TALENTO4Portfólio
Dudu Tresca
Um bate-papo com o profissional que foi
pupilo de Chico Albuquerque. Por Hans Georg*
D
O Cruzeiro, sentiu que a fotografia poderia ser o caminho.
“Na Marinha – minha primeira opção e paixão – eu não poderia
ingressar, já que sou míope. Aí, vendo aquelas revistas, com
grandes matérias cheias de fotos, ficou esta informação
subliminar de que fotógrafo viaja!”
Mesmo com a pouca experiência como fotógrafo de
espetáculos, Dudu foi contratado como assistente no Estúdio
Abril, na época comandado por Chico Albuquerque (1917–
2000), que recrutava assistentes preferencialmente “verdes”.
Ele queria formar o fotógrafo, sem lidar com vícios trazidos
de experiências anteriores. “Éramos três assistentes: eu, o Bob
Wolfenson e um gaúcho de Bagé, o Leonardo Costa”.
Dudu relembra: “Chico Albuquerque é considerado um
dos pioneiros da fotografia publicitária no Brasil. Era de
Fortaleza. Lá, foi fotógrafo de cena de Orson Welles, quando 8
Jangadeiros
no litoral
cearense,
distrito dos
Caetanos
“Estas jangadas, num
total de 14 e junto com
os jangadeiros, foram
levadas para Brest, na
França, onde participaram da Semana Náutica.
Elas foram levadas pelo
Júlio, dono do bar
O Pirata em Fortaleza
(www.pirata.com.br )”
Dados: Fujifilm FinePix
S1 Pro, 70mm, f/11, 1/560,
ISO 320
*Colaborou Guilherme Ko Freitag
Todas as fotos © Dudu Tresca
udu nasceu em São Paulo em 1949. Filho de
franceses, passou sua infância e juventude no
Liceu Francês. Três anos antes de se formar,
fez um curso por correspondência do Instituto
Francês de Fotografia – “era a alternativa àquela
época”. Começou a experimentar fotografando seus colegas
nas aulas de teatro. Terminados os estudos, aplicou seus
conhecimentos profissionalmente. “Conheci na noite uns
caras; naquele tempo, esse pessoal de teatro, atores, não eram
tão organizados como hoje. Foi meio que uma bola de neve:
fiz fotos para um, depois fiz para outro… mas hoje em dia,
quando olho do jeito que eu fazia as fotos, era muito precário!
Mas era aquilo o que eu tinha.”
Conhecer o mundo era um desejo de infância. Alimentado
pelas fotos que via nas revistas Paris-Match, Manchete e
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Dudu Tresca
Conheça...
Dudu Tresca
Web: coolview.com.br
Especialidades:
Fotografia de viagem e
publicidade; fotografia
panorâmica
Currículo: Como muitos fotógrafos
profissionais da sua geração, foi moldado no
Estúdio Abril, sob a batuta de ninguém menos
que Chico Albuquerque – fotógrafo de cena de
Orson Welles, entre outros predicados. Depois
trabalhou com Regina Guerreiro, uma
sumidade no mundo da moda. Partiu para a
carreira solo com o desejo de rodar pelo mundo.
Participou do projeto da revista Via Cinturato
da Pirelli, ao lado de Mario Cohen. Publicou
dezenas de livros de fotografias, muitos hoje
fora de catálogo. Aplicou-se mais recentemente
na fotografia panorâmica em 360 graus.
Atende o mercado internacional e ministra
cursos VIP de fotografia panorâmica, para um
aluno de cada vez.
CHEF atala
Para a The New Yorker
Dados: Filme negativo
colorido
Sardinhas
Litoral de Portugal
Dados: Captura em
Kodachrome
“Eu tinha 100 mil slides aqui. Editei e fiquei com
10 mil. Uns 5 mil já foram digitalizados. Os outros
estão ali esperando. O restante? Joguei fora!”
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TALENTO4Portfólio
“Hoje em dia você precisa interagir com a foto.
Não basta mais fazer uma coisa estática”
8 este diretor esteve no Brasil, fazendo um filme sobre
jangadeiros que navegaram do Ceará ao Rio de Janeiro levando
reivindicações da categoria ao ditador Getúlio Vargas (É Tudo
Verdade, filme inacabado de 1942). O forte de Albuquerque era
portrait: fez muitos governadores e personalidades. Posso dizer
que o Estúdio Abril me formou fotógrafo. Trabalhei nas mais
diversas editorias. Esta atividade deu-me uma ideia do mundo
da fotografia, moda, retrato, reportagem, carro…”
Ajudou a escolher uma direção? “ Ajudou, sim! Fiz moda
durante um tempo. Aí, me encheu o saco o mundinho, em
si, da moda. Aí, forcei mais em cima da fotografia de viagem,
que era o que me interessava mesmo.”
Dudu saiu da Abril e começou a trabalhar com Regina
Guerreiro: “Ela prestava consultoria de moda para grandes
marcas. Era um serviço completo, que culminava com um
catálogo. Ela me ensinou a dirigir os modelos, coisa que ela
sabia fazer como ninguém: meu trabalho era quase só clicar.”
Desistiu da moda mais uma vez, abriu um estúdio e começou
carreira solo, atendendo ao mercado de publicidade. Mas o
antigo desejo de viajar voltou. Fechou o estúdio e decidiu que
era tempo de ganhar mundo. Mudou-se para Ubatuba com o
firme propósito de dar a volta ao globo de veleiro. Naufragou
na praia: “Lá conheci a mãe dos meus filhos, e aí, com
criança chegando, achei melhor ficar em terra mesmo.”
De volta à capital e correndo atrás do mercado
publicitário,“que é muito dinâmico”, montou um novo
estúdio batizado de Camaleão – talvez uma referência velada
à sua multifacetada carreira. Neste mesmo período, Dudu
formou dupla em um projeto bolado pelo publicitário Mario
Cohen, que na época cuidava do marketing da Pirelli e hoje
é membro do conselho consultivo da Coleção Pirelli-MASP.
Esquadrinharam o Brasil de norte a sul, pela revista
Via Cinturato, uma publicação de quatro edições anuais da
fábrica de pneus.
“Eram saídas de quinze dias, em que o planejamento
demorava muito mais do que a viagem! Eu tinha a coleção
completa de mapas do IBGE: só o mapa do Estado do
Amazonas era do tamanho desta sala”, relembra com
saudosismo no olhar. “E estes mapas já eram um pouco
defasados. Tínhamos um ponto de partida e um de chegada:
o meio do caminho era uma aventura! Não tínhamos carros
4x4. Viajamos de Fusca, de Fiat; só perto do final da revista é
que começamos a usar um carro da ENGESA.”
Tudo fora de estrada? “Fora de estrada. Para você ter uma
ideia, uma vez saímos com oito pneus e chegamos com
quatro – ou melhor, nem chegamos, porque batemos em uma
traseira de caminhão! Aprendemos muito nesta temporada.
Por exemplo: se pedíssemos alguma informação e o camarada
pensasse muito para explicar, era porque ele não sabia o
caminho. Se respondesse rapidinho e objetivamente,
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Passarinhos
na cerca
“Do livro Caminhos
Brasileiros, de 1996”
Dados: Captura em cromo
homem
com machado
“Vale do Matutu, na Serra
da Mantiqueira, Minas
Gerais, 1994. Ilustrou a
revista Via Cinturato”
Dados: Captura em cromo
farol de
Laguna, Santa
catarina
“Para ilustrar um relatório
anual do banco Bradesco”
Dados: Captura em cromo
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Dudu Tresca
“s”
Canal do
Bósforo,
Turquia,
2008
“Faz parte do trabalho
que desenvolvi lá de
fotos panorâmicas
a convite da agência
de propaganda Work
de Istanbul para a
divulgação da cidade
como Capital Cultural
da Europa em 2010”
8
8
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“As coisas
mudaram.”
“Anúncio para a agência
McCann Erickson”
Cavalos
“Para um relatório do grupo
Atala em Jaú”
Dados: Captura em cromo;
tomada feita de um helicóptero
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Dudu Tresca
“Em saídas de quinze
dias, o planejamento
demorava muito mais
do que a viagem”
8
Ford Ka
“Foto publicitária para a Ford, 1997”
Dados: Cromo e fusão cromática
Arara
“Foto feita em 1977 na Ilha de Marajó”
Dados: Captura em cromo
podíamos confiar. Foi muito bacana fazer aquela revista. Eu
viajava com o dono da ideia, e no caminho já discutíamos o
destino seguinte.” Quanto tempo durou esse rallye? “Uns cinco
anos. Aí, a fábrica passou por uma crise mundial e cortaram todas
as ‘gorduras’; a revista foi uma delas.” E o material produzido?
“Tudo slide de 35mm. Só saberia o resultado da façanha na
chegada!” Mas não dava para revelar pelo caminho? “O pessoal
de Manaus mandava revelar slides aqui em São Paulo! Por
aquelas bandas só processavam negativos, e mesmo assim, sem
muita qualidade.”
Com a antiga Lei Sarney (um esboço da lei Rouanet), Dudu
passou a produzir livros. Rio Grande do Sul. Impressões, Maracá,
Rain Forest Project, Taim & Pembrokeshire, Caminhos Brasileiros,
São Paulo, Corpo e Alma, Estações Ecológicas e Brinquedos,
Arte Arteira são alguns dos títulos; a maioria deles fora de
catálogo. “Fiquei vários anos nessa; fechei o estúdio e me afastei
totalmente da publicidade. Foi a primeira vez na minha vida
que fechava dezembro com cinco projetos de livros para o ano
seguinte. Então, estava garantido! Não precisava fazer mais nada!
Imagine a ‘alegria’ quando o presidente Collor acabou com a
lei. Foi complicado, porque tive que voltar para a publicidade.
Reconquistar clientela é um longo processo.”
E sua opção pela fotografia panorâmica em 360 graus? “Lá
pelo final dos anos 90, eu estava em casa, liguei a TV e peguei
o finalzinho de uma matéria sobre foto 360º. Aquilo me deixou
intrigado. Eu não sabia como fazer e fui pesquisar. Minha
irmã morava nos Estados Unidos e com ela fiz as encomendas
necessárias: a cabeça do tripé e um iBook. O computador tinha
3GB de HD, hoje não dá nem para a saída! Sem contar o software.
Era tudo à mão; você fazia o script e mandava rodar para costurar
as imagens.” Hoje, Dudu Tresca usa o programa PT GUI, que
resolve tudo com um bom precessador e bastante memória
RAM. A imagem Gigapan da eleição do presidente Obama, por
David Bergman, popularizou mundialmente a técnica 360º. Dudu
concluiu que a foto panorâmica seria um produto interessante
para tablets. “Agora você precisa interagir com a foto. Não basta
mais fazer uma coisa estática.”
Equipamento? “Usava Nikon, até um trabalho para a Varig.
Fui fotografar um Jumbo e deixei minha bolsa próxima ao
nariz do avião. Um trator, daqueles que carregam a unidade de
energia, passou por cima dela! E os caras queriam me pagar só
a passagem para buscar o que eu tinha perdido. Não queriam
negociar: eu não conseguiria meu equipamento de volta. Aí, veja
só, tinha uma amiga que trabalhava para a revista de bordo da
companhia aérea, a Ícaro. Essa amiga me pediu várias imagens de
lugares diversos do país. Mandei uma pilha de cartelas de slides.
Esperei um tempo e solicitei o material de volta. A minha amiga
disse que já tinha editado e devolveria a sobra. Como não chegava
a devolução, liguei mais uma vez, e ela disse: ‘você pode vir aqui
para uma conversa? O motoqueiro portador sofreu um acidente
e perdeu, riscou ou inutilizou uns quantos slides!’ Eu tinha um
contrato que previa multa de US$ 1 mil por imagem extraviada ou
danificada. Me pagaram em créditos de passagens aéreas, em seis
vezes. Viajei muito, comprei meu equipamento e ainda sobrou
dinheiro! Foi assim que mudei para a Leica. Tenho nove lentes
Leica aí no armário atrás de você. Foi a ocasião em que ganhei
mais dinheiro com banco de imagens.”
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mática
árvores
“Parque Nacional
de Calilegua,
Argentina. Fotos
para um calendário
da DuPont América
Latina, 1997”
Dados: captura
em cromo
Veado do
Pantanal
“Foto para a revista
Via Cinturato, 1994”
Dados: captura
em cromo
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8 Dudu explica um pouco mais as suas opções técnicas: “Quando comecei a
fotografar 360º, usava uma Nikon Coolpix. Aí, as DSLRs ficaram mais acessíveis
e comprei minha primeira Canon, uma 20D. Hoje uso corpos Canon com lentes
Leica. Mas estou pensando seriamente em voltar para a Nikon; acho que o sensor da
Nikon está melhor.”
Aproveitando a deixa sobre banco de imagens, confesso que fiquei surpreso com a
praticidade com que o nosso entrevistado remanejou seu extenso arquivo analógico.
Ele explica: “Eu tinha 100 mil slides aqui, editei e fiquei com 10 mil. Uns 5 mil já
foram digitalizados, os outros estão ali esperando” – apontando o dedo para uma
prateleira sobre minha cabeça.
E o restante do arquivo?, perguntei.
“Joguei fora!”
Mesmo?
“Um amigo artista plástico falou que teria aproveitado para fazer alguma coisa, tipo
um vitrô! Aí, segurei alguns slides para ele; aquela caixa está cheia deles.”
É você mesmo quem digitaliza?
“Faço uma pré-produção. Salvo tudo em média resolução, só para ter como
catálogo. Se realmente pretendem usar a foto é que faço uma imagem em alta.”
Ainda falando sobre espaço para arquivamento, ele cita um trabalho para uma
empresa norte-americana que vai construir um shopping center. “Pediram fotos para
fazer o 3D de uma chegada e uma saída de helicóptero. Poucos minutos de gravação
geraram 32GB de informação.” Imediatamente entrei no assunto da profusão de
cliques que o equipamento digital permite fazer, e aprendi um truque: “Um amigo
deu a dica de = levar uns poucos cartões de 512MB; é mais ou menos equivalente a
um rolo de filme de trinta e seis poses. Aí, só maneirando o dedo mesmo!”
E você enfrenta algum problema de armazenamento digital? “Tenho clicado bem
menos. O grosso do meu trabalho era viagem; agora tem fotógrafo por tudo quanto
é lado, as empresas não gastam mais enviando alguém para longe. Eu fazia muita
foto industrial, e, no mercado corporativo de hoje, o engenheiro vai lá e faz com a
maquininha dele mesmo, até mesmo com o celular, e ‘tá bom’. Quer dizer: todo este
mercado está se perdendo.”
Tem um conselho para os novatos? “Estudem cinema! Dei este conselho para o
Tito Sabatini. Ele era colega de escola do meu filho e foi meu assistente. Ele agradece
a dica até hoje; inclusive trabalhamos juntos fazendo uns spots para a MTV a partir
de um panorama em 360º” (www.coolview.com.br/pano/mtv.html; clique no
icone “fotograma” no rodapé do panorama embaixo a direita para ver o clipe).
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