OFICINA “ELEMENTOS ESSENCIAIS DO TRANSPORTE COLETIVO URBANO CAPITALISTA” Esta oficina, em versão simplificada, foi aplicada no seminário de formação do MPL Salvador, como primeira oficina da programação; o resultado foi tão bom, a compreensão do assunto foi tão boa, a participação foi tão ativa, que se tornou urgente esquematizá-la para compartilhá-la com outros coletivos do MPL. A partir dela, a discussão de temas complexos como bilhetagem eletrônica, subsídios, municipalização e sistemas de gestão dos transportes foi extremamente simplificada, pois bastava remeter aos conhecimentos produzidos durante esta primeira oficina para que determinados assuntos fossem compreendidos e interligados. Se a bibliografia que segue ao final for lida e compreendida, esta oficina pode ser melhorada ainda mais e usada como atividade de formação por qualquer coletivo do MPL, tanto para qualificação interna da militância quanto para realização com entidades e movimentos aliados ou como oficina de apresentação da temática dos transportes para potenciais aliados. A depender da quantidade esperada de participantes, a oficina pode ser aplicada por uma equipe de até cinco pessoas, nas funções de relator (que anotará todas as discussões da oficina para análise posterior), apoiador (responsável por distribuir material didático entre os participantes, pregar tarjetas na parede, etc.) e facilitador (que facilitará as discussões). A depender do caso, as funções de apoiador e relator podem ser acumuladas pela mesma pessoa. Sugere-se que a equipe de facilitação se reveze nas três funções durante a atividade, ao ritmo de uma mudança de função a cada momento da oficina. É preciso que a equipe de facilitação tenha pleno domínio do funcionamento do sistema de transportes na cidade em que se aplicará a oficina, pois ela depende em grau extremo de informações obtidas no cotidiano, na vivência pessoal dos usuários do transporte coletivo urbano que dela participem; tais informações são a base da oficina, e serão complementadas por informações técnicas adicionais obtidas tanto nos documentos e livros indicados na bibliografia quanto em órgãos oficiais, na imprensa, em conversas com trabalhadores do setor, etc. 1. Número de participantes: Entre 4 a 30. 2. Objetivos: 2.1. Coleta de elementos do senso comum a respeito do sistema de transporte. 2.2. Reflexão sobre o papel e a inter-relação de cada elemento participante do sistema de transportes num todo político. 2.3. Enriquecimento dos conhecimentos de senso comum sobre o sistema de transporte com dados e informações do setor. 2.4. Percepção do nível de conhecimento dos participantes sobre a rotina dos trabalhadores e usuários do sistema de transporte. 2.5. Estímulo à pesquisa de informações complementares sobre o sistema de transportes. 2.6. Estímulo à ação política para a modificação da atual situação dos transportes. A oficina foi feita a partir da realidade de Salvador, cujo principal meio de transporte coletivo urbano é o ônibus, sem integração com os trens suburbanos nem com o ferry-boat. Para outras cidades, é preciso analisar o sistema de ônibus em conjunto com os outros meios de transporte coletivo (trólebus, metrô, barcas, ferry-boat, trem, lotação, etc.), e meios de transporte individual público de baixo custo (mototáxi) existentes. Se houver integração entre os sistemas de transporte, a oficina também precisará ser alterada nos pontos que se indica. 3. Material necessário Fita adesiva, cartolina (12 folhas), papel rascunho para anotações, canetas (uma para cada participante), hidrocores/pilotos (dois ou três por grupo – v. abaixo). 4. Etapas: 4.1. Apresentação da oficina e do conceito de “elementos essenciais” (10 min) Depois de dispor os participantes em círculo, o facilitador apresenta a oficina e seus objetivos. Em seguida, pede aos participantes que reflitam sobre seu próprio cotidiano e lembrem dos elementos essenciais, os mais básicos, mais simples e mais elementares do sistema de transportes, para que seja feita uma lista destes elementos. Caso haja dificuldade em entender o que são elementos essenciais, o facilitador deverá orientar a discussão: “Elementos básicos são aqueles sem o qual o sistema não funciona, aqueles que você vê todo dia quando anda de ônibus e outros que você não vê, mas sabe que existem. A cada vez que você pensar em qualquer coisa que tenha a ver com transportes, pense se os transportes funcionariam sem isso que você pensou. Se funcionam, não são elementos básicos; se funcionam, são elementos básicos. Lembrem também que não estamos tratando do sistema de transportes como gostaríamos que fosse, mas como ele é, da forma que todo mundo conhece e vê, com todos os problemas do dia-a-dia”. O importante é conduzir o foco da reflexão para aqueles elementos mais essenciais do sistema de transporte, os elementos básicos de seu funcionamento, que serão reunidos nas seguintes categorias: a) Trabalhadores (motorista, cobrador, despachante/fiscal, mecânico, pessoal de escritório da empresa de ônibus, etc., são reunidos aqui); b) Ônibus (em outras cidades, será a categoria “Veículos”, onde se adicionarão os outros meios de transporte coletivo público ou individual público de baixo custo); c) Empresários de transporte (se há empresas públicas, o Estado também será considerado empresário, feitas as devidas ressalvas pelo facilitador); d) Prefeitura (se houver outros entes federativos envolvidos, usar a categoria “Poder Público”); e) Usuários; f) Tarifa (dinheiro, vale-transporte, passe escolar etc., são reunidos aqui); g) Custos de manutenção (peças, mão-de-obra etc.); h) Infraestrutura (ruas, pavimentação, pontos de ônibus, sinalização, etc. Para outros meios de transporte além do ònibus, analisar a infraestrutura específica de cada um – trilhos, estações, portos, etc. – e incluir nesta categoria.) i) Gestão (quem edita regras gerais de funcionamento, tal como linhas, horários, número de veículos etc.; quem determina qual o horário de chegada e saída na empresa, ou quem dirige que ônibus, ou onde se deve priorizar os gastos no serviço etc.; quem determina os salários e a jornada de trabalho dos rodoviários, quem garante seus direitos etc.) j) Impostos; k) Combustível; l) Infraestrutura da empresa (garagem, escritórios, oficinas etc.). Os elementos essenciais serão escritos com letras grandes em tarjetas de cartolina pelo apoiador, e fixados a uma parede com fita adesiva, de forma a torná-los visíveis para todos. 4.2. Relacionamento entre os elementos essenciais (30min em grupos, 5min de apresentação para cada grupo) Depois de reconhecidos os elementos básicos, o facilitador anunciará que eles não estão soltos, não vivem independentes uns dos outros, e que existem em função de alguma coisa. Anunciará também que, para entender o sistema de transportes, é preciso entender como estes elementos se relacionam entre si, porque entender estes relacionamentos é um dos primeiros passos para entender o funcionamento do sistema de transportes e o lugar do sistema de transportes na sociedade de hoje. Logo após, seguindo a metodologia “grupinhos/grupão”, pedirá aos participantes que formem grupinhos com número igual de pessoas, com limite máximo de seis pessoas (ex.: para 4 participantes, duas duplas; para 20 participantes, 4 quintetos ou 5 quartetos; etc.). Se o número de participantes não permitir a formação de grupinhos com número igual de pessoas, o facilitador deverá equilibrar o quanto possível a quantidade de grupinhos com número desigual de participantes (ex.: para 18 participantes, 2 quartetos e 2 quintetos; para 23 participantes, 5 quartetos e 1 trio; etc.). Estes grupinhos irão relacionar os elementos básicos, formando a visão de cada grupinho sobre o funcionamento do sistema de transportes. Os grupinhos receberão papel de rascunho e canetas, para fazer os primeiros esboços; uma folha de cartolina, hidrocores e pilotos, para apresentar seu sistema graficamente. A forma preferencial de apresentação é o fluxograma, pois permite que os diferentes sistemas elaborados pelos grupinhos possam ser comparados. Como se estrutura um fluxograma? Como fluxo de conceitos. Isto quer dizer: o fluxograma necessariamente começa em algum lugar, a partir de algum conceito ultrabásico ou em torno do qual todos os demais giram, e a partir dele todos os demais “fluem”, como a água rio abaixo. Os participantes podem começar de qualquer lugar, mas, para o ponto de vista do MPL, é importante ressaltar que tudo começa do usuário, pois é a partir dele e de suas necessidades que nos mobilizamos. Os participantes podem entender que a Prefeitura é central, ou que as empresas são centrais; a facilitação deve lembrar-lhes da questão do financiamento do sistema, ou seja, “quem é que paga os impostos e as passagens para que tudo isso seja pago?” Pode surgir um fluxograma com justificativas razoáveis para a centralidade de qualquer outro elemento essencial, e isto deve ser discutido no grupão em comparação com outros fluxogramas iniciados a partir do usuário. Durante a discussão nos grupinhos, o facilitador deverá transitar entre eles, ver o andamento da tarefa e tirar dúvidas. É importante levar os grupinhos a perceber que sua tarefa não é dar uma simples opinião pessoal sobre o sistema de transportes, mas relacionar os elementos básicos já apresentados para formar uma idéia básica sobre o sistema, a partir das ligações observadas na prática. Este é outro aspecto importante: o fluxograma deve explicar como o transporte é, e não como ele deve ser ou poderia ser. A discussão sobre as possibilidades de um sistema de transporte coletivo público diferente do atual será feita em outro momento, posterior à compreensão sobre o modelo atual. O tempo desta etapa é de 30 minutos; passados os 30 minutos, os grupinhos formarão novamente a roda (“grupão”), e cada grupinho terá 5 minutos para apresentar sua visão do sistema de transportes ao grupão. Quanto aos elementos básicos, o importante é observar o seguinte: a) Os rodoviários (trabalhadores) trabalham para seus patrões – os empresários – levando as pessoas de um lugar para o outro com os ônibus e mantendo os veículos em ordem (de acordo com a verba de manutenção separada pelos empresários). Seus salários e encargos trabalhistas influem no preço da tarifa. b) Os ônibus são de propriedade dos empresários, que decidem o quanto vão gastar com sua manutenção e conservação. c) Os empresários de transporte são patrões dos rodoviários e donos dos ônibus, e definem os salários dos rodoviários, o quanto será gasto com insumos (combustível, manutenção e conservação dos ônibus, etc.), que linhas aceitam gerir, etc. Os empresários detêm todo conhecimento dos detalhes do sistema, por cuidarem da gestão direta da prestação do serviço, e divulgam apenas aquela parte que lhes permite pedir mudanças no sistema de acordo com seus interesses. Pagam impostos que garantem, entre outras coisas, o dinheiro para a construção da infraestrutura, mas todo seu dinheiro vem da tarifa; d) A prefeitura é responsável pela infraestrutura e pela gestão de parte do sistema de transportes (estabelecimento de roteiros de linhas de ônibus, definição de preços de passagens, definição de normas para o setor de transporte, etc.). Detém parte das informações sobre o sistema de transporte, e tem o dever de torná-las públicas sempre que solicitado por qualquer usuário ou por quem quer que aja em nome destes (associações de bairro, sindicatos, ONGs, partidos políticos, associações civis, etc.). Podem custear parte do sistema, quando concedem isenções fiscais aos empresários; podem pagar as passagens de determinados setores dos usuários que têm gratuidades (idosos, estudantes, deficientes físicos, etc.), embora ainda não as paguem. e) Os usuários bancam todo o sistema, pois a tarifa é a principal fonte de verba e seus impostos bancam a instalação da infraestrutura (ruas, pontos de ônibus, sinalização, etc.) e, quando a prefeitura decide pagar as passagens de usuários beneficiados com gratuidades, é de seus impostos que vem o dinheiro. f) A tarifa é o que o usuário paga para poder andar de ônibus; é a principal fonte de dinheiro para o sistema de transportes, pois banca o salário dos rodoviários e os insumos para os ônibus. Vai toda para o bolso do empresário; em alguns casos, a prefeitura interfere na distribuição do dinheiro das passagens, mas ainda assim o destino do dinheiro da tarifa é o empresário. Pode ser paga em dinheiro vivo ou em vales-transporte, que são confeccionados pelas empresas de transporte (ou sua entidade representativa) e pagos pelos usuários (6%) e pelas empresas onde estes trabalham (94%). g) Os custos de manutenção são os gastos com coisas básicas sem as quais os ônibus não andam (combustível) ou andam caindo aos pedaços (peças, manutenção, etc.). Variam de acordo com o mercado, e sua flutuação de preços é a principal desculpa para o aumento de passagens. h) A infraestrutura permite aos ônibus sair de um lugar para o outro com maior velocidade e segurança. A prefeitura é responsável por construir e manter a infraestrutura em boas condições com o dinheiro dos impostos; a criação de infraestutura pode ser sugerida pelos empresários ou pelos usuários. i) A gestão é que resulta da gestão direta da prestação do serviço pelos empresários e da gestão indireta da prefeitura sobre as linhas, horários etc. De um lado, os empresários definem que ônibus devem rodar em quais linhas, se serão compradas novas peças para manutenção ou se serão sucateados veículos antigos para isso, se os salários dos rodoviários podem ou não aumentar; de outro, a prefeitura exige que se cumpram horários, que tais ou quais linhas sejam abertas ou fechadas, e tem o dever de manter a sinalização dos pontos de ônibus e das vias públicas, de gerir as estações de ônibus (às vezes isso é privatizado e entra na gestão de forma pontual) etc. j) O combustível vem separado porque é o item que mais aumenta na folha de custos das empresas nos últimos dez anos. k) A infraestrutura da empresa vem separada porque não representa um custo de manutenção do veículo, mas sim um custo de manutenção da empresa como um todo. É importante remeter a observação da relação entre os elementos do sistema para o cotidiano dos participantes, especialmente se são usuários freqüentes de ônibus; os elementos escritos nas cartolinas e fixados na parede não podem ser percebidos como simples nomes, mas como elementos concretos do cotidiano de cada participante. Em caso de pouca compreensão da tarefa, podem ser feitas perguntas-chave: “por onde é que entra dinheiro aí em seu esquema?”, “quem é que paga para o sistema inteiro funcionar?”, “depois que você paga a tarifa, para onde vai esse dinheiro?”, “quem é que dirige os ônibus?”, “quem é que paga o conserto dos ônibus?”, “e a prefeitura, onde é que entra nesse negócio?”, “pra andar, o ônibus precisa de quê?”, “quem é que paga o salário do rodoviário?”, “você pega ônibus para ir para onde?”, “por que é que o caminho do bairro X (substituir por nome real de bairro) para o bairro Y (substituir por nome real de bairro) é tão demorado?”, e outras que se considerar adequadas, seguindo as linhas gerais acima. Depois dos trinta minutos de elaboração dos sistemas, cada grupo apresentará o seu por um tempo de cinco minutos. As cartolinas com os fluxogramas serão fixadas na parede com fita adesiva para permanecerem lado a lado após todas as apresentações, perto do lugar onde as tarjetas com os elementos básicos já estão fixados, pois a discussão posterior remeterá a ambos. Encerradas as apresentações dos sistemas elaborados pelos grupos, o facilitador iniciará a discussão dos sistemas no grupão comentando os sistemas apresentados pelos grupos e mostrando sua aproximação ou afastamento da realidade. Reordenará as tarjetas dos elementos do sistema de transportes e as relacionará com setas de cartolina de forma a montar um sistema, de acordo com a realidade local, com as relações apontadas pelos participantes com as indicações acima e com as orientações dos textos de apoio. (Para compreensão da dinâmica do sistema de transportes, ver bibliografia no fim do texto.) 4.3. Busca de sentido no sistema e síntese final (30/40 min) O último momento da oficina é uma discussão geral do sistema de transporte, para que se possa entender as relações políticas entre os diversos elementos do sistema e a inserção da disputa política no sistema de transportes dentro da disputa política geral na sociedade. O facilitador iniciará a discussão perguntando aos participantes o que acham da atual organização do sistema de transportes que foi, enfim, entendida em seus vários elementos, quem ela beneficia e quem ela prejudica. Durante a discussão, o facilitador provocará os participantes durante a discussão com as seguintes perguntas, cujas respostas devem ser encontradas pelos participantes a partir dos elementos trabalhados nos momentos anteriores e de sua própria experiência de vida: a) Qual o impacto do sistema de transportes sobre a vida das pessoas? O alto custo do transporte atrapalha o acesso a serviços (saúde e educação, principalmente), a atividades sociais (lazer, principalmente) e a oportunidades de trabalho. O alto custo do transporte é fator de desemprego, pois quanto mais longe se está do local de trabalho, mas a empresa precisa gastar com o transporte do empregado,e a preferência de contratação vai para quem b) c) d) e) mora mais perto. O alto custo de transporte gera os chamados “desabrigados com teto”, gente que está no trabalho informal (camelôs, pequenos serviços, etc.) e precisa estar perto do local de trabalho, pois sua renda é ganha por dia; os “desabrigados com teto” precisam escolher entre o transporte para voltar para casa e a comida do dia, então preferem ficar perto de onde podem conseguir trabalho, comer em lanchonetes e restaurantes baratos e dormir nas ruas, ou em abrigos públicos. Os índices de mobilidade urbana – ou seja, a facilidade que uma pessoa tem para se deslocar de um ponto a outro da cidade – aumentam de acordo com a renda, pois o custo da tarifa faz com que pessoas com renda familiar abaixo de R$ 497,00 aumentem suas viagens a pé, e as classes “B” e “A” podem resolver seus problemas de deslocamento através de um meio individual de transporte privado – o carro. Os serviços de transporte público também são piores nos bairros de periferia, fazendo com que muitas pessoas prefiram andar a esperar pelo ônibus por causa da demora, ou que sejam obrigadas a andar pela longa distância entre sua casa e o ponto de ônibus, ou porque não há linhas que façam o percurso desejado. Para fechar, o alto custo do transporte público transforma as periferias em verdadeiros guetos de onde é dificílimo sair, e isso gera todo um mercado de entretenimento e serviços de periferia: locadoras, telecentros, mercadinhos e pequenos shopping centers regionais, cinemas e cineclubes etc. Qual o papel da prefeitura e dos empresários no sistema de transportes? Ambos são gestores do sistema, em conjunto. A prefeitura define as normas e diretrizes do sistema, impõe o preço da tarifa, as rotas dos ônibus, cria e conserva a infraestrutura. Os empresários definem quais ônibus vão para quais linhas, quais rodoviários ficam em quais ônibus e em quais horários, o quanto se gastará com combustível e lubrificantes, se serão compradas peças novas ou se serão reaproveitadas de ônibus sucateados etc.; eles ainda guardam todas as informações contábeis do sistema e soltam apenas o que for necessário para assegurar seus interesses; Quem é que o transporte transporta? Quem é a maioria dos usuários de transportes? Segundo pesquisa da Secretaria Especial para Desenvolvimento Urbano da Presidência da República realizada em 2002 no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Fortaleza, Salvador, Belém, Goiânia, Teresina e Campo Grande, 37,5% dos usuários de ônibus pertence à chamada “classe C”. 27,5% pertence às classes “D” e “E” juntas. 27,5% pertence à classe “B”. 7,5% pertence à classe “A”. Vale a pena pesquisar qual a faixa de renda destas classes nos dias de hoje, e qual a proporção de cada classe destas em sua cidade; isto pode ser visto com economistas e administradores, cruzando estas informações com dados do IBGE, especialmente do Censo, da Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios e da Pesquisa de Orçamento Familiar. Qual o poder que o usuário tem sobre o sistema? Quando é que sua voz é ouvida? Poder nenhum, a não ser quando faz protestos massivos e manifestações de grande impacto político; se houver conselho de transportes na cidade, analisar sua atuação, pois é órgão que dá certo peso político aos representantes dos usuários. Se o usuário não tem como pagar, é possível aumentar a tarifa? Não, porque em todas as classes, segundo a mais recente Pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE, o transporte ocupa o terceiro lugar das despesas familiares, e o aumento de passagens gera um círculo vicioso de exclusão social (para explicá-lo, ir devagar, passo-a-passo, seguindo os elementos básicos afixados na parede e comparando com a discussão sobre o impacto do sistema de transporte na vida das pessoas): a. quanto mais altos ficam os custos do sistema de transporte – ônibus, combustível, manutenção, funcionários –, mais a tarifa precisa aumentar; b. quanto mais cara fica a tarifa, menos pessoas usam o sistema de transporte; quanto menos pessoas usam o sistema de transporte, menos pessoas há para dividir os custos do sistema, e, portanto, mais cara fica a tarifa; c. quanto mais cara fica a tarifa, por influência do aumento dos custos do sistema e do baixo número de pessoas que os cobrem pagando passagens, menos pessoas podem usar o sistema de transporte; d. quanto menos pessoas usam o sistema de transporte, menos pessoas há para dividir os custos do sistema, e, portanto, mais cara fica a tarifa; e assim sucessivamente. Eventualmente, o facilitador interferirá nas discussões para trazer informações e dados, quando sirvam para reforçar as conclusões a que os participantes tenham chegado. Todos os dados e informações necessárias podem ser encontradas nos textos indicados na bibliografia. É de extrema importância que a equipe de facilitação consiga informações sobre a rotina de trabalho dos trabalhadores do setor em sua cidade e que o facilitador as apresente durante a discussão. Se ninguém mencionar a rotina de trabalho no setor, será preciso provocar a discussão sobre o tema, perguntando sobre o trabalhador, o que é que ele faz, como é que ele trabalha, etc. Após a exaustão das cinco questões acima, a discussão deverá ser encaminhada para a seguinte questão: o que os participantes podem fazer para modificar o atual sistema de transportes? Esta discussão tanto pode ser respondida pelos participantes durante as discussões quanto pode servir de gancho para outras atividades de formação. 4.4. Encerramento Se a oficina não for parte de uma atividade maior e não estiver encadeada numa seqüência de outras oficinas das quais apenas é um momento específico, o encerramento é feito com uma avaliação geral da oficina e uma dinâmica de encerramento. Qualquer dinâmica de encerramento que reforce as idéias de solidariedade, ação coletiva e conscientização é válida. Algumas sugestões seguem abaixo. a) Dança da chuva Materiais: nenhum. Propósito: comunicação não-verbal, atividade de encerramento. Procedimento: faça o grupo sentar em cadeiras, ou no chão, com suas mão livres de materiais e os pés firmemente plantados no chão. Diga algo como “muitas vezes sentimos que queremos atingir o impossível, e que nosso trabalho coletivo nunca vai terminar. Agora mesmo nós temos a chance de fazer uma mudança; vamos fazer chover, fazer uma tempestade!” Instrua o grupo a fazer o que você fizer, mas apenas quanto você olhar para o grupo para que o sigam e para continuar fazendo o que você fizer até que você mude de ação. Quando for a hora, passe os olhos lentamente por todo o grupo. O grupo deve continuar a fazer o movimento até que você olhe para ele com outro movimento. Faça cada movimento enquanto for necessário, até que todos no grupo o estejam fazendo. Os movimentos são: a) b) c) d) e) f) g) Imite o barulho do vento, fazendo “chhhhh...”. Esfregue as palmas das mãos. Estale os dedos periodicamente. Bata palmas meio sem ritmo. Bata as mãos nas coxas, imitando trovões de vez em quando. Bata os pés. Faça tudo de novo, em ordem inversa. Ao terminar, diga: “gostaria de fazer um pronunciamento. Agora que todos sabem como fazer uma tempestade, é hora de se organizar para mudar o mundo!” Depois disso, encerre a oficina. b) Teia Material: um rolo de barbante. Propósito: reflexão, atividade de encerramento. Procedimento: os participantes formarão um círculo, com o facilitador no meio segurando o rolo de barbante. Comece jogando o rolo para um participante, segurando a ponta do barbante ao jogar. Diga algo que você apreciou naquela pessoa durante o trabalho conjunto na oficina; oriente os participantes dizendo que a afirmação pode ser sobre algo que aconteceu recentemente ou sobre a pessoa em geral. O rolo de barbante então passa pelo círculo de participante em participante, com todos segurando no barbante ao jogá-lo para outra pessoa. Uma vez que todos já estiverem segurando o barbante e ele estiver cruzado em torno do facilitador, use uma tesoura para cortar o barbante, dizendo: “ao cortarmos os laços com a atividade que terminamos, deixamos com cada pessoa um pedaço de barbante em suas mãos para lembrá-las do sentimento de união e das novas amizades que fizeram”. Dê a oficina por encerrada assim que todos estiverem com um pedaço de barbante em mãos. Variação: ao invés de dizer algo sobre a pessoa para quem se joga o barbante, a pessoa que o joga dirá em uma palavra algo que deseja para o grupo; ao invés de cortar o barbante, o facilitador dirá: “agora vocês podem ver que nossos desejos formam uma teia, e que o desejo de cada um, quando compartilhado com o desejo de outras pessoas, fortalece o desejo do outro ao mesmo tempo que se fortalece”. O facilitador pede para que os participantes ergam sobre suas cabeças a teia formada, pedindo que observem bem a teia formada, e dirá, como palavras de encerramento: “agora que cada um conhece o desejo do outro, vamos gritá-lo, de uma só vez, para que possamos ouvir todos os desejos do grupo formarem uma só voz”. Depois do grito coletivo, o facilitador pede para que as pessoas abaixem a teia até o chão, deixem-na ali, para que todos a vejam bem, e dá a oficina por encerrada. Se for possível deixar a teia no chão até que o ambiente se esvazie por completo, melhor; peça para que os participantes tenham cuidado ao andar – afinal, são os desejos do grupo! Variação 2: ao invés de encerrar a dinâmica com a formação da teia, a teia pode ser desfeita passoa-passo. Na “ida”, cada pessoa que joga o rolo de barbante diz o que oferece ao grupo, e na volta o que recebe em troca. c) Balas Material: um pacote de balas, daquelas com embalagem de duas pontas (Ice Kiss e congêneres). Propósito: reflexão sobre o trabalho em grupo e sua necessidade. Procedimento: o facilitador espalha as balas sobre um lugar plano (mesa, cadeira, etc.), e diz que as balas são de quem quiser, com uma condição: só podem ser pegas e abertas com os braços esticados para os lados, em posição de “crucificado”, sem dobrar os cotovelos nem mover os braços para frente ou para trás. A solução é simples: as pessoas formam duplas; com os braços esticados para os lados, pegam a bala pelas pontas da embalagem, cada pessoa segurando a bala por uma das pontas da embalagem, e a puxam para abri-la; aberta a embalagem, uma das pessoas tira a bala da embalagem e a coloca na mão de seu parceiro; o parceiro pega a bala e coloca na boca da pessoa. Depois de terminadas as balas, ou quando o grupo quiser encerrar a atividade, o facilitador leva o grupo a refletir sobre o significado da atividade, perguntando: “foi fácil encontrar a solução?”, “qual foi a dificuldade?”, “como foi que vocês resolveram o problema?”, “qual a lição que vocês tiram disso?”, conduzindo a discussão para uma reflexão sobre a capacidade do trabalho coletivo de resolver problemas que antes pareciam insolúveis. d) Sonho Material: papel para rascunho, canetas/lápis para cada participante, um pacote de bolas de soprar. Propósito: encerramento de atividade. Procedimento: distribua papel, canetas e uma bola de soprar para cada participante, e peça para que os participantes escrevam no papel um desejo, um sonho, sem que outras pessoas vejam o que está escrito. Depois, peça para que dobrem bem os papéis coloquem os papéis dentro das bolas de soprar, e que as encham. Quando todos estiverem com suas bolas cheias, peça para que as segurem, fiquem em pé em círculo e diga: “cada bola representa um sonho de cada um dos participantes. Como as bolas de soprar, nossos sonhos podem parecer frágeis, fáceis de se estourar, e por isso temos que cuidar deles”. Peça para que os participantes acariciem as bolas, como quem acaricia seu próprio sonho. Em seguida, diga: “acontece que nossos sonhos, para se tornarem reais, precisam sair de nossas cabeças, ser compartilhados, dados a outras pessoas como presentes, ou mesmo voar por aí até encontrar alguém que os pegue”; peça então aos participantes que troquem suas bolas entre si, que joguem-nas para cima, que misturem-nas no ar, ocupando todo o espaço SEM ESTOURAR AS BOLAS até que se peça para que peguem uma bola qualquer e voltem a formar a roda. Depois de formada a roda, diga: “agora que nos misturamos às outras pessoas, que compartilhamos com elas nossos desejos mais íntimos, temos que saber quais são estes desejos, e voltar a compartilhá-los com os outros”. Peça que os participantes estourem as bolas, e, depois, que cada um leia em voz alta o desejo que encontrou dentro da bola. Depois de lido o último desejo, diga algumas últimas palavras relacionando o compartilhamento de desejos com o trabalho em grupo e dê a atividade por encerrada, dizendo que “agora podemos voltar para casa com um pouco do desejo de cada uma das outras pessoas que participaram da oficina”. 5. Bibliografia: A oficina pode ser realizada tranqüilamente com os textos básicos, os textos sobre oficinas e algumas visitas aos sites indicados. Para aprofundamento dos temas da oficina, basta conseguir os textos intermediários e avançados e lê-los até a compreensão do papel dos transportes na cidade. a) Textos básicos sobre transportes (todos podem ser encontrados facilmente na internet, exceto o último, que é um livro fácil de ser encontrado em bibliotecas) ASSOCIAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES URBANOS (NTU). “Anuário NTU 2004/2005”. ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES PÚBLICOS. “O transporte público e o trânsito para uma cidade melhor”. Set. 2002. CRUZ, Marcus Vinicius Gonçalves da. “Produção do serviço de transporte público urbano por ônibus: aspectos da organização do trabalho”. Revista de Administração Contemporânea, vol. 2, n.º. 3, set./dez. 1998, p. 45-65. GOMIDE, Alexandre de Ávila. “Transporte urbano e inclusão social: elementos para políticas públicas”. Texto para Discussão, n.º. 960, Brasília, IPEA, jun. 2003. LIMA, Iêda Maria de Oliveira. “Transporte urbano de passageiros: a tarifa como fonte de recursos”. Texto para Discussão, n.º. 273, Brasília, IPEA, set. 1992. ____________; PANARIELLO, Lúcia Malnati; ARRUDA, Rosiclé Batista de. “Atuação do Governo Federal nos transportes – por que é necessária”. Texto para Discussão, n.º. 233, Brasília, IPEA, set. 1991. MANOLO. “Notas sobre o transporte coletivo no sistema capitalista”. MINISTÉRIO DAS CIDADES. “Evolução das tarifas de ônibus urbanos – 1994 a 2003” Brasília, 2004. ____________. “Anteprojeto do Estatuto de Mobilidade Urbana”. ROLNIK, Raquel. O que é cidade. 3.ª ed. 5.ª reimpressão. São Paulo: Brasiliense, 2001. SANT’ANNA, José Alex. “Reordenamento urbano pelo transporte”. Texto para Discussão, n.º. 225, Brasília, IPEA, ago. 1991. b) Textos intermediários sobre transportes (todos podem ser encontrados facilmente na internet) CUNHA FILHO, Octávio. “Financiamento do transporte público urbano no Brasil”. HENRY, Étienne. “Escalas de produção em empresas de transporte por ônibus: a experiência brasileira”. Revista de Administração de Empresas, vol. 37, n.º. 1, jan./mar. 1997, p. 53-65. LIMA, Iêda Maria de Oliveira. “Modernização gerencial – a ante-sala do financiamento do transporte urbano”. Texto para Discussão, n.º. 226, Brasília, IPEA, ago. 1991. ____________. c) Textos avançados sobre transportes e urbanismo (só em bibliotecas) CASTELLS, Manuel. A questão urbana, cap. III, item 2: “Os elementos da estrutura urbana”. 1.ª reimpressão. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000, p. 201-332. HARVEY, David. A justiça social e a cidade, caps. 2 e 6. São Paulo: Hucitec, 1980, p. 39-79 e 167-243. d) Textos sobre oficinas ANTUNES, Celso. Manual de técnicas de dinâmica de grupo, de sensibilização, de ludopedagogia. 21.ª ed. Petrópolis: Vozes, 2001. (Livro) LIMA, Lauro de Oliveira. Treinamento em dinâmica de grupo no lar, na empresa, na escola, livro I. 6.ª ed. Petrópolis: Vozes, 1979. PEREIRA, William César Castilho. Dinâmica de grupos populares.15.ª ed. Petrópolis: Vozes, 1999. (Livro) SÁ, Raquel Maria Stella de. A oficina como ferramenta educativa: do corpo disciplinar ao corpo vibrátil – uma abordagem libertária contemporânea, cap. 4. Florianópolis: UFSC, 2002 (Tese de doutorado em Engenharia de Produção – Ergonomia/UFSC) (Na internet) e) Sites interessantes Movimento Passe Livre (MPL): http://www.mpl.org.br Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU): http://www.ntu.org.br Associação Nacional dos Transportes Públicos (ANTP): http://www.antp.org.br Ministério das Cidades: http://www.cidades.gov.br