UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS – UEA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS – FMT-AM MESTRADO EM DOENÇAS TROPICAIS E INFECCIOSAS SOROPREVALÊNCIA DA INFECÇÃO PELA Borrelia burgdorferi EM PACIENTES ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO DE DERMATOLOGIA DA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS MÔNICA NUNES DE SOUZA SANTOS MANAUS 2004 MÔNICA NUNES DE SOUZA SANTOS SOROPREVALÊNCIA DA INFECÇÃO PELA Borrelia burgdorferi EM PACIENTES ATENDIDOS NO AMBULATÓRIO DE DERMATOLOGIA DA FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação da Universidade do Estado do Amazonas, para obtenção do grau de Mestre em Doenças Tropicais e Infecciosas. Orientador: Prof. Dr. Sinésio Talhari MANAUS 2004 iii FICHA CATALOGRÁFICA Santos, Mônica Nunes de Souza. Soroprevalência da Infecção pela Borrelia burgdorferi em Pacientes Atendidos no Ambulatório de Dermatologia da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Mônica Nunes de Souza Santos/ Manaus - Am, 2004. 75p. il. Dissertação de Mestrado – Universidade do Estado do Amazonas. Programa de Pós Graduação em Doenças Infecciosas e Tropicais 1. Doença de Lyme; 2. Eritema Crônico Migratório; 3. Diagnóstico Sorológico. iv Ao meu marido e ao meu filho, Rui Santos Junior e Rui Neto, pela compreensão nos momentos de ausência e a minha mãe Léa Souza, pelo estímulo constante. Dedico. v AGRADECIMENTOS Ao meu orientador, Prof. Dr. Sinésio Talhari, pela sugestão do tema, atenção e estímulo durante a realização deste trabalho. Ao Dr. Rogério Lobo, bioquímico do Laboratório de Imunologia da FMT-AM, pelo auxílio na execução das sorologias. Ao Dr. Gottriefd Schmmer pela ajuda na aquisição dos kits ELISA e Westernblot. A Profa. Dra. Maria das Graças do Vale Barbosa, coordenadora do Mestrado em Doenças Infecciosas e Tropicais, pelas sugestões e boa vontade de ensinar. Aos colegas dermatologistas da FMT-AM e Fundação Alfredo da Matta pelas sugestões e encaminhamento de pacientes. Aos preceptores da Residência Médica em Dermatologia do Hospital Universitário Getúlio Vargas: Dr. Alcidarta dos Reis Gadelha, Dr. Jonas Ribas, Dr. Lúcio Ihara, Dra. Patrícia Bandeira de Melo Akel, pelos ensinamentos durante a minha formação em dermatologia. Ao Sr. Wilzimar Monteiro, pelo auxílio na elaboração de tabelas e gráficos. Às bibliotecárias da FMT-AM Arthemisa Seabra da Silva e Melquisete de Souza Almeida, pelo auxílio na aquisição das referências bibliográficas. A todos os professores e colegas do mestrado, pela amizade e troca de experiências. vi RESUMO A doença de Lyme (DL) é uma doença infecciosa, não contagiosa, causada pelo espiroqueta denominado Borrelia burgdorferi e transmitida através da picada de carrapatos do gênero Ixodes. Apresenta manifestações clínicas variadas, com acometimento principalmente da pele, articulações, coração e sistema nervoso central. No presente trabalho procurou-se avaliar a soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi em pacientes dermatológicos, sem evidências clínicas de DL, atendidos no serviço de dermatologia da FMT-AM no ano de 2003. Foram incluídos 270 participantes, de ambos os sexos e idades variadas. Todos os pacientes realizaram exame sorológico com o ELISA C6 Borrelia burgdorferi, que apresenta alta sensibilidade e especificidade. Os casos positivos foram submetidos ao Western-blot anti-Borrelia, com especificidade em torno de 98%. Dentre os 270 participantes incluídos no trabalho, 19 (7%) tiveram resultados positivos no ELISA. Destes 19 pacientes, 13 foram submetidos ao Western-blot, com seis (46,2%) resultados positivos. Destes seis pacientes com Western-blot positivo, quatro pertenciam ao sexo masculino e a maioria estava na faixa etária compreendida entre 30 a 60 anos. Somente um referia picada de carrapatos em algum momento da vida e todos procediam da área urbana. Os dados obtidos indicam a existência de infecção e/ou doença pela B. burgdorferi na região de Manaus. Estes resultados apontam para a necessidade de se incluir a sorologia para B. burgdorferi em doentes com manifestações cutâneas, cardíacas, neurológicas e articulares que se apresentem com aspectos clínicos sugestivos de DL. Palavras-chaves: doença de Lyme; eritema crônico migratório; diagnóstico sorológico. vii ABSTRACT Lyme disease is an infectious disease, but not contagious, caused by the spirochete named Borrelia burgdorferi which can be transmitted to humans by the bite of ticks from the Ixodes species. Lyme disease presents varied clinical manifestations, involving mainly the skin, the joints, the heart and the central nervous system. The objective of this study was to evaluate the seroprevalence of the infection caused by the Borrelia burgdorferi in dermatologic patients, without clinical evidences of LD, consulted at the dermatology service of the FMT-AM hospital in 2003. During the research, it was studied 270 individuals from both sexes and different ages. All of the patients performed serological testing with the enzyme-linked immunosorbent assay (ELISA) C6 Borrelia burgdorferi, which presents high sensitivity and specificity. The positive cases were exposed to the anti-Borrelia Western-blot analysis, with specificity around 98%. Among the 270 individuals studied in the research, 19 (7%) had positive results in the ELISA analysis. Among the 19 patients, 13 were exposed to Western-blot analysis, with six (42.2%) positive results. Among the six patients with positive Western-blot analysis, four of them were males and the majority was about 30 to 60 years of age. Just one of them had already been bitten by a tick before and all of them came from the urban area. The obtained data show the existence of infection and/or disease caused by B. burgdorferi in the region of Manaus. These results lead to the necessity of including the sorology to B. burgdorferi in sick people who manifested cutaneous, cardiacs, neurologics and joints symptoms that may indicate clinical aspects of Lyme disease. Key-words: Lyme disease; erythema chronicum migrans; sorologic diagnostic. viii LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACA B Bb BSK CDC DL ELISA FMTAM HE HLA I IBGE IFA IgG IgM LC LEA LTA PCR RNA Acrodermatite crônica atrófica Borrelia Borrelia burgdorferi Barbour, Stroenery, Kelly Control Disease Center Doença de Lyme Enzyme linked immunosorbent assay Fundação de Medicina Tropical do Amazonas Hematoxilina e eosina Antígeno de histocompatibilidade Ixodes Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Imunofluorêscencia indireta Imunoglobulina G Imunoglobulina M linfocitoma cutâneo Líquen escleroso e atrófico Leishmaniose tegumentar americana Reação em cadeia da polimerase Acido Ribonucléico ix LISTA DE TABELAS Tabela 1 Distribuição quanto à faixa etária dos pacientes incluídos no estudo . 28 Tabela 2 Distribuição quanto à picada de carrapatos nos pacientes incluídos no estudo ............................................................................................. 28 Tabela 3 Distribuição quanto ao resultado positivo no teste ELISA ................... 30 Tabela 4 Distribuição quanto ao sexo dos pacientes ELISA positivos ............... 30 Tabela 5 Média de idade dos pacientes ELISA positivos .................................. 30 Tabela 6 Distribuição quanto à procedência dos pacientes ELISA positivos ..... 30 Tabela 7 Distribuição quanto à referencia de picada de carrapatos nos pacientes com ELISA positivo ............................................................. 31 Tabela 8 Distribuição quanto à presença de animais no domicílio dos pacientes com ELISA positivo ............................................................. 31 Tabela 9 Distribuição dos pacientes com Western-blot positivo ........................ 33 Tabela 10 Distribuição quanto à faixa etária dos pacientes com Western-blot positivo ................................................................................................ 34 Tabela 11 Resultados do ELISA, de acordo do índice de Lyme, e Western-blot 36 x LISTA DE FIGURAS Figura 1 Borrelia burgdorferi ........................................................................... 04 Figura 2 Ixodes scapularis ............................................................................... 05 Figura 3 Aderência do carrapato durante o repasto sanguíneo ....................... 05 Figura 4 Evolução da doença de Lyme ............................................................ 07 Figura 5 Eritema crônico migratório ................................................................. 09 Figura 6 Eritema crônico migratório ................................................................. 09 Figura 7 Eritema crônico migratório após tratamento ...................................... 10 Figura 8 Eritema crônico migratório ................................................................. 10 Figura 9 Eritema crônico migratório após tratamento ...................................... 11 Figura 10 Esquematização de uma placa de ELISA ...................... ................... 22 Figura 11 Tira de referência do teste Western-blot ........................................... 26 Figura 12 Distribuição quanto ao sexo dos participantes do estudo .................. 27 Figura 13 Distribuição quanto à procedência dos participantes do estudo ........ 28 Figura 14 Placa de ELISA no início do teste ...................................................... 32 Figura 15 Placa de ELISA com os resultados positivos ..................................... 32 Figura 16 Distribuição quanto ao sexo dos pacientes com Western-blot positivo ............................................................................................... 34 Figura 17 Distribuição quanto aos diagnósticos clínicos dos pacientes com Westen-blot positivo ........................................................................... 35 Figura 18 Distribuição quanto à referência de picada de carrapatos nos pacientes com Western-blot positivo ................................................. 35 Figura 19 Resultados positivos no Western-blot ................................................ 37 xi SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 1.1 HISTÓRICO ................................................................................................. 1.2 EPIDEMIOLOGIA .......................................................................................... 1.3 AGENTE ETIOLóGICO, RESERVATóRIOS E VETORES ...................................... 1.4 ETIOPATOGÊNESE ...................................................................................... 1.5 ASPECTOS CLÍNICOS .................................................................................. 1.6 DOENÇA DE LYME NA GRAVIDEZ .................................................................. 1.7 DOENÇA DE LYME NA INFÂNCIA ................................................................... 1.8 OUTRAS DOENÇAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO PELA BORRELIA BURGDORFERI .. 1.9 DIAGNóSTICO DA DOENÇA DE LYME ............................................................. 1.10 TRATAMENTO ............................................................................................. 2. OBJETIVOS ......................................................................................................... 2.1 OBJETIVOS GERAIS ..................................................................................... 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS ............................................................................. 3. METODOLOGIA .................................................................................................... 3.1 MODELO DE ESTUDO .................................................................................. 3.2 POPULAÇÃO DE REFERÊNCIA ...................................................................... 3.3 POPULAÇÃO DE ESTUDO ............................................................................. 3.4 PARTICIPANTES .......................................................................................... 3.5 CRITÉRIOS DE INCLUSÃO ............................................................................. 3.6 PROCEDIMENTOS ....................................................................................... 3.6.1 REGISTRO DOS PARTICIPANTES .......................................................... 3.6.2 REALIZAÇÃO DAS SOROLOGIAS .......................................................... 3.7 REALIZAÇÃO DO TESTE ELISA .................................................................... 3.7.1 COMPONENTES DO KIT ELISA ........................................................... 3.7.2 PROCEDIMENTOS DO TESTE ELISA .................................................... 3.7.3 CONTROLES DE QUALIDADE ............................................................... 3.7.4 LEITURA E INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS .................................... 3.7.5 ÍNDICE DE LYME ................................................................................. 3.8 REALIZAÇÃO DO TESTE WESTERN-BLOT ...................................................... 3.8.1 COMPONENTES DO KIT W ESTERN-BLOT ………………………………... 3.8.2 PROCEDIMENTOS DO TESTE W ESTERN-BLOT ....................................... 3.8.3 INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS .................................................... 3.9 METODOLOGIA ESTATÍSTICA ....................................................................... 4. RESULTADOS ...................................................................................................... 5. DISCUSSÃO ......................................................................................................... 6. CONCLUSÃO ....................................................................................................... 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 8. ANEXOS ............................................................................................................. 01 01 01 03 06 07 14 15 15 16 17 19 19 19 20 20 20 20 20 20 21 21 21 21 21 22 23 23 23 23 24 24 25 26 27 38 41 42 50 1. INTRODUÇÃO A doença de Lyme é uma doença infecciosa, não contagiosa, que pode acometer múltiplos órgãos, principalmente a pele, coração, sistema nervoso central e articulações. 1.1Histórico Em 1909, na Suécia, Arvid Afzelius relatou o caso de um paciente que apresentava lesão anular, eritematosa e de crescimento centrífugo. A esta enfermidade denominou eritema crônico migratório (ECM)1. Acreditava-se que o ECM fosse causado por bactéria e transmitida por carrapatos. Baseado nesta hipótese, Hollstrom (1958) tratou 77 pacientes com penicilina procaína, observando-se o desaparecimento das lesões na grande maioria dos casos 2. A partir de 1973, na cidade de Lyme, nos Estados Unidos, foram observados pacientes com lesões cutâneas semelhantes ao ECM, mas que simultaneamente apresentavam comprometimento articular. Este quadro clínico passou a ser conhecido como doença de Lyme (DL) 3. Apesar de todo o conhecimento clínico relativo à DL, o agente etiológico permaneceu desconhecido até a década de 80. Em 1982, foi demonstrada a existência de um espiroqueta no intestino de carrapatos da espécie Ixodes dammini, o qual foi denominado Borrelia burgdorferi 4. Posteriormente, em 1985, foram evidenciados espiroquetas em biópsias obtidas de lesões de ECM, coradas pela técnica de Warthin-Starry 5. Através da técnica da PCR (reação em cadeia da polimerase), a partir de 1996, foram detectadas sequências de DNA de B. burgdorferi na pele, líquor e articulações de pacientes com DL. Comprovou-se, assim, que o agente etiológico da DL era o mesmo espiroqueta encontrado nos carrapatos I. daminni 6. 1.2 Epidemiologia A DL é de ocorrência mundial, tendo sido diagnosticada na Europa, América do Norte e Ásia. Há relatos também na Austrália, África do Sul e Brasil. Na Europa, já foi diagnosticada em quase todos os países, sendo muito comum na Inglaterra, Suíça, França, Alemanha, Holanda e Suécia. É endêmica nos Estados 2 Unidos, ocorrendo com maior frequência nos estados de Connecticut, Wiscosin, Rhode Island, Nova York, Oregon, Iowa, Maryland e Nova Jersey 7.No Brasil, entre 1987 e 1990, foram reportados os primeiros casos de ECM, com relato de três casos em Manaus 8. Posteriormente, foram descritos mais 13 casos sugestivos de eritema migratório, com resposta terapêutica similar à observada nos Estados Unidos e Europa. Todos esses pacientes procediam de Manaus 9. Em 1988, foi apresentado o caso de uma paciente, procedente do Rio de Janeiro, com placas eritematosas, de crescimento centrífugo, localizadas nos membros inferiores. O exame histopatológico da lesão demonstrava organismos morfologicamente compatíveis com Borrelia sp. De acordo com as referências bibliográficas disponíveis, este foi o primeiro caso brasileiro de DL em que se demonstrou a presença do agente etiológico 10. Em 1991, também no Rio de Janeiro, foram relatados cinco pacientes com diagnóstico clínico de ECM. A imunofluorescência indireta (IFA) anti-Borrelia foi positiva em três deles, verificando-se a cura das lesões com uso de amoxacilina e doxiciclina 11. Em 1992, em São Paulo, foram descritos os primeiros casos brasileiros de manifestações extracutâneas da DL 12. Em 1993, foi realizado estudo de soroprevalência de Borrelia burgdorferi em Manaus e no Rio de Janeiro, utilizando-se o método ELISA (enzime-linked immunosorbent assay). Em Manaus, foram analisados 459 soros de pacientes dermatológicos sem indícios de DL, com 91 (19,5%) de positividade no ELISA-IgG. Nesse mesmo estudo foram examinados 200 soros de pacientes dermatológicos, procedentes do Rio de Janeiro, com positividade menor do que a encontrada em Manaus, com 15 (7,5%) resultados positivos 13. Florião, em 1994, realizou IFA em 194 soros de pacientes com suspeita clínica de DL, obtendo 65 resultados positivos. Os soros reativos com a IFA foram testados com o ELISA, havendo 11 resultados positivos 14. Em trabalho de revisão do arquivo de anatomia patológica da FMT-AM e Instituto de Venereologia e Dermatologia Alfredo da Matta, no período de fevereiro de 1986 a junho de 1996, foram analisados 31 casos com diagnóstico clínico e histopatológico de eritema crônico migratório. Num destes casos foi possível 3 identificar a presença de espiroquetas através da coloração pela prata (técnica de Warthin-Starry)15. 1.3 Agente etiológico, reservatórios e vetores O agente etiológico da DL é a Borrelia burgdorferi lato sensu, que pertence ao gênero Borrelia, ordem Spirochetales, família Spirochaetacea. A espécie Borrelia burgdorferi lato sensu engloba três subespécies: B. burgdorferi stricto sensu (encontrada nos Estados Unidos); B. garinii e B. afzelii, que ocorrem na Europa 16. As Borrelias têm estrutura espiralada, composta de um cilindro protoplasmático, que consiste de citoplasma, membrana celular interna e peptideoglicano (Figura 1). Os flagelos situam-se no espaço periplasmático, localizado entre a membrana celular e o cilindro protoplasmático 17 . Multiplicam-se por divisão binária, originando duas células, que se alongam em 12 a 24 horas 18. De todas as espécies de Borrelias, as B. burgdorferi são as mais longas (20 a 30 µm), mais estreitas (0,2 a 0.5 µm) e com menos flagelos (7 a 11). O genoma completo da B. burgdorferi já foi seqüenciado. Trata-se de um genoma pequeno, de aproximadamente 1,5 megabases, consistindo de um cromossomo linear de 959 kilobases, com nove plasmídeos lineares e doze circulares 19. Os vetores da DL são carrapatos do gênero Ixodes, que abrigam a B. burgdorferi no tubo digestivo. Esses carrapatos pertencem ao ramo Arthropoda, classe Arachnida, ordem Acarina, subordem Oxidides, família Ixodidae 20. As principais espécies de carrapatos transmissores da DL são: I. ricinus, na Europa, I. dammini, I. scapularis e I. pacifus, nos Estados Unidos. Amblioma americanum e Dermacentor variabilis são carrapatos de cães que também podem transmitir a B. burgdorferi 21. Os espiroquetas são adquiridos pelos carrapatos durante o repasto em animais infectados. Nos Estados Unidos, os principais reservatórios são os cervos e camundongos. Títulos sorológicos elevados para B. burgdorferi já foram encontrados em vacas, carneiros e cães 22. No Brasil, ainda não foram identificados os carrapatos transmissores, entretanto já foram encontradas, em roedores e marsupiais, as seguintes espécies de carrapatos ixodídeos: Ixodes loricatus, Ixodes didelphidis, Amblyoma cajanense e 4 Rhipicephalus sanguineus. Algumas dessas espécies estavam infectadas com B. burgdorferi 23. A duração média do ciclo de vida de um carrapato é de um a três anos, havendo quatro estágios: ovo, larva, ninfa e adulto (Figura 2). A incidência mais elevada de infecção pela B. burgdorferi é observada nas ninfas e carrapatos adultos 24 . Os espiroquetas ficam alojados nas microvilosidades e no espaço intercelular do epitélio do intestino médio dos carrapatos. A transmissão ocorre através da saliva infectada ou de dejetos remanescentes das secreções salivares durante o repasto sanguíneo 25. Fonte: <http://www.cdc.gov> Figura 1 – Borrelia burgdorferi O homem é contaminado através da picada do carrapato infectado pela B. burgdorferi, principalmente na forma evolutiva de ninfa, cuja picada é indolor, o que justifica o fato de muitos pacientes não lembrarem de terem sido picados por carrapatos. Para que ocorra a transmissão da B. burgdorferi é preciso que o carrapato fique aderido à pele por, pelo menos, 24 horas (Figura 3). Este fato explica a menor transmissão da B. burgdorferi por carrapatos adultos, pois estes são facilmente observados e retirados 26. 5 Outras alternativas para a transmissão da B. burgdorferi têm sido sugeridas, tais como, urina e leite de animais infectados. A transmissão transplacentária já foi documentada 27. Fonte: <http://www.cdc.gov> Figura 2 – Variação no tamanho do Ixodes scapularis de acordo com a forma evolutiva: fêmea adulta, macho adulto, larva e ninfa, respectivamente. Fonte: N Engl J Med, vol. 345, n. 2, p. 79, 2001. Figura 3 – Aderência do carrapato durante o repasto sanguíneo. 6 1.4 Etiopatogênese: Após a picada do carrapato infectado pela B. burgdorferi, ocorre a penetração do agente na pele. Segue-se então a disseminação hematogênica de pequena quantidade de espiroquetas, com generalização do processo. A B. burgdorferi invade a corrente sanguínea, induzindo respostas variáveis no organismo. As manifestações inflamatórias nos diferentes órgãos e sistemas decorrem da interação entre o espiroqueta e a resposta imunológica desencadeada no hospedeiro. A DL é infecciosa na sua origem e inflamatória nas suas manifestações clínicas 28. Com o desenvolvimento da resposta imunológica, a infecção no homem pode evoluir para cura espontânea, manter-se sobre latência ou evoluir para as diferentes formas clínicas da doença (Figura 4) 29. Após a inoculação do espiroqueta, ocorre a ativação e proliferação das células T, que já foram detectadas no sangue periférico, líquor e líquido sinovial 30 . Com algumas semanas de doença, observa-se progressivo aumento da produção de IgM (imunoglobulina M), que geralmente atinge seu nível máximo entre a terceira e a sexta semana, persistindo por meses ou anos com níveis mais baixos. Os títulos de IgG (imunoglobulina G) específicos elevam-se lentamente, a partir da quarta semana, podendo permanecer elevados durante vários anos, mesmo após a remissão das manifestações clínicas 31. Acredita-se que o ECM resulte de processo inflamatório inespecífico à B. burgdorferi e que apareceria antes do surgimento da resposta inflamatória sistêmica 32 . As manifestações articulares estão relacionadas com a indução da produção de interleucina 1B pelo espiroqueta 33. As manifestações neurológicas decorrem da presença do espiroqueta no líquor e tecido cerebral. A produção de crioglobulinas seria responsável pelas alterações inflamatórias 34. Fatores relacionados com a patogenicidade da B. burgdorferi 35: - A B. burgdorferi é uma potente indutora de interleucina -1B (IL-1B), que está implicada na patogenia da artrite inflamatória; - Lipopolissacárides (LPS) e peptidoglicanos existentes na estrutura dos espiroquetas são considerados os indutores da liberação de IL-1.A IL-1 tem sido implicada no aumento da permeabilidade vascular e, conseqüentemente, no comprometimento da integridade do endotélio vascular. 7 - Uma proteína da membrana externa da B. burgdorferi denominada OpSA é responsável pela aderência do espiroqueta às células endoteliais, o que facilitaria o processo de migração transendotelial e invasão do estroma de diferentes órgãos. Infecção subclínica Picada do carrapato Cura Cura espontânea 2ª Fase Manifestações neurológicas, articulares e cardíacas Fase Tardia ACA Artrite crônica Encefalomielite crônica Figura 4 – Evolução da doença de Lyme. 1.5 Aspectos Clínicos: Segundo Steere (1989), a doença de Lyme pode ser classificada em três estágios 36: 1º estágio ou fase aguda com manifestações cutâneas; 2º estágio com manifestações predominantemente articulares, neurológicas, oftalmológicas e cardíacas; 3º estágio com alterações articulares, neurológicas e cutâneas. Embora exista esta divisão em estágios, é possível observar-se alterações clínicas concomitantes das diferentes fases evolutivas num mesmo paciente. 8 1º estágio ou fase aguda Alterações cutâneas: a principal manifestação é o ECM, que ocorre em 60 a 83% dos pacientes com DL. Inicia-se em torno de 3 a 30 dias após a picada do carrapato. Caracteriza-se por máculas ou placas eritematosas, que se expandem centrifugamente, podendo atingir 20 a 30 cm de diâmetro (Figuras 7,8 e 9). Localizase principalmente nas extremidades dos membros, tronco e face. O ECM é, na maioria das vezes, assintomático, podendo ocorrer prurido, dor ou hiperestesia 37. Dias ou semanas após o início da infecção, podem surgir lesões semelhantes ao ECM, resultantes da espiroquetemia ou da disseminação linfática. Estas lesões podem aparecer na vigência da lesão primária ou após o seu desaparecimento 38. O ECM deve ser diferenciado de lesões de granuloma anular, erisipela, eritema pigmentar fixo, eritema anular centrífugo, reações persistentes à picada de inseto e quadros alérgicos 39. As lesões cutâneas podem ainda se iniciar como nódulo ou placa solitária, eritematosa, de um a cinco centímetros de diâmetro, geralmente localizada na face, pavilhão auricular, região escrotal e aréola mamária. Esta forma de apresentação é denominada linfocitoma cutâneo 40. O termo linfocitoma foi usado pela primeira vez por Spriegler (1894) e Fendt (1900), para descrever lesões que lembravam sarcoma, mas tinham evolução benigna 41. A mesma designação foi usada posteriormente por Kaufman-Wolf (1921) para descrever uma lesão nodular, localizada na bolsa escrotal e acompanhada de linfadenopatia. Em 1986, foi cultivada, pela primeira vez, B. burgdorferi a partir de biópsia de linfocitoma cutâneo. Passou-se então a utilizar-se o termo linfocitoma cutâneo por Borrelia para denominar aquelas lesões onde fosse identificada a B. burgdorferi 42. O linfocitoma caracteriza-se por lesões pápulo-nodulares, da cor da pele ou avermelhadas, localizadas principalmente na face. O diagnóstico diferencial deve ser feito com lesões de sarcoidose, lupus vulgar, erupção polimorfa a luz e linfomas 43. Alterações sistêmicas: em conseqüência da espiroquetemia, ainda na fase aguda podem surgir manifestações sistêmicas, tais como: astenia, sonolência, artralgia, mialgia, rash cutâneo, adenopatia, esplenomegalia e sinais de irritação meníngea. Esses sintomas desaparecem normalmente num período de dois meses, mesmo sem tratamento 44. 9 Figura 5 – Paciente procedente de Manaus, com lesão em placa sugestiva, clínica e histopatologicamente, de DL. Verificou-se a sua regressão com a utilização de antibiótico. Caso observado por Talhari, S. Figura 6- Paciente procedente de Manaus. Placa infiltrada e eritematosa, com bordas elevadas e involução central. Diagnóstico clínico e histológico compatível com DL. Caso observado por Talhari, S. 10 Figura 7 – Paciente da figura 6, após tratamento com antibiótico. Figura 8- Paciente com múltiplas lesões cutâneas de ECM. Apresentava dores articulares importantes, coincidindo com o início das lesões cutâneas. Caso observado por Talhari, S. 11 Figura 9 – Regressão das lesões cutâneas após uso de doxiciclina. As manifestações reumatológicas regrediram progressivamente. 2º estágio: Neste estágio observam-se principalmente: Comprometimento articular – verificado em aproximadamente 10% dos doentes não tratados. Caracteriza-se por edema e dor nas grandes articulações, principalmente joelhos e articulação têmporo-mandibular. Não são observadas alterações radiológicas 45. Manifestações cardíacas – são encontradas em 6 a 10% dos casos não tratados. As alterações cardíacas mais relatadas são bloqueios atrioventriculares, acompanhados de distúrbio de repolarização, miopericardite e disfunção ventricular esquerda. Essas manifestações costumam desaparecer no final de seis semanas, sem deixar seqüelas 46. 12 Num estudo feito em 1980 com 19 pacientes que apresentavam ECM, 13 desenvolveram comprometimento cardíaco, com alterações eletrocardiográficas e clínicas compatíveis com pericardite e miocardite 47. Casos graves, com insuficiência cardíaca e identificação de B. burgdorferi no miocárdio já foram descritos 48. Comprometimento Neurológico – ocorre em 10 a 20% dos casos não tratados. As alterações neurológicas mais observadas são as meningites linfocíticas, encefalites com distúrbios de memória, radiculoneurites e neuropatias cranianas, principalmente a paralisia facial uni ou bilateral 49. A paralisia de Bell ocorre em até 10% dos pacientes não tratados, podendo ser uni ou bilateral. Em crianças com DL pode ocorrer em até 50% dos casos, sendo geralmente transitória. Outros pares de nervos cranianos podem ser afetados, tais como o II, III, V, VI, e IX pares 50. A radiculoneurite de Garin-Bujadoux também é uma alteração importante que pode ocorrer na DL e caracteriza-se por diminuição dos reflexos tendinosos e dor radicular 51. Na meningite de Lyme verificam-se sinais de irritação meníngea e alterações liquóricas. Há pleocitose, com predomínio de linfócitos. A Borrelia burgdorferi pode ser isolada a partir do líquido céfalorraquidiano 52. A tríade caracterizada por meningite, neurite craniana e radiculoneurite é muito sugestiva de DL, principalmente em pacientes provenientes de área endêmica 53. Pode haver, ainda, alterações do sono, distúrbios da concentração e irritabilidade. Os quadros neurológicos são relativamente freqüentes em pacientes europeus e raros nos americanos 54. Manifestações oculares: conjuntivite, neuropatia do nervo óptico, iridociclite e panoftalmite já foram descritos em associação com a DL. Quadros de diplopia são comuns em pacientes com paralisia do V e VI pares de nervos cranianos 55. Em 1985, foi relatado o caso de paciente com DL que apresentou comprometimento ocular, quatro semanas após o surgimento do ECM. Ocorreu irite unilateral, com evolução para panoftalmite. A biópsia do corpo vítreo evidenciou espiroquetas morfologicamente compatíveis com B. burgdorferi 56. 13 Em outros seis pacientes apresentando comprometimento ocular associado à doença de Lyme foram observadas iridociclites e vitrites. Em dois pacientes verificou-se, também, paralisia facial. Em outro doente havia artrite e neuropatia periférica 57. 3º estágio: Em média, 60% dos doentes não tratados podem apresentar manifestações clínicas deste estágio. Alterações articulares: estão presentes em até 60% dos pacientes não tratados. Afetam as grandes articulações, principalmente os joelhos e articulação têmporo-mandibular 58. Em geral, verifica-se artrite crônica com erosão da cartilagem e osso. No joelho pode surgir o cisto de Baker. Este cisto pode romper-se , posteriormente 59. No exame laboratorial do líquido sinovial encontra-se pleocitose, com predomínio de polimorfonucleares. A glicose está normal e há moderada elevação das proteínas. A B. burgdorferi já foi cultivada a partir do líquido sinovial de doentes com artrite de Lyme 60. Como ocorre em outras doenças reumáticas, a artrite de Lyme crônica parece ter base imunogênica nos alelos, principalmente no locus D do complexo de histocompatibilidade (HLA). Num estudo com 80 pacientes, verificou-se que os casos com artrtite crônica mostravam aumento significativo da freqüência do HLADR3 e DR4 61. No acompanhamento de 55 pacientes com ECM, durante seis anos, 44 desenvolveram comprometimento articular, 10 apresentaram artralgias, 28 artrite intermitente e seis evoluíram com artrite crônica 62. A artrite de Lyme deve ser diferenciada principalmente da artrite reumatóide, que é uma poliartrite simétrica de pequenas articulações, com fator reumatóide positivo 63. Manifestações Psiquiátricas e Neurológicas – alterações neurológicas crônicas são encontradas em 5% dos doentes não tratados e incluem psicose, encefalites multifocais e doença desmielinizante, semelhante à esclerose múltipla. Também pode ocorrer polineuropatia axonal crônica, com dor radicular e parestesia 14 distal. Em pacientes europeus, a B. garinii tem sido associada com casos de encefalomielite crônica, caracterizada por paraparesias, neuropatia craniana e distúrbios do comportamento 64. Alterações cutâneas: pode aparecer a acrodermatite crônica atrófica (ACA), também denominada de doença de Pick-Herxheimer, que se caracteriza por atrofia cutânea, com vasos sanguíneos proeminentes. A acrodermatite crônica atrófica foi inicialmente descrita na Europa por Buchwald (1883) como atrofia cutânea idiopática 65 . Herxheimer e Hartman (1902) denominaram-na ACA por serem lesões progressivas, atróficas e acometerem geralmente a face de extensão dos membros 66. Asbrink, em 1984, evidenciou a presença de B. burgdorferi no exame histológico de lesões de ACA 68 . Outros autores também demonstraram o microrganismo, utilizando técnicas diversas 69, 70, 71. Em vários estudos, o ELISA antiBorrelia burgdorferi foi positivo em 80 a 100% dos casos de ACA 72, 73. A ACA tem sido relatada principalmente na Europa e até o momento não foi descrita nos Estados Unidos. Ocorre seis meses a oito anos depois da infecção inicial, começando com área eritematosa, evoluindo posteriormente com atrofia cutânea. Atinge pessoas idosas, principalmente do sexo feminino 74. No diagnóstico diferencial da ACA são importantes a dermatomiosite, esclerodermia e outras doenças do tecido conjuntivo. 1.6 Doença de Lyme e gravidez Em 1985, foi descrito o primeiro caso de transmissão vertical da DL em paciente que desenvolveu a doença no primeiro trimestre da gestação. O parto foi prematuro e o recém-nato faleceu horas depois em consequência de má formação cardíaca, com estenose aórtica, persistência de canal arterial e coarctação da aorta. No exame anátomo-patológico da criança foi encontrada B. burgdorferi no baço, rins e medula óssea 75. Morte fetal, má formação congênita, principalmente cardíaca, e retardo no desenvolvimento são as consequências mais graves da infecção intra-uterina por B. burgdorferi. Também já foram encontradas sindactilia, cegueira cortical, natimortalidade e prematuridade 76 . Apesar desses relatos, a frequência de alterações fetais relacionadas com a DL é baixa 77. 15 1.7 Doença de Lyme na infância As características clínicas da DL na infância são distintas daquelas encontradas nos adultos. O ECM ocorre em menos de 25% dos casos e a principal manifestação da fase aguda são artrites que simulam a artrite reumatóide juvenil. Manifestações neurológicas, tais como a paralisia de Bell e meningite asséptica também são alterações importantes 78. 1.8 Outras doenças associadas à infecção pela Borrelia burgdorferi Além das lesões clássicas do ECM, a Borrelia burgdorferi tem sido associada a outras doenças cutâneas. Entre elas citam-se a esclerodermia em placa, anetodermia, líquen escleroso e atrófico, atrofodermia de Pasini e Pierini, infiltrado linfocítico de Jessner-Kanof, hemiatrofia facial de Romberg-Parry e granuloma anular generalizado 79. A etiologia da esclerodermia não está bem esclarecida, mas pode estar relacionada a traumas, infecções e alterações imunológicas. Em 1985 foram encontrados anticorpos (Ac) anti-Borrelia em cinco de dez pacientes com esclerodermia em placa. Posteriormente, esses casos tiveram confirmação da causa infecciosa com a demonstração da B. burgdorferi 80 . Em 1993, foram encontrados anticorpos anti-Borrelia em 67 pacientes com esclerodermia em placa 81 . Já foram relatados casos de esclerodermia em placa com posterior aparecimento de ECM, sorologia anti-Borrelia positiva e presença de espiroquetas nas lesões 82. A anetodermia é uma doença que se caracteriza por alterações das fibras elásticas, podendo ter causas genéticas, auto-imunes e infecciosas, como a infecção por B. burgdorferi. Apresenta-se clinicamente com pequenas placas ovalares, atróficas e enrugadas, localizadas principalmente no tronco. Existem casos descritos de anetodermia na periferia de lesões de ACA 83. Recentemente, foi descrito um caso com múltiplas lesões de anetodermia em que o PCR evidenciou sequência de um gene da B. burgdorferi (RNA ribossomal S 23). O ELISA e o Western-blot para B. burgdorferi também foram positivos 84. A atrofodermia de Pasini-Pierini é uma doença rara, provavelmente uma variante atrófica da esclerodermia em placa. Em 1986, foi descrito caso de atrofodermia de Pasini e Pierini, com cultura positiva para B. burgdorferi 85. Existem, também, trabalhos sugerindo a associação entre líquen escleroso e atrófico (LEA) e ACA. O LEA é uma doença cutânea pouco freqüente, caracterizada 16 por placas brancas e atróficas, que apresentam espículas córneas na superfície. Localiza-se principalmente nas regiões genital, perianal e cervical. Alguns autores já descreveram a presença das duas doenças num mesmo paciente 86, 87. Na revisão de onze pacientes com diagnósticos clínicos de esclerodermia, granuloma anular, farmacodermia, líquen escleroso e atrófico e eritema anular centrífugo detectou-se a presença de B. burgdorferi em todos os casos através da técnica de PCR 88. 1.9 Diagnóstico da doença de Lyme: O diagnóstico da DL é feito através dos aspectos clínicos, epidemiológicos e laboratoriais.O diagnóstico laboratorial fundamenta-se no encontro do agente etiológico e nas provas sorológicas que indicam resposta imune do hospedeiro à Borrelia. A confirmação diagnóstica da infecção pela B. burgdorferi é feita através da cultura em meios microaerófilos, principalmente o BSK (Barbour, Stroenery, Kelly), que tem 100% de especificidade. Pelo fato de a B. burgdorferi ser de difícil cultivo, a positividade com este método está em torno de 45%. Outro método importante é a PCR, com detecção de sequências de DNA específicas da B. burgdorferi. Atualmente, para a realização da PCR, tem-se utilizado uma fração do gene da B. burgdorferi, denominada OsPA, com alta sensibilidade e especificidade 89. Outro método diagnóstico é o exame histopatológico, onde os espiroquetas podem ser demonstrados em até 40% dos casos, principalmente através da coloração pela prata, com as técnicas de Warthin-Starry ou de Steiner 90. Os testes sorológicos, que detectam anticorpos IgM ou IgG anti–Borrelia no soro, são comumente utilizados para o diagnóstico e investigação epidemiológica. O CDC (Center for Disease Control) recomenda que sejam usados inicialmente testes como o ELISA ou IFI. O Western-blot é empregado para confirmação dos casos positivos ou indeterminados. A IFI é utilizada com menor freqüência, por ser menos sensível e específica. O ELISA é muito sensível, mas pode apresentar reação cruzada com outras doenças, tais como a sífilis, leishmaniose, artrite reumatóide e doença de Chagas, necessitando-se, portanto, da confirmação pelo Western–blot 91. 17 1.10 Tratamento Segundo Abele e Anders (1990), as alternativas terapêuticas recomendadas são as seguintes 92: Manifestações Iniciais: Adultos • Tetraciclina - 250 a 500 mg, por via oral (VO), de 6/6 h, durante 10 a 21 dias; • Doxaciclina - 100 mg VO, de 12/12 h, durante 10 a 21 dias; • Fenoximetil-penicilina - 250 a 500 mg VO, de 6/6 h, durante 10 a 21 dias; • Eritromicina - 250 a 500 mg VO, de 6/6 h, durante 15 a 21 dias. Crianças com menos de oito anos • Fenoximetil-penicilina - 50mg/Kg/dia VO, de 6/6h, durante 10 a 21 dias; • Amoxacilina - 20-40mg/Kg/dia VO, de 8/8 h, durante 10 a 21 dias; • Eritromicina - 30-50 mg/Kg/dia VO, de 6/6 h, durante 15 a 21 dias. Manifestações Neurológicas: meningites e encefalites Adultos: • Penicilina cristalina - 20 a 24 milhões de unidades/dia, por via endovenosa, durante 10 a 14 dias; • Ceftriaxona - 1 a 2 gramas, por via intramuscular ou endovenosa, em dose única diária, durante 14 a 21 dias. Crianças: • Penicilina cristalina - 250.000 a 400.000 unidades/Kg/dia, por via endovenosa, durante 10 a 14 dias; • Ceftriaxona - 50 a 80 mg/Kg, por via endovenosa em dose única diária, durante 14 dias. 18 Manifestações Cardíacas Alterações cardíacas leves: Mesmo tratamento recomendado para as alterações iniciais em período de 21 dias. Alterações cardíacas com graves bloqueios de condução: • Penicilina cristalina - 250 a 400.000 unidades/Kg/dia, por via endovenosa, durante 21 dias; • Ceftriaxona - 50-80 mg/Kg/dia, por via endovenosa, em dose única diária, durante 21 dias. Artrite Crônica Adultos: • Doxaciclina - 100 mg VO, de 12/12 h, durante 30 dias; • Ceftriaxona – 2 a 4 gramas/dia, por via intramuscular ou endovenosa, durante 14 dias; • Pencilina Benzatina 2.400.000 unidades/semana, por via intramuscular, durante três semanas. Crianças: • Amoxacilina - 40 mg/Kg/dia VO, de 8/8 horas, durante um mês. 19 2. OBJETIVOS 2.1 OBJETIVOS GERAIS: Investigar, através de exames sorológicos, a presença da infecção pela Borrelia burgdorferi, em indivíduos portadores de diferentes dermatoses, sem história prévia de DL. 2.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS: - Verificar a presença da infecção pela Borrelia burgdorferi segundo o sexo, faixa etária, profissão e procedência; - Correlacionar a infecção pela Borrelia burgdorferi com possíveis manifestações cutâneas e/ou sistêmicas; - Confirmar o diagnóstico sorológico da infecção pela B. burgdorferi através do Western-blot; - Avaliar clínica e laboratorialmente todos os pacientes que tiverem reação sorológica positiva para B. burgdorferi. 20 3. METODOLOGIA 3.1 Modelo de estudo Trata-se de um estudo prospectivo de avaliação da soroprevalência de Borrelia burgdorferi na população examinada. 3.2 População de Referência: O estudo teve como alvo principalmente a população atendida na FMT-AM. Serão examinados pacientes que habitam a cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas. A cidade está situada à margem esquerda do Rio Negro, cujo município abrange uma área terrestre de 11.648 Km2 e com população de 1.565.709 (IBGE 2000). 3.3 População de Estudo Pacientes atendidos no Serviço de Dermatologia da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas (FMT-AM). 3.4 Participantes Pacientes portadores de diversas dermatoses atendidos no ambulatório de dermatologia da FMTAM no período de junho de 2003 a janeiro de 2004. 3.5 Critérios de Inclusão Foram incluídos 270 participantes, portadores de diferentes dermatoses, de ambos os sexos, oriundos do atendimento no ambulatório de dermatologia da FMTAM, sem sintomas específicos da doença de Lyme. Todos os participantes selecionados tiveram registrados em ficha clínica apropriada, com os dados referentes à identificação, procedência, história patológica pregressa e queixas atuais (anexo A). Os participantes do estudo receberam orientações, verbais e por escrito, sobre a natureza do estudo e assinaram um termo de consentimento informado (anexo B). 21 3. 6 Procedimentos 3.6.1 Registros dos Participantes Após a inclusão nos estudos, os participantes tiveram todos os seus dados registrados na ficha clínica e foram encaminhados ao laboratório de Imunologia, onde foram colhidos 10 ml de sangue venoso. Esse sangue foi centrifugado para a obtenção do soro, que foi armazenado no congelador até a realização das sorologias. 3.6.2 Realização das sorologias: As reações sorológicas foram realizadas no Laboratório de Imunologia da FMTAM. 3.7 Realização do Teste ELISA: O teste ELISA foi realizado com o Kit C6 Borrelia Burgdorferi, da Immunetics , que é utilizado para detecção presuntiva de anticorpos IgG e IgM em soro humano. O antígeno usado neste exame é um peptídeo sintético (C6), derivado de proteína da Borrelia burgdorferi. Segundo o fabricante, por este antígeno representar a seqüência de uma proteína do próprio espiroqueta, as reações cruzadas com antígenos encontrados em outros organismos são muito reduzidas. 3. 7.1 Componentes do Kit: - Placa com 96 micropoços, fornecida em 12 faixas com oito poços cada uma, coberta com antígeno peptídeo sintético da B. burgdorferi; - Amostra de diluente (30 mL) com gentamicina e proclina como conservantes; - 15 mL de conjugado; - Controle positivo: soro humano com alta concentração de anticorpo contra Borrelia burgdorferi; - Controle negativo: soro humano sem anticorpo detectável para B. burgdorferi; - Calibrador de corte (0,15mL): soro humano com anticorpos para B. burgdorferi; 22 - Substância de lavagem (60 mL) com solução salina e detergente T-20. Para realização das lavagens, acrescenta-se 540 mL de água destilada à substância de lavagem; - Substrato TMB-ELISA: solução de tetrametilbenzadina; - Solução de parada (15 mL): contendo ácido sulfúrico. 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 A B C D E F G H Reagente branco Controle negativo Controle positivo Conjugados Soros dos pacientes Figura 10 – Representação de uma placa de ELISA. 3. 7. 2 Procedimentos do Teste: - São colhidos 10 mL de sangue através de punção venosa; - O sangue permanece em repouso até a formação do coágulo em tubo “vacutainer“ em temperatura ambiente; - Após formação do coágulo, faz-se a centrifugação das amostras para obtenção do soro; - Posteriormente, são adicionados 200 µL do diluente com gentamicina e proclina em cada soro; - São colocados 10 µL do soro diluído do paciente em cada micropoço; - Incuba-se por 30 minutos; - Faz-se quatro lavagens com a substância de lavagem; 23 - A seguir, coloca-se 100 mL de conjugado em todos os poços e incuba-se por mais 20 minutos; - Aspiram-se os poços e faz-se os quatro passos de lavagem novamente; - São colocados, então, 100 µL do substrato TMB-ELISA, aguardando-se quatro minutos; - Dispensa-se 100 µL da solução de parada; - Aguarda-se de cinco a 30 minutos e lê-se a absorvência usando um leitor de placas ELISA com filtro de 450 nm. 3. 7.3 Controles de Qualidade 1. O valor do reagente branco deve ser menor que 0,08; 2. O controle negativo deve ser menor que 0,18; 3. O controle positivo deve ser maior que 1,2; 4. Os valores dos calibradores devem estar entre 0,40 a 2,00. Calcula-se o valor médio para os três calibradores, que dever estar entre 0,4 e 1,2. 3. 7. 4 Leitura e interpretação dos resultados: Calcula-se o valor de corte dividindo-se o valor médio dos calibradores por 2,150 (coeficiente de correção). Calcula-se, então, o valor do índice de Lyme, dividindo-se o valor da amostra de cada paciente pelo valor de corte. 3. 7. 5 Índice de Lyme: recomendado pelo fabricante < 0,90: resultado negativo. Ausência de anticorpo para Borrelia burgdorferi; 0,90 – 1,09: resultado indeterminado. Estes resultados deverão ser confirmados pelo Western blot; > 1,10: resultado positivo. Todos os resultados positivos também devem ser confirmados pelo Western-blot. Todos os testes indeterminados ou positivos foram testados com o Kit Borrelia burgdorferi IgG Western-blot, do laboratório Immunetics que é um teste qualitativo in vitro para detecção de anticorpos humanos IgG reativos com antígenos para Borrelia burgdorferi. 24 3. 8 Realização do Teste Western-blot: 3. 8. 1 Componentes do Kit Western-blot para Borrelia burgdorferi: - 24 tiras de IgG B. burgdorferi;, - 100 µL de controle negativo IgG; - 100 µL de controle positivo IgG: soro humano contendo alta concentração de anticorpos contra antígenos da B. burgdorferi; - 100 µL de controle reativo semanal do IgG: soro humano contendo anticorpos reativos com a faixa p 41, que é usada para estabelecer uma intensidade de corte; - 25 mL de substância de lavagem; - 25 mL de conjugado IgG anti-humano; - Três bandejas de incubação; - Uma folha para registro com a faixa de referência impressa. 3. 8. 2 Procedimentos para a realização do Teste: Preparação dos reagentes 1. Substância de lavagem – adiciona-se o frasco inteiro do buffer de lavagem concentrado, solução 10x, a um frasco de 250 mL de água destilada; 2. Buffer de diluição – calcula-se a quantidade de amostra do buffer de diluição baseado no número de tiras a serem testadas. Adiciona-se 0,05 g de leite em pó a 1 mL do buffer de diluição para cada tira a ser testada. Preparação da bandeja 1. Adiciona-se 1 mL do buffer de lavagem para cada canal na bandeja de incubação; 2. Coloca-se a bandeja numa plataforma de balanço com 30-40 ciclos/ minutos; 3. Aspira-se o líquido dos canais individuais. 25 Preparação das Tiras 1. Adiciona-se 1 mL do buffer de lavagem para cada canal ativo da bandeja de incubação; 2. Colocam-se as tiras individualmente nos poços; 3. Incuba-se por um minuto numa plataforma de balanço, até que as tiras fiquem homogeneamente molhadas; 4. Aspira-se e adiciona-se 1 mL do buffer de diluição para cada canal ativo; 5. Adicionam-se 10 µL da amostra do soro do paciente e incuba-se por 30 minutos na plataforma de balanço; 6. Os canais ativos são aspirados e enxaguados com1 mL do buffer de lavagem; 7. Balança-se por mais três minutos e aspira-se novamente; 8. Adiciona-se 1 mL do conjugado IgG anti-humano para cada canal ativo.; 9. Incuba-se por mais 15 minutos, enxaguando em seguida os canais com 1 mL do buffer de lavagem; 10. Adiciona-se 1 mL da solução AP-substrato para cada canal ativo; 11. Incuba-se a plataforma por seis minutos e aspiram-se os canais ativos; 12. Transferem-se, então, as tiras para uma folha de papel toalha, deixando-as secar ao ar livre. As tiras fornecem registros permanentes dos resultados, que podem ser interpretados a qualquer tempo. 3. 8. 3 Interpretação dos Resultados: Após o processamento, as tiras são colocadas na folha de registro. Essas tiras são posicionadas para que a linha preta no topo das tiras fiquem alinhadas com a correspondente na tira de referência. As faixas são identificadas por comparação, lado a lado, com a faixa de referência. Para que o teste seja válido, a faixa de controle deve ser visível em cada tira. A faixa de referência deve mostrar as faixas p93, p66, p58, p45, p41, p39, p30, p28, p23 e p18, que são consideradas as faixas de positividade (Figura 11). 26 Figura 11 – Representação de uma tira de referência de um teste Western-blot B. burgdorferi, mostrando as dez faixas de positividade. Todos os participantes com sorologia positiva foram examinados na dermatologia e clínica médica. Os participantes com resultados positivos no Western-bot foram tratados para a doença de Lyme com as medicações e esquemas preconizados. 3.9 Metodologia Estatística: A amostra utilizada para análise foi composta por 270 registros de pacientes que fizeram sorologia para doença de Lyme. Para as variáveis quantitativas, calculou-se a média e o desvio-padrão. Para as variáveis qualitativas, foram calculadas as freqüências absolutas e relativas. Foi feita análise descritiva de todos os dados. O software utilizado para armazenar e analisar os dados foi o programa Epi-Info for Windows, versão 6.04. 27 4. RESULTADOS 4.1 Aspectos Epidemiológicos: Ao todo foram selecionados 270 pacientes oriundos da demanda espontânea do ambulatório de dermatologia da FMT-AM. A distribuição por sexo mostrou que 137 pertenciam ao sexo feminino e 133 ao sexo masculino (Figura 12). Os dados referentes à faixa etária dos pacientes são apresentados na tabela 1. Quanto à procedência, 232 eram oriundos da área urbana e 38 da área rural do município de Manaus (Figura 13). Dos 270 participantes, 73 (27%) referiam picadas de carrapatos em algum momento da vida e 197 (73%) não se lembravam deste evento (Tabela 2). Masculino 49% Feminino 51% Figura 12 - Distribuição quanto ao sexo dos pacientes incluídos no estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. 28 Tabela 1 - Distribuição quanto à faixa etária dos pacientes incluídos no estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. n % Acumulada Faixa Etária 06|---16 10 3,7 3,7 17|---26 51 18,9 22,6 27|---36 39 14,4 37,0 37|---46 60 22,2 59,3 47|---56 40 14,8 74,1 57|---66 34 12,6 86,7 67|---76 24 8,9 95,6 77|---86 12 4,4 100,0 270 100,0 100,0 Total Média: 43,7 DP: 18,6 Mediana: 42,5 Rural 14% Urbana 86% Figura 13 - Distribuição quanto à procedência dos pacientes incluídos no estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Tabela 2 - Distribuição quanto à picada de carrapatos nos pacientes incluídos no estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMTAM em 2003. n % Picada de Carrapato Sim 73 27,0 Não 197 73,0 270 100,0 Total 29 4.2 Resultados das sorologias: 4.2.1 ELISA: Dos 270 pacientes incluídos, 19 foram positivos ao teste ELISA C6 Borrelia burgdorferi (Tabela 3). Destes, nove pertenciam ao sexo feminino e 10 ao sexo masculino (Tabela 4). A distribuição quanto à faixa etária foi a seguinte: 10 a 19 anos: um 20 a 29 anos: dois 30 a 39 anos: quatro 40 a 49 anos: quatro 50 a 59 anos: seis ≥ 60 anos: dois Quanto à procedência, 16 residiam na área urbana e três na área rural do município de Manaus (Tabela 6). Do total de 19 pacientes com resultados positivos ao ELISA, quatro (21,1%) referiam picadas de carrapatos e 15 (78,9%) não se recordavam deste evento (Tabela 7). Quanto à profissão, três eram mulheres que trabalhavam no lar, três eram pedreiros, dois vendedores, dois caseiros, dois estudantes, dois comerciários, um professor, um comerciante, um cobrador, um agricultor e um mestre de obras. Quanto à presença de animais na residência, oito possuíam algum tipo de animal doméstico e onze não tinham animais (Tabela 8). Os diagnósticos clínicos no momento da consulta foram: três casos de dermatite de contato e farmacodermia; dois casos de psoríase, farmacodermia e carcinoma basocelular; vasculite, doença de Jorge Lobo, paracoccidioidomicose, dermatofitose, leishmaniose, lupus eritematoso sistêmico, eflúvio telógeno, com um caso de cada enfermidade. 30 Tabela 3 – Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição dos pacientes com ELISA positivo. n % ELISA IC95% 4,3 – 10,8 Reativo 19 7,0 Não reativo 251 93,0 Total 270 100,0 Tabela 4 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição quanto ao sexo dos pacientes com ELISA positivo. ELISA Reativo Não-reativo Sexo Total Feminino Masculino Total n 9 10 19 % 47,4 52,6 100,0 n 128 123 251 % 51,0 49,0 100,0 137 133 270 Tabela 5 - Comparação da média de idade dos pacientes com resultados positivos no teste ELISA, incluídos no estudo da soroprevalência da infecção pela B. burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Média DP Mediana Min. Max. Resultado do Teste 44,3 13,6 67 Reativo 43,0 18 43,7 18,9 89 42,0 6 Não-reativo Tabela 6 - Distribuição quanto à procedência dos pacientes incluídos no estudo da soroprevalência da infecção pela B. burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003 e que apresentaram ELISA positivo. ELISA Reativo Não-reativo Procedência Total Rural Urbana Total p-valor = 0,8686 n 3 16 19 % 15,8 84,2 100,0 n 36 215 251 % 14,3 85,7 100,0 39 231 270 31 Não foi encontrada associação estatisticamente significante ao nível de 5% do ELISA em relação à procedência. Tabela 7 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição dos pacientes com ELISA positivo e que referiram picada de carrapatos. ELISA Picado por Carrapato Sim Não Total Reativo n 4 15 19 % 21,1 78,9 100,0 Não-reativo n 69 182 251 % 27,5 72,5 100,0 Total 73 197 270 p-valor = 0,7329 Não foi encontrada associação estatisticamente significante ao nível de 5% do ELISA em relação à picada por carrapato. Tabela 8 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição quanto à presença de animais domésticos na residência dos pacientes com resultados positivos no teste ELISA. ELISA Reativo Não-reativo Animais domésticos Total Sim Não Total n 8 11 19 % 42,1 57,9 100,0 n 91 160 251 % 36,3 63,7 100,0 99 171 270 p-valor = 0,7923 Não foi encontrada associação estatisticamente significante ao nível de 5% em relação a animais domésticos. 32 Figura 14 - Placa de ELISA sem fluorescência no início do teste. Figura 15- Placa de ELISA mostrando os micropoços com fluorescência amarela nos resultados positivos. Alguns micropoços apresentam positividade similar ao controle positivo de paciente americano. 33 4.2.2 WESTERN- BLOT: Dos 19 soros de pacientes com resultados positivos ao ELISA C6 Borrelia burgdorferi, 13 foram submetidos ao exame pelo Western-blot. Destes 13 soros, seis (46,2%) apresentaram resultados positivos (Tabela 9). Infelizmente, por motivos de ordem técnica, não foi possível realizar o Western-blot em todos os pacientes com ELISA positivo. Dos seis pacientes com Western-blot positivo, quatro eram do sexo masculino e dois do sexo feminino (Figura 16). Quanto à idade, dois estavam na faixa etária de 30 a 39 anos, dois na de 50 a 59 anos, um na de 60 a 69 anos e um no grupo de 40 a 49 anos (Tabela 10). Quanto ao diagnóstico dermatológico no momento da consulta, dois eram portadores de leishmaniose; vasculite, dermatite de contato, eflúvio telógeno e lupus eritematoso sistêmico, com um caso de cada enfermidade (Figura 17). Destes seis pacientes com Western-blot positivo, somente um referia picada de carrapato em algum momento da vida (Figura 18). Quanto à procedência, todos eram da área urbana da cidade de Manaus e referiam contato eventual com a área rural. Quanto à profissão, duas pacientes eram donas de casa, dois comerciantes, um pedreiro e um industriário. Tabela 9 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição dos pacientes que apresentaram Western-blot positivo. n % W. Blot Reativo 6 46,2 Não reativo 7 53,8 13 100,0 Total 34 Masculino 33% Feminino 67% Figura 16 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição quanto ao sexo dos pacientes que apresentaram Western-blot positivo. Tabela 10 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição quanto à faixa etária do pacientes que apresentaram Western-blot positivo. n % Faixa Etária 30|---39 2 33,33 40|---49 1 16,66 50|---59 2 33,33 60|---69 1 16,66 6 100,0 Total 35 2 2 1.8 1.6 1.4 1.2 1 1 1 1 1 0.8 0.6 0.4 0.2 0 LTA Vasculite D. Contato Alopecia LES Figura 17 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição quanto às dermatoses dos pacientes que apresentaram Western-blot positivo. Sim 17% Nao 83% Figura 18 - Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Distribuição quanto à referência de picadas de carrapatos pelos pacientes que apresentaram Western-blot positivo. 36 Tabela 11 – Estudo da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi realizado na FMT-AM em 2003. Resultados do ELISA (de acordo com o índice de Lyme) e do Western-blot. Paciente ELISA - Índice Lyme Western-blot 1 4,3 - 2 1,1 Positivo 3 1,66 - 4 1,4 - 5 1,39 - 6 3,0 Positivo 7 4,2 - 8 1,72 Positivo 9 1,2 Negativo 10 1,3 - 11 1,6 Negativo 12 2,7 Positivo 13 1,4 Negativo 14 1,28 Negativo 15 3,3 Positivo 16 1,3 Positivo 17 1,18 Negativo 18 1,10 Negativo 19 1,12 Negativo 37 Figura 19 – Western-blot com resultados positivos. 38 5. DISCUSSÃO No presente trabalho foi investigada a presença da infecção pela Borrelia burgdorferi em 270 pacientes dermatológicos, sem evidências clínicas de DL, atendidos no serviço de dermatologia da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Dos 270 pacientes avaliados com o ELISA C6 Borrelia burgdorferi, 19 (7%) foram positivos. Destes 19 pacientes, 13 foram submetidos ao teste Western-blot, com seis (46,2%) casos positivos. De acordo com a bibliografia consultada, esta é a primeira vez que se comprova, em Manaus, através do Western-blot, a infecção pela Borrelia em pacientes sem evidências clínicas de DL. A porcentagem de positividade ao ELISA, na região de Manaus, mostrou-se superior a encontrada nos trabalhos de investigação realizados em áreas não endêmicas. Em trabalho desenvolvido nos Estados Unidos, com 98 indivíduos normais e saudáveis, provenientes de áreas não endêmicas em DL, o resultado positivo com o ELISA foi de 2% 93 . Num outro estudo, com 99 doadores de sangue, também americanos, procedentes de região não endêmica em DL, o ELISA foi positivo em de 2% dos casos; em 1% o resultado foi indeterminado 94. Em áreas americanas consideradas endêmicas, com indivíduos sem indícios de DL, os resultados positivos são inferiores aos encontrados em Manaus. No estudo de 99 soros de pacientes procedentes de área endêmica, sem manifestações clínicas de DL, o ELISA foi positivo em 4% 95. Como podemos observar pelos estudos já realizados, existem indícios da presença de infecção ou doença por Borrelia em nosso país. No estado do Amazonas estes indícios são muito importantes. Duas foram as razões que nos levaram a desenvolver esta investigação: primeiro, a demonstração de casos clínicos em Manaus feita por Talhari et al. em 1987 e 1992 8, 9 ; segundo, o estudo sorológico realizado por Kuhne et al em 1993 14 . O encontro de espiroquetas em biópsia de paciente com ECM, diagnosticado em Manaus, reforçou, ainda mais, a necessidade de pesquisa em relação à doença de Lyme 15 . É importante ressaltar que casos de DL já foram diagnosticados no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde foi relatado o primeiro caso brasileiro de DL com manifestações articulares 10, 11, 12. 39 No inquérito epidemiológico realizado por Kuhne, em 1993, na cidade de Manaus e do Rio de Janeiro, a positividade do ELISA, em pacientes sem história clínica da doença de Lyme, foi de 19,5% e 7,5%, respectivamente. Isto conduz a duas interpretações: a presença de Borrelia burgdorferi nestas cidades ou a ocorrência de reações sorológicas cruzadas com outros agentes etiológicos. Na investigação atual, utilizou-se um ELISA com boa sensibilidade e especificidade, mostrando percentual de positividade menor do que o observado por Kuhne, mas similar ao que se observa em áreas endêmicas em DL. É importante ressaltar que os soros positivos foram submetidos ao Western-blot, que é especifico para B. burgdorferi, com seis (46,2%) resultados positivos, em 13 soros examinados. Infelizmente, por problemas de ordem técnica, não foi possível realizar o Westernblot em todos os soros com ELISA positivo. Certamente, teríamos maior número de pacientes com comprovação da infecção pela B. burgdorferi. Sabe-se que diferentes espécies de B. burgdorferi mostram modelos diversos de faixas de positividades no Western-blot. Os tipos europeus têm uma estrutura de faixa mais heterogênea do que os tipos norte-americanos. As Borrelias norteamericanas apresentam em comum reação na área de faixa de 41 kD. Todos os seis casos reativos ao Western-blot mostraram reação nesta faixa, o que sugere a existência, na região de Manaus, de uma Borrelia semelhante à espécie norteamericana 96. A presença de anticorpos anti-Borrelia no Western-blot mostrou-se superior nas faixas etárias compreendida entre 30 a 50 anos, o que coincide com dados da literatura, onde se observa maior positividade para infecção pela B. burgdorferi antes dos 50 anos de idade, provavelmente em conseqüência da maior exposição ao vetor, relacionada a atividades profissionais e de lazer 97 . Quanto ao sexo, não houve diferença estatisticamente significante. A grande maioria dos pacientes procedia da área urbana da cidade de Manaus, mas com entrada eventual em áreas de floresta. Algumas investigações mostram que pessoas que freqüentam florestas, vivem em áreas próximas ou que nelas residem, apresentam maior incidência de DL, provavelmente pela maior exposição aos carrapatos transmissores 98. Em face da possível transmissão da B. burgdorferi por carrapatos de animais domésticos, os participantes foram entrevistados sobre a existência em seus lares 40 desses animais. Não houve diferença estatisticamente significante em relação à presença desses animais. Dos 270 pacientes incluídos no trabalho, somente 73 lembravam de terem sido picados por carrapatos e dos seis pacientes com Western-blot positivos, somente um referiu este evento. Estes dados coincidem com a literatura, pois a picada das ninfas destes carrapatos é indolor, o que faz com que a maioria dos pacientes não se lembrem desta ocorrência 9. Todos os pacientes com Western-blot positivos estão sendo avaliados no ambulatório de clinica médica e, de acordo com recomendações do CDC, foram tratados com medicação padronizada. Julgamos importante ressaltar que um dos pacientes com Western-blot positivo apresenta quadro de artrite e outro tem lesões cutâneas compatíveis com vasculite. Ambos estão em acompanhamento no ambulatório de reumatologia. 41 6. CONCLUSÃO 1. A soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi foi de 7% pelo teste ELISA. Dos 19 soros reativos no ELISA, 13 foram submetivos ao Western-blot, com seis resultados positivos, mostrando uma soroprevalência de 46,2% no Western-blot. Através deste estudo podemos concluir que a infecção por Borrelia burgdorferi ou a doença de Lyme existe no Brasil. Novos estudos são necessários para melhor caracterização da epidemiologia e aspectos clínicos da doença em nosso meio; 2. Não houve diferença estatisticamente significante em relação ao sexo e faixa etária dos pacientes com sorologia positiva. A maioria dos pacientes procedia da área urbana de Manaus, mas referiam contato eventual com área de floresta; 3. Os resultados obtidos neste estudo indicam a presença de Borrelia burgdorferi em nosso meio e sugerem a necessidade de novas investigações sorológicas e clínicas. Estes dados também sugerem que pacientes com quadros neurológicos, reumatológicos e cardíacos, sem etiologia definida, devem ser avaliados em relação à possibilidade de DL. 42 7. 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Exame Dermatológico: ......................................................................................................................................... ......................................................................................................................................... ............................................................................................................................. História Patológica Pregressa: ..................................................................................................................................... História Social: Animal doméstico: sim ( Picada de carrapato: sim ( ) não ( ) ) não ( ) Exames Laboratoriais: ELISA: pos ( ) neg ( Western-blot: pos ( ) ) ind ( neg ( Outros Exames Laboratoriais: ) ) ind ( ) 52 FICHA DE CONSENTIMENTO INFORMADO FUNDAÇÃO DE MEDICINA TROPICAL DO AMAZONAS DIRETORIA DE ENSINO, PESQUISA E CONTROLE DE ENDEMIAS GERÊNCIA DE DERMATOLOGIA Título: Avaliação da soroprevalência da infecção pela Borrelia burgdorferi em pacientes oriundos do ambulatório de dermatologia da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas. Investigador: Mônica Nunes de Souza Santos Instituição: Fundação de Medicina Tropical do Amazonas TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO O abaixo assinado ou sob responsabilidade do seu parente próximo abaixo identificado ou, nos casos necessários, sob a responsabilidade do investigador ou médico que assina este documento, declara estar ciente após ter lido ou ouvido o presente Termo de Consentimento, que lhe informa o seguinte: 1. Que o presente estudo visa avaliar a soroprevalência da infecção por Borrelia burgdorferi, que é um espiroqueta (micróbio) que pode causar manifestação na pele e em órgãos internos; 2. Que a participação neste estudo é voluntária, assim como a sua recusa, não havendo qualquer tipo de retaliação ou perda de benefícios aos quais o responsável ou seu dependente tenham direito; 3. Que havendo concordância na participação no estudo, se procederá as seguintes etapas: • Preenchimento de ficha individual, constando dados relativos à identificação do paciente e história da doença atual; • Coleta de 10 ml de sangue por punção venosa para realização de testes sorológicos para pesquisa de infecção por Borrelia burgdorferi; 53 • Aqueles pacientes, cuja sorologia forem positivas, serão avaliados pela clínica médica, dermatológica e reumatológica. 4. Que participando do estudo, o paciente ou sua família não obterão quaisquer benefícios adicionais além dos já citados (diagnóstico da infecção e/ ou doença); 5. Que a participação neste estudo será confidencial e os registros ou resultados dos testes serão mostrados apenas aos participantes e aos representantes da FMT-AM, bem como às autoridades estaduais ou nacionais, com o objetivo de garantir informações de pesquisas clínicas ou para fins normativos. A identidade dos participantes permanecerá sempre em confidencialidade; 6. Que o participante e seus familiares têm direitos aos esclarecimentos que julgarem necessários; 7. Que o participante tem o direito de se retirar do estudo a qualquer momento, sem retaliação e também tem o direito de manter em seu poder cópia assinada deste documento; 8. Que, por estar devidamente esclarecido sobre o conteúdo deste termo, livremente expressa seu consentimento para inclusão como participante nesta pesquisa. Nome: Idade: Sexo: ( )F ( )M Assinatura do paciente ou responsável: Impressão dactiloscópica (para analfabeto): Nome do Médico: Data: