Universidade Federal de Minas Gerais
Programa de Formação de Conselheiros Nacionais
Curso de Especialização em Democracia Participativa, República e Movimentos Sociais
EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE: a apropriação de
novos instrumentos para a cidadania ativa – letramento digital no
Pedagogia da Terra
Anderson de Souza Santos
BELO HORIZONTE
2009
1
ANDERSON DE SOUZA SANTOS
EDUCAÇÃO COMO PRÁTICA DA LIBERDADE: a apropriação de
novos instrumentos para a cidadania ativa – letramento digital no
Pedagogia da Terra
Monografia apresentada à FAFICH –
Faculdade de Filosofia, Ciências
Humanas da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), como
requisito parcial para a obtenção do
título
de
Especialização
em
Democracia Participativa, República
e Movimentos sociais.
Orientadora: Antônia Vitória Soares
Aranha
BELO HORIZONTE
2009
2
3
Dedico esse trabalho, de
todo o meu coração a minha
mãe, Leny e a meu pai,
Newton (in memoriam), que
sem eles não teria
conseguido fazer esse
percurso. Obrigado por me
ensinarem a andar, meus
pais amados!
Dedico esse trabalho, com igual
amor, a minha mulher, Ana
Luísa, que sempre me ajudou e
incentivou nessa caminhada e a
minha filha, Alice Louise, que
sem elas não teria conseguido
ver os indivíduos dessa
pesquisa como as pessoas que
realmente são. Obrigado por me
ensinarem a amar, Ana e
minha filha queridas!
4
“A
exclusão
marginalidade,
é
muito
mais
é a perda
referências sociais”
(CASTEL, 1998)
que
de laços
a
e
5
AGRADECIMENTOS
A Deus, primeiramente, pela força da vida...
Aos meus pais, Leny e Newton (in memoriam), pois sem eles nunca teria
chegado até aqui, pois é graças a eles que sou que eu sou...
A minha filha, pelo carinho e o sorriso sempre abertos, mesmo quando não
estava para brincadeiras...
A minha enteada Sophie, por ter sempre a fala quando não tinha palavras...
Ao meu irmão Klaus, pela tranqüilidade que me passa em todos os momentos...
A minha irmã Cynthia, por me servir de exemplo nesse percurso estudantil...
A minha irmã Glady, pelos conselhos sempre práticos da vida diária. Sem eles
não seria a pessoa que sou hoje...
Ao meu irmão Gladson, pela perseverança sempre constante...
Aos meus amigos, André e Alessandro, pelo incentivo, companheirismo do diaa-dia e pela alegria da convivência diária...
A minha orientadora Antônia, colega de trabalho, pelo incentivo, pelas palavras
sempre gentis a me mostrarem o caminho certo e pelo tratamento sempre de igual para
igual...
A turma do curso Pedagogia da Terra, que sem eles essa pesquisa nunca teria se
realizado...
Pelas coordenadoras do curso Pedagogia da Terra, que sem o convite delas para
ministrar o curso de informática nunca teria tido a chance de conviver com esses
professores e aprender tanto com eles...
Aos meus colegas de trabalho, pela chance de poder aprender até mesmo nos
mínimos detalhes...
A todos aqueles que,de uma forma ou de outra, me auxiliaram, me incentivaram
e torceram por mim nessa nova fase de minha vida. A palavra obrigado é pequena para
dizer o quão grato e feliz estou nesse momento!
6
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
GRÁFICO1: MAPA DA EXCLUSÃO DIGITAL NO BRASIL ................................. 22
FIGURA 1: CAPITAL DIGITAL E TIPOS DE IMPACTOS ...................................... 27
GRÁFICO 2: QUANTIDADE DE QUESTIONÁRIOS I E II ENTREGUES ............ 53
GRÁFICO 3: FAIXA ETÁRIA DOS ALUNOS PESQUISADOS ............................. 54
GRÁFICO 4: FUNÇÃO EXERCIDA NO MOVIMENTO.......................................... 55
GRÁFICO 5: ASPECTOS AUXILIADOS PELO CURSO DE INFORMÁTICA
DENTRO DA COMUNIDADE ..................................................................................... 57
GRÁFICO 6: POSSIBILIDADE DE CONTRIBUIÇÃO DO CURSO DE
INFORMÁTICA NAS CONDIÇÕES SOCIAIS ........................................................... 58
GRÁFICO 7: CONDIÇÕES DE MELHORIAS SOCIAIS NA COMUNIDADE COM
O CURSO DE INFORMÁTICA .................................................................................... 59
GRÁFICO 8: O QUE É ESSENCIAL APRENDER NO CURSO DE INFORMÁTICA
........................................................................................................................................ 60
GRÁFICO 9: TERMOS LIGADOS AO APRENDIZADO DE INFORMÁTICA ...... 61
GRÁFICO 10: APRENDIZADO DE INFORMÁTICA X RESULTADOS
ESPERADOS ................................................................................................................. 63
GRÁFICO 11: APRENDIZAGEM PODERÁ SER ÚTIL ........................................... 65
7
LISTA DE TABELAS
TABELA 1: DIVISÃO DOS TEMPO-ESCOLA E TEMPO-COMUNIDADE DO
CURSO ........................................................................................................................... 42
8
SUMÁRIO
RESUMO......................................................................................................................... 9
ABSTRACT .................................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 11
1.
INFORMATIZAÇÂO E SOCIEDADE ............................................................. 15
1.1 LETRAMENTO DIGITAL ........................................................................................... 18
1.2 EXCLUSÃO DIGITAL ............................................................................................. 21
1.3 INCLUSÃO DIGITAL ................................................................................................ 23
1.3.1 Cidadania e inclusão digital ......................................................................... 24
1.3.2. Informática educativa ................................................................................... 28
2 EDUCAÇÃO E O MST............................................................................................. 30
2.1 MST – BREVE HISTÓRICO ...................................................................................... 30
2.2 EDUCAÇÃO POPULAR E CIDADANIA........................................................................ 36
2.3 O CURSO PEDAGOGIA DA TERRA ........................................................................... 41
3 METODOLOGIA...................................................................................................... 47
3.1 SUJEITOS DA PESQUISA .......................................................................................... 47
3.2 PERCURSO DA PESQUISA ........................................................................................ 48
3.3 PROCEDIMENTOS DE COLETAS DE DADOS............................................................... 48
3.4 INSTRUMENTOS DE COLETA DE DADOS ................................................................... 50
3.4.1 Pesquisa bibliográfica ................................................................................... 50
3.4.2 Elaboração de questionário .......................................................................... 50
3.4.3 Observação .................................................................................................... 51
3.5 DIFICULDADES ENCONTRADAS .............................................................................. 52
4 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS ........................................................... 53
4.1 QUESTIONÁRIO I - EXPECTATIVAS ......................................................................... 54
4.2 QUESTIONÁRIO II - FINALIZAÇÃO .......................................................................... 63
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................................... 68
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ....................................................................... 72
ANEXOS ....................................................................................................................... 79
ANEXO 1 ...................................................................................................................... 79
ANEXO 2 ...................................................................................................................... 80
9
RESUMO
Pensando na inclusão social pela digital, este trabalho tem por objetivo verificar quais
as conseqüências da conquista do conhecimento tecnológico e as possibilidades
vislumbradas a partir da ruptura do processo de exclusão digital, de alunos do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo - Pedagogia da Terra-, realizado na Faculdade de
Educação (FaE), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Esses alunos,
provenientes do Movimento dos Sem Terra (MST) foram sujeitos dessa pesquisa de
campo após serem convidados a participarem de aulas de informática dentro do período
em que estiveram em Belo Horizonte, durante seu tempo-escola IX, entre os meses de
junho e julho de 2009. Por meio de um trabalho que envolveu pesquisa bibliográfica,
aplicação de questionários e observações em sala de aula, podemos concluir da
importância nesse aprimoramento tecnológico desses indivíduos para a melhoria das
suas condições políticas e sociais tanto pessoais quanto do movimento aos quais
pertencem.
Palavras-chave: MST; Educação no campo; Pedagogia da Terra; Inclusão digital;
Informática.
10
ABSTRACT
Thinking of inclusion for digital, this study aims to determine what the consequences of
the conquest of technical knowledge and the existing possibilities from the rupture
process of the digital divide, students of the Degree in Countryside Education –
Pedagogia da Terra – directed in the Faculdade de Educação (FAE), Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). These students, from the Movimento dos Sem Terra
(MST) were subjects of this research field after being invited to participate in computer
classes in the period they were in Belo Horizonte, during his school time-IX, between
the months of June and July of 2009. Through a work involving literature review,
questionnaires and observation in the classroom, we can conclude that the importance of
technological improvement of these patients to improve their social and political
conditions both personal and the movement to which they belong.
Keywords: MST; Education in the field, Pedagogia da Terra; Digital inclusion;
Computers.
11
INTRODUÇÃO
Em minha carreira de técnico em processamento de dados, venho percebendo
que a questão da informatização está, cada vez mais, fazendo parte do cotidiano de cada
um de nós, em diversas (para não dizer todas) situações que permeiam nossa vida e a
realidade que nos cerca.
Este mundo pós-industrial, transformado e em transformação tecnológica, faz
surgir, diante de nossos olhos, situações e palavras novas, em uma realidade nunca
dantes imaginada por nossos antepassados (nem tão distantes quanto imaginamos).
Máquina de escrever, arquivo morto, pilhas de papéis dão lugar a palavras como
robótica, banco de dados, arquivos... alterando consideravelmente, inclusive, a produção
e as articulações sociais a partir das quais nos relacionamos.
O que antes, no momento da industrialização, era centralizado, delimitado e
concentrado, cedeu lugar, pouco a pouco, “a estruturas mais flexíveis e descentralizadas
horizontalmente através de redes de microcomputadores”. (SOUZA, 1993, p.7).
Portanto, ainda segundo o autor, entendermos termos tecnológicos torna-se
imprescindível em nossa sociedade pós-industrial. As unidades menores, antes sem (ou
com pouca) função, tornam-se, no lugar dos grandes centralizadores, unidades ágeis e
com “grande capacidade de iniciativa, articuladas em redes” (SOUZA, 1993, p.8).
Ainda de acordo com Souza (1993):
Surgem por toda a parte “networks”, “réseaux” de empresas e movimentos
sociais. É todo o tecido social que regenera e se dinamiza através de novos
canais. Ao lado do Estado, ocupam lugar as organizações nãogovernamentais (ONGs), as assessorias, os serviços e as novas organizações
comunitárias. (SOUZA, 1993, p.7).
Portanto, chats, e-mails, sms, grupos de relacionamentos, jogos virtuais, blogs,
fotologs, msn, orkut, fóruns, groupware... esses são apenas alguns dos inúmeros nomes
que são cada vez mais utilizados atualmente. Essa revolução se deu a partir,
principalmente, do século XX e vem transformando a realidade de grande número de
pessoas, interferindo diretamente nas suas relações sociais.
Nesse sentido, segundo Souza (1993):
12
A modernidade, como já indicara Max Weber, privilegiou teórica e
praticamente dois espaços: o mercado e o estado, ou seja, as dimensões
econômica e política. A crise dessa mesma modernidade revela a enorme
complexidade do real e faz presente outros espaços, pelo menos tão
determinantes quanto os anteriores. Também a crise dos modelos e dos
programas políticos questiona o protagonismo dos partidos e traz à luz outras
articulações de demandas e de propostas sociais. Eles são laboratórios de
criatividade, nos quais se testam novas alternativas societárias. Não se trata
de projetos globais de discutida aplicação, mas de experiências localizadas e
concretas, talvez mais eficazes e com potencial efeito multiplicador. Ao lado
dos movimentos tradicionais, surgem os novos movimentos – ecológicos,
femininos, negros -, que ampliam enormemente as perspectivas de
transformações sociais. Talvez seja aí que ocorrem as práticas mais fecundas
e originais. (SOUZA, 1993, p.7).
A mídia digital faz, portanto, parte de toda (ou quase toda) sociedade
contemporânea e do cotidiano de inúmeros grupos sociais, surgindo a partir de suas
demandas. Nesse sentido, a inclusão digital de seus participantes torna-se um assunto
aberto à investigação e de interesse econômico e social, visto que é também por meio
dele e de sua significação na nossa sociedade que a consolidação democrática e,
consequentemente,
a
inclusão
social
de
grupos
fora
do
desenvolvimento
socioeconômico do país, é possibilitada.
Para tanto, diante da importância atribuída à informatização na sociedade e, no
caso específico dessa pesquisa, dos movimentos sociais, procura-se verificar até que
ponto o aprendizado sobre as questões tecnológicas (leia-se letramento digital) auxilia
no desenvolvimento e/ou aprimoramento técnico dos participantes de projetos sociais e
em que medida esse aprimoramento tem, como consequência, a melhoria nas condições
de luta e de cidadania dessas instituições das quais esse indivíduo faz parte.
Portanto, acreditamos que essa pesquisa faz-se mister, primeiramente, pela
crença na inclusão social pela digital. A possibilidade de uma maior abertura, de uma
nova visão, no sentido de ampliação da democracia e da cidadania de indivíduos e
grupos antes excluídos e/ou marginalizados político e socioeconomicamente que só
poderá ser efetivada quando se oferece a esse público a oportunidade de integração real.
Essa integração poderá ser local ou global, mas se ela realmente existir, acreditamos que
esses sujeitos dela participantes terão a possibilidade de viver com independência e
liberdade. Liberdade aqui entendida como uma nova forma de obtenção de informação e
veiculação de idéias por meio da Educação e da inclusão digital, contribuindo para uma
sociedade mais justa e cidadã.
13
Já com relação à integração, hoje o que denominamos globalização vem
alterando consideravelmente nossas vidas, nossa realidade política, econômica, social.
Exemplo disso é que a crise americana se estende hoje ao mundo inteiro graças a esse
processo, que é universal. A divisão entre global e local torna-se inexistente e nos
encaminha para uma situação na qual alguns pesquisadores a denominam como “glocal”
(TRIVINHO, 2005; PATROCÍNIO, 2002; ZIRFAS, 2001, entre outros)
Portanto, pesquisar sobre a inclusão digital de indivíduos antes excluídos faz-nos
remeter a um estudo mais específico, já que a informação, nos dias de hoje, tornou-se
uma dimensão ampla e fecunda e que transforma, inclusive, a forma com que a
sociedade se organiza.
Mas quais as consequências, para esses grupos excluídos, da conquista do
conhecimento e diante da diversificação dos meios de comunicação e das possibilidades
aberta por eles? Para tanto, procuramos investigar uma turma de informática formada
por 20 professores do Curso de Licenciatura em Educação do Campo - Pedagogia da
Terra, ligados ao Movimento dos Sem Terra (MST), da Faculdade de Educação (FaE)
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Procurando observar, ainda, suas
expectativas e possíveis novos encaminhamentos a serem dados e qual a repercussão do
que foi aprendido na sala de aula nos assentamentos dos quais participam.
Para tanto, esse trabalho encontra-se assim dividido:
No primeiro capítulo, procuramos elucidar sobre as questões tecnológicas,
estabelecendo a conceituação de letramento digital, identificando e contextualizando
termos como exclusão e inclusão digital e, por fim, procurando averiguar sobre a
relação entre cidadania e inclusão digital;
No segundo capítulo, procuramos relacionar os temas MST e Educação,
trazendo um breve histórico do Movimento dos Sem Terra e sua ligação com a
Educação popular e cidadania, além de discutir sobre a escola como espaço
sociocultural e discorrer acerca do campo como espaço social, principalmente no que
diz respeito às escolas do campo;
No terceiro capítulo trazemos a metodologia, com a descrição do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo – Pedagogia da Terra, identificando os sujeitos da
pesquisa, o percurso da mesma, assim como as explicações sobre os instrumentos de
14
coletas de dados. Por fim, apresentamos as dificuldades encontradas para a realização
desse trabalho;
No quarto capítulo discorremos sobre os resultados obtidos com a pesquisa;
No quinto e último capítulo, trazemos algumas considerações a respeito do
trabalho realizado, abrindo caminhos para novas possibilidades de encaminhamentos
futuros.
15
1.
INFORMATIZAÇÂO E SOCIEDADE
Como podemos observar e verificar com o decorrer dos anos, a internet e a
tecnologia, de um modo geral, está revolucionando e inovando a comunicação humana,
pois com ela e, a partir dela, novas formas de intercâmbio de informações, de
interatividades, de relações vêm surgindo, mesmo que sem proximidade física, porém,
determinado grau de intimidade. Sendo assim, além do correio eletrônico (e-mail), já
conhecido há um certo tempo por grande parte de nossa sociedade, a internet vem
aprimorando cada vez mais canais de diálogo e informação que permitem a conversa
simultânea de dezenas de pessoas, jogos, fotos e vídeos on line, fóruns e grupos de
debates e discussão, pesquisas informatizadas, entre tantos outros sem-número de
atividades possíveis no meio digital. Além disso, alguns serviços de BBS e chat (como
o IRC1) são constituídos como verdadeiros pontos de encontro on line e têm contribuído
para a formação de comunidades virtuais.
Tecnicamente, de acordo com Negroponte (1995), em seu livro “Vida Digital”,
“o que a maioria dos executivos dos meios de comunicação pensa e discute é a
transmissão melhor e mais eficiente do que já existe” (NEGROPONTE, 1995, p.23).
Além disso, segundo o autor, “o mundo digital é intrinsecamente maleável. Ele pode
crescer e modificar-se de uma forma mais contínua e orgânica do que os antigos
sistemas analógicos” (NEGROPONTE, 1995, p.47).
Seria pertinente, ainda, mencionar os desdobramentos das teorias e práticas
advindas da Teoria da Informação e da Cibernética, que, de acordo com Manuel
Castells (2003, vol.1), acabaram por facilitar o surgimento dos “computadores
pessoais'', da “cibercultura'' e da “interatividade''; revolucionando os conceitos de
informação e comunicação, resgatando-os de sua circulação restrita antes aos
acadêmicos e militares, e oferecendo-os à utilização pública atualmente. (CASTELLS,
2003, p.23)
O que podemos notar, nesse sentido, é que o mundo está vivenciando uma nova
forma cultural, batizada por alguns pensadores como cibercultura. Esse surgimento
chamado de cibercultura dá-se, atualmente, no que chamamos de ciberespaço. De
1
Internet Relay Chat (IRC), criado em agosto de 1988, é um programa considerado rápido e permite o
acesso de milhares de pessoas nas salas ao mesmo tempo. É caracterizado como um lugar no ciberespaço
de reunião virtual onde as pessoas de todo o mundo podem se encontrar em conversas.
16
acordo com Pierre Lévy (1999), entende-se por cibercultura o conjunto de técnicas,
práticas, atitudes, modos de pensar e valores que se desenvolvem juntamente com o
ciberespaço, espaço considerado pelo autor como um novo meio de comunicação que
surge a partir da interconexão mundial dos computadores. O termo, portanto, especifica,
não apenas a infra-estrutura material da comunicação digital, mas também o universo de
informação que ela abriga e a quantidade de pessoas que “navegam” e sustentam esse
universo (LÉVY, 1999, p.26).
O estudo do ciberespaço e da cibercultura, que fazem possível a formação de
comunidades virtuais, está diretamente ligado à criação da Internet. Conforme Pierre
Lévy (1999), a mídia digital traz à tona uma nova maneira das pessoas conviverem, mas
alerta que: “compreender o lugar fundamental das tecnologias da comunicação e da
inteligência na história cultural nos leva a olhar de uma nova maneira a razão, a verdade
e a história, ameaçadas de perder sua preeminência na civilização da televisão e do
computador" (LÉVY, 1999, p.92).
Como podemos observar em nosso cotidiano, ao utilizarmos essas redes virtuais
e a internet, verificamos que, como nos diz Machado e Palácios (2003):
Trabalhando com bancos de dados alojados em máquinas de crescente
capacidade de armazenamento e contando com a possibilidade do acesso
assíncrono por parte do usuário, bem como de alimentação (atualização
contínua) de tais bancos de dados por parte não só do produtor como também
do usuário (interatividade), além do recurso sempre disponível da
hiperlinkagem a outros bancos de dados (hipertextualidade e
multimidialidade), os textos acabam dispondo de espaços virtualmente
ilimitados diante da grandiosidade de espaço colocado à disposição de todos.
(MACHADO; PALÁCIOS, 2003, p.7).
O conceito de comunidade, portanto, a partir dessa evolução tecnológica, tem
passado por inúmeras transformações. De acordo com Primo (1997), este termo é
normalmente utilizado para descrever “um conjunto de pessoas em uma determinada
área geográfica”, incluindo-se, aí, a visão de que ele tem uma estrutura social, ou seja,
que exista “algum tipo de relacionamento entre essas pessoas”. (PRIMO, 1997, p.01)
Além disso, ainda de acordo com o autor, “pode existir um espírito compartilhado entre
os membros da comunidade e um sentimento de pertencer ao grupo”.
Primo (1997), citando Persell (1987), descreve a diferenciação entre comunidade
(gemeinschaft) e associação (gesellschaft) feita pelo sociólogo alemão Ferdinand
17
Tönnies, em 1887. Segundo Persell, comunidade significa “uma sociedade tradicional,
de cultura homogênea, onde os indivíduos têm relacionamentos interpessoais e
valorizam
as
relações
sociais”.
Associação
indica
uma
“sociedade
urbana
industrializada, descreve o conjunto de indivíduos com relações impessoais, distantes,
individualizadas e que usam as relações sociais como meios para um fim” (PERSELL
(1987), citado por PRIMO (1997)).
As tecnologias digitais, que atualmente passaram a ter um aspecto de
coletividade, hoje, na sociedade contemporânea, têm também como referência a
virtualidade, segundo Pierre Lévy (1999), já que, de acordo com o autor, elas “surgiram,
então, como a infra-estrutura do ciberespaço, novo espaço de comunicação, de
sociabilidade, de organização e de transição, mas também novo mercado da informação
e do conhecimento” (LÉVY, 1999, p.32). De acordo com ele, “em geral não importa
qual é o tipo de informação ou de mensagem: se pode ser explicitada ou medida, pode
ser traduzida digitalmente” (LÉVY, 1999, p.81), haja vista a quantidade de pessoas que
participam do Orkut (rede virtual de relacionamentos) e de comunidades virtuais em
geral, como o IRC, já citado anteriormente.
Assim, de acordo com Lemos (2002), “é a cultura contemporânea, associada às
tecnologias digitais (ciberespaço, simulação, tempo real, processos de virtualização),
que cria esta nova relação”. Ele explica que “as novas tecnologias tornam-se vetores de
novas formas de agregação social” (LEMOS, 2002, p.17).
Fernback e Thompson (1995, p. 8), citados por Primo (1997), definem
comunidades virtuais como as “relações sociais formadas no ciberespaço através do
contato repetido em um limite ou local específico (como uma conferência eletrônica)
simbolicamente delineado por tópico ou interesse”. Assim, para esses autores, nesses
“locais” os indivíduos se reúnem por terem um “senso comum, e não por mera
agregação geográfica”.
Outros autores, como, por exemplo, Rheingold (1996), entendem comunidade
virtual como:
Agregações sociais que emergem na Internet quando um número de pessoas
conduz discussões públicas por um tempo determinado, com suficiente
emoção, e que forma teias de relações pessoais no ciberespaço. (...) a
diminuição das possibilidades de encontros reais nas cidades motivou o
surgimento e o crescimento dos encontros virtuais. (RHEINGOLD, 1996,
p.85)
18
Portanto, diante de uma rede imensa de conceitos, torna-se importante
entendermos a sua relação com a questão da cidadania e a sua analogia com termos
como Educação, inclusão digital e grupos sociais. Para tanto, apoiamos em Silva et al
(2005), quando afirma que deve haver uma estreita vinculação entre esses termos, visto
que, de um lado, se encontram a ética e a cidadania; de outro, estão a educação para a
informação por via digital, mas todos estes com vistas à inclusão digital (SILVA et al,
2005, s.p.).
1.1 Letramento digital
Segundo Xavier (2002), o surgimento das novas tecnologias explicitado
anteriormente acabaram por atingir diretamente o processo ensino aprendizagem, além
de que a utilização dessas novas ferramentas tecnológicas acabarem por exigir dos
indivíduos aprendizagem de comportamentos e raciocínios específicos. Assim, essas
mudanças tidas como sociais pelo autor, fizeram com que surgisse uma nova forma de
letramento a que se tem denominado letramento digital.
Para o autor, letramento digital representa a importância de que esses indivíduos
passem a dominar uma série de habilidades e um conjunto de novas informações.
Porém, para entendermos esse contexto, é imprescindível que façamos uma breve
discussão acerca do tema letramento digital. Para isso, é necessário entendermos a
diferença, primeiramente, entre alfabetização e letramento. Para Soares (2003),
alfabetizado é aquele indivíduo que possui a tecnologia da escrita, que tem a capacidade
de decodificar os símbolos e sinais gráficos da língua, mas não tem a capacidade de
leitura e de escrita ou ela ainda é falha, onde o sujeito não possui a habilidade efetiva de
leitura e escrita.
Isso indica, segundo Xavier (2006), que o sujeito, mesmo alfabetizado, ainda
não “degustou” o que as práticas socioculturais podem lhe oferecer, quer seja:
a) A compreensão de textos maiores, mais aprimorados e construídos;
b) A elaboração de relatórios mais detalhados;
c) A facção de textos argumentativos que sejam claros e que defendam sua
opinião com persuasão;
19
d) A descrição detalhada de ambientes e pessoas sobre os quais ele deseja
escrever, por exemplo.
O letramento, por sua vez, trata-se de uma prática cultural social e
historicamente estabelecida
[...] que permite ao indivíduo apoderar-se das suas vantagens e assim
participar efetivamente e decidir, como cidadão do seu tempo, os destinos
da comunidade à qual pertence e as tradições, hábitos e costumes com os
quais se identifica. A capacidade de enxergar além dos limites do código,
fazer relações com informações fora do texto falado ou escrito e
vinculá-las à sua realidade histórica, social e política são características de
um indivíduo plenamente letrado. (BARTON e HAMILTON, 1998, p.12).
Também para Valente (s.d.)2, o letramento diz respeito ao processo por meio do
qual o sujeito, depois de adquirir o método de leitura e escrita tradicionais, aprende as
mais diversas formas de como utilizar aquele conhecimento nas suas práticas sociais.
Para o coordenador, no caso específico do letramento digital, ele pode ser considerado
fraco, quando o indivíduo possui um conhecimento básico e utiliza as mídias de modo
banal, ou forte, quando o sujeito utiliza as mídias como forma de se conscientizar e de
transformar a realidade em que vive.
Porém, mesmo que uma pessoa possa ser considerada alfabetizada e letrada, se
ela não realiza as práticas de leitura e escrita em diferentes suportes e sob as mais
diversas formas que não somente a tida como “convencional”, ela pode ser considerada
como uma analfabeta ou iletrada digital. Isso significa que para ser considerado como
um letrado digital, o indivíduo precisa ter a capacidade de ler e escrever códigos verbais
e não verbais, independentemente do suporte em que eles se encontrarem.
Uma pesquisa realizada por Tapscott (1999) revelou que crianças e adolescentes
estão procurando o caminho para o letramento digital de maneira autônoma e
independente, em grande parte, por meio da própria internet, propondo, de acordo com
o pesquisador, uma maneira nova de aprender, mais participativa, dinâmica e que
descentraliza a figura o professor.
2
VALENTE. José Armando. Por que o computador na Educação? Disponível em:
http://edutec.net/Textos/Alia/PROINFO/prf_txtie09.htm. Acesso em: 6 jan 2010.
20
Ao discutir essa pesquisa realizada, Xavier (2006) afirma que essa geração
conectada possui uma tendência a desenvolver habilidades como, por exemplo:
[...] independência e autonomia na aprendizagem; abertura emocional e
intelectual; preocupação pelos acontecimentos globais; liberdade de
expressão e convicções firmes; curiosidade e faro investigativo; imediatismo
e instantaneidade na busca de soluções; responsabilidade social; senso de
contestação; tolerância ao diferente. (XAVIER, 2006, s.p.).
Além disso, Barton (1998) afirma que existem alguns tipos de letramento, sendo
o digital apenas um deles. Para ele:
Letramento não é o mesmo em todos os contextos; ao contrário, há
diferentes Letramentos. A noção de diferentes letramentos tem vários
sentidos: por exemplo, práticas que envolvem variadas mídias e sistemas
simbólicos, tais como um filme ou computador, podem ser considerados
diferentes letramentos, como letramento fílmico e letramento computacional
(computer literacy). (BARTON, 1998, p.9).
Esses letramentos, portanto, por serem contextualizados tecnologicamente,
historicamente, econômica e culturalmente, acabam sofrendo mudanças dependendo das
instituições sociais e da sociedade nas quais são tidos como oficiais.
Para Xavier (2006), no processo de união dos letramentos alfabético e digital, a
aprendizagem passa a acontecer a partir do alfabético para o digital. Portanto o grande
volume de informações que são acessíveis a partir do meio digital faz com que o
letramento alfabético se caracteriza de suma importância para a conquista da cidadania,
já que é ele que vai permitir àqueles que acessam as informações a assimilação, a
avaliação e o controle das mesmas, transformando-as em conhecimento. Além disso,
ainda segundo o autor, isso acaba por fazer com que haja a ampliação da utilização do
letramento alfabético em virtude da existência do digital.
Então, concluindo as idéias do autor, podemos afirmar que para que o indivíduo
não seja considerado um analfabeto digital, faz-se mister que ele não só domine a
escrita, mas também a consiga utilizá-la levando em conta suas potencialidades sociais e
que, ao menos minimamente, consiga entender o funcionamento dos sistemas
operacionais. Para tanto, nos exemplifica Xavier (2002), que:
21
Só se sai da “ignorância digital”, conhecendo pelo menos parte das
“infovias” ou auto-estradas virtuais por onde trafegam as informações
relevantes que ficam à espera de serem transformadas em conhecimento. É
preciso saber “buscar” uma certa informação na rede digital, utilizar com
eficiência os “mecanismos de busca” em sites que têm como função
única armazenar e disponibilizar todas as páginas eletrônicas da Internet
que abordam certos temas ou assuntos. (XAVIER, 2002, p.16).
Para Xavier (2002), o letramento possui três componentes: as Práticas Sociais,
os Eventos de Letramento e os Gêneros textuais/digitais, sendo que todos eles
contribuem para a concretização de um projeto político. Ainda segundo o autor, as
práticas sociais significam as formas culturais por meio das quais os sujeitos realizam
sua ações. Essas devem ser concebidas como atitudes reais e que atendem às
expectativas de outros indivíduos, dentro das instituições políticas, religiosas, sociais etc
da qual fazem parte. Ou seja, saber usar adequadamente gêneros, sejam textuais ou
digitais, nos mais diversificados eventos de letramento institucionais torna-se
imprescindível para o desempenho cultural, político ou econômico do sujeito na
sociedade/comunidade a qual pertence. (XAVIER, 2002).
De acordo com Xavier (2002), as condições tecnológicas, sociais e culturais
estão cada vez com mais intensidade, nos indicando a necessidade da aquisição do
letramento digital, o que corrobora com as palavras de Freire quando diz que: “é preciso
ser letrado digital, Isto é, fazer-se cidadão do mundo através dos processos digitais, hoje
um pouco mais democraticamente disponíveis” (FREIRE, 1982, p.84). Para Graff
(1998), porém, é importante lembrarmos que em nenhuma sociedade o letramento
poderá ser considerado universal, visto que, como já foi falado anteriormente, ele está
intimamente ligado à situação social, econômica e história pelas quais perpassam aquela
determinada sociedade.
1.2 Exclusão digital
Trata-se por exclusão digital, nos dizeres de Almeida e Meneses3, na realidade, o
conceito oposto ao de inclusão digital tratando-se, mais especificamente, do problema
da falta de acesso, ou seja, daquele grande número de pessoas que ainda se encontram à
margem do fenômeno da sociedade da informação. Esse é um conceito que, apesar de
3
ALMEIDA, André; MENESES, Nathália. Exclusão Digital Disponível em:
http://caminhoinclusaodigital.wikidot.com/exclusao-digital. Acesso em 25 jan 2010.
22
ser novo, é bastante utilizado teoricamente em diversos campos como, por exemplo, o
da comunicação e da sociologia. Além disso, vale a pena destacar que em muitos países
o termo exclusão digital deixou de ser usado em detrimento do termo “brecha digital”
significando justamente a separação entre incluídos e excluídos. Esse termo já está
também sendo utilizado no Brasil.
Ainda de acordo com os autores, esse é um tema atual de debates entre
governos, organizações multilaterais e entidades de um modo geral, como as ONGs e
que têm, normalmente como pauta questões como as políticas de inclusão digital, a
criação de pontos comunitários de acesso à internet e a capacitação de usuários de
ferramentas digitais. (Grifo nosso). Os gráficos abaixo nos indicam a relação entre
população x acesso a computador, primeiramente em relação à região da qual pertence
e, em seguida, em relação às questões de raça (GRÁFICO 1):
Gráfico1: Mapa da exclusão digital no Brasil
FONTE: Fundação Getúlio Vargas (FGV)4
4
FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS. Mapa da Exclusão Social. Rio de Janeiro: FGV/IBRE, CPS,
2003. Disponível em: www2.fgv.br/ibre/cps/...exclusao/.../apresentação.htm. Acesso em: 5 jan 2010.
23
Para Chaves5:
Hoje em dia, dados os avanços tecnológicos, é fundamental que todos tenham
acesso a terminais de computadores e saibam operar com alguns sistemas
básicos que permitem, com grande velocidade e eficiência, digitar textos,
fazer cálculos, trabalhar com imagens e gráficos, elaborar planilhas de
contas, etc., etc. (CHAVES, s.d.).
Para o autor, é importante, para não dizer imprescindível, que cedamos aos
avanços tecnológicos “em nome da pura e simples eficiência”. (CHAVES, s.d., s.p.).
1.3 Inclusão digital
Para Almeida e Meneses6, a inclusão digital pode ser entendida como
“democratização das tecnologias”. Para os autores em questão, em corroboração ao que
já foi dito anteriormente, inclusão digital significa fazer com que o conhecimento
adquirido sobre informática por um indivíduo seja utilizado com a finalidade de
melhorar e ampliar seu quadro social.
Nesse sentido, essa melhora do quadro social é explicado por Fleury (2005)
como:
[...] a busca de uma nova institucionalidade para a democracia, que seja capaz
de atender conjuntamente aos princípios de reconhecimento, participação e
redistribuição, marca o momento atual. Trata-se de uma articulação entre
inovação social e inovação institucional que permitiria a construção de uma
nova institucionalidade para a democracia. A democracia passa a ser vista,
mais do que um procedimento, como uma prática social na qual se constróem
as identidades coletivas, uma nova gramática de organização da sociedade
que permite a redefinição dos vínculos sociais, a inclusão de novos temas e
atores, a ampliação do político. Mais do que um conjunto de regras, a
democracia implica o reconhecimento do outro, a inclusão de todos os
cidadãos em uma comunidade política, a promoção da participação ativa e o
combate à toda forma de exclusão. Enfim, a democracia requer o primado de
um principio de justiça social, além de sujeitos políticos e instituições.
(FLEURY, 2005, p.12).
Assim, é necessário entendermos, mais detalhadamente, o conceito de inclusão
digital e o acesso às informações que ela nos permite, possibilitando a construção de
5
CHAVES, Lázaro. Analfabetismo digital. Disponível em:
http://caminhoinclusaodigital.wikidot.com/analfabetismo-digital. Acesso em 6 jan 2010.
6
ALMEIDA, André; MENESES, Nathália. O que é inclusão digital? Disponível em:
http://caminhoinclusaodigital.wikidot.com/o-que-e-inclusao-digital. Acesso em 25 jan 2010.
24
novos conhecimentos e, consequentemente, a melhoria na qualidade de vida desses
indivíduos agora incluídos digitalmente.
De acordo com Silva et al (2005), “inclusão digital é um processo que deve levar
o indivíduo à aprendizagem (...) e ao acesso à informação disponível nas redes,
especialmente aquela que fará diferença para a sua vida e para a comunidade na qual
está inserido”. (SILVA et al, 2005, s.p.)
1.3.1 Cidadania e inclusão digital
Para iniciarmos essa discussão, torna-se prioritário entendermos a conceituação
de cidadania, para alguns autores. Assim, de acordo com Coutinho (2005):
Antes de mais nada, cabe lembrar que, sobretudo em sua acepção
propriamente moderna, ocorre uma profunda articulação entre cidadania
e democracia. (...) Democracia é sinônimo de soberania popular. Ou seja:
podemos defini-la como a presença efetiva das condições sociais e
institucionais que possibilitam ao conjunto dos cidadãos a participação ativa
na formação do governo e, em conseqüência, no controle da vida social.
(COUTINHO, 2005, s.p.).
Para Reis (1997):
Etmologicamente, a palavra cidadania vem do latim civitas, mas as idéias que
levam à noção de cidadania surgem muito antes disso. Com os gregos, já são
incorporados os ideais que remetem à noção de liberdade, de valores
republicanos, constituindo o germe do conceito de cidadania. E mesmo antes
dos gregos as referências abstratas à noção de igualdade na doutrina das
religiões antigas já introduzem alguma noção de igualdade. A noção de que
os seres humanos são idênticos perante Deus, perante alguma divindade,
constitui uma inovação nesse sentido. De qualquer forma, pode-se dizer que,
no contexto da polis grega, as noções de liberdade e igualdade adquirem,
diferentemente das religiões antigas, um conteúdo político. (REIS, 1997, p.
12).
Como complementação ao que nos disse Reis, Boldstein (1997), citado por Silva
et al (2005) nos diz que o termo cidadania:
[...] apesar de sua estreita relação com a ideologia individualista moderna,
deve ser abordada como uma experiência histórica, cujo aparecimento remete
à Antigüidade Grega. Desde o seu início, caracteriza uma relação entre
iguais, e destes com o poder. Assim, só ganha existência como medida de
igualdade e de convivência coletiva dentro de uma comunidade política,
composta de sujeitos portadores de direitos. Constitui-se, dessa forma, em
25
pré-requisito indispensável para inclusão e participação na vida pública. É
inseparável da noção de igualdade sociopolítica, presente de forma restrita ou
ampliada em todas as sociedades. De qualquer maneira e em suas múltiplas
dimensões, a cidadania é um meio de proteção e uma condição para o
exercício dos direitos e, também, deveres. (SILVA et al, 2005, s.p.).
Além disso, de acordo com Coutinho (2005):
A democracia é concebida como a construção coletiva do espaço público,
como a plena participação consciente de todos na gestação e no controle da
esfera política. É precisamente isso o que Rousseau entende por "soberania
popular". Um dos conceitos que melhor expressa essa reabsorção dos bens
sociais pelo conjunto dos cidadãos -- que melhor expressa, portanto, a
democracia -- é precisamente o conceito de cidadania. Cidadania é a
capacidade conquistada por alguns indivíduos, ou (no caso de uma
democracia efetiva) por todos os indivíduos, de se apropriarem dos bens
socialmente criados, de atualizarem todas as potencialidades de realização
humana abertas pela vida social em cada contexto historicamente
determinado. (COUTINHO, 2005, s.p.).
Para Martins (1997):
O atual estágio de percepção e intervenção a respeito da crise do Estado tem
suscitado a proliferação de alternativas de reconstrução e evolução
burocrática no ambiente democrático. A administração pública brasileira está
diante de uma oportunidade única na sua trajetória: modernizar-se na
democracia. Isto implica o grande desafio de se integrar meios de regulação
política com meios de inserção social. (MARTINS, 1997, p.59).
Já segundo Araújo (1999), citado por Silva et al (2005):
Araújo (1999) considera que a construção da cidadania, ou de práticas de
cidadania, passa, necessariamente, pela questão do acesso e uso de
informação. Tanto a conquista de direitos políticos, civis e sociais, quanto a
implementação dos deveres do cidadão dependem do livre acesso à
informação sobre tais direitos e deveres. Ou seja, dependem da ampla
disseminação e circulação da informação e, ainda, de um processo
comunicativo de discussão crítica sobre as diferentes questões relativas à
construção de uma sociedade mais justa e, portanto, com maiores
oportunidades para todos os cidadãos. (SILVA et al, 2005, s.p.). (Grifo
nosso).
Essa interconexão mundial possibilitada pelo acesso à informatização é, segundo
Wolton (1999), uma comunicação direta, sem mediações, como uma mera performance
técnica. Isso apelaria, de acordo com o autor, para sonhos de liberdade individual, mas
26
que, segundo ele, é ilusório, já que a rede pode dar acesso a uma massa de informações,
mas ninguém é um cidadão do mundo, querendo saber tudo, sobre tudo, no mundo
inteiro. “Quanto mais informação há, maior é a necessidade de intermediários. (...) A
igualdade de acesso à informação não cria igualdade de uso da informação”.
(WOLTON, 1999, p.12).
Nesse sentido, segundo Lustosa (s.d.)7:
A criação de canais que permitissem e estimulassem a participação da
sociedade na condução das políticas de seu interesse mais direto, embora
condição necessária , não é condição suficiente para que haja participação de
fato. A sociedade precisa “querer e saber” participar. Precisa ter uma clara
noção do seu papel, dos seus objetivos e dos seus poderes junto a essas
instâncias participativas, para poder fazer uso dos canais da maneira
esperada. (LUSTOSA, s.d., p.4).
Assim, atualmente, em algumas instituições do setor da informação, de acordo
com Henriques, Braga e Mafra (s.d.)8:
O enorme crescimento dos meios de comunicação de massa como um campo
especializado de intermediação social tem acarretado um desenvolvimento
intenso das atividades de planejamento da comunicação no âmbito das
organizações, de tal forma que se possa garantir, num espaço público cada
vez mais disputado, a visibilidade necessária ao seu reconhecimento pelos
públicos aos quais se vinculam direta ou indiretamente. (HENRIQUES;
BRAGA; MAFRA, s.d., p.1).
Assim, segundo Henriques, Braga e Mafra (s.d.):
Nos dias de hoje, o imenso volume de estímulos produzidos pela “sociedade
da informação”, disputam a atenção dos indivíduos em torno das mais
variadas questões. Os projetos de mobilização perceberam a necessidade de
profissionalizar a sua intervenção comunicativa para entrar nesta
concorrência de interesses. Para isso, passaram a utilizar a grande mídia
como meio obrigatório para a divulgação de suas ações e a convocação da
participação dos indivíduos. As lutas por reconhecimento transformaram-se
em lutas por visibilidade. Os movimentos passaram a programar estratégias
de comunicação de massa, com a esperança de obterem a legitimidade
(reconhecimento público) e o destaque (visibilidade ampliada) necessários
para que os projetos de mobilização conquistem o apoio e a adesão do maior
7
LUSTOSA, Paulo Henrique. Desenvolvimento local induzido e democracia participativa. Disponível
em: http://www.ibrad.org.br/site/Upload/Artigos/12.pdf. Acesso em: 10 mar. 2009.
8
BRAGA, Clara S.; HENRIQUES, Márcio S.; MAFRA, Rennan L. M. As Relações Públicas na
constituição das causas sociais: a mobilização como ato comunicativo. S.d. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br/~larp/londrina.rtf. Acesso em: 14 jul. 2009.
27
número possível de pessoas. (HENRIQUES; BRAGA; MAFRA, s.d., p. 2)9.
Essa participação da sociedade na condução das políticas de seu interesse é
realizada, agora, com a realidade da inclusão digital, por atores que, segundo Arroyo
(2003):
São eles, os novos-velhos atores sociais em cena. Estavam em cena mas se
mostram como atores em público, com maior ou novo destaque. Seu perfil é
diverso, trabalhadores, camponeses, mulheres, negros, povos indígenas,
jovens, sem-teto, sem creche [...] Sujeitos coletivos históricos se mexendo,
incomodando, resistindo. Em movimento. (ARROYO, 2003, p.4).
Mas qual seria o papel desempenhado pela inclusão digital nas condições de
vida dos indivíduos? De acordo com pesquisa sobre o tema divulgada pela Fundação
Getúlio Vargas (2003), a melhor forma de fazer essa verificação, é identificar os
impactos dessa inclusão sobre as condições de vida e o bem-estar, como indica o
esquema abaixo: (FIGURA 1)
Figura 1: Capital digital e tipos de impactos
FONTE: FGV, 2003, p. 24.
9
HENRIQUES, Márcio S.; BRAGA, Clara S.; MAFRA, Rennan L. M. As Relações Públicas na
constituição das causas sociais: a mobilização como ato comunicativo. S.d. Disponível em:
http://www.fafich.ufmg.br/~larp/londrina.rtf. Acesso em: 14 jul. 2009.
28
Portanto, conforme pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (2003), um dos efeitos
positivos da inclusão digital, e de que vamos tratar no decorrer deste trabalho, trata-se
do que diz respeito ao bem-estar social10. O documento informa que:
Os indivíduos extraem utilidade diretamente do uso de computadores ou da
sua conexão à rede mundial de computadores, independentemente do capital
digital afetar, ou não, a sua capacidade de geração de renda. Na chamada era
do conhecimento, ID (inclusão digital) é uma questão básica de cidadania,
como o é no acesso a serviços públicos, educação e saúde. Isso implica, na
prática, em expandir as medidas usadas de bem estar social com a posse de
recursos físicos, conhecimentos e redes ligadas ao uso de tecnologia de
informática. (FGV, 2003, p.25).
1.3.2. Informática educativa
O termo informática educativa, segundo Almeida e Meneses11, é o nome que se
dá à interferência tecnológica sofrida pela educação que incentiva a utilização do
computador nos processos pedagógicos, tanto no ensino como na aprendizagem. Para os
autores, essa não é uma significação única, já que dependerá da visão educacional e da
condição pedagógica em que essa ferramenta tecnológica será usada. Para eles:
Vive-se um período em que se faz necessário ter ao menos um domínio
mínimo das informações. Os benefícios trazidos pelas novas tecnologias são
incontáveis, e é indiscutível a proporção de seus reflexos sociais e
comportamentais. O símbolo maior dessas inovações da tecnologia é o
computador que hoje é acessível à boa parte da população e com isso vem
ganhando seu devido valor. (ALMEIDA e MENESES, s.d.).
Ainda segundo Almeida e Meneses, as vantagens na utilização do computador e
da internet são muitas e independem do nível e da modalidade da Educação, entre elas,
os autores destacam: o grande número de hipertextos e a rede de informações que
possibilitam o acesso a um universo de textos, a possibilidade de aulas virtuais, a maior
interação entre as pessoas, entre outras. Essas possibilidades elencadas pelos autores
podem dinamizar as relações, de acordo com eles, além de aumentar a capacidade de
desenvolvimento dos alunos; porém, para que isso aconteça efetivamente, torna-se
10
Apesar de entender que os três impactos colocados pela pesquisa da FGV são importantes, para efeito
de dinamização do trabalho nos embasaremos prioritariamente no segundo impacto divulgado, ou seja, os
efeitos de bem-estar social.
11
ALMEIDA, André; MENESES, Nathália. O que é informática educativa? Disponível em:
http://caminhoinclusaodigital.wikidot.com/o-que-e-informatica-educativa. Acesso em 13 jan 2010.
29
necessário que ele tenha, ao menos que minimamente, alguma habilidade para lidar com
aquela tecnologia.
Para resumir o que foi colocado aqui, podemos nos embasar em Machado
(2007), quando afirma que:
No decorrer deste texto, busquei demonstrar como as tecnologias de
informação, com especial atenção à Internet, proporcionaram novos
horizontes para o ativismo político e o engajamento nas lutas sociais. A
"apropriação" de espaços na rede mundial pelos movimentos sociais tem
contribuído para o fortalecimento das demandas sociais, ao oferecer certos
tipos de organização, formas de articular ações e de se fazer política, que não
existiam antes. (MACHADO, 2007, p.6).
30
2 EDUCAÇÃO E O MST
2.1 MST – Breve histórico
A história do MST, de acordo com Gonsaga (2009), remonta ao ano de 1979, a
partir do momento em que um grupo de famílias, ao ser expulso de suas terras e não
aceitando as condições de colonização impostas pelo governo decidiram ocupar
terrenos. Apoiados naquele momento por um padre, a decisão de ocupação tanto de
terras de grandes proprietários quanto do governo, foi a forma que aquele grupo
encontrou para procurar uma solução para o problema pelo qual passavam: a falta de um
espaço para viverem.
Segundo Fernandes (2000), essas ocupações, inicialmente no Rio Grande do Sul,
foram se estendendo para outras partes do país, até que no ano de 1984, no 1º Encontro
Nacional dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, nasce o MST. O movimento tinha como
principal objetivo de luta a ocupação de terras improdutivas concentrada nas mãos da
elite latifundiária. Esse surgimento, portanto, ainda de acordo com o autor, acontece
como conseqüência da política agrária implementada pelo governo ditatorial em nosso
país, décadas antes, mais precisamente entre os anos de 1960 e 1970, com a
mecanização da lavoura, quando houve a expulsão de trabalhadores do campo em
detrimento das máquinas que passaram a substituí-los. Além disso, para Gonsaga
(2009), os pequenos agricultores, sem condições de competição no mercado, acabaram
por migrar para o setor extrativista, principalmente em estados como o Pará, Rondônia e
Mato Grosso, onde o governo tinha projetos de colonização.
De acordo ainda com Gonsaga (2009), porém, muitas famílias ainda optaram por
permanecer em suas cidades e lutar contra essa situação. O governo, em contrapartida,
reprimiu essas famílias, dificultando suas vidas enormemente. Além disso, o governo
utilizava-se, também, dos meios de comunicação existentes na época, principalmente os
jornais impressos e o rádio, com a finalidade de degradar a imagem do movimento que
surgia diante da sociedade da época. A essa fase histórica vivida pelo movimento, que
durou dos anos 60 até 1984, para Fernandes (2000), é denominada de inicial.
Nesse sentido, de acordo com SHERER-WARREN (1993):
31
Se partirmos da definição de que existe um movimento social quando uma
ação coletiva gera um princípio identitário grupal, define os opositores ou
adversários à realização plena dessa identidade ou identificação e age em
nome de um processo de mudança societária, cultural ou sistêmica, podemos
concluir que os movimentos sociais existem em permanente tensão e conflito
com os princípios da modernidade, (...). Talvez esta tensão explique a
constante tentativa de criminalização dos movimentos sociais ou a
dificuldade das elites hegemônicas em aceitar como legítimos os movimentos
dos segmentos subalternos em países como o Brasil, onde os valores da
modernidade estão bastante presentes. Entretanto, frequentemente, em uma
direção conciliatória, os movimentos sociais têm dialogado com os valores
orientadores da modernidade, numa tentativa de coadunar “permanência” e
“mudança”, face aos conflitos sociais e contradições que os atingem.
(SHERER-WARREN, 1993, p.01).
Já a fase de consolidação do MST, ainda segundo o autor, aconteceu dos anos de
1985 e vai até o início da década de 90 e foi denominada dessa forma por ter sido nesse
período em que o movimento se projetou como movimento de massas e por ter sido essa
uma época de “conquista da autonomia e do reconhecimento político” (FERNANDES,
2000, p.22), com a consolidação do MST graças à organização interna, o que gerou,
consequentemente, um maior poder de luta e um ganho de abrangência que ia
adquirindo com o passar daqueles anos.
A terceira fase do movimento, ocorrida a partir da década de 90 até os dias
atuais é denominada pelo autor como a época de territorialização, por ser esse o período
em que o movimento passou a ser conhecido nacionalmente. Porém, de acordo com
Gonsaga (2009), essa é uma fase em que o MST passou por intensas modificações
internas, o que veio a se constituir como desafio para o movimento, além da repressão
que a atual conjuntura política imprimia aos movimentos de classe naquele período.
Apesar dessa divisão colocada por Fernandes (2000), Caldart (2004), na visão de
Gonsaga (2009), não concorda com o terceiro momento descrito. A autora afirma que
Caldart (2004) reconhece a terceira fase do movimento como sendo aquele no qual o
MST se insere mais amplamente nas questões políticas e sociais do país, procuramdo
lutar por um projeto popular de reforma agrária e estrutural brasileiros.
Atualmente, na fala de Gonsaga (2009), o Movimento dos Sem Terra organizase por meio de “brigadas”, que são a união de 250 famílias, a fim de facilitar o diálogo,
a discussão e a própria organização do movimento. Essa mudança ocorre a partir da
segunda fase já explicitada e se amplia à medida que ele passa a exercer maior poder de
luta.
Segundo Gonsaga (2009):
32
A luta do MST vai além da conquista da terra, entendendo que não basta
conquistá-la; é preciso ter condições de se manter nela. Para este fim lutam
por uma estrutura que envolve o bem estar do homem, lutam por justiça
social e contra as desigualdades sociais existentes na sociedade brasileira.
Portanto, a luta do MST é a luta dos trabalhadores, se configurando como
uma luta política envolvendo diversos segmentos da sociedade - o direito à
saúde, trabalho, educação, lazer, etc. (GONSAGA, 2009, p.14).
Com relação à Educação, O MST, na visão de Gonsaga (2009), tem o objetivo
centrado na busca por um modelo de Educação diferenciado, direcionado à formação
integral, com vistas às dimensões humana e social, tanto dos sujeitos quanto do próprio
movimento, além dos conteúdos curriculares tradicionais. Esse modelo de Educação,
apesar de ter por base a realidade do meio em que esse indivíduo viva, não fecha em si
própria, abarcando novos horizontes.
Faz-se mister afirmar aqui, nos embasando em Caldart (2004), que esse modelo
de Educação diferenciada é uma das bandeiras do movimento, surgido ainda nos anos
de 1980, no mesmo período em que surgiram os primeiros assentamentos, em
decorrência da necessidade de escolarização dos filhos das famílias acampadas.
Inicialmente, a iniciativa foi realizada por mães e professoras que acabaram por
pressionar a mobilização do movimento por escolas.
Além disso, outro fator que impulsionou a luta foi o fato de que as próprias
lideranças do movimento entendiam a importância do estudo para a organização do
MST. Assim, partindo do princípio, segundo o autor, de que as crianças do movimento
dos Sem Terra possuíam experiência de vida diferenciada de outras crianças, deveriam
receber formas diferentes de ensino, onde pudessem se sentir valorizadas,
principalmente no que concerne o modo de vida e de socialização das mesmas.
Essa busca por uma educação que satisfizesse as necessidades explicitadas
originou a criação do setor de Educação do MST a partir do 1º Encontro Nacional do
MST, no ano de 1987, sendo que, dez anos depois acontece o I ENERA, Encontro de
Educadoras e Educadores da Reforma Agrária, em Brasília, com a formação da primeira
turma de Magistério do MST, em parceria com a FUNDEP (Fundação de
Desenvolvimento de Pesquisa).
Assim, pelos Princípios Educativos da Educação no MST (1996), a Educação
oferecida deve ter, como característica primordial, “a preocupação com a abertura de
33
horizontes de nossos/nossas estudantes, de modo que pratiquem aquele velho princípio,
também filosófico, de que nada do que é humano me pode ser estranho”. (MST, 1996,
p.6).
Ao longo de anos de Encontros Nacionais, portanto, de acordo com Caldart
(2000), foi sendo aprimorada o que seria, mais tarde, a proposta pedagógica do MST
para suas escolas, que foi elaborada pelo Coletivo Nacional de Educação do movimento,
tendo como principal finalidade de orientação do trabalho de Educação em todos os
acampamentos e assentamentos do país. Foram utilizadas, ainda, para a construção
dessa proposta, teorias educacionais de diversos autores, entre os quais podemos
destacar Paulo Freire, Makarenko, José Martí, entre outros expoentes.
Já em 1998, nos dizeres de Gonsaga (2009), o MST implementou o curso
superior de Pedagogia, denominado de Pedagogia da Terra, em parceria com diversas
unidades públicas em todo o país.
Para Menezes Neto (2001) a Educação proposta pelo MST, portanto, tem o
objetivo primeiro de formação de sujeitos conscientes e críticos na aquisição de uma
educação libertadora. Para atingir tal meta, portanto, ainda de acordo com o autor,
torna-se importante que os educadores tenham uma formação diferenciada, quebrando a
estrutura tradicional de aquisição de conhecimentos, e que procurem, prioritariamente,
estar comprometidos com a bandeira de lutas do MST.
Podemos concluir, diante do exposto, e apenas inicialmente, que em qualquer
movimento social é importante que haja uma ampla discussão acerca das questões
individuais e coletivas de forma que cada um de seus participantes possa perceber-se em
um universo maior que o individual com vistas à transformação da coletividade e da
sociedade como um todo. O que é reafirmado por Sen (2000), citado por Anastasia e
Inácio (2006), quando diz que:
Do ponto de vista do desenvolvimento da capacidade de participação
política, os processos deliberativos efetivados nessas arenas comportam
uma dimensão instrumental, relativa à ampliação das oportunidades de
vocalização de preferências e reivindicação de atenção política por parte
dos cidadãos, e uma dimensão construtiva, relativa à definição de
“necessidades” a partir de uma base informacional pautada na pluralidade
de preferências. (ANASTASIA; INÁCIO, 2006, p. 12).
34
Nos dizeres de Anastasia e Inácio (2006), os direitos, no plano da normalização,
são facultativos, porém, com recursos mal distribuídos de tempo, espaço, econômicos,
de informação e de debate político, há uma dificuldade da transição entre direitos e reais
capacidades, quer seja, “a possibilidade de um ator focalizar preferências e controlar
publicamente os atos e omissões dos representantes eleitos”. Por isso, ainda de acordo
com a autora, o maior desafio é “a combinação adequada entre instituições e condições
para garantir a tradução dos direitos, recursos e preferências dos diferentes atores
políticos em capacidades do exercício efetivo do seu status de cidadão.”12, o que é a
grande preocupação do grupo, como pudemos observar, o que nos remete às palavras de
Anastasia13, quando afirma que:
As instituições são pensadas para regular comportamentos e interações entre
seres humanos e, portanto, operam sob condições econômicas, sociais,
culturais diversas e afetam o comportamento e os resultados do jogo político
e são afetadas pelas condições do contexto em que elas estão envolvidas.
(ANASTASIA, 2009).
De acordo com Arroyo (2003), “A brutal exclusão dos setores populares urbanos
dos serviços públicos, mais básicos, provocou, desde a década de 50, reações e
mobilizações pela inserção social. Pelo direito à cidade, aos bens e serviços públicos”.
(ARROYO, 2003, p.3). A escola, antes considerada como uma “dádiva da política
clientelística” passa a ser exigida como um direito. Para o autor:
Vai se dando um processo de reeducação da velha cultura política, vai
mudando a velha auto-imagem que os próprios setores populares carregavam
como clientes agraciados pelos políticos e governantes. Nessa reeducação da
cultura política tem tido um papel pedagógico relevante os movimentos
sociais, tão diversos e persistentes na América Latina. (ARROYO, 2003,
p.4).
Como o movimento social em questão é o Movimento dos Sem-Terra, portanto
um movimento social atualmente de grande escala, podemos corroborar com as idéias
de Arroyo quando esse afirma que a mídia nomeia os sujeitos que participam desse
movimento social como indivíduos baderneiros, desorganizados, violentos e sem
escrúpulos. De acordo com Castelo Branco (2003), em sua pesquisa de doutorado, em
uma entrevista com um de seus personagens ela cita que isso acontece:
12
13
Vídeo-aula – módulo 2.
Em vídeo-aula – Módulo 1
35
[...] porque a televisão transmite o que é os Sem-Terra. Eles não passam uma
coisa boa. Eles falam é um bando de não sei o quê, bagunceiro, baderneiro,
ladrão. Então, a maioria que assiste, escuta aí e quando você chega assim: ‘eu
sou Sem-Terra’, é a mesma coisa que tá falando ‘eu sou ladrão’. É a
ideologia que transmite isso”, diz o jovem Gabriel. (CASTELO BRANCO,
2003, p.34).
Para Arroyo (2003), nesses movimentos sociais o mais importante torna-se o
coletivo. Para o autor, esses “são processos educativos-formadores totais”. Segundo
Arroyo (2003):
Os sujeitos coletivos que se agregam e põem em movimento se identificam
com essas dimensões tão perenes. Eles nos remetem ao enraizamento de
nossa condição e formação como humanos: a vida, o sobre-viver, as
condições materiais, o lugar, o espaço, o corpo, a raça, a cor da pele, as
temporalidades, o gênero, as relações mais básicas entre coletivos.
(ARROYO, 2003, p.10).
Assim, ainda segundo o autor:
O objeto das mobilizações são necessidades localizadas no seu universo mais
próximo, na reprodução mais imediata da existência, porém as reivindicações
são dirigidas para fora, para os governos, para as políticas públicas, para a
reforma agrária, para o modelo econômico, para a igualdade (...) Os
movimentos geram um saber e um saber-se para fora. (ARROYO, 2003,
p.11).
Segundo Castelo Branco (2003):
O que pensamos que somos se contrapõe às representações que o ‘outro’ tem
de ‘mim’ ou de ‘nós’. Assim o ‘eu’ e o ‘nós’ não existem fora da
representação do ‘outro’. A dinâmica de um grupo social vai ser mediada na
relação dialética do ‘outro’ que está fora14. A escola, as pessoas da cidade
vizinha, os agentes de extensão, o padre visitante, o pesquisador da
Embrapa... podem ser o ‘outro’ que vai participar da trama das relações
vividas no cotidiano ou contexto social do grupo social (nesse estudo, o
assentamento rural). E é nesse movimento dialético das relações que vão se
formando as diferentes identidades que só poderão ser desvendadas “no jogo
contraditório das concepções sobre o genérico e o particular, em que
indivíduo e sociedade se interpenetram. (CASTELO BRANCO, 2003, p.27).
É nessa concepção, que reafirmamos as concepções de Arroyo (2003), quando
esse diz que esse ser participante do movimento social alarga seu saber localizado e a
36
partir daí se amplia, repleto de interpretações que o auxiliam a entender o mundo
exterior ao assentamento (no caso específico de nossos sujeitos da pesquisa) “para se
entender como coletivo nessa globalidade” e a partir disso conseguem maneiras de
enfrentar esse mundo “exterior” ao do movimento do qual faz parte.
Ainda para Arroyo (2003), “a maioria dos coletivos que se agregam e organizam
na luta pela terra, o espaço, os serviços públicos... carregam uma esperança espontânea
em um mundo de justiça, de liberdade, igualdade e dignidade”. (ARROYO, 2003, p.15).
Portanto, suas vivências expressam não só suas vivências, mas também as experiências
dos outros, seus semelhantes na busca de um ideal por meio da luta.
Para Stöbaus e Mosquera (2006), quanto mais positiva for sua auto-imagem,
mais livres de tensões, intranqüilidades e frustrações esses movimentos são capazes de
lutar, pois esse é um “bolo” único, unido pela busca de um mesmo ideal.
Finalizando, concordamos com Souza (1993), quando esse afirma que faz-se
mister:
[...] descobrir a novidade nas lutas mais tradicionais das áreas rurais, na
ocupação de espaço, na resistência e na reação popular. A sociedade
brasileira tem um enorme dinamismo, que se manifesta por inesperados
caminhos e em irradiações nem sempre visíveis para aqueles que olham a
realidade em seus aspectos mais aparentes. (SOUZA, 1993, p.7).
2.2 Educação popular e cidadania
Como pudemos verificar, os movimentos sociais do campo possuem, como
bandeira central, a luta pela reforma agrária, entendendo-a como transformação
latifundiária. Porém, como nos demonstra Gonsaga (2009):
Diante da diversidade de sujeitos e das relações sociais que se configuram no
campo, eles abarcam diversas demandas, incluindo em suas lutas outras
questões tais como: direitos sociais e trabalhistas, melhores salários,
contra o trabalho escravo, pelos direitos dos atingidos pela construção
de barragens, pela afirmação e respeito à cultura indígena, pelos direitos
da mulher, pela garantia de políticas que garantam a produção agrícola,
entre outras. Eles atuam na perspectiva de mudar as condições concretas de
opressão, de carências, de exclusão, de discriminação, apontam um projeto de
produção auto-sustentável e baseado na agro-ecologia, na construção de
relações sociais de produção auto-gestionárias, baseadas na solidariedade;
buscam uma sociedade sem preconceito, sem discriminação. (GONSAGA,
2009, p.45).
37
Diante dessa realidade, podemos afirmar que as propostas de luta implementadas
por esses movimentos sociais, independentemente de qual seja, surgem a partir da
experiência adquirida, na maioria das vezes concretamente, por sujeitos sociais e são
resultados de diálogos e conhecimentos que foram construídos socialmente na busca
pelo cooperativo.
Assim, de acordo com Freire (2000), a educação popular proveniente de
organizações sociais precisam, para serem efetivadas, de assumir uma posição
transformadora considerando seus sujeitos agentes ativos na produção de um
conhecimento. Essa Educação, para Freire (1987), para ser considerada como popular,
deve incorporar os princípios, sejam eles políticos, filosóficos, culturais ou sociológicos
dos movimentos nos quais atua, a fim de formarem sujeitos autônomos e livres;
concepção de Educação delineada por Freire como pedagogia do oprimido (FREIRE,
1987).
Essa concepção educacional, para Freire (1987):
é uma educação libertadora, nascida e fortalecida no seio das classes
populares e de seus movimentos sociais que busca romper ou superar uma
concepção de educação tradicional, “bancária”, largamente utilizada na
educação escolar, criticada por ser funcional aos setores dominantes,
numa perspectiva de consolidar um projeto hegemônico de dominação
econômica, ideológica e cultural. Insurge-se, assim, como uma educação
contra-hegemônica, posto que reclama e afirma um projeto de educação
aliado a um projeto alternativo de sociabilidade. (FREIRE, 1987, p.23).
É, portanto, nessa perspectiva que se insere a educação do campo, que possui o
diálogo como um elemento essencial de construção do conhecimento, promovendo
processos comunicativos e de intercomunicação entre sujeitos que buscam,
efetivamente, a transformação pela ação de libertação e de emancipação. Essa Educação
Popular, ainda nos embasando em Freire (2000):
[...] busca proporcionar aos indivíduos uma compreensão crítica que
possibilite uma práxis transformadora da realidade social, política,
cultural, numa expectativa utópica de uma sociedade igualitária,
emancipadora. O exercício constante da ‘leitura do mundo’, demandando
necessariamente a compreensão crítica da realidade, envolve, de um lado sua
denúncia, de outro o anúncio do que ainda não existe. (FREIRE, 2000, p. 21).
38
De acordo com Gonsaga (2009), esses princípios da escola popular precisam
estar em consonância com as reivindicações dos movimentos sociais sob diversos
aspectos, entre eles ideológicos, filosóficos, políticos, cultural a fim de fortalecer o
projeto de sociedade, mas, principalmente devido ao fato de que a educação “ainda é
negada aos sujeitos que vivem da terra”. (GONSAGA, 2009, p.57).
Para finalizarmos essa discussão15, no que diz respeito às Leis que regem o tema,
podemos citar a Constituição de 1988, que colocava a Educação como direito de todos
os cidadãos; fato que teve, como conseqüência a abertura de novos olhares para a
educação no campo, antes, tida como inexistente diante da Lei. A visibilidade alcançada
pelas lutas dos movimentos de campo pela Educação fez com que a educação rural
ganhasse espaço legítimo a partir da promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional (LDB) 9394/96 que diz, em seu artigo 28 que:
Na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino
promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da
vida rural e de cada região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e metodologias apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural;
II - organização escolar própria, incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
III - adequação à natureza do trabalho na zona rural. (BRASIL, 1996).
Devemos destacar, ainda como conquistas adquiridas por meio das lutas dos
movimentos de campo, entre elas, a criação, no âmbito do MEC, da Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade, que inclui, na sua estrutura, a
Coordenação Geral de Educação do campo e o Grupo Permanente de Trabalho
de Educação do Campo, o qual conta com a participação do poder público e de
representantes dos movimentos sociais.
Segundo Batista (2008), as concepções e reivindicações do movimento
contribuíram
para
a
formulação
e
para
aprovação, também, das Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, pelo Conselho
Nacional de Educação. Em seu artigo 4º, a Resolução CNE/CEB, de 3 de abril de
2002, afirma que:
15
Digo “finalizar” como uma questão temporal, de momento, visto que essa discussão não tem um fim
em si própria, mas permanece e se amplia gerando novos questionamentos e debates.
39
O projeto institucional das escolas do campo, expressão do trabalho
compartilhado de todos os setores comprometidos com a universalização
da educação escolar com qualidade social, constituir-se-á num espaço
público de investigação e articulação de experiências e estudos direcionados
para o mundo do trabalho, bem como para o desenvolvimento social,
economicamente justo e ecologicamente sustentável. (BRASIL, 2002).
Portanto, conforme nos mostra Batista (2008), fica aí, nesse artigo, delineada a
preocupação no desenvolvimento social com vistas à sutentabilidade e à justiça social,
diferentemente do que acontece tradicionalmente. Já em seu capítulo 2º, a Resolução
(2002) também implica que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às
questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza
futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções
exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.
(BRASIL, 2002). (Grifo nosso).
Nesse artigo podemos notar a importância que se é dada aos saberes já
apropriados pelos alunos, com respeito à memória. Um dado que nos chama a atenção
diz respeito à preocupação com a questão tecnológica, citada nesse artigo, e que indica a
necessidade da construção desse tipo de saber (leia-se letramento digital, como já
especificado anteriormente) como parte constitutiva do que o documento identifica
como “qualidade social da vida coletiva no país” (BRASIL, 2002, s.p.).
Outra conquista feita pelos movimentos sociais do campo, por meio de suas
lutas, como nos aponta Batista (2008), é o PRONERA – Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária que tem como um de seus objetivos o acompanhamento e
atendimento a projetos educacionais do campo e como função, a elaboração e a
implementação de cursos de formação de educadores, denominado: Pedagogia da Terra;
Licenciatura em Pedagogia para Educadores e Educadoras da Reforma Agrária; Curso
de Graduação em Ciências Agrárias- Licenciatura Plena; Curso Técnico de
Enfermagem; além da capacitação de monitores alfabetizadores para desempenharem
essa função nos cursos de Educação de Jovens e Adultos e Ensino Fundamental nos
assentamentos e acampamentos do MST. Além dos cursos de Graduação, ainda nos
40
embasando em Batista (2008), podemos citar, ainda, cursos de Pós-Graduação,
possibilitados pelo Programa Nacional de Formação de Estudantes e Qualificação
Profissional para a Assistência Técnica, criado no ano de 2004.
Essas conquistas são indicadores sutis, mas ao mesmo tempo veementes, de que
a cidadania passa a ser, no contexto da pesquisa que ora propomos, um processo de luta
pela conscientização de cada um, através da Educação e do acesso ao conhecimento e à
informação. (ROCHA, 2000, citado por SILVA et al, 2005)
Assim, concordamos com Souza (1993), quando esse afirma que:
Descobrir a novidade nas lutas mais tradicionais das áreas rurais, na
ocupação de espaço, na resistência e na reação popular. A sociedade
brasileira tem um enorme dinamismo, que se manifesta por inesperados
caminhos e em irradiações nem sempre visíveis para aqueles que olham a
realidade em seus aspectos mais aparentes. (SOUZA, 1993, p.7).
Para Praia (2000), foi a conscientização sobre a existência de diferentes
contextos sociais que ampliou o conceito de cidadania que assume, diante de conquistas
implementadas, não somente a qualidade do ser cidadão, mas fazendo deles próprios
responsáveis pela transformação por que perpassa toda a sociedade. A escola, sob esse
olhar, ainda de acordo com o autor, sofre interferências dessas mudanças, tornando-se
um espaço de reconhecimento da memória e dos conhecimentos existentes em
somatório com os novos saberes e novas tecnologias. Isso permite a integração entre
pessoas e a construção de uma sociedade mais justa e de indivíduos com uma
consciência mais crítica.
Além disso, de acordo com Resweber (1995), essa escola a qual concebemos
como espaço de memória, passa a ser, ao mesmo tempo um local de interação, não só
entre sujeitos, como já dito, mas como espaço onde coabitam técnicas tradicionais e
novas de aprendizagem.
Então, diante do exposto, podemos admitir que o conhecimento historicamente
produzido no contexto universal nos remete a afirmar que as escolas rurais não estão
descoladas do todo. A existência e a necessidade dessas escolas devem ser entendidas
como formas articuladas do movimento da totalidade. E, conforme nos afirma Silva
(2000):
41
É preciso superar a visão dualista, que organiza o conhecimento sobre os
fenômenos humanos de forma dicotomizada, em pares antagônicos (ex rural;
x urbano). Essa maneira de compreender o mundo baseia-se em aparências e
não dá conta da complexidade do mundo real. No mundo real, os objetos se
interpenetram para compor a totalidade. A totalidade contém uma integração
entre o rural e urbano. (SILVA, 2000, p. 131).
2.3 O curso Pedagogia da Terra
Esse curso é fruto de parceria entre a UFMG, o Ministério do Desenvolvimento
Agrário, o Movimento dos Sem-Terra (MST), o movimento social Via Campesina, e o
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A proposta do curso é formar professores aptos a atuar nos ensinos Fundamental
e Médio, em projetos de assentamentos criados pelo Programa de Reforma Agrária do
Governo Federal. Com estrutura diferenciada do ensino tradicional, a licenciatura prevê
módulos presenciais e não-presenciais. Ao final de cinco anos, 60 alunos terão o
diploma de Licenciatura em Educação Básica do Campo: Pedagogia da Terra com
atuação interdisciplinar nos ensinos fundamental e médio.
Segundo Gonsaga (2009), esse curso foi formulado tendo como base áreas de
conhecimento, quer sejam: Ciências da Vida e da Natureza; Matemática; Ciências
Sociais e Humanidades; Línguas, Artes e Literatura.
Esse curso funciona de forma diferenciada, sendo, portanto, semi-presencial.
Esse modelo funciona de forma que os períodos são divididos em dois “tempos”:
tempo-escola, quando os alunos têm aula presencial na Universidade, e tempocomunidade, quando aqueles mesmos alunos desenvolvem atividades em suas próprias
comunidades. Com duração de cinco anos, o curso Pedagogia da Terra está estruturado
em dez Tempos-Escola e dez Tempos-Comunidade, como nos indica a tabela 1 a seguir:
42
TABELA 1: Divisão dos Tempo-Escola e Tempo-Comunidade do curso
Em seu Projeto Político Pedagógico (1997), a importância e a necessidade da
terra para os participantes do MST e a sua estreita ligação com a Educação a ser ali
apreendida e que é direcionada pelo documento ficam claras. Esse mesmo sentimento é
expresso por Leonardo Boff (1999), citado por Caldart (2000), quando diz que:
Pertencemos à Terra; somos filhos e filhas da Terra; somos Terra. Daí que
homem vem de húmus. Viemos da Terra e a ela voltaremos. A terra não está
à nossa frente como algo distinto de nós mesmos. Temos a Terra dentro de
nós. Somos a própria Terra que na sua evolução chegou ao estágio de
sentimento, de compreensão, de vontade, de responsabilidade e de veneração.
Numa palavra: somos a Terra no seu momento de auto-realização e de
autoconsciência. (BOFF (1999) citado por CALDART, 2000, p. 221).
Essas palavras são também corroboradas pelo Projeto Político Pedagógico do
Movimento dos Sem Terra, quando, na sua epígrafe, é colocado um trecho de Caldart
(2000) que afirma:
43
O substantivo terra, associado com a pedagogia, indica o tipo de
materialidade e de movimento histórico que está na base da formação de seus
sujeitos e que precisa ser trabalhada como materialidade do próprio curso:
vida construída pelo trabalho na terra, luta pela terra, resistência para
permanecer na terra.. Quando os estudantes do MST passaram a se chamar de
pedagogos e pedagogas da terra estavam demarcando e declarando este
pertencimento: antes de serem universitários somos Sem Terra, temos a
marca da terra e da luta que nos fez chegar até aqui. (MST, 2008, p.3, citando
CALDART, 2000).
O Pedagogia da Terra, portanto, é um curso superior em parcerias com
Universidades e funciona em vários estados brasileiros. Verificando os objetivos do
curso propostos ainda no Projeto Político Pedagógico do curso em questão, podemos
citar, entre eles:
- Afirmar a educação enquanto um direito humano;
- Democratizar o acesso ao conhecimento e a cultura acadêmica;
- Desenvolver qualificações que permitam melhor diálogo com a
sociedade atual, numa perspectiva emancipa tória;
- Formar educadores e educadoras para compreender a realidade em seus
mais diferentes aspectos;
- Contribuir na formação e organização das e dos camponeses numa
perspectiva da construção de um campo onde todos possam ser sujeitos de
sua historia;
- Contribuir para a formação de sujeitos comprometidos com a construção e
implementação da educação do Campo;
- Contribuir com a construção do projeto de Reforma Agrária para a classe
trabalhadora;
- Se comprometer com a alfabetização dos povos do campo, para que não
tenha nenhum analfabeto e analfabeta no campo;
- Se comprometer com a pesquisa numa perspectiva para a transformação da
realidade. (MST, 2008, p.9-10). (Grifo nosso)
Essa formação de educadores de forma diferenciada, com uma maior
preocupação do que faz parte com a vivência desses professores nos assentamentos é
ressaltada por Beltrame (2002), que nos aponta que:
Outro aspecto a ser ressaltado diz respeito à particularidade que caracteriza o
Curso Pedagogia da Terra enquanto política interinstitucional de formação de
professores de assentamentos. Por meio dele, favorecem-se algumas
condições concretas que possibilitam a visualização de uma outra
profissionalidade docente, pouco convencional em nosso tempo; uma
consciência diferenciada, que dá visibilidade e concreticidade a um orgulho
de ser professor em nosso tempo, na conquista da terra, na construção de uma
educação transformadora e cidadã (BELTRAME, 2002, p.51).
44
Essa preocupação do curso em ofertar a concreticidade do que lhes é conhecido
em suas realidades dos acampamentos ou assentamentos, faz com que os docentes do
Pedagogia da Terra adquiram um conhecimento, ao realizar o curso tendo como base a
mistura entre teoria e prática e a reflexão dessa prática por meio da teoria, o que é
denominado por Freire (2007), como “práxis educativa”. Assim, como afirma Gonsaga
(2009):
Entendendo que não basta apenas o conhecimento teórico, a proposta de
educação do MST busca fazer a combinação da teoria com a prática, visando
proporcionar aos sujeitos as condições devidas que os levem a um nível de
amadurecimento capaz de torná-los seres conscientes de sua condição,
sujeitos que tenham consciência de classe e que percebam que a conquista da
terra não basta, que é necessário, portanto, desencadear outras lutas para que
tenham condições de vida reais e dignas. (GONSAGA, 2009, p.63)
Especificamente no estado de Minas Gerais, o curso está sendo realizado desde
2005, na Faculdade de Educação (FaE), na Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG). Antes, porém, uma tentativa de convênio já havia sido feita na Universidade
Estadual de Minas Gerais (UEMG), mas sem efetivação do curso em questão.
Inicialmente, a proposta do curso, enquanto debate com a UFMG, era de um curso
voltado apenas para a formação de professores de 1ª a 4ª séries. Com as discussões
implementadas, a proposta de uma Educação formadora para professores de Ensino
fundamental ampliou para toda a Educação Básica, o que fez com que o curso, nos
dizeres de Gonsaga (2009), passasse a se chamar Licenciatura em Educação do Campo.
Outros movimentos sociais, como o Via Campesina participam desse curso. Porém,
ainda de acordo com a autora:
Devido ao forte contexto identitário, ao longo deste trabalho optamos por nos
dirigir ao curso em questão utilizando a denominação Pedagogia da Terra.
Esse termo, além de expressar a identidade dos sujeitos
educandos/educadores/militantes envolvidos, traz também consigo as marcas
de um caminho construído a partir de “referências políticas, teóricas e
pedagógicas específicas”. Esta foi uma grande conquista dos movimentos
sociais do campo em Minas Gerais e em todo o Brasil, visto que esse é o
primeiro curso de Licenciatura em Educação do Campo firmado entre estes e
instituições de ensino superior. O curso, inclusive, é considerado uma
experiência piloto pelo Ministério da Educação (MEC). (GONSAGA, 2009,
p.22).
45
Portanto, diante do exposto e ao relacionarmos o que é dito pela autora com o
Projeto Político Pedagógico do Curso Pedagogia da Terra do MST, podemos entender
que a formação pretendida desses professores abarca, não somente a formação
profissional, como também a militância dentro do movimento. Além disso, ainda para
Gonsaga (2009), a proposta do curso em questão tem como base a perspectiva do que
Freire (2007) afirma ser a teoria da Educação Libertadora, visto que o papel do
educador é o de “contribuir para a inserção dos sujeitos oprimidos num contexto em que
estes se coloquem no mundo de maneira ativa, consciente e questionadora”.
(GONSAGA, 2009, p.23).
O curso Pedagogia da Terra, instituído em parceria entre o MST e universidades
públicas, encontra-se implementado atualmente na Universidade Federal do Espírito
Santo (UFES) e na Universidade Estadual do Mato Grosso (UNEMAT), desde 1999; na
Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal do Rio Grande do Norte
(UFRN), Universidade Federal de Rondônia (UFRO), Universidade Estadual de
Pernambuco (UPE) e Universidade Estadual do Rio Grande do Sul (UERGS), desde
2001; na Universidade do Estado da Bahia (UNEB), desde 2004 e na Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), desde novembro de 2005 (CARVALHO e ROCHA,
2006).
De acordo com a Lei nº 9394/96 - LDB, em seus artigo 67, é dito que:
Art. 67. Os sistemas de ensino promoverão a valorização dos profissionais da
educação, assegurando-lhes, inclusive nos termos dos estatutos e dos planos
de carreira do magistério público:
I - ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos;
II - aperfeiçoamento profissional continuado, inclusive com licenciamento
periódico remunerado para esse fim;
III - piso salarial profissional;
IV - progressão funcional baseada na titulação ou habilitação, e na avaliação
do desempenho;
V - período reservado a estudos, planejamento e avaliação, incluído na carga
de trabalho;
VI - condições adequadas de trabalho.
§ 1o A experiência docente é pré-requisito para o exercício profissional de
quaisquer outras funções de magistério, nos termos das normas de cada
sistema de ensino.(Renumerado pela Lei nº 11.301, de 2006)
§ 2o Para os efeitos do disposto no § 5o do art. 40 e no § 8o do art. 201 da
Constituição Federal, são consideradas funções de magistério as exercidas
por professores e especialistas em educação no desempenho de atividades
educativas, quando exercidas em estabelecimento de educação básica em
seus diversos níveis e modalidades, incluídas, além do exercício da docência,
as de direção de unidade escolar e as de coordenação e assessoramento
pedagógico. (Incluído pela Lei nº 11.301, de 2006) (BRASIL, 1996).
46
O Parecer CNE/CEB 36/2001 e a Resolução CNE/CEB 1/2002, que institui as
Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, possui alguns
artigos, nesse ínterim, que merecem atenção, principalmente os artigos 12 e 13 que
afirmam que:
Art. 12 O exercício da docência na Educação Básica, cumprindo o
estabelecido nos artigos 12, 13, 61 e 62 da LDB e nas Resoluções N° 3/1997
e N° 2/1999, da Câmara da Educação Básica, assim como o parecer do
Pleno do Conselho Nacional de Educação, a respeito da formação de
professores em nível superior para a Educação Básica, prevê a formação
inicial em curso de licenciatura, estabelecendo como qualificação mínima,
para a docência na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino
Fundamental, o curso de formação de professores em Nível Médio, na
modalidade Normal.
Parágrafo único. Os sistemas de ensino, de acordo com o artigo 67 da LDB
desenvolverão políticas de formação inicial e continuada, habilitando todos
os professores leigos e promovendo o aperfeiçoamento permanente dos
docentes.
Art. 13 Os sistemas de ensino, além dos princípios e diretrizes que orientam a
Educação Básica no país, observarão, no processo de normatização
complementar da formação de professores para o exercício da docência nas
escolas do campo, os seguintes componentes:
I - estudos a respeito da diversidade e o efetivo protagonismo das crianças,
dos jovens e dos adultos do campo na construção da qualidade social da vida
individual e coletiva, da região, do país e do mundo;
II - propostas pedagógicas que valorizem, na organização do ensino, a
diversidade cultural e os processos de interação e transformação do campo, a
gestão democrática, o acesso ao avanço científico e tecnológico e
respectivas contribuições para a melhoria das condições de vida e a
fidelidade aos princípios éticos que norteiam a convivência solidária e
colaborativa nas sociedades democráticas. (BRASIL, 2002). (Grifo nosso).
Para finalizarmos, citamos o Artigo 2º da Resolução CNE/MEC, de 3 de abril de
2002, que diz que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões
inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios
dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência
e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa
de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade
social da vida coletiva no País. (BRASIL, 2002). (Grifo nosso).
47
3 METODOLOGIA
3.1 Sujeitos da pesquisa
Os sujeitos de nossa pesquisa são professores, alunos do curso de Licenciatura
de Educação básica do Campo: Pedagogia da Terra, da Faculdade de Educação, da
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que durante o curso, optam por uma
área de atuação - língua, artes e literatura; ciências sociais e humanidades; ciências da
vida e da natureza; e Matemática. Optamos por trabalhar com os 20 alunos do curso de
informática para os quais ministro aula, a fim de discutir sobre as conquistas no âmbito
da cidadania possibilitadas por essas aulas especificamente. A escolha não foi aleatória,
mas sim com aqueles 20 alunos que se intitularam como com mais dificuldade em lidar
com as ferramentas tecnológicas e que foram, posteriormente, inscritos pela
coordenação para realizarem o curso. Esses alunos fizeram parte da 9ª etapa do TempoEscola IX, nos meses de junho/julho.
O curso Pedagogia da Terra iniciou-se com 60 estudantes, que foram indicados
considerando-se o envolvimento dos mesmos em suas comunidades, acampamentos e
assentamentos, além da representatividade nas instâncias dos movimentos nos quais
estão inseridos. A turma teve início com 60 estudantes, dos quais, 12 desistiram por
motivos diversos. Portanto, dos 48 remanescentes, 20 deles participaram das aulas de
informática ministradas, sendo que dos 20, apenas 15 participaram ativamente do curso
de informática. Os horários das aulas era de 13 às 14 horas, às segundas, quartas e
sextas-feiras, durante 3 semanas, sendo do dia 22/06 a 13/07/09.
Esses alunos, em sua maioria, são profissionais da educação provenientes do
próprio movimento, sendo alguns lideranças e militantes do movimento social no qual
atuam e já engajados na prática social como cotidiana e que procuram fazer parte das
mudanças sociais, econômicas e políticas do meio em que vivem. Segundo o projeto do
curso Pedagogia da Terra (2005), citado por Gonsaga (2009):
As necessidades presentes na escola do campo exigem um profissional com
uma formação mais ampliada, mais totalizante, já que ele tem que dar conta
de uma série de dimensões educativas presentes nesta realidade. Nesse
sentido, a demanda de formação do docente multidisciplinar exige um
repensar de um modelo de formação presente nas Universidades Brasileiras,
centrado em licenciaturas específicas, no curso de Pedagogia ou Normal
Superior.. (...) Nesse sentido, pensar na proposta de um curso que formam
48
educador no ensino fundamental, aliando nessa formação, os processos de
docência e gestão, de pesquisa e de intervenção, competências fundamentais
para o educador do campo. Isso exige um pensar dos conteúdos, dos tempos,
dos espaços, das propostas metodológicas do curso até então em vigor, sem
desconsiderar o acúmulo já existente em nossas universidades. (PROJETO
DO CURSO DE LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO, 2005,
p.4-5, citado por Gonsaga (2009)).
Esses professores em formação possuem um perfil adulto que procuram nesse
curso a possibilidade de formação superior, visto que muitos dos assentamentos dos
quais são provenientes são itinerantes, o que impossibilita um curso presencial.
3.2 Percurso da pesquisa
Foram percorridas as seguintes fases no decorrer da pesquisa:
1) Fase exploratória – Essa fase correspondeu ao momento no qual o caso é
ainda inicial e vai se tornando mais claro e mais definido no decorrer dos estudos e
levantamentos iniciais. É um período de definições mais concisas do objeto e de
estratégias para a coleta dos dados. É preciso, entretanto, fazermos um certo recorte e
produzirmos uma determinada delimitação no assunto. Para isso, utilizamos como ponto
inicial, além de uma pesquisa bibliográfica, uma pesquisa de campo para que possamos
verificar as conseqüentes transformações sociais dos sujeitos de nossa pesquisa a partir
da sua inclusão digital e a repercussão (se é que ela existe) nos movimentos sociais dos
quais fazem parte (assentamentos).
2) A delimitação do estudo – Fase que se iniciou com a coleta real dos dados e
possibilitou um direcionamento maior sobre o foco a ser dado pela pesquisa.
3) A análise sistemática e a elaboração do relatório – Esse é o momento final do
registro oficial de todo o caminho percorrido com esse estudo e que tem, como
resultado, a redação dessa pesquisa.
3.3 Procedimentos de coletas de dados
A pesquisa que ora propomos trata-se de delineamento descritivo, que refere-se
à descoberta e observação de fenômenos procurando descrevê-los, classificá-los e
observá-los (RUDIO, 1997). Além disso, será feita uma abordagem qualitativa porque,
nesse caso específico, a sala de aula é a fonte direta dos dados e o pesquisador, o seu
instrumento principal. Entendemos que a opção por essa abordagem está no fato de ser a
49
pesquisa qualitativa uma abordagem que possibilita a obtenção de dados a partir do
contato direto do pesquisador com os sujeitos do estudo, onde o primeiro procura
entender os fenômenos a partir das perspectivas dos participantes envolvidos, para,
então, interpretá-los. O contexto, então, é elemento fundamental para que se possa
estudar o problema que deu origem a esse trabalho. Ele é social e, portanto, essa é a
abordagem mais adequada para entender a natureza do fenômeno estudado. (LÜDKE e
ANDRÉ, 1986). Além disso, segundo Minayo (2007):
A pesquisa qualitativa responde a questões muito particulares. Ela se ocupa,
nas Ciências Sociais, com um nível de realidade que não pode ou não deveria
ser quantificado. Ou seja, trabalha com o universo dos significados, dos
motivos, das aspirações, das crenças, dos valores e das atitudes. Esse
conjunto de fenômenos humanos é entendido aqui como parte da realidade
social, pois o ser humano se distingue não só por agir, mas por pensar sobre o
que faz e por interpretar suas ações dentro e a partir da realidade vivida e
partilhada com seus semelhantes. (MINAYO, 2007, p. 21).
Nesse sentido, portanto, acreditamos que essa abordagem qualitativa a que nos
propomos venha ao encontro do que consideramos importante para efetivarmos a
construção da pesquisa, pois ela nos oferece subsídios importantes para serem
trabalhados.
Os dados coletados são descritivos, constituindo-se em rico material sobre
pessoas, situações, acontecimentos, entrevistas e documentos. Nesse caminho, quanto
mais dados da realidade forem percebidos, melhor, já que, às vezes, os mínimos e
insignificantes detalhes fazem toda a diferença. O foco de atenção é o significado que as
pessoas dão às coisas, ou seja, como os observados encaram as questões relacionadas ao
problema levantado. Cabe, portanto, ao observador, checar, confrontar e confirmar ou
não suas observações.
A idéia inicial dessa pesquisa seria uma de cunho naturalista, ou seja, aquela em
que a coleta de dados é feita no ambiente natural. (RUDIO, 1997) Porém, diante das
dificuldades de transporte e disponibilidade de tempo, optou-se pelo ambiente sala de
aula e não mais os assentamentos dos quais esses professores atendidos pelo curso de
computação fazem parte. Entretanto, procuraremos verificar sobre a recepção e o
resultado da aplicação do aprendizado nesses assentamentos por meio de contato virtual
com esses professores atendidos pelo projeto.
50
A análise dos dados tende, então, a seguir um processo indutivo, ou seja, o que
antes era amplo vai se afunilando, tornando-se mais específico e direto. Isso significa
que mesmo que se parta de um referencial teórico, o pesquisador deve procurar,
constantemente, novos elementos que poderão ser acrescentados no decorrer do
trabalho.
Além disso, para que se possa compreender mais completamente o objeto, é
preciso levar em conta o contexto em que ele se situa, por isso, as ações, as
percepções, os comportamentos e as interações das pessoas devem ser relacionadas
ao local fim de nossa pesquisa.
Ao executar uma pesquisa, o pesquisador recorre a uma variedade de dados que
são coletados de inúmeros modos, como, por exemplo: “observação, entrevista,
análise de documentos. Com esse variado material nas mãos, o pesquisador deve
cruzar os dados, confirmar ou não suas hipóteses, descobrir novos dados, levantar
outras hipóteses...” (NAGEM, 2007, p.63)
3.4 Instrumentos de coleta de dados
3.4.1 Pesquisa bibliográfica
Iniciando o processo de metodologia do estudo, foi realizada uma pesquisa
bibliográfica a respeito do tema abordado, citando, entre os vários autores pesquisados,
Lévy (1999), Castells (1999, 2003), Lemos (2002), Scherer-Warren (1993), Silva et al
(2005) e Arroyo (2003) e Fernandes (2000), Gonsaga (2009), entre inúmeros outros.
Foram realizadas, também, consultas a documentos, como o Projeto Político
Pedagógico do curso, proposta metodológica e matriz curricular, além de leis que
envolvem a questão. A análise desses documentos, nos permite, inclusive, entre outras
coisas, obter informações, servindo-nos, então, como amplas fontes de informação,
como nos afirma Lüdke e André (1986).
3.4.2 Elaboração de questionário
Outra forma de coleta de dados diz respeito à elaboração de dois questionários a
serem aplicados em sala de aula para os alunos do curso de informática da Licenciatura
Pedagogia da Terra. O primeiro, denominado “Questionário I – Expectativas” (ANEXO
1), procurando identificar as prioridades que eles têm ao fazer esse curso, quais as
51
expectativas e quais as possibilidades levantadas por eles a partir do término do curso
de informática. Além disso, poderemos verificar quais as referências esses
alunos/professores têm de conceitos como cidadania, inclusão, participação efetiva,
educação, entre outros, a fim de possibilitar ao pesquisador a contextualização desses
indivíduos dentro do seu movimento social. O segundo questionário, denominado como
“Questionário II – Finalização” (ANEXO 2), tinha como objetivo principal procurar
verificar se o curso atingiu os objetivos propostos inicialmente e saber em quê e de que
forma o que ele aprendeu ali poderá ser útil no lugar de convívio daqueles alunos. O
primeiro questionário foi entregue aos alunos no dia 22 de junho de 2009 e o segundo
no dia 13 de julho do mesmo ano. Os alunos responderam os questionários dentro de
sala de aula, porém, sem o pesquisador interferir nas respostas apresentadas.
Enquanto instrumento de coleta de dados, o questionário tem as funções de
descrever e medir determinadas variáveis de um grupo social. Essa descrição dos dados
coletados, a partir do questionário, serviu como elemento de análise com o objetivo de
perceber, além da realidade vivenciada por esses indivíduos, o que eles podem trabalhar
nos aspectos de cidadania auxiliados por essa ferramenta tecnológica. Nos mesmos dias,
após a aplicação dos questionários, houve uma discussão com os alunos sobre as
respostas dadas a fim de facilitar o entendimento de algumas questões que poderiam ser
aprofundadas e que pudessem servir, igualmente como fonte de dados para a pesquisa, o
que consideramos como parte das observações, explicitadas a seguir.
3.4.3 Observação
Outro método a ser aplicado é a observação. A mente humana é muito seletiva e
por isso, ao observar um objeto ou um problema, pode-se ter diferentes percepções,
dependendo de quem o olha.
Como estratégia imprescindível em uma pesquisa, a observação, enquanto
técnica, precisa ser confiável. Portanto, para que ela se disponha aos objetivos
propostos, ela deve ser sistematicamente planejada, registrada e analisada. Planejar uma
observação implica determinar o quê e como observar. É preciso delimitar o objeto de
pesquisa, definir o foco da investigação e a sua contextualização espaço-temporal e
definir, também, o grau de participação do observador que deverá estar preparado física,
intelectual e psicologicamente para realizá-las.
52
Nos dias de aplicação dos questionários, a observação pode ser conceituada
como participante, visto que o pesquisador procurou abrir uma discussão sobre as
respostas a fim de conseguir mais dados e detalhes acerca do que estava sendo colocado
naqueles questionários. Nos outros dias de curso, a observação conceituou-se como
observação não-participante. No caso em questão, propôs-se a observação nãoparticipante porque a intenção é atuar como um espectador atento, registrando o
máximo de ocorrências que interessam à pesquisa, durante a visualização das aulas no
curso de informática já descrito. A observação realizada procurou verificar, durante as
aulas, os comentários, o que era discutido em sala entre os alunos e alguma atitude que
pudessem representar-se como fonte de informação e que fossem pertinentes ao assunto
discutido.
3.5 Dificuldades encontradas
Segundo Gonsaga (2009), uma das grandes dificuldades dos educandos
apontadas na sua dissertação de Mestrado estava relacionada à dificuldade dos alunos
em organizar o tempo do estudo para que ele seja efetivo e de qualidade. Da mesma
forma, ao realizarmos a pesquisa, pudemos verificar que um dos grandes entraves foi o
relacionado ao horário das aulas que não era cumprido pela maior parte dos alunos
inscritos, o que gerou certas dificuldades, inclusive na aplicação dos questionários. A
freqüência de alguns alunos também pode ser considerado um dos grandes entraves do
processo de sequência didática das aulas oferecidas, pois alguns alunos estavam
presentes em algumas aulas e em outras não, o que acabou prejudicando o andamento e
a aprendizagem. Essa dificuldade, também apontada por Gonsaga (2009) indica que
“também destacada pelos orientadores de aprendizagem, essa dificuldade acaba por
prejudicar, inclusive, a execução e entrega dos trabalhos acadêmicos”. (GONSAGA,
2009, p.105).
53
4 RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS
Dos 20 questionários duplos (I e II) distribuídos aos alunos em dias diferentes
(primeiro e último dia de aula, respectivamente), como já colocado na metodologia,
apenas 14 pessoas entregaram os dois questionários por estarem presentes efetivamente
durante as aulas ministradas, e uma pessoa só entregou o questionário I, por ela não
comparecer ao último dia de aula. Cinco alunos não estiveram presentes nesses dias de
aula e, portanto, não responderam a nenhum dos questionários, como podemos ver no
gráfico a seguir (GRÁFICO 2):
Gráfico 2: Quantidade de questionários I e II entregues
14
12
10
8
6
4
2
0
Questionarios Questionarios Questionarios
entregues
entregues não entregues
parcialmente
Quanto à idade, os alunos ficam distribuídos da seguinte forma (GRÁFICO 3):
54
Gráfico 3: Faixa etária dos alunos pesquisados
5
4,5
4
3,5
3
2,5
2
1,5
1
0,5
0
18 a 23
24 a 30
31 a 36
37 a 50
Por terem sido aplicados dois questionários, julgou-se pertinente a separação de
ambos, visto que o objetivo de cada um deles era diferenciado. Porém, ambos serão
detalhados a seguir:
4.1 Questionário I - Expectativas
Um dado que merece atenção, diz respeito à função executada por cada um dos
alunos dentro do assentamento/acampamento/movimento do qual faz parte. O resultado
está expresso no gráfico 4, a seguir:
55
Gráfico 4: Função exercida no movimento
12
10
8
6
4
2
0
Educador (a)
Secretário (a)
Militante
Outros
Podemos notar que a maior parte dos alunos executa a função de educadores
dentro do movimento onde atuam. Porém, chamou-nos a atenção um dos questionários
respondidos, onde um dos alunos, o qual será chamado por nós de A. R.16, respondeu,
nesse item, que:
“Sou educadora, graças a Deus e também sou militante. Acho que os dois para
mim é a mesma coisa porque faço a militância enquanto ensino meus pequenininhos
também” (A.R.).
Essa realidade é identificada por Gonsaga (2009), quando é afirmado que:
Estar na universidade fazendo um curso superior, um curso que está
acontecendo graças ao empenho dos movimentos sociais do campo, é uma
16
A partir de agora, colocaremos as iniciais dos pseudônimos dos alunos que responderam os
questionários, de forma a identificá-los; porém, sem revelar a identidade de nenhum deles. Outra
informação que julgamos relevante é que as falas ou dizeres aqui nesse trabalho estão expressos da
mesma forma que foram passados ao pesquisador. Os erros constantes nessas citações estão da mesma
forma com que se apresentam nos documentos da pesquisa.
56
grande conquista e, ao mesmo tempo, um desafio, visto que as pessoas
matriculadas no mesmo, além de estudantes, são também militantes de
movimentos sociais. Neste sentido, sua carga de responsabilidades e
compromissos aumentam significativamente, requerendo dos mesmos muita
disciplina na organização e planejamento de suas atividades. (GONSAGA,
2009, p.104).
Já sobre a questão seguinte: Em que você acredita que o curso básico de
informática pode possibilitar e/ou favorecer no seu trabalho dentro da sua
comunidade ou município?
As respostas nos mostram claramente o que já foi apontado acima. Entre elas,
podemos destacar:
“Acredito que esse curso de informática possa me ajudar nas pesquisas e na
possibilidade de entender melhor algumas questões técnicas quando precisar”. (M.D.)
“Pode me ajudar a ter acesso mais rápido às informações e por esse ser um
meio mais rápido de comunicação, o que pode ajudar muito no desenvolvimento da
minha função”. (M.E.).
“Acho que vai ajudar muito porque na minha cidade quem sabe sobre isso
acaba cobrando muito caro por esse tipo de serviço”. (J. B.).
“Vai facilitar bem mais a comunicação entre os assentamentos e vamos saber
mais rápido sobre as notícias dos outros lugares”. (E.M.).
“Apesar de na nossa área não existir computadores à nossa disposição,
podemos tentar agora lutar para termos mais acesso a ele” (G.F.).
“Espero que isso me ajude a ficar alfabetizada nessa ferramenta de trabalho tão
importante” (P.R).
As respostas acima nos remetem à questão já discutida sobre as oportunidades
que podem ser possibilitadas pela inclusão digital e seus impactos, quer sejam o
impacto sobre o consumo, a geração de renda e os efeitos diretos no bem estar social,
discorridos no capítulo 1 e que podem ser resumidos e categorizados, de acordo com as
respostas obtidas, no gráfico abaixo: (GRÁFICO 5).
57
Gráfico 5: Aspectos auxiliados pelo curso de informática dentro da comunidade
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Impactos sobre o
consumo
Geração de renda
Efeitos diretos no
bem estar social
Portanto, podemos notar que em 100% dos questionários a questão indicativa de
que a inclusão digital auxiliaria em questões de cunho social foi citada, seguida da de
geração de renda (5 questionários) e, por último, em 2 questionários, a questão do
consumo.
Com relação à pergunta 7: Você acredita que, aprendendo a lidar com
tecnologias de informatização, você teria mais condições sociais na localidade onde
você atua? De que forma?
Todos os questionários foram respondidos de forma positiva, só alterando as
respostas sobre de que forma isso aconteceria. Quando perguntadas, portanto, sobre a
possibilidade de o curso de informática poder ajudá-los no seu trabalho na comunidade
em que atuam, o gráfico se apresenta da seguinte forma: (GRÁFICO 6).
58
Gráfico 6: Possibilidade de contribuição do curso de informática nas condições sociais
14
12
10
8
6
4
2
0
Sim
Não
Talvez
Ao ser perguntada sobre o porquê de a resposta talvez, G.F. nos respondeu que
um dos problemas que ela enfrenta no seu assentamento é a falta de computadores e que
isso deverá ser sua bandeira de luta daqui para frente, já que segundo ela “faz muita
falta o computador, mas como não sei se vou conseguir, tive que escrever talvez”.(G.F.)
Assim, ao serem perguntadas sobre de que forma as condições sociais poderiam
ser alteradas a partir do curso de informática, segundo os alunos: (GRÁFICO7).
59
Gráfico 7: Condições de melhorias sociais na comunidade com o curso de informática
Algumas das respostas colocadas nos ajudam a perceber o grande interesse e
preocupação desses alunos com a questão social que envolve o aprendizado da
informática. Entre elas, podemos citar:
“Se eu aprender informática, tenho a certeza de que conseguirei ajudar muito
minhas crianças porque vou tá mais informada e vou poder me comunicar ainda mais
com eles e falar tudo o que eles me perguntarem. Vai ser muito legal”. (P.R.)
“Vou poder melhorar meu desempenho e poderei fazer trabalhos para a
comunidade”. (M.E.).
“Eu quero lutar para conseguir computadores para a minha comunidade.
Assim, os alunos poderão fazer mais trabalhos, mais pesquisas e aprenderem muito
mais. Até a gente vai poder pedir para eles fazerem pesquisa. Acho que todo mundo vai
aprender muito mais”. (G.F.).
“Me daria muito mais conhecimentos para eu melhorar meu trabalho e o
atendimento das pessoas”. (S.J.)
60
Já com relação à questão 8: O que você acha essencial aprender em um curso
de informática básica para facilitar seu trabalho?, as respostas foram bem
aproximadas. A maioria (93%) disse que a digitação era muito importante, seguido de email e internet (80%), aprender noções básicas sobre alguns programas (53%), gravar
CDs ficou com 20%, assim como criar pastas e baixar programas (20%). (GRÁFICO 8).
Gráfico 8: O que é essencial aprender no curso de informática
100%
90%
80%
70%
60%
50%
40%
30%
20%
10%
0%
Digitação
Internet e Noções de Gravar CDs Criar pastas
e-mail programas e baixar
Windows
programas
Isso nos demonstra que as respostas, apesar de diferentes, possuem a mesma
significação, o que podemos notar nas respostas a seguir:
“Que eu me habilite a escrever com recursos tecnológicos”. (T.R.)
“Melhorar meu trabalho no sindicato e na comunidade”. (S.J.)
“Espero que ele venha a contribuir no ensino-aprendizagem dos meus alunos”.
(G.F).
“Que eu venha aprimorar o meu saber adquirido em outro espaço com relação
à inclusão digital”. (M.F.)
61
“Que me ajude a compreender mais sobre computadores”. (E.M).
“Que eu possa aprender ao menos o básico de computação”. (J.B.)
Esses dizeres, portanto, nos mostram a preocupação dos alunos em aprender
sobre informática tendo, como perspectiva, o trabalho na comunidade a qual pertencem.
Além disso, esses dizeres nos remetem às Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo, em seu Art. 2º, onde é colocado que o processo
identitário da própria escola perpassa ao do estudante, por meio de sua memória e da
rede de ciência e tecnologia disponível nos movimentos sociais em defesa que associem
as soluções para a resolução de conflitos e essas questões referentes à qualidade social
(BRASIL, 2002).
Para finalizar o questionário sobre as expectativas, pedimos aos alunos que
respondessem na questão 9: Quais dos termos abaixo são diretamente ligados ao
aprendizado de informática, na sua opinião? Por quê? Para a pergunta inicial, as
opções dadas eram: inclusão digital, inclusão social, cidadania, movimento social,
participação ativa e poderiam ser marcadas mais de uma opção. O resultado podemos
observar no gráfico 9, abaixo:
Gráfico 9: Termos ligados ao aprendizado de informática
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Inclusão
digital
Inclusão
social
Cidadania
Movimento Participação
social
ativa
62
Podemos notar que as opções inclusão digital e participação ativa foram
marcadas por todos os alunos (15), seguido de inclusão social (14), movimento social
(10) e cidadania (8). Ao serem questionados sobre o porquê da marcação ou não do
termo cidadania, muitos disseram não saber ao certo sobre o que se tratava essa palavra
e por isso não marcaram. O mais interessante é que quando explicamos sobre a
conceituação de cidadania, exemplificando em termos práticos, todos os alunos
afirmaram que, então, deveriam marcar o termo, pois este era intimamente ligado à
informatização, como podemos verificar nas falas abaixo:
“Ah, professor! Se eu soubesse disso tudo que o senhor disse eu teria marcado
ela!” (R.S).
“O senhor vai devolver os questionários para a gente corrigir? Sabe o que é? É
que a gente não sabe bem sobre essas palavras assim. A gente sabe tudo o que sabe na
prática. A gente só não sabe sobre computador, porque esse não dá para aprender na
prática sem aula não”. (A.L.).
Essas palavras de A.L. corroboram para o que afirmam os documentos
pesquisados de que os saberes envolvidos na construção do conhecimento dentro dos
assentamentos/acampamentos se dão muito mais pela vivência, pela memória, pela
prática e pelo conhecimento adquirido por meio de outras pessoas do que pela própria
construção escolar tradicional, o que é reforçado por Weil (1996) quando fala sobre o
que ele chama de enraizamento. Para o autor:
O enraizamento é talvez a necessidade mais importante e mais desconhecida
da alma humana. É uma das mais difíceis de definir. O ser humano tem uma
raiz por sua participação real, ativa e natural na existência de uma
coletividade que conserva vivos certos tesouros do passado e certos
pressentimentos do futuro. Participação natural, isto é, que vem
automaticamente do lugar, do nascimento, da profissão, do ambiente. Cada
ser humano precisa ter múltiplas raízes. Precisa receber quase que a
totalidade de sua vida moral, intelectual, espiritual por intermédio dos meios
de que faz parte naturalmente (WEIL, 1996, p. 411.)
63
4.2 Questionário II - Finalização
O segundo questionário tinha a intenção de averiguar se as expectativas iniciais
do curso foram atendidas e de que forma a aprendizagem básica de informática vai
ajudá-los na prática no desenvolvimento de suas ações na comunidade da qual fazem
parte. Assim, a primeira questão: O que você esperava do curso de informática foi
cumprido?, ficaram assim divididas as respostas: (GRÁFICO 10).
Gráfico 10: Aprendizado de informática x resultados esperados
12
10
8
6
4
2
0
Sim
Não
Em parte
Pudemos verificar que 11 pessoas responderam sim; porém, uma respondeu não
e 3 responderam talvez. Ao serem questionados sobre essa resposta, a aluna S.R. fez a
seguinte afirmação:
“Eu sou uma analfabeta digital. Eu realmente não consigo fazer nada”. (S.R.)
Porém, vale a pena destacar que essa aluna, apesar de se considerar uma
“analfabeta digital”, ela conseguiu fazer buscas na internet com sucesso e digitar
pequenos textos, o que considero, como professor, uma evolução muito grande para
alguém que não sabia nada sobre informática. Quanto aos outros três que responderam
“em parte”, a maior reclamação foi do curto período de tempo das aulas, como é
colocado nas seguintes falas:
64
“O problema de eu não ter aprendido tudo é por culpa minha mesmo, pois não
participei ativamente do curso, mas o que eu aprendi vai ser muito útil”. (G.F.)
“Eu não aprendi mais porque acho que o tempo é curto demais e como não
sabemos muita coisa, precisaria de mais aulas para aprender muito mais. Ia ser bom
demais se eu conseguisse aprender tudo o que eu queria, mas...” (E.M.)
“Eu aprendi em partes, porque é muita informação para aprender em pouco
tempo”. (J.B.).
Dos que responderam “sim”, podemos citar as falas:
“Eu aprendi muita coisa sobre informática que não tinha nem idéia que existia
ou como fazer. Esse curso deveria ter em todos os tempos-escola, pois ia facilitar
demais para a gente”. (M.C.)
“Essas coisa que aprendi aqui vão me ajudar demais nos trabalhos que vou ter
que fazer quando chegar não assentamento... Ainda bem, né?” (S. J.)
“Eu aprendi muito. Só achei ruim que quando faltava muita gente num dia, o
professor tinha que explicar tudo de novo para eles e quem vinha todo dia ficava tendo
que ouvir tudo de novo. Foi bom, que se aparecesse alguma dúvida a gente tirava, mas
sei que poderia ter aprendido mais se todos tivessem ido à aula regularmente. Faltou
responsabilidade de alguns... e alguns muitos, né?” (A.L.).
Quanto à segunda pergunta: Depois desse curso, você poderia afirmar que o
que você aprendeu poderá ser útil no desenvolvimento do seu trabalho dentro do
movimento social do qual faz parte? De que forma? Assim ficaram distribuídas as
respostas dos alunos (GRÁFICO 11):
65
Gráfico 11: Aprendizagem poderá ser útil
16
14
12
10
8
6
4
2
0
Sim
Não
Em parte
Ao serem questionados sobre de que forma eles acreditavam que o que
aprenderam foi útil no desenvolvimento do trabalho deles na comunidade, foram
algumas das respostas dadas:
“Criar e-mails e pastas, entre outras coisas eu já estou, inclusive, usando na
prática e ainda quero fazer muito mais”. (G.F)
“O que aprendi já posso dizer que foi muito útil, pois já estou fazendo trabalhos
bem mais bonitos, com página formatada e quadros certinhos”. (S.J.)
“Acho que me ajudou muito, pois estou conseguindo agilizar mais facilmente as
coisas, inclusive projetos”. (M.E.)
“Com o que aprendi poderei fazer minhas pesquisas e desenvolver um trabalho
bem melhor”. (M.C.)
“Acho que aprendi coisa demais nesse curso que poderei aproveitar. Pena que
para muitos isso não foi bem assim. Só acho que para aprender a digitar mais rápido,
preciso praticar muito ainda. Na minha comunidade sempre faltava alguém para
mecher no computador de lá para resolver os problemas. Agora posso dizer que não
falta mais, né?” (risos) (P.R.).
66
Na pergunta 3: O que você considera mais importante ser trabalhado no
curso de informática que você participou?, a resposta foi unânime. Todos os alunos
responderam que tudo o que aprenderam deve ser considerado importante.
Também na pergunta 4: Você acredita que um maior conhecimento de
informática facilita o seu trabalho no dia-a-dia?, todos os alunos responderam que
sim. Ao serem questionados sobre porque eles acreditam nisso, foram algumas das
respostas dadas:
“Porque a informática está presente em nosso dia-a-dia, até mesmo no campo.
Por isso precisamos dela”. (E.M.).
“Claro, porque quando podemos contar com esse instrumento, o nosso trabalho
fica bem mais fácil e mais rápido” (S.J.).
“O computador diminui em muito as distâncias”. (J.B.)
“Hoje nós vivemos em uma era digital. Se não aprendemos a lidar com o
computador, não temos futuro”. (M.E.)
“Todos estão interligados de alguma forma e o computador ajuda muito nisso”.
(M.C.)
“Ajuda muito. Hoje em dia, as tecnologias estão avançadas e quando você não
as acompanha, você fica para trás”. (G.F.)
Ao pedir para fazerem um comentário sobre os temas inclusão digital, inclusão
social, cidadania, movimento social, participação ativa e a informática que aprenderam
(questão 5), merecem atenção algumas frases colocadas pelos alunos. Por exemplo:
“Hoje em dia, a informática é importante demais para conseguirmos atingir
nossos objetivos. Sem ela, muita coisa fica difícil de conquistarmos. Então podemos não
conseguir fazer nosso papel de cidadão e não podemos participar ativamente de muita
coisa. Vejo que temos que começar a reivindicar a informática para o povo do campo
com urgência para conseguirmos ter voz e vez”. (G.F.).
67
“A minha participação será bem mais ativa depois dessas aulas por que elas me
ajudaram demais e me ensinaram muito. Acho que o que aprendi aqui tem tudo haver
com todas essas palavras e a informática me ajudou a crescer muito profissionalmente
também. Obrigado pela oportunidade”. (M.C.)
“A inclusão digital é importante e necessária, mas que a comunidade que é
excluída dela também tem conhecimentos muito importantes e de grande valor, como o
respeito às diferenças, solidariedade e muitos outros conhecimentos. Mas se a gente
souber direito informática vamos saber ainda mais coisas e poder ensinar mais e
melhor.” (M.E.).
“Com esse curso inicial consegui digitar os meus primeiros relatórios pois até
então eu pagava outras pessoas, sem falar da minha monografia, estou feliz pois digito
o que eu penso em pouco minutos e isso me fez sentir mais incluída”. (J.B.).
“Sempre achei indispençável estar incluído na história e para isso temos que
aprender sempre, mesmo que seja difícil é preciso estar aberto para não sermos
deixados de fora da sociedade. Mesmo sendo difícil nos adaptar as novidades não
podemos fugir dela. E quando contamos com esse instrumento o nosso trabalho fica
mais fácil e mais rápido. Quem não a dominar vai ser escluido do mercado de trabalho.
A cada saber adquirido, não só agente melhora, mais tudo o que fazemos e ao
descobrir coisas novas nos sentimos incluídos e mais cidadãos e participantes ativos”.
(S.J.)
“Na minha comunidade não existe computador, estamos lutando para ter na
escola e na associação e estaremos ligado ainda mais um do outro movimento e
principalmente estaremos aprendendo a comunicação que hoje exige de todos.
Estaremos nós fazendo de sujeito dono da sua história”. (S.R.)
68
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir do processo de globalização, ocorrido a partir, principalmente, da
década de 80, quando parte do mundo passou a ter a possibilidade do uso de meios de
comunicação cada vez mais tecnológicos, como o computador e, mais tarde, a rede
mundial de computadores, grandes discussões acerca do tema inclusão digital estão
sendo realizadas no mundo em que vivemos.
Assim, a mídia digital passou a fazer parte do cotidiano do mundo em que
vivemos tornando-se um assunto de grande interesse econômico, político e social em
nossa sociedade. Por meio desse trabalho, pudemos verificar que é graças à tecnologia
cada vez mais ampliada e implementada em nossa vida que termos como
“comunicação” e “informação” passaram a ter novos significados com vistas à
ampliação das conquistas e da visibilidade de movimentos sociais em nosso país.
Além disso, esse surgimento de novas formas de comunicação e de novas
tecnologias alteraram diretamente o processo de ensino e de aprendizagem. Porém,
criou necessidades de aprimoramentos específicos e exigiu que os indivíduos que dela
quisessem usufruir que passassem a ter comportamentos e raciocínios específicos
exigidos por essas novas ferramentas que surgiam.
Nos remetemos a Paulo Freire (1982) quando esse nos diz que para fazer-nos
cidadãos do mundo por meio da informatização é necessário que sejamos, portanto,
letrados digitais. Corroborando com essa idéia, também Araújo (1999) nos mostra que a
construção da cidadania, a conquista de direitos políticos, civis e sociais, principalmente
a partir dessa nova concepção de modernidade, perpassa, necessariamente, pela questão
do acesso e da utilização da informação.
Algumas vantagens da informatização, segundo alguns autores estudados,
independem do nível e da modalidade de educação a que se direcionam. Entre as
vantagens discutidas, podemos destacar o grande número de informações a que temos
acesso, a maior interação entre pessoas e a possibilidade de aulas virtuais. Porém, ainda
de acordo com o que foi discutido, para que isso possa acontecer efetivamente, é
necessário que esses alunos tenham, ao menos minimamente, alguma habilidade para
lidar com as tecnologias disponibilizadas.
69
Pensando dessa maneira, a construção da Resolução CNE/CEB 1/2002, que
institui as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo,
incluiu a questão da informatização em um de seus artigos quando cita, ao caracterizar o
ensino realizado nas escolas do Campo, que esse deve vincular-se, também, “na rede de
ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa
de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social
da vida coletiva no país”. (BRASIL, 2002). Essas palavras nos fazem concluir,
inicialmente, que a cidadania passa a ser um processo de luta pela conscientização de
cada um, através da Educação e do acesso ao conhecimento e à informação.
Ao fazermos uma relação entre o que foi discutido pelos autores de nossa
pesquisa bibliográfica e da nossa pesquisa de campo com 20 alunos do curso de
formação superior de Licenciatura do Campo, pudemos perceber que enquanto
expectativa para o curso, os professores discentes tinham, inicialmente, a condição de se
perceberem fora do processo de inclusão digital. Tanto que ao serem questionados
sobre em que eles acreditavam que o seu trabalho dentro do grupo social do qual fazem
parte poderia melhorar com o aprendizado tecnológico o qual iniciariam, esses alunos
mostraram que, mesmo esperando apenas noções básicas, eles viam naquilo como uma
forma de crescimento pessoal, profissional e, principalmente, social, dentro dos
movimentos nos quais atuam.
Assim, podemos considerar que dentro dos próprios movimentos sociais,
necessidades essenciais inerentes ao ser humano, como educação, saúde, cidadania,
ciência e tecnologia podem aumentar sensivelmente a oportunidade e potencialidade dos
sujeitos envolvidos dentro da comunidade na qual estão inseridos.
Quanto ao questionário de finalização, no momento de término do curso,
podemos concluir que, mesmo havendo a crítica da questão do tempo curto do mesmo,
os alunos aprenderam a dominar, ao menos minimamente, as ferramentas digitais, o que
trouxe, para grande parte do grupo, um aumento da auto-estima e do vislumbramento de
novas possibilidades acerca do desenvolvimento dos seus trabalhos na comunidade e no
movimento social de onde são provenientes.
Sabemos que sem informação nada é repassado e não se consegue chegar a um
resultado efetivo. Problemas com informação, seja interna ou externa, são considerados
um dos maiores entraves para a questão democrática dentro de um movimento social, já
que é por meio dela, inclusive, que seus participantes podem receber dados para o
70
direcionamento de suas políticas externamente. Em questões internas, é por meio dela
que os participantes podem transmitir os acontecimentos e práticas realizadas ou a
serem executadas. Resumindo: é por meio da informação, que tem aumentado o seu
poder de divulgação por meio dos sistemas informacionais, que se efetiva a participação
dos envolvidos no processo.
Mas como se tornar um canal de vocalização se esta instituição não tiver a
comunicação como uma prática constante no desenvolvimento de suas ações?
Citando Santos e Avritzer (2002), Carneiro (2005) afirma que:
Vários autores chamam atenção para a profunda transformação cultural
representada pelo papel ativo dos movimentos sociais na ampliação do
político, no reconhecimento da diversidade cultural no questionamento
acerca da capacidade da democracia representativa de representar agendas e
identidades específicas, enfim de representar a diferença. (SANTOS E
AVRITZER, 2002, citados por CARNEIRO, 2005, p.11) .
Nesse sentido, de acordo com Gonsaga (2009):
O conceito de formação integral e humanista nos remete, no caso da
Educação do Campo, e mais especificamente, no caso do curso de
Licenciatura em Educação do Campo em Minas Gerais, ao pensamento de
que o educador comprometido com sua prática e com o contexto de seus
educandos, deve conhecer algo além da teoria que adquire academicamente.
Precisa ter uma formação que o completa enquanto sujeito de sua práxis, uma
formação que o possibilite estar em conexão ativa com o mundo,
problematizando-o a partir de uma postura crítica que só poderá ser
proporcionada a partir de uma educação comprometida com a formação
integral do sujeito. (GONSAGA, 2009, p.57).
Assim, não basta apenas que esses indivíduos sejam capacitados. É necessário
que haja, efetivamente, a construção de uma rede de educadores e educadoras do
campo, com a organização de um banco de dados com registros de experiências,
pesquisas e publicações para facilitar o intercâmbio das mesmas, desafio colocado na I
Conferência por uma Educação Básica do Campo: a formação de educadores e
educadoras do campo. (KOLLING, 1999, p.84-86).
Portanto, diante do que foi colocado nesse trabalho, podemos afirmar que a
busca por um aprimoramento tecnológico dos participantes de movimentos sociais antes
excluídos se faz necessária, visto que esse aprendizado traz diversas possibilidades
àqueles que o conquistam, pois têm, como conseqüência maior, pelo observado durante
71
nosso trabalho, a transformação social dos envolvidos em viabilizadores da cidadania a
partir das possibilidades de novas formas de comunicação nas entidades da qual fazem
parte. Isso significa dizer, em outras palavras, que a união entre teoria e prática, entre
consciência política e conhecimento tecnológico transforma esse educador em um
profissional complexo, transformando-os como sujeitos ativos nas mudanças de seu
meio e na construção de sua história e do movimento em que atuam.
Para finalizar, faz-se mister afirmar que essa pesquisa não se encerra aqui, já que
nenhum saber torna-se pronto e acabado. Muito pelo contrário: a partir de
esclarecimentos cada vez maiores, torna-se importante e porque não dizer necessária a
ampliação desses conhecimentos colocados aqui, já que abrem portas para novas
verdades, possibilidades e hipóteses não relacionadas nesse trabalho, o que pode
sugerir, mais à frente, novas alterações por meio de novas significações e conclusões.
72
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79
ANEXOS
Anexo 1
Questionário I – Expectativas
1) Nome e/ou pseudônimo:
2) Idade:
3) Instituição vinculada:
4) Comunidade / Município
5) Função:
6) Em que você acredita que o curso básico de informática pode possibilitar e/ou
favorecer no seu trabalho dentro da sua comunidade ou município?
7) Você acredita que, aprendendo a lidar com a tecnologia da informatização, você
teria mais condições de melhorar as condições sociais na localidade onde você
atua? De que forma?
8) O que você acha essencial aprender em um curso de informática básica para
facilitar o seu trabalho?
9) Quais termos abaixo são diretamente ligados ao aprendizado de informática na
sua opinião? Por quê? (Pode marcar quantas opções julgar necessário)
( ) Inclusão digital
( ) Inclusão social
( ) Cidadania
( ) Movimento social
( ) Participação ativa
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Anexo 2
Questionário II – Finalização
Nome e/ou pseudônimo:
1) O que você esperava do curso de informática realizado foi cumprido? Explique.
2) Depois desse curso, você poderia afirmar que o que você aprendeu poderá ser
útil no desenvolvimento do seu trabalho dentro do movimento social do qual faz
parte? De que forma?
3) O que você achou mais importante ser trabalhado no curso de informática que
você participou?
4) Você acredita que um maior conhecimento da informática facilita o seu trabalho
na dia a dia? Por quê?
5) Faça um comentário breve procurando relacionar os termos “inclusão digital”,
“inclusão social”, “cidadania”, “movimento social”, “participação ativa” com a
informática que você aprendeu no decorrer do nosso curso.
Download

Anderson de Souza Santos - Secretaria