser entendida como resultado de experiências significativas em
contextos que promovem de níveis de autoconfiança mais elevados
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(VALENTINI, 2006). Quando oportunidades de vivenciar desafios
otimizados são oferecidas, a criança fortalece sua competência perce­
bida e, consequentemente, torna-se mais competente e motivada ao
manter-se na tarefa (DALEY, 2002 NEVES; BORUCHOVITCH,
2004; VALENTINI, 2007).
3 OS AGENTES SOCIALIZADORES E O CONTEXTO DA CRIANÇA
A história pregressa de socialização da criança conduz a mes­
ma a interessar-se e interagir em diferentes tarefas, aceitando no­
vos desafios e motivando-se para a conquista de novas habilidades. O
ambiente de aprendizagem, e o modo como o professor realiza e
apresenta as atividades são apontadas como fatores determinantes
no desenvolvimento das percepções de competência (CARDOSO;
GAYA, 2004; CARROL; LOUMIDIS, 2001; DALEY, 2002; FONSE­
CA, 2004; GALLAHUE, 2001; KLINT; WEISS, 1987; NEVES;
BORUCHOVITCH, 2004; VALENTINI, 2002a, 2002b; VALENTINI;
TOIGO, 2004; VIEIRA et al., 1997; WEISS, 2004). Uma autoavaliação
positiva é expressa por crianças e jovens quando experiências ade­
quadas, oportunidade para a prática, instrução e encorajamento de
pessoas significativas são propiciados (VALENTINI, 2007, 2002b).
Os procedimentos metodológicos utilizados pelo professor
influenciam também como os estudantes se posicionam frente às
demandas escolares. Quando o professor reconhece também as metas
que as crianças estabelecem para a sua aprendizagem, este propõe
questionamentos e desafios otimizados, evita a imposição de compa­
ração social de desempenho, adapta a proposta metodológica às
necessidades, interesses e características individuais dos alunos; crian­
do um contexto que prioriza a eqüidade, a competência e o autoconceito
positivo (FONSECA, 2004; VALENTINI, 2007; VALENTINI; TOIGO,
2004). Quanto mais a criança se integra positivamente ao ambiente
escolar, mais ela valoriza as experiências neste ambiente e mais este
ambiente se torna significativo para a mesma (VALENTINI, 2007).
Muitas vezes, mudanças na estrutura de referências da criança
(séries, turmas, metodologias e professores) podem repercutir negati­
vamente na forma como a criança se percebe. Observa-se também
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que conforme os estudantes avançam nas séries escolares, o ambiente
escolar torna-se mais impessoal e avaliativo; a competição é ressaltada
por meio da comparação de notas e conceitos, guiando crianças e
adolescentes a orientarem-se na obtenção extrínseca de padrões
pré-estabelecidos (HARTER, 1992).
Em qualquer ambiente de aprendizagem, as respostas dos agen­
tes socializadores (pais, professores, técnicos, irmãos), relativas
ao sucesso ou fracasso da criança na realização de uma atividade,
têm impacto nas percepções de competência da mesma. O feedback
advindo de pais, professores ou amigos servem como fonte de refe­
rências sobre a adequação do desempenho do indivíduo (HARTER
1978, 1992), tendo efeito positivo ou negativo no autoconceito depen­
dente da importância e valor dado pela criança a esta experiência e
a este indivíduo. Crianças e adolescentes interiorizam um sistema de
metas por domínios que define a importância do sucesso numa determi­
nada atividade. Neste experiência, a aprovação dos outros torna-se
internamente representada, e transformada em parâmetro próprio
de aprovação ou desaprovação (VIEIRA et al.,1997).
Portanto, considerando-se que as conquistas são influenciadas
pelas percepções de competência do indivíduo e estas pelas caracterís­
ticas pessoais em resposta às experiências de sucesso no contexto de
aprendizagem e a ação positiva dos agentes socializadores na vida da
criança, o presente estudo tem como objetivos investigar: a) as percep­
ções de competências de escolares; b) as diferenças quanto a séries,
idades e gênero nas percepções de competência de escolares; c) a
influência da reprovação escolar nas percepções de competência dos
escolares; d) as relações entre os diferentes domínios de competência
expressos por escolares. As seguintes hipóteses foram estabelecidas:
a) escolares mais jovens (8 a 10 anos) de séries iniciais apresentariam
níveis mais elevados de percepção de competência, nos diferentes
domínios, quando comparados aos escolares mais velhos (11 a 12 anos
e 13 a 14 anos) e de séries mais avançadas; b) meninos e meninas
apresentariam diferenciação nos níveis de percepções de competência;
c) escolares repetentes demonstrariam percepções de competência
menos elevadas que alunos não repetentes; d) escolares com alta
percepção de competência em um específico domínio apresentariam
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alta percepção de competência nos demais domínios; e) escolares
com baixa percepção de competência em um específico domínio
demonstrariam baixa percepção de competência em outros domínios.
3 METODOLOGIA
3.1 PARTICIPANTES
Desta pesquisa descritiva, comparativa, transversal e correlacional
(THOMAS; NELSON, 2002) participaram 96 crianças (49 meninos
e 47 meninas) provenientes de escolas públicas com idades entre 8
a 14 anos. A amostra foi intencional e a distribuição das idades e dos
gêneros ocorreu de acordo com a configuração apresentada pelas
turmas das escolas pesquisadas. Para comparações nas idades, três
grupos de faixas etárias distintas foram constituídos para o presente
estudo (de 8 à 10 anos / de 11 e 12 anos/ de 13 e 14 anos). Esta pesquisa
foi aprovada pelo comitê de ética da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS), processo no. 2003109 e somente partici­
param crianças cujos pais retornaram o termo de consentimento
informado assinado.
3.2 INSTRUMENTO
Para avaliar a percepção de competência foi utilizada The SelfPerception Profile for Children (HARTER, 1985), validada para
utilização com crianças brasileiras por Villwock (2006). A escala é
composta por seis sub-escalas independentes, determinando cinco
domínios específicos, bem como o autovalor global: (1) Competência
Escolar (cognitiva); (2) Aceitação Pessoal (sócio-afetiva); (3) Compe­
tência Atlética (habilidades motoras); (4) Aparência Física (grau de
satisfação com a aparência); (5) Conduta Comportamental (como
age); (6) Auto Valor Global (a extensão na qual a criança gosta de si
mesma). Cada uma das seis subescalas é composta por seis itens,
constituindo um total de 36 questões. O escore de cada item na escala
pode variar de 1 a 4. Onde o valor “1” indica uma baixa percepção
de competência, e o valor “4” demonstra uma alta percepção de
competência.
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Percepções de Competência...
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3.3 PROCEDIMENTOS
Com a finalidade de expor os procedimentos para a adminis­
tração do questionário, foi feito um contato prévio com as escolas
por meio de carta de apresentação e entrevistas com seus diretores.
Após o aceite dos pais ou responsáveis legais pelas crianças, o pesqui­
sador iniciou a coleta de dados. O questionário foi conduzido de
forma individual pelo pesquisador. Primeiramente, uma questão de
exemplo foi conduzida, onde as crianças foram solicitadas a decidir
com qual das duas crianças descritas no modelo elas mais se identi­
ficaram, ou seja, aquela opção que melhor assemelha-se a elas pró­
prias, para então marcar a descrição escolhida. O valor numérico
correspondente à escolha de cada criança foi registrado na folha de
escore para respostas individuais da escala de percepção de compe­
tência.
4 ANÁLISE DOS DADOS
No presente estudo, a categorização da competência percebida
em alta, moderada e baixa foi baseada no estudo de Harter et al.
(1992): utilizando-se das médias e desvios padrões; para percepção
de competência alta (acima da M + 1 DP); percepção de competência
moderada (M – 1 DP e M + 1 DP); e, percepção de competência
baixa (abaixo da M – 1 DP). Para comparações nas diferentes idades
e séries foram utilizadas análises de variâncias (ANOVA) e Tukey
post hoc testes. Para comparar os gêneros, testes-t independentes.
O nível de significância igual ou menor de p=0,05 foi adotado. O
Tes90p9te de Normalidade Kolmogorov-Smirnov evidenciou que a
amostra encontrava-se normalmente distribuída (p>0,05) possibili­
tando a aplicação de testes paramétricos (THOMAS; NELSON, 2002).
5 RESULTADOS
Os participantes, em geral, apresentaram níveis moderados de
percepção de competência escolar, aceitação social, competência
atlética, aparência física, conduta comportamental e autovalor global.
O autovalor global foi o único domínio que se aproximou de um
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elevado nível de percepção (ver Tabela 1 para médias nas subescalas
da percepção de competência para total da amostra, gênero, idade,
séries e condição ou não de aprovação).
Tabela 1. Médias de Competência Percebida nas diferentes Subescalas e Variáveis
5.1 COMPARAÇÕES DAS PERCEPÇÕES DE COMPETÊNCIA NAS IDADES
Diferenças significativas foram observadas nas percepções de
competência escolar (F(2,93)=6,49; p=0,002), aparência física
(F(2,93)=3,85; p=0,02), conduta comportamental, (F(2,93)=9,77; p=0,000)
e, autovalor global (F(2,93)=4,83; p=0,01) nos diferentes grupos de
idades. Resultados não significativos foram observados para aceita­
ção social (F(2,93)=2,14; p=0,12) e competência atlética (F(2,93)=0,07;
p=0,92).
Tukey post hoc testes indicam que, para a competência esco­
lar, foram observadas diferenças significativas nas percepções das
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crianças entre 8 e 10 anos e adolescentes de 13 a 14 anos (p=0,002).
As crianças da faixa etária de 8 a 10 anos (M=2,97, DP=0,49) demons­
traram índices mais elevados de percepção de competência escolar
quando comparadas aos alunos de 13 a 14 anos (M=2,16, DP=0,64).
Ainda neste mesmo domínio, as crianças de 11 e 12 anos (M=2,70,
DP=0,63) também apresentaram índices mais elevados quando com­
paradas aos adolescentes de 13 e 14 anos (M=2,16, DP=0,64). O
segundo domínio que apresentou diferenças significativas (p=0,02)
foi a aparência física, novamente as crianças entre 8 e 10 anos
(M=3,31, DP=0,59) apresentaram índices mais elevados quando
comparadas às crianças mais velhas, de 11 e 12 anos (M=2,93, DP=0,81)
e de jovens de 13 e 14 anos (M=2,64, DP=0,78). Os níveis de compe­
tência percebida apresentados pelas crianças mais jovens, 8 a 10 anos
(M=3,17, DP=0,62), na variável conduta comportamental (p=0,000)
também se mostraram mais elevados quando comparados aos níveis
apresentados pelos dois grupos etários, 11 e 12 anos (M=2,66,
DP=0,74) e 13 e 14 anos (M=2,16, DP=0,28). Diferenças significativas
(p=0,01) também foram encontradas para o autovalor global. Nesse
domínio, as crianças com idades entre 8 a 10 anos apresentam índices
mais elevados (M=3,48, DP=0,46) quando comparadas aos jovens
de 13 e 14 anos (M=3,12, DP=0,65). Esses resultados dão suporte à
hipótese do presente estudo que esperava encontrar níveis mais ele­
vados de percepção de competência em crianças mais jovens.
5.2 COMPARAÇÕES DAS PERCEPÇÕES DE COMPETÊNCIA NAS SÉRIES
Diferenças significativas foram observadas entre as crianças
de diferentes séries quanto as percepções de aceitação social
(F(2,93)=3,29; p=0,04), conduta comportamental (F(2,93)=7,58;
p=0,001), e autovalor global, (F(2,93)=3,25; p=0,04). Não foram
encontrados resultados significativos para competência escolar
(F(2,93)=2,12; p=0,12), competência atlética (F(2,93)=2,18; p=0,11)
e aparência física (F=(2,93)=2,44; p=0,09). Uma tendência à
significância foi observada com relação à aparência física (p=0,09).
Uma vez que a ANOVA foi significante para a aceitação social, con­
duta comportamental e autovalor global testes de continuidade foram
realizados.
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Tukey post hoc testes indicam que para a aceitação social
diferenças significativas foram observadas nas percepções de com­
petência das crianças da terceira e quarta (p=0,05) e terceira e quinta
(p=0,04) séries. Crianças da terceira série (M=3,22, DP=0,56) de­
monstraram índices mais elevados de aceitação social quando com­
paradas às crianças da quarta (M=2,81, DP=0,56) e quinta séries
(M=2,82, DP=0,65). Com relação à conduta comportamental, dife­
renças significativas foram observadas entre a terceira e quinta sé­
ries (p=0,05). Crianças da terceira série (M=2,95, DP=0,62) apre­
sentaram níveis mais elevados de conduta comportamental quando
comparadas às crianças da quinta série (M=2,51, DP=0,69). Com
relação ao autovalor global, as diferenças significativas foram ob­
servadas entre a terceira e quinta séries (p=0,05). Crianças da ter­
ceira série (M= 3,45, DP=0,46) evidenciam percepções de autovalor
global mais elevadas que crianças da quinta série (M=3,05, DP=0,67).
Esses resultados confirmam a hipótese estabelecida de que crian­
ças nas séries mais adiantadas apresentariam níveis mais baixos de
percepção de competência.
5.3 COMPARAÇÕES DAS PERCEPÇÕES DE COMPETÊNCIA NO GÊNERO
Teste-t independente foi utilizado para investigar possíveis dife­
renças nas percepções de competência com relação ao gênero. Os
resultados estatísticos não evidenciam diferenças significativas entre
os gêneros nas diferentes subescalas da percepção de competência.
Meninos e meninas percebem-se semelhantes quanto à competência
escolar (t(94)=0,09, p=0,92), aceitação social (t(94)=0,19, p=0,84),
competência atlética (t(94)=0,65, p=0,51), aparência física (t(94)=1,07,
p=0,28) e, autovalor global (t(94)=0,39, p=0,69). Somente para conduta
comportamental uma tendência à significância é observada nos re­
sultados, (t(94)=1,76, p=0,08). Observa-se que meninas tendem a
perceber-se com conduta comportamental mais adequada social­
mente (M=2,93, DP=0,71) do que meninos (M=2,67, DP=0,74),
embora este resultado não seja significativo. Os resultados quanto
ao gênero não dão suporte à hipótese estabelecida no presente estudo,
a qual de forma geral esperava encontrar diferenças entre meninos
e meninas na percepção de competência.
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Percepções de Competência...
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5.4 COMPARAÇÕES DAS PERCEPÇÕES DE COMPETÊNCIA COM RELAÇÃO A
GRUPOS REPETENTES E NÃO REPETENTES
Para investigar a possibilidade de diferenças nas percepções de
competência entre os alunos repetentes e os não repetentes, o teste-t
independente foi utilizado. Os resultados da análise estatística eviden­
ciam diferença significativa somente no domínio da competência esco­
lar (t(94)=2,59, p=0,01), de forma que os alunos repetentes (M=2,55,
DP=0,71) tendem a perceber sua competência escolar em um nível
mais baixo quando comparados aos alunos não repetentes (M=2,88,
DP=0,53). Os alunos repetentes não apresentaram diferenças signifi­
cativas quando comparados aos alunos não repetentes nas variáveis:
aceitação social (t(94)=0,36, p=0,71), competência atlética (t(94)=1,02,
p=0,30), aparência física (t(94)=0,39, p=0,69), conduta comportamental
(t(94)=1,18, p=0,24) e autovalor global (t(94)=0,07, p=0,93).
5.5 RELAÇÕES ENTRE PERCEPÇÕES DE COMPETÊNCIA ESCOLAR E DEMAIS
DOMÍNIOS DA PERCEPÇÃO DE COMPETÊNCIA
Uma vez que a percepção de competência escolar foi, nas
comparações de grupos, o domínio da percepção de competência que
se mostrou mais diferenciado, correlações entre este e os demais
domínios foram realizadas utilizando-se a correlação de Pearson no
geral da amostra e nos diferentes grupos de idade. Para todas as crian­
ças da amostra, correlações significantes foram evidenciadas entre
a competência escolar e aparência física, r=0,19, p=0,03 (positiva e
fraca); competência escolar e conduta comportamental, r=0,47,
p=0,000 (positiva e moderada); e competência escolar e o autovalor
global, r=0,23, p=0,01 (positiva e fraca). Uma tendência à significância
foi observada entre a competência escolar e a competência atlética,
r=0,14, p=0,07 (positiva e fraca), e uma correlação não significante
entre a competência escolar e a aceitação social, r=0,02, p=0,39
(correlação negativa e fraca).
Nos diferentes grupos de idades, correlações foram encontradas
para: (1) o grupo de idade 8 a 10 anos, entre a competência escolar
e a conduta comportamental, r=0,43, p=0,006 (positiva e moderada);
entre a competência escolar e a competência atlética, r=0,29, p=0,01
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Artigos Originais
Gustavo de Almeida, et al.
(positiva e fraca); entre a competência escolar e a aparência física,
r=0,25, p=0,03 (positiva e fraca); entre competência escolar e conduta
comportamental, r=0,39, p=0,001 (positiva e moderada); (2) o grupo
de idade entre 11 e 12 anos entre a competência escolar e o autovalor
global, r=0,19, p=0,08, uma correlação significante (positiva e fraca);
(3) e, finalmente, o grupo de idade 13 e 14 anos não apresentou
nenhuma correlação significante entre a competência escolar e os
demais domínios da percepção de competência. As demais correlações
nos grupos de idades não foram significativas.
5.6 DISCUSSÃO DOS RESULTADOS
As crianças da amostra do presente estudo apresentaram níveis
moderados de percepção nos domínios competência escolar, aceitação
social, competência atlética, aparência física, conduta comportamental
e autovalor global. Os níveis de percepção de competência desse
estudo assemelham-se aos resultados apresentados por outros estudos
realizados (CHEN et al., 2004; VALENTINI, 2002b; VILLWOCK,
2006) porém, diferenciam-se do estudo de Vieira et al. (1997). No
estudo de Vieira et al. (1997), os pesquisadores encontraram valores
mais baixos de competência escolar, aceitação social e competência
atlética quando comparado ao presente estudo. Os níveis moderados
de competência percebida do presente estudo alinham-se com os
resultados de Villwock (2006) em crianças (entre 8 e 10 anos) da rede
pública do município de São Leopoldo (RS); com os resultados de
Valentini (2002b) com crianças entre 5 a 10 anos nas escolas públicas
de Porto Alegre; e, com os resultados de Chen et al. (2004) com
crianças de 5ª e 6ª séries do ensino fundamental.
Nos resultados do presente estudo foi observado o platô nas
percepções, a partir dos 8 anos de idade, descrito por diversos pesqui­
sadores (HARTER, 1985; RUDISILL et al., 1993; Ulrich, 1987). A
estabilização da competência percebida tem sido observada em crian­
ças entre 9 e 11 anos de idade, no presente estudo o platô se evidencia
fortemente a partir dos 11 anos. Este platô indica que gradualmente a
criança adquire a habilidade cognitiva para considerar e avaliar os
diversos fatores que influenciam seus desempenhos, como por exem­
plo, o feedback de pessoas significativas; as experiências passadas; as
, Porto Alegre, v. 15, n. 01, p. 71-97, janeiro/março de 2009.
Percepções de Competência...
85
conquistas ou fracassos nas mesmas; os tipos de tarefas; e a interação
pessoal no processo. A estabilização das percepções ocorre paralela,
em geral, ao aumento da competência real da criança, guiando a
criança a tornar-se mais precisa quanto aos próprios julgamentos e
avaliações, permanecendo num grau moderado de percepção de
competência, fato este observado no presente estudo. Crianças e
adolescentes que conhecem suas capacidades e dificuldades são mais
propensas a regular adequadamente o seu comportamento (CHEN
et al., 2004); a conscientização das reais capacidades e habilidades
de um indivíduo é importante para a realização de uma auto-avaliação ade­
quada e no estabelecimento de estratégias de conquista (VALENTINI,
2002b).
Nesse mesmo período de transição, ocorre uma diminuição da
influência da família, e o grupo de amigos ganha mais força e impor­
tância, do mesmo modo que professores e outros adultos lentamente
perdem o poder de persuasão sobre a criança e a influência na compe­
tência percebida pelos mesmos. Este período do desenvolvimento tem
sido, portanto, considerado fundamental para o fortalecimento das
percepções de competência, pois nesse período a criança apresenta
uma conscientização das potencialidades e capacidades individuais
estabelecendo parâmetros para o seu desempenho futuro (VALENTINI,
2002b).
5.7 PERCEPÇÕES DE COMPETÊNCIA NAS IDADES
As comparações das percepções de competência nas idades
evidenciaram diferenças significativas, especificamente nas subescalas
competência escolar, aparência física, conduta comportamental e
autovalor global. Os dados indicam que as crianças de 8 a 10 anos
evidenciam níveis mais elevados de percepção de competência, e
conforme as idades aumentam, principalmente no grupo de idade de
13 a 14 anos, os níveis mantêm-se moderados, mas apresentando
escores mais baixos.
Os níveis mais elevados de percepção de competência das crian­
ças mais jovens do presente estudo sugerem a falta de precisão
para julgar suas competências, o qual é muitas vezes decorrente da
falta de critérios e parâmetros auto avaliativos (VALENTINI, 2002b).
, Porto Alegre, v. 15, n. 01, p. 71-97, janeiro/março de 2009.
86
Artigos Originais
Gustavo de Almeida, et al.
Harter e Connel (1984) afirmam que crianças mais jovens possuem
poucas experiências para realizarem julgamentos autônomos, assim,
necessitam mais do feedback de um adulto como uma fonte de avalia­
ção de suas habilidades (CARROLL; LOUMIDIS, 2001). É somente
a partir do aumento das experiências no meio social, que crianças
passam a acessar sua própria competência na comparação do seu
desempenho com o de seus pares (PIEK et al., 2006). Com a compa­
ração social as crianças se tornam, progressivamente, capazes de
sintetizar a informação recebida de modo mais preciso, surgindo desse
processo, um julgamento mais realista das suas reais capacidades e
competências (HARTER, 1985, 1987); e, embora as comparações ocor­
ram as mesmas não são garantia de que crianças de séries iniciais
demonstrem precisão ao identificar seus níveis de competência
(ULRICH, 1987).
5.8 PERCEPÇÕES DE COMPETÊNCIA NAS SÉRIES ESCOLARES
As comparações nas séries evidenciaram diferenças significa­
tivas nas percepções de aceitação social; conduta comportamental; e,
autovalor global. Os alunos da terceiras séries, quando comparados aos
alunos das demais séries, demonstraram níveis mais elevados de per­
cepções de competência. Observa-se que, conforme as crianças pro­
gridem nas séries escolares, elas passam a adaptarem-se às demandas
da cultura escolar, a qual reforça uma orientação extrínseca (HARTER,
1992); a qual repercute de maneira efetiva nas percepções de compe­
tência, uma vez que as crianças têm seu valor pessoal muitas vezes
associado as suas notas. Esta adaptação a parâmetros externos pode,
possivelmente, gerar um desinteresse no processo de aprendizagem.
As diferenças apresentadas entre as séries, principalmente entre
3 e 5a séries parecem revelar a percepção das crianças de que, à
medida em que avançam na escola, o ambiente de aprendizado tornase mais impessoal, mais formal e, principalmente, mais avaliador e
competitivo (HARTER, 1992). Harter (1992) enumera uma série de
fatores (competição escolar, importância em conhecer a resposta certa,
percepções de controle do professor) que são apontadas pelos estu­
dantes como comuns dentro das práticas educacionais, as quais reper­
cutem negativamente na competência percebida quando a criança
a
, Porto Alegre, v. 15, n. 01, p. 71-97, janeiro/março de 2009.
Percepções de Competência...
87
ou adolescente não cumpre esta expectativa. Chen et al. (2004) suge­
rem ainda que níveis moderados de percepção de competência cognitiva
e social, em crianças de 5a e 6a séries, podem refletir as dificuldades da
criança frente a uma etapa diferenciada do ensino, e frente às mudan­
ças maturacionais que estão ocorrendo neste período.
5.9 NÍVEIS DE PERCEPÇÃO DE COMPETÊNCIA NOS GÊNEROS
Comparações foram realizadas entre os níveis de percepções
de competências dos gêneros. Os resultados das análises estatísticas
não evidenciaram diferenças significativas entre meninos e meninas
nas diferentes subescalas da percepção de competência. O único
domínio a apresentar uma tendência à diferença significativa foi a
conduta comportamental. Aqui, observa-se que meninas tendem a
perceber-se com conduta comportamental social mais adequada que
a dos meninos. Dessa forma, as meninas do presente estudo demons­
traram uma tendência a aceitar mais o modo como se comportam,
bem como, se percebem mais determinadas a agirem de forma a
evitar envolvimento em problemas (HARTER, 1985).
Os resultados do presente estudo estão de acordo com outras
pesquisas realizadas com crianças brasileiras (VALENTINI, 2002a,
2002b; VIEIRA et al., 1997). Valentini (2002b) sugere que quando
são oferecidas oportunidades para o desenvolvimento adequado das
capacidades, meninos e meninas apresentarão percepções de compe­
tência similares. As semelhanças observadas no presente estudo entre
meninos e meninas podem indicar um envolvimento semelhante de
meninos e meninas nas diferentes atividades, bem como oportunidades
de interação e expectativas equivalentes do contexto social que as
rodeiam. Entretanto, mais pesquisas são necessárias investigando o
contexto familiar e social, para precisamente inferir quais os fatores
que mais fortemente estão associados com essas semelhanças.
5.10 NÍVEL DA PERCEPÇÃO DE COMPETÊNCIA ENTRE ALUNOS REPETENTES
E NÃO REPETENTES
As comparações realizadas entre as percepções de competência
entre os grupos repetentes e não repetentes evidenciaram diferença
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Artigos Originais
Gustavo de Almeida, et al.
significativa somente no domínio da competência escolar. Alunos
repetentes percebem-se menos competentes cognitivamente quando
comparados aos seus pares não repetentes. As percepções de compe­
tência, para um determinado domínio, podem ser consideradas como
o resultado de uma história de conquistas e fracassos (HARTER,
1978), no presente estudo, os níveis mais baixos de percepção de
competência escolar fortalecem esta perspectiva, uma vez que a
repetência é entendida pessoalmente e socialmente como um fracasso
pela criança, pelo adolescente e por seus familiares.
O contexto social corrobora fortemente com este entendimento
usando muitas vezes a possibilidade de repetência como forma de
pressão e exclusão social. A forma como a criança percebe o ambiente
escolar e sua organização social (HARTER, 1984, 1992) é decisiva na
construção de percepções positivas. Se a criança perceber esse am­
biente como ameaçador e vivencia fracassos sucessivos, essa criança
estará mais propensa a perceber-se menos competente, deixando
de realizar tarefas e engajar-se nas atividades; o não engajamento
nas atividades escolares repercute fortemente na competência atual
dessa criança. Observa-se nas crianças e adolescentes investigados
uma descrença em suas habilidades escolares que envolvem a
cognição. Percepções de competência em níveis baixos está associada
ao não aceitar desafios, a diminuição progressiva da curiosidade e
com o enfraquecimento da aprendizagem independente (HARTER,
1992), todos esses fatores são decisivos na construção, por parte da
criança, na autoconfiança em sua capacidade de aprender (VALENTINI,
2002b). Ao perceber-se pouco competente e ao não confiarem em
suas habilidades, a criança e o adolescente enfrentam experiências
novas com insegurança ou medo (GALLAHUE, 2001) e dificilmente
tentarão experimentar novas tarefas com autonomia (RUDISILL et
al., 1993), fragilizando o autoconceito deste indivíduo. É necessário,
portanto, considerar a influência das experiências bem-sucedidas, e
também atentar para os efeitos daquelas situações onde ocorre fra­
casso (HARTER, 1978). Se estas crianças e adolescentes repeten­
tes continuarem a vivenciar fracassos, a percepção da falta de com­
petência escolar pode ser fortalecida repercutindo provavelmente
no abandono escolar.
, Porto Alegre, v. 15, n. 01, p. 71-97, janeiro/março de 2009.
Percepções de Competência...
89
No contexto investigado, as percepções de competência dos
repetentes dos demais domínios, bem como o autovalor global, não
pareceram estar sofrendo a influência negativa das percepções de
competência escolar. Embora a princípio este dado possa parecer
positivo, devemos considerar que, conforme observa Harter (1999),
a falta de sucesso em domínios considerados não importantes pelo
indivíduo não irá prejudicar o autovalor global e a auto-estima da
criança. Em outras palavras, o que preocupa é se as crianças e adoles­
centes repetentes valorizam de fato o conhecimento escolar. Essa
evidência pode refletir a falta de importância da escola na percepção
dos alunos repetentes, sugerindo que o papel da escola em suas vidas
não ocupa o mesmo espaço que outros domínios, como a vida social,
pois nas relações sociais os mesmos perceberam-se efetivamente
competentes.
Para crianças e adolescentes que se percebem pouco compe­
tentes, é necessário que a escola e a família promovam oportunidades
de prática e instrução adequadas, e encorajamento (VIEIRA, 1993).
Por meio de um planejamento adequado, o qual possibilite para crianças
e jovens experiências enriquecedoras, otimizando as suas capacidades,
as experiências de aprendizagem das crianças repetentes podem
ser enriquecidas. Para a escola cabe a responsabilidade de reavivar
o interesse dessas crianças no contexto escolar por meio de, entre
outras estratégias, abordagens que promovam a motivação e que
integrem a família e o aluno. Quando estratégias de motivação são
utilizadas objetivando a conquista e domínio de uma habilidade, especi­
almente para crianças que demonstram pouco rendimento escolar,
um processo de autovalorização é reforçado (VALENTINI, 2002a).
Ainda o valor da criança e do adolescente não pode ser diminuído se
o desempenho acadêmico dos mesmos não satisfizer as expectativas
dos adultos (GALLAHUE, 2001). No que refere à família, alunos
sem repetência relatam a existência de um maior suporte familiar
no momento das tarefas escolares (PEIXOTO, 2004). Portanto, o res­
gate do suporte familiar para as atividades escolares dos repetentes
torna-se, no grupo investigado, essencial. As famílias das crianças
repetentes precisam ser alertadas quanto à falta de importância que
a escola assumiu na vida dessas crianças e adolescentes e, juntos,
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Artigos Originais
Gustavo de Almeida, et al.
escola, crianças e adolescentes e suas famílias, devem procurar meios
de evitar que novos fracassos ocorram.
Outro fator a ser considerado é quanto a organização do sistema
educacional não está abrandando o interesse intrínseco da aprendi­
zagem (DECI, 1998). Considerando a influência desses fatores em
futuras pesquisas, o ambiente escolar em que estão inseridos os repe­
tentes deveria ser mais fortemente investigado. Ou seja, quais os
fatores responsáveis pelos níveis de competência expressos pelos repe­
tentes no domínio cognitivo. Conforme sugere Deci (1998) diversas
oportunidades podem resultar em diferentes sentimentos e percepções
na sua experiência.
5.11 PERCEPÇÃO DE COMPETÊNCIA: RELAÇÕES ENTRE OS DIFERENTES
DOMÍNIOS
Nas relações estabelecidas entre a competência escolar e os
demais domínios foram evidenciadas correlações significativas para
todas as crianças da amostra. Os grupos de crianças mais jovens (8
a 10 e 11 a 12 anos) estão preocupados com o modo como suas
atitudes estão de acordo com os valores e padrões estabelecidos
dentro do ambiente escolar. É necessário compreender que, para
estas crianças, o ambiente escolar é um espaço de novas significações
sociais, onde embora a família permaneça importante, outros adultos
significativos, como os professores, passam a ter um impacto no
desenvolvimento das mesmas. Mesmo tratando-se de crianças já
inseridas, há no mínimo três anos na escola, a organização social das
mesmas tem no professor o centro de referência (GALLAHUE, 2001),
assim, a valorização do desempenho escolar e sua repercussão no
âmbito social são percebidas pela criança, a qual procura adequar
sua conduta às regras estabelecidas pela escola e por adultos signifi­
cativos.
Para o grupo de idade de 11 a 12 anos, as relações observadas
entre as percepções de competência escolar e atlética sugerem que
este grupo de escolares valoriza a atividade física. Por meio da partici­
pação em jogos as crianças procuram vivenciar novas formas de
melhorar suas habilidades. As habilidades nos jogos e brincadeiras
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Percepções de Competência...
91
rotineiras da infância são valorizadas pelas crianças que fazem das
mesmas um meio de aumentar a interação social e expandir os grupos
de amizade (VALENTINI; TOIGO, 2004). É importante ressaltar
que, para as crianças mais jovens, as informações advindas de pais e
professores servem como referência para os comportamentos e ade­
quação da performance do indivíduo (HARTER, 1978), fato obser­
vado nas relações estabelecidas nesta faixa etária.
Conforme as crianças se desenvolvem, e com isto aumentam
suas interações sociais, os adultos perdem uma significativa parcela
de sua influência sobre as mesmas, e o grupo de amigos adquire
maior importância, de modo que os estudantes tendem a diferenciar
suas percepções no ambiente escolar (HARTER, 1992). Essa expec­
tativa é confirmada na ausência de relações significativas entre a
competência escolar e as demais dimensões do comportamento no
grupo de idade 13 a 14 anos. Esses resultados fortalecem o entendi­
mento de que, conforme as crianças avançam pelas séries escolares
e percebem o funcionamento do contexto escolar, elas tendem a dife­
renciar o desempenho escolar de sua vida particular e do relaciona­
mento com os pares. Infelizmente, esses resultados também podem
sugerir o crescente desinteresse do aluno com a escola, valorizando
mais efetivamente outros domínios do comportamento, como a acei­
tação social pelos pares, a competência atlética nas atividades espor­
tivas e a aparência física. Segundo Vieira (1993), para o adolescente
ser aceito no grupo sua aparência deve estar em conformidade com
os padrões da sociedade adolescente. Isso também inclui comportar-se
de modo a parecer interessante aos pares e amigos. Nestes domínios,
as crianças mais velhas, em geral, perceberam-se mais competentes.
Toda essa preocupação sugere uma alteração na percepção dos valo­
res em relação aos pais e à família. Na adolescência observa-se a
formação de novas autopercepções, possivelmente marcadas princi­
palmente, pelo aumento da importância dos pares (VIEIRA, 1993;
VIEIRA et al., 1997), fato evidente no presente estudo.
Portanto, os critérios utilizados pelo indivíduo para determinar
o quanto o sucesso ou fracasso no processo de aprendizagem tende
a mudar com a idade (ULRICH, 1987); sendo que as crianças mais
jovens demonstram precisar mais do feedback de um adulto como
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92
Artigos Originais
Gustavo de Almeida, et al.
uma fonte de sua percepção de competência, adequando-se as normas
escolares mais facilmente, e com o aumento da idade, a importância
do grupo de amigos aumenta, e torna-se fator decisivo de influência
(CARROLL; LOUMIDIS, 2001).
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados nessa pesquisa reforçam a necessi­
dade de compreender como as crianças desenvolvem suas percepções
e julgamentos sobre suas habilidades e aptidões. Essa compreensão,
mais do que um recurso, apresenta-se como uma necessidade da
escola e do professor de proporcionar um ambiente de ensino adequado
a todos, do mais habilidoso ao inseguro e com dificuldades escolares,
e que gere competência e autonomia.
Considerando as percepções das crianças investigadas e as pou­
cas oportunidades de crianças provindas de famílias em desvantagem
socioeconômicas, a escola deve configurar-se em um espaço de maior
interação de seus estudantes, promovendo atividades extracurriculares.
Crianças que participam de atividades extracurriculares no ambiente
escolar tendem a apresentar níveis de percepções de competência
mais elevados do que crianças e adolescentes que não participam
de atividades extracurriculares (DALEY, 2002). Além disso, o esporte
extracurricular pode ser uma estratégia efetiva da escola para influen­
ciar positivamente as percepções de competência e o autoconceito
de seus estudantes. Crianças e jovens que participam de programas
esportivos organizados percebem-se mais competentes em decorrên­
cia de vivenciarem sentimentos de afiliação; perceberem-se compe­
tentes ao adquirirem novas habilidades; transporem novos desafios
e ampliarem suas relações e interações sociais.
Destaca-se, ainda, a importância e a responsabilidade do profes­
sor de Educação Física compreender as dificuldades e necessidades
das crianças e jovens durante o planejamento e execução das ativi­
dades físicas; desenvolver atividades desafiadoras e significativas;
utilizar rotineiramente estratégias adequadas de encorajamento e
feedback; promover a auto-superação evitando situações de humi­
lhação ou de excessiva comparação. A implementação de um contexto
, Porto Alegre, v. 15, n. 01, p. 71-97, janeiro/março de 2009.
Percepções de Competência...
93
de aprendizagem adequado ao desenvolvimento deve encorajar a
criança e o jovem por meio da oferta de experiências diversas e
oportunidades em níveis de desafio otimizados e gradativamente mais
complexos, a desenvolverem a competência real e percebida na aula
de Educação Física.
Para crianças e adolescentes que vivenciam fracassos, como
a repetência escolar, estratégias conjuntas de ação de pessoas signifi­
cativas (familiares, professores e pares) envolvidos no processo de
educação dessas crianças devem reforçar a importância da escola na
vida dos mesmos, promovendo experiências bem sucedidas e
diversificadas nas quais os escolares possam iniciar o desenvolvi­
mento qualificado de suas próprias habilidades, sejam elas atléticas,
cognitivas ou sociais.
Perceptions of Competence: an Study With
Children And Adolescents From Elementary
School.
Abstract: The objective of this study was to
investigate how children perceived their competence
in the different domains of human behavior. The
Perceived Competence Scale was used with 96
children from elementary public school. The results
suggested that: a) older children showed lower levels
of perceived competence; b) boys and girls perceived
competence in the different domains were similar; c)
cognitive perceptions of competence were lower in
older children as well as in children that repeated school
year; e, d) the lower perceptions of cognitive
competence appears have no effect in the perceptions
of competence in the others domains.
Keywords: Perception. Competency-based education.
Children.
, Porto Alegre, v. 15, n. 01, p. 71-97, janeiro/março de 2009.
94
Artigos Originais
Gustavo de Almeida, et al.
Percepciones de Competencia: un Estudio de
Niños e Adolescentes de la Enseñanza Funda­
mental
Resumen: El objetivo de este estudio fue investigar
cómo niños expresan sus percepciones de
competencia en los diferentes dominios del
comportamiento humano. Se ha utilizado la Escala de
Percepción de Competencia para Niños con 96 niños
de la enseñanza fundamental pública. Los resultados
sugieren que a) niños mayores presentan niveles de
percepción de competencia más bajos; b) las
percepciones de competencia de niños y niñas en los
diferentes dominios han sido semejantes; c) la
percepción de competencia escolar es inferior para
los niños mayores y repitentes; y d) la menor
competencia escolar percibida parece no afectar los
niveles de competencia en los demás dominios.
Palabras clave: Percepción. Educación basada en
competencias. Niños.
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Recebido em: 05.10.2007
Aprovado em: 30.06.2008
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Percepções de competência: um estudo com crianças e adolescentes