COMITÊ BRASILEIRO DE BARRAGENS
XXVII SEMINÁRIO NACIONAL DE GRANDES BARRAGENS
BELÉM – PA, 03 A 07 DE JUNHO DE 2007
T100 – A35
SOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DE LAPLACE PARA A AVALIAÇÃO DAS
TEMPERATURAS NO INTERIOR DE UMA BARRAGEM CONCRETOGRAVIDADE
E. de SOUZA
Doutor – Pesquisador do Projeto METAHIDRO/ELETRONORTE – Depto. de
Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília.
L. J. PEDROSO
Doutor – Coordenador do Projeto METAHIDRO/ELETRONORTE – Depto. de
Engenharia Civil e Ambiental, Universidade de Brasília.
RESUMO
Durante a vida útil de uma barragem, há vários tipos de esforços que contribuem
para o seu processo de desgaste e envelhecimento. Um esforço típico é oriundo das
tensões térmicas devidas às diferenças de temperatura distribuídas por suas faces.
Neste artigo, o método das diferenças finitas (MDF) é utilizado para o cálculo das
temperaturas no interior de uma barragem do tipo concreto-gravidade típica.
Primeiro, apresenta-se uma maneira simples de entrada das condições de contorno.
A seguir, mostra-se como escrever as equações de equilíbrio térmico em cada nó.
Por fim, mostra-se como transformar as equações em um sistema na forma padrão
A x = b . Os resultados são apresentados mediante um gráfico onde são exibidas
linhas isotérmicas correspondentes a diferentes temperaturas.
ABSTRACT
During the useful lifetime of a dam, it is submitted to several kinds of efforts that
contribute for its wearing process and aging. A typical effort derives from thermal
stresses owing to different temperatures distributed along its faces. In this article, the
finite difference method (FDM) is used to evaluate the temperatures in the interior of
a concrete-gravity typical dam. A simple and accessible way is provided to enter the
data corresponding to the boundary conditions. First, it is shown how the temperature
equilibrium equations in the interior of the dam are written. Then, it is shown how the
node equations corresponding to the coordinates in the interior of the dam are
transformed to a standard Ax = b system. The results are presented on a graph
where isothermal lines are displayed for several different temperatures.
XXVII Seminário Nacional de Grandes Barragens
1
1.
INTRODUÇÃO
Durante a vida útil das barragens, há vários tipos de esforços que contribuem para o
desgaste e envelhecimento. Um esforço típico é oriundo das tensões térmicas a que
as mesmas são submetidas devido às diferenças de temperatura distribuídas ao
redor de suas faces. Neste artigo, o método das diferenças finitas (MDF) será
utilizado para o cálculo das temperaturas no interior de uma barragem concretogravidade típica.
Na aplicação do método MDF tradicional, utiliza-se a regra dos pesos -1/2, 0, 1/2
para o cálculo das derivadas centrais de primeira ordem e dos pesos 1, -2, 1 para o
cálculo das derivadas de segunda ordem. Embora tais regras tornem muito cômodo
e fácil a aproximação das derivadas, elas não têm a capacidade de se adaptar às
mudanças de direção do contorno sem introduzir ruído.
Neste artigo, apresenta-se uma fórmula em que se admite em certas partes do
domínio, bem próximo ao contorno, que a aproximação admita uma amostragem
não uniforme. Como isso, fica mais fácil acompanhar trechos inclinados ou com
certa rugosidade.
2.1 FORMULAÇÃO DO PROBLEMA
O modelo que descreve a difusão de calor em um maciço pode ser formulado a
partir da equação diferencial indicada a seguir:
(1)
onde
denomina-se o laplaciano de T ; a função T = T (x , y , t ) representa as
temperaturas no interior do maciço; c é um parâmetro que caracteriza a difusão de
calor e depende do material do qual se compõe o maciço; os argumentos x e y
representam, respectivamente, as coordenadas horizontal e vertical e t representa o
tempo. Para simplificar o trabalho, admite-se que o coeficiente de difusão térmica no
interior do maciço seja constante e isotrópico.
Em geral, o processo seria intratável, pois, dependendo da composição da massa o
calor pode difundir-se de uma forma um tanto complexa, deixando inclusive de
ostentar a propriedade da isotropia.
Mesmo ao longo do dia as temperaturas variam. Como em geral a propagação de
calor no interior do maciço é muito lenta, para uma análise mais rigorosa, seria
necessário integrar a equação (1) durante um período suficientemente longo, o que
demandaria um esforço computacional excessivo. Por isso, é mister que se
introduzam mais algumas simplificações.
2.1.1 Simplificação pela Média das Temperaturas
Para um grande maciço, as regiões mais próximas das faces externas estão sujeitas
a flutuações de temperatura mais abruptas. A medida que se aproxima do interior do
maciço, as flutuações de temperatura são lentas. As regiões não tão próximas da
superfície podem ser submetidas a pequenas flutuações de temperatura. Uma
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2
simplificação pode ser introduzida, supondo-se que a região mais no interior do
maciço seria termicamente excitada pela média das temperaturas.
Obviamente, deve-se entender que um modelo excitado pela média introduziria
erros tão maiores quanto mais se aproxime da superfície mais externa do maciço.
No entanto, em vista da espaço, é isso que se fará.
2.
SOLUÇÃO DO PROBLEMA ESTACIONÁRIO
Seguindo as hipóteses simplificadoras acima, a distribuição de temperaturas no
maciço será descrita por meio da equação de Laplace:
(2)
O objetivo deste trabalho será o de introduzir a discretização das coordenadas no
interior do maciço para resolver as temperaturas em função das condições de
contorno impostas pela média das temperaturas nas faces do maciço. Para isso,
será apresentado mais abaixo o método das diferenças finitas.
2.2 MÉTODO DAS DIFERENÇAS FINITAS (MDF)
O método das diferenças finitas é um método prático e eficiente para a solução de
sistemas de equações a derivadas parciais, fornecendo em muitos casos resultados
tão satisfatórios quanto o método dos elementos finitos [1]. Além disso, em muitos
casos, o método produz soluções muito simples de implementar.
O mesmo método tem sido utilizado pelo autor ([2] e [3]) para a solução de diversos
problemas estruturais de interesse em engenharia de Barragens.
Em vez de utilizar apenas o formulário tradicional, aqui o método será apresentado
de uma forma simples mas bem fundamentada. Assim, o leitor não terá dificuldade
de entender certas adaptações que serão feitas a fim de acompanhar as variações
geométricas próximo ao contorno do maciço.
2.2.1 Aproximação Polinomial
Para começar, suponha-se que uma função f (x ) seja suficientemente suave a
ponto de poder ser aproximada de forma satisfatória num intervalo [a, b] = [- h1, h2 ]
por meio de um polinômio de 2º grau, ou seja:
f(x ) = c2x2 + c1x + c0
(3)
Será também suposto que se esteja interessado nos valores assumidos pela função
nas abscissas
x 1 = - a 1h ; x 0 = 0, x 2 = a 2h de forma que, assumindo a função
f (x ) em tais abscissas os valores f (- a 1h ) = f1,
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f (0 ) = f0 ,
f (a 2h ) = f2
3
(4)
2.2.2 Avaliação das Derivadas Centrais de 1ª. Ordem e de 2ª. Ordem
Invertendo o sistema em (4), os coeficientes c0 , c1, c2 podem ser expressos em
função das amostras f (- a 1h ) , f (0 ) e f (a 1h ) da forma:
(5)
Usando a expansão do polinômio em torno de x = 0 , pode-se verificar que,
consecutivamente, multiplicando-se as linhas da matriz à direita de (5) pelo vetor das
amostras obtém-se os valores da aproximação polinomial, sua derivada primeira e
sua derivada segunda em relação à coordenada central.
(6)
Considerando o caso simétrico a 1 = 1, a 2 = 1 , obtém-se a aproximação central
usual para o caso de abscissas uniformemente espaçadas.
(7)
FIGURA 1 – Discretizando uma Função f no Intervalo [a, b]
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4
2.2.3 Derivadas Centrais de 2ª Ordem sobre um Segmento Previamente Amostrado
Para ilustrar o uso das fórmulas (5) e (7), serão avaliadas as derivadas de 2ª ordem
sobre um segmento previamente amostrado conforme apresentado na Figura 1.
Considerando uma função f amostrada entre as abscissas a e b com o intervalo de
amostragem h , verifica-se que entre as abscissas x = x 3 e x = b , o intervalo de
amostragem é igual a h2 em vez de coincidir com o intervalo de amostragem. Assim
as derivadas de segunda ordem podem ser calculadas usando a fórmula
simplificada (7), com exceção da derivada avaliada na abscissa x = x 3 que tem um
intervalo h à esquerda mas um intervalo h2 à direita. Assim, usando as fórmulas (5)
e (7), podem ser escritas as aproximações:
(8)
(9)
onde a 1 e a 2 são coeficientes de forma do eixo horizontal mostrados na Figura 2b.
2.2.4 Avaliando a Aproximação para o Operador de Laplace em um Nó Qualquer
A seguir, as equações (5), (7) serão usadas para obter a aproximação para o
laplaciano de T (
) em um ponto interior do maciço. Para isso, são considerados
os esquemas gráficos mostrados nas Figuras 3 e 4.
(a)
(b)
FIGURA 2 – (a) Abscissa com Vizinhos Uniformemente Espaçados; (b) Abscissa
com Vizinhos não Uniformemente Espaçados
(10)
(11)
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5
onde b1 e b 2 são coeficientes de forma do eixo vertical mostrados na Figura 2b.
3.
AVALIANDO AS EQUAÇÕES DE LAPLACE PARA UM PERFIL
SIMPLIFICADO
A seguir, serão escritas as equações de Laplace para um perfil simplificado. Note
que o perfil é amostrado com espaçamento de h = 2 (metros).
Como o perfil é dotado de um paramento inclinado do lado direito, há os intervalos
de amostragem junto ao paramento que fogem da amostragem convencionada. Na
Tabela 1, são apresentados os pivôs junto ao paramento jusante juntamente com os
seus parâmetros a 1 , a 2 , b1 , b2 e os valores correspondentes T esq , T dir , T inf e T sup
para a avaliação das aproximações do laplaciano junto ao paramento inclinado.
FIGURA 3 – Mostrando Perfil Fictício para Avaliar as Temperaturas
PIVÔ
Esquerda
a1
T esq
Direita
a2
T dir
Inferior
b1
T inf
Superior
b2
T sup
1.0
0.6
1.0
1.0
T 13
T 12
T b1
Tc 3
T 23
1.0
0.2
1.0
0.5
T 23
T 22
T b2
T 13
T b23
1.0
0.8
1.0
1.0
T 32
T 31
T b3
T 22
T 42
1.0
0.4
1.0
1.0
T 42
T 41
Tb4
T 32
Td 2
TABELA 1 – Coeficientes e Valores para Avaliação do Laplaciano junto ao
Paramento Inclinado.
Utilizando as equações (10) e (11), e tomando as equações com relação a cada um
dos elementos pivotais T 11,T 12,T 13 ,T 21,T 22,T 23 ,T 31,T 32,T 41,T 42 , obtém-se o seguinte
sistema de equações lineares:
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6
Ta1 + T12 + T 21 + Tc1 - 4T11 = 0
25
24Tb1
+ 58T12 -
11T
3 13
Tc2 + T11 + T13 + T 22 - 4T12 = 0
+ T 23 + Tc3 = 0
T 21 + T 23 + T 32 + T12 - 4T 22 = 0
Ta2 + T 22 + T 31 + T11 - 4T 21 = 0
2T
3 b3
+
Ta3 + T 32 + T 41 + T 21 - 4T 31 = 0
25T
36 b3
Ta4 + Td1 + T 42 + T 31 - 4T 41 = 0
Td2 +
29T
6 b2
+
+ 56T 22 - 7T 23 + 23T13 = 0
5T
9 31
25
14Tb4
+
13T
4 32
(12)
+ T 42 + T 22 = 0
+ 75T 41 + T 32 + 29T 42 = 0
Para efeito de solução computacional, coloca-se o sistema na forma matricial
(13)
Realizou-se a simulação do sistema para os seguintes valores numéricos das
condições de contorno correspondentes a uma temperatura de 10 ºC junto ao solo,
20 ºC do lado montante e 50 ºC tanto a jusante quanto no topo da barragem. Os
dados são fictícios e visam testar o algoritmo de solução da equação de Laplace.
Com esses dados, resulta:
(14)
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7
Para efeito de visualização, os valores resultantes são juntados às condições de
contorno. Para mais se aproximar da realidade houve uma ligeira suavização de
uma descontinuidade das condições de contorno, aproximando os valores junto aos
vértices pela média dos valores próximos.
Embora na porção inclinada da barragem a disposição dos dados não reproduza
exatamente a forma geométrica original, pode-se deduzir pelos valores obtidos que
a solução, apesar de utilizar um número pequeno de pontos é bem coerente,
mostrando que é válido utilizar uma fórmula melhorada para representar a equação
de Laplace próximo às condições de contorno.
35,00 50,00 50,00
20,00 36,70 45,83 50,00
20,00 30,98 40,74 50,00
20,00 26,48 34,64 46,63 50,00
20,00 20,29 24,70 33,86 50,00
15,00 10,00 10,00 10,00 30,00
TABELA 2 – Mostrando Condições de Contorno juntamente com os Valores
Calculados (em ºC ) Arredondados para Quatro Dígitos Significativos (em tipo azul).
Para efeito de comparação, o sistema foi reduzido com uma grade ampliada
inserindo-se valores intermediários entre cada par de nós, tanto na variação
horizontal quanto na variação vertical; utilizou-se para o caso ampliado o critério de
arredondar as posições das condições de contorno.
FIGURA 4 – Discretizando a Seção do Maciço em uma Grade 10x8
4.
ANÁLISE DOS RESULTADOS
Os resultados são apresentados na Tabela 3, onde os valores correspondentes à
solução da Tabela 2 são apresentados na cor verde.
Os erros são apresentados na Tabela 4. Como as temperaturas são maiores junto
ao paramento a jusante e junto ao vertedouro, os valores relativos deviam ser
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8
levados em conta. Mesmo assim, junto ao paramento, apresenta-se um erro
dominante de 1,74% (assinalado com um asterisco).
35,00 50,00 50,00 50,00 50,00
20,00 35,36 41,74 45,15 47,63
20,00 29,71 36,43 41,25 45,37
20,00 27,04 33,02 38,05 42,59 46,88
20,00 25,44 30,55 35,34 40,06 44,94
20,00 24,19 28,39 32,70 37,37 42,82
20,00 22,94 26,11 29,70 33,91 38,97 44,89
20,00 21,44 23,41 26,08 29,60 34,26 40,61
20,00 19,43 20,01 21,60 24,14 27,85 33,28 41,11
20,00 16,26 15,61 16,18 17,51 19,73 23,54 31,16
15,00 10,00 10,00 10,00 10,00 10,00 10,00 10,00 30,00
TABELA 3 – Temperaturas em ºC Avaliadas pelo Método Tradicional. Temperaturas
nos Nós Comuns Indicadas com Tipo Verde.
0
0
0
0
0,27 (0,8%)
0,46 (0,9%)
0
0
0,43 (1,3%)
0,68 (1,5%)
0
0
0,37 (1,5%)
0,73 (2,0%)
1,74 (3,6%) (*)
0
0
0,28 (1,5%)
0,56 (2,4%)
0,58 (1,8%)
0
0
0
0
0
0
TABELA 4 – Discrepâncias nas Temperaturas em ºC Avaliadas nos Nós Comuns
para as Duas Soluções.
5.
CONCLUSÕES
Na Figura 5 são apresentadas as linhas isotérmicas correspondentes às
temperaturas avaliadas pelo método tradicional e pelo método de diferenças finitas
aprimorado (embora com menos pontos) ora apresentado.
A fim de estabelecer compatibilidade com a fórmula anterior, as distâncias ao nó
central são dados em termos relativos em função do espaçamento adotado para o
caso simétrico e aplicável para os pontos que não façam limites com o contorno. Isto
torna mais fácil e eficiente a aplicação do operador Laplaciano especialmente para o
caso homogêneo.
Os resultados mostram-se satisfatórios e perfeitamente viáveis para a solução quase
manual da equação de Laplace para geometrias não tão acessíveis para a aplicação
do método das diferenças finitas, em especial quando se deseja obter a solução
para um pequeno número de pontos amostrais.
Pode-se ainda salientar que o método é bem satisfatório do ponto de vista gráfico
pelo fato de evitar a rugosidade excessiva resultante da aproximação da fórmula
tradicional junto ao contorno.
Embora as linhas isotérmicas para o gráfico obtido do método tradicional sejam mais
suaves em pontos afastados do paramento jusante, as linhas são mais suaves para
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o método aqui apresentado junto ao paramento jusante. Isso apesar de o método ter
sido aplicado para um número reduzido de pontos.
FIGURA 5 – Linhas Isotérmicas para 25 ºC, 30 ºC, 35 ºC, 40ºC, 45ºC;
6.
AGRADECIMENTO
Os autores são gratos à ELETRONORTE pelo apoio financeiro e pelos recursos
deixados à sua disposição para a realização deste trabalho.
7.
PALAVRAS-CHAVE
Método das diferenças finitas, equação de Laplace, problemas de valor de contorno.
8.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
[1]
COOK, R. D, MALKUS, D. S. & PLESHA, M. E., (1989) – “Concepts and
Applications of Finite Element Analysis”, John Wiley & Sons, New York;
[2]
DESOUZA, E. (2005) – “Método das Diferenças Finitas com Aplicação ao
Cálculo de Esforços em Barragens”, RTP ES3-05-2005, Projeto
METAHIDRO/ELETRONORTE, Maio de 2005;
[3]
DESOUZA, E. (2005) – “Solução da Equação de Laplace com Aplicação ao
Cálculo das Temperaturas no Interior de Uma Barragem Concreto-Gravidade
Típica”, RTP-ES4-06-2005;
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SOLUÇÃO DA EQUAÇÃO DE LAPLACE PARA A AVALIAÇÃO DAS