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A18 - O ESTADO DE S.PAULO
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QUINTA-FEIRA, 5 DE AGOSTO DE 2004
CADERNO 2
Fotos Henri Cartier-Bresson
Para Cartier-Bresson, a foto era a impulsão espontânea de uma atenção visual perpétua; na
verdade, uma posição orientalista que dava valor à unidade absoluta entre o corpo e o espírito
Sempre no lugar certo e no momento exato
que queria evitar qualquer discussão sobre fotografia. Com relação ao interesse do público pela “prática do instante”, ele já
havia comentado, por telefone:
“É, eu sei, as pessoas gostam,
mas a fotografia é uma pequeSHEILA LEIRNER
na profissão.”
Especial para o Estado
Essa não seria a opinião de
ARIS – Henri Cartier- autores como Walter BenjaBresson era um daqueles min, para quem “a fotografia é
personagens que as pes- o inconsciente da visão”; Susan
soas imaginavam não existir Sontag, cujo livro Sobre Fotomais. E, portanto, quando nos grafia é quase um hino de amor
encontramos pela primeira vez à “arte de ilusão”; ou Roland
há 8 anos ele estava bem vivo, Barthes, entre outros, que deum pouco mal-humorado e cretou, em seu A Câmara Clacompletamente imerso em sua ra, que “amava a foto ‘contra’ o
produção de dedo
Wolfram Steinberg/AP cinema”,
senhos. “Entrequal, entretanto,
vista? Não, eu
ele não consenão dou entrevisguia se separar.
tas, você pode fa“Susan Sonzer uma crítica
tag? Nunca li”,
do meu trabalho,
confessou Carse quiser, mas
tier-Bresson. “E
não me interessa
não sei se ela é
o lado anedótico
muito visual,
das entrevistas.”
mas é uma senhoO grande fotógrara gentil que fotofo respondeu ragrafei”, disse.
pidamente ao pe“Benjamin, Bardido do Estado,
thes, a mesma
mas afirmou:
coisa, não me in“Já falei tudo o
teresso por teoque tinha para farias sobre a fotolar, mas como Bresson, em julho de 2002 grafia.”
Como se tratanão se trata da
va de CartierFrança e sim do
Bresson, contuBrasil, talvez esOM SUA
do, era possível
teja de acordo,
que a minimizavamos ver...”
LEICA, CAPTOU
ção da profissão
O encontro
de fotógrafo – e a
não pôde ficar
O INSTANTE E
valorização da arpara a semana sete que ele gostaguinte. “Vivo o
A ETERNIDADE
ria de dominar
dia-a-dia, mar“como os granquemos para hodes” – não fosse
je mesmo”, disse
ele. Os livros e catálogos sobre a apenas uma questão de modéssua obra gráfica e pictórica que tia e sim de ambição. Altivo e
trouxe pontualmente consigo certamente mimado pelo “grantalvez fossem a confirmação de de mundo” das artes e da alta so-
“A foto é uma ação
imediata; o desenho, uma
contemplação”, dizia o
mestre da fotografia
P
ciedade que não decepcionou, o
artista colocava o desenho (e a
pintura) em oposição à fotografia. O que, segundo um de seus
amigos pintores, nada mais era
do que uma idéia fixa: “O Henri
está convencido de que é desenhista e pintor, ele tem um olho
extraordinário para a fotografia, da mesma forma como certas pessoas possuem o raríssimo
ouvido absoluto para a música,
mas ele é simplesmente desajeitado, não tem mão, não tem talento para o desenho.”
Na verdade, essa foi uma opinião um tanto exagerada. Há
no trabalho pictórico e, princi-
palmente, gráfico de CartierBresson, antigo aluno de André
Lothe, a qualidade comovente
de um artista “desarmado”, como diz Jean Clair, “cujo olhar
nu, toda arma deposta, é ainda
mais despido sem a proteção
da sua máquina fotográfica”.
Suas paisagens e retratos, seus
fragmentos eleitos e enquadrados pelo mesmo olhar extraordinário do Cartier-Bresson fotógrafo, são dissecados e acariciados pelo lápis e pelo pincel que
lhes revelam a sua forma subjetiva, o seu caráter mais profundo. Com a dificuldade e a procura que às vezes nos faz até
mesmo lembrar Giacometti.
Para Cartier-Bresson, a fotografia era a impulsão espontânea de uma atenção visual perpétua. “O desenho, por sua grafologia, elabora aquilo que a
nossa consciência procurou deste instante”, dizia. Na última
entrevista que ele deu à televisão francesa, citou a frase de
De Gaulle para definir o ato de
fotografar: “visar bem, atirar a
seco e sair de campo”.
“A foto é uma ação imediata; o desenho, uma contemplação.” Era difícil não perceber
nessas palavras a sua posição
orientalista que dava valor à
UM CAÇADOR
À ESPREITA
‘
Inúmeros turistas podem ter
fotografado uma cena de uma pitoresca aldeia italiana, mas é bastante improvável que alguém tenha
logrado produzir uma imagem tão
convincente quanto a que CartierBresson registrou de Aquila degli
Abruzzi (ao lado). Com sua minicâmera a postos, Cartier-Bresson experimentava a excitação do caçador à
espreita, dedo no gatilho para “disparar” no momento preciso. Contudo,
também confessou ser “um apaixonado pela geometria”, o que o faz compor cuidadosamente qualquer cena
dentro do seu visor. O resultado é que
sentimos estar no quadro, percebemos o vaivém das mulheres carregando bandejas de pão na íngreme ladeira e ficamos cativados pela composição – a balaustrada e os degraus, a
igreja e as casas distantes –, a
qual rivaliza em interesse com
pinturas muito mais elaboradas.
C
A Aquila degli Abruzzi, na lente de Cartier-Bresson
■ Trecho de ‘A História da Arte’, de E.H. Gombrich
“unidade absoluta entre o corpo e o espírito que nos situa no
mundo cósmico, na vacuidade
que não é o vazio, onde todos os
fenômenos são interdependentes”. O mundo da contemplação, em detrimento da “ação”
representada pelo “tiro” da câmara-fuzil ocidental...
E, no entanto, foi justamente
essa sua obsessão e rapidez dos
sentidos e do olhar aliados a
uma extrema sensibilidade para a imagem, e não exatamente
a contemplação, que lhe trouxeram a celebridade. Se a celebridade o incomodava pois tirava
a sua liberdade, como dizia, foi
sem dúvida apenas no pequeno
caderno de croqui que carregava no bolso interno de seu casaco que ele encontrou o prazer
da “atitude libertária”. Esta o
forçou a se “colocar em questão, assim como a sociedade”.
Num pequeno texto no qual
sustentava que em cada um de
nós há uma parcela de Buda a
cumprir, contou que, após
uma entrevista com o dalai-lama, sua mulher – a famosa
Martine Frank, fotógrafa 30
anos mais jovem do que ele –
concluiu que Henri CartierBresson era um aprendiz budista em turbulência.
Um aprendiz budista, sim.
Mas sobretudo um mestre ocidental que nos revelou o nosso
mundo pois esteve sempre no
lugar certo e no momento exato. Com a sua Leica, o instrumento preciso por meio do qual
pôde capturar as duas únicas
coisas que contaram para ele: o
instante e a eternidade.
Veja galeria de fotos de
Cartier-Bresson no site
www.estadao.com.br
REPERCUSSÃO
A França perdeu um fotógrafo de gênio, um verdadeiro
mestre, um dos mais talentosos artistas de sua geração e
um dos fotógrafos mais respeitados do mundo. Jacques Chirac, presidente francês
★
Era um fotógrafo extremamente fantástico, uma pessoa
muito querida dos fotógrafos.
Foi um dos precursores da
boa fotografia. Cada profissional tem um tipo de trabalho diferente do outro. A visão dele é das pessoas, da vida francesa, de suas viagens
pelo mundo. A tendência de-
le é muito mais humana. É uma
perda enorme para a fotografia.
Thomas Farkas, fotógrafo
★
Se tivéssemos de indicar alguém importante na fotografia, desde sua invenção, Cartier-Bresson seria figura unânime. Ele roubava o momento,
um instante decisivo. Isso é
marcante na linguagem fotográfica. Sua obra é mais universal, abrangente e humana. Para mim, ele é particularmente
importante porque me levou
para o campo da fotografia,
quando eu ainda estudava arquitetura. Bresson tornava a vi-
da cotidiana em algo luminoso.
Cristiano Mascaro, fotógrafo
★
Henri Cartier-Bresson só
morreu fisicamente. Sua presença estará para sempre na cabeça de todo aquele que se diz
fotógrafo. Seus mais de 70 anos
de fotografias e desenhos, sua
elegância na forma e na composição, e suas atitudes políticas,
dificilmente um dia serão superadas. Juan Esteves, editor e
colunista do Fotosite
★
Sou de uma geração que passou a gostar de fotografia influenciada pelo trabalho de
Bresson. Quem se aventurava
pela foto não podia ficar desatento ao trabalho dele. Aliás, tive uma fase na vida de sair de
casa em busca de uma foto bressoniana. Sempre aconselhei
aos mais jovens que, caso vissem duas freiras na rua, que as
seguissem pois poderia render
uma imagem como as que ele
fazia. Cartier-Bresson foi um
artista único, do nível de Federico Fellini, criador de um caminho na arte que agora é eterno. Walter Carvalho, diretor e
fotógrafo de cinema.
★
As imagens de Cartier-Bres-
son se formam quando agentes
da natureza agem de maneira
perfeita, com enquadramento
perfeito, tudo perfeito. Não poderiam ser feitas nem antes,
nem depois, mas no momento
decisivo. Ele é um divisor de
águas dentro da fotografia.
Tornava a imagem no documento mais precioso, por causa de sua busca pelo humanismo, sem usar nenhum tipo de
parafernália. Estamos falando
de anos 40, 50, 60, não estamos falando de superequipamentos. Bresson usava equipamentos simples. Sua obra, portanto, desmitifica o fato de que
as câmeras precisam ser digitais, como acontece hoje.
É importante, principalmente para os fotógrafos, se lembrar de Bresson, da desmitificação dos superequipamentos, desviando para o
olhar a produção das imagens que se tornam definitivas. Boris Kossoy, historiador e fotógrafo
★
Cartier-Bresson foi o
maior. Um homem grande e
humilde. O que ele enxergava era extraordinário. Goksin Sipahioglu, fundador
da Sipa Press
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Caderno2/Bresson: sempre no lugar certo e no momento exato