TROMBAS D’ÁGUA NO RIO DE JANEIRO: CONDIÇÕES
ATMOSFÉRICAS FAVORÁVEIS
Luiz Felipe Neris Cardoso ([email protected]), Rafael Maiocchi Alves Costa
([email protected]), Maria Gertrudes Alvarez Justi da Silva
([email protected]) e Wallace Figueiredo Menezes ([email protected])
Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ – Instituto de Geociências –
Departamento de Meteorologia - Rio de Janeiro – RJ, Brasil.
RESUMO: Os eventos de trombas d'água que alarmaram o município do Rio de Janeiro no
mês de abril de 2009 trouxeram à tona a necessidade de um estudo mais detalhado sobre a
formação, o desenvolvimento e as condições atmosféricas favoráveis para a ocorrência destes
fenômenos. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho foi analisar e caracterizar as condições da
atmosfera reinantes e associá-las a formação das trombas d'água. Foram analisados dados das
redes de observação de superfície e altitude no Rio de Janeiro, imagens de satélite, dados de
temperatura da superfície do mar, imagens de satélite e do radar do Pico do Couto. Foi usado
o modelo numérico WRF (Weather Research and Forecasting) para simulação das condições
atmosféricas de mesoescala nos dias da ocorrência dos eventos e nos dias que os antecederam.
ABSTRACT: The events of waterspouts that have alarmed the municipality of Rio de
Janeiro in April 2009 brought to light the need for a more detailed study on the formation,
development and atmospheric conditions favorable for the occurrence of these
phenomena. Accordingly, the objective was to analyze and characterize the conditions of the
atmosphere reigning and associate them with the formation of the waterspouts. We analyzed
data from observation networks and surface elevation in Rio de Janeiro, satellite images,
temperature data of sea surface temperature, satellite images and Pico do Couto’s radar. We
used the numerical model WRF (Weather Research and Forecasting) for simulation of
mesoscale weather in the days of the occurrence of events and in the days before them.
PALAVRAS-CHAVE: Tromba d’água, mesoescala, modelo WRF
1. INTRODUÇÃO
A tromba d'água é um fenômeno meteorológico semelhante ao tornado que se forma
sobre uma superfície líquida, captura umidade e vai prosseguindo rumo ao continente.
Consiste na formação de um vórtice intenso, visível sob a forma de uma nuvem colunar, com
forma de funil estreito, que gira rapidamente em volta de si mesma, ligando a superfície da
água à base de uma nuvem cumuliforme (nuvem de tempestade).
A ocorrência de dois casos em abril de 2009, respectivamente nos dias 21 e 27, nas
praias da costa da cidade do Rio de Janeiro trouxeram à tona a importância de um estudo mais
detalhado sobre sua formação, seu desenvolvimento e suas conseqüências na atmosfera.
O objetivo deste trabalho foi analisar e caracterizar as condições da atmosfera e
associá-las a formação das trombas d’água, difundindo o conhecimento adquirido e até
possivelmente contribuindo para a previsão de tais eventos que sempre despertam a atenção
da mídia e da população em geral e que ocorrem em escalas não comumente bem resolvidas
pelos modelos numéricos de previsão do tempo.
2. METODOLOGIA
Inicialmente foram levantados os casos registrados de trombas d’água na costa do
Rio nos últimos anos e foram encontrados os registros de ocorrência nos dias 24 de maio de
2001, 20 de fevereiro de 2005, 03 de abril de 2006, 21 e 27 de abril de 2009.
Como a ocorrência de eventos de tromba d’água, em geral, não é bem explicada nos
cursos de formação de Meteorologia, provavelmente por não ser um evento que cause muitos
danos, resolveu-se inicialmente fazer uma revisão na bibliografia para um entendimento
melhor do fenômeno, mesmo porque é um evento meteorológico que sempre desperta muito
interesse do público e da mídia quando ocorre nas praias do Rio de Janeiro.
Foram analisados os dados de precipitação do Instituto de Geotécnica do Município do
Rio de Janeiro (Georio), mensagens METAR (Meteorological Aerodrome Report), sondagens
atmosféricas e imagens de satélite e utilizadas as reanálises do NCEP/NCAR (National
Centers of Environmental Prediction/National Center for Atmospheric Research), tanto para
caracterização sinótica da atmosfera sobre a região como para a alimentação do modelo
numérico WRF que foi usado para geração de simulações que pudessem detalhar melhor as
características de mesoescala dos eventos.
Para a consecução dos objetivos deste trabalho, o modelo WRF foi integrado com 10
km de resolução, gerando saídas horárias para todas as variáveis meteorológicas e de solo
disponíveis no modelo, para os períodos de interesse. Quanto às parametrizações físicas, nas
integrações do modelo foram utilizados os seguintes esquemas que estão atualmente em uso
na versão operacional do modelo: (a) Microfísica - Esquema de momento único de três
classes - WSM 3, (b) Cúmulos - Esquema de “conjunto” de Grell-Devenyi, (c) Radiação Onda curta Dudhia / Onda longa – RRTM (Rapid Radiative Transfer Model), (d) Camada
Limite Planetária - Mellor-Yamada-Janjic (modelo Eta), (e) Camada Limite Superficial Esquema do modelo ETA, (f) Solo-Superfície - Modelo solo-superfície de Noah. Tanto o
modelo WRF como suas principais parametrizações físicas estão descritas em
MICHALAKES et al (2001).
O modelo WRF é de fácil acesso para simulações atualmente no Laboratório de
Prognósticos em Mesoescala da UFRJ, pois foi criada uma plataforma amigável via internet
na qual o usuário entra com informações do período e área de estudo de interesse e da
resolução desejada para a integração do modelo. Isso é submetido e o sistema implantado
avisa automaticamente da ocorrência de erros ou da geração de resultados finais que podem
ser analisados pelos usuários meteorologistas.
Neste artigo, por limitação de espaço, optou-se por enfocar os resultados obtidos com
as análises do evento ocorrido no dia 21 de abril, que representou de forma coerente a maioria
dos casos tratados.
3. RESULTADOS
A partir das análises de artigos publicados sobre as trombas d’água (Golden et al,
1974), principalmente para eventos ocorridos no hemisfério norte, foi possível obter um
modelo conceitual do evento e uma descrição dos mesmos. São as seguintes as fases ou
estágios por que passa este evento:
(a) Mancha Escura: é caracterizada por um disco destacado de cor suave na superfície
do mar cercado por uma marca escura que se espalha pela parte de fora do disco. A mancha
escura pode não ter uma pequena nuvem funil acima, mas indica que há uma coluna de
vórtices completa da base da nuvem até a superfície do mar. Pelas observações de campo,
manchas escuras nunca foram observadas sem uma nuvem mãe cumulus acima. Estimativas
obtidas através de fotos subseqüentes de alta resolução indicaram uma velocidade horizontal
do vento de mais ou menos 15 m/s ao redor do disco, que tem diâmetro médio de 90 m;
(b) Espiral: é considerado o estágio primário de crescimento da tromba d'água e se
caracteriza por uma série de listras escuras e claras alternadas que formam claramente uma
espiral na superfície do mar nos arredores da mancha escura. Observações sugerem que a
convergência horizontal aumenta substancialmente uma vez que a espiral se forma ao redor da
mancha escura. A espiral é notavelmente maior do que a nuvem funil e a mancha escura e seu
tamanho varia de 150 a 920 m de diâmetro na superfície do mar.
(c) Anel de Spray: caracteriza-se por um anel de spray de água concentrado ao redor
da mancha escura, com uma nuvem funil acima. A velocidade tangencial derivada dos ventos
revela que a velocidade do ar-spray no ponto extremo de fora do vórtice de spray (r = 36,5m)
fica em cerca de 22,5 m/s, que é o valor mínimo necessário para levantar spray do mar em
tempestades tropicais em desenvolvimento segundo o Manual de Furacões da Marinha
Americana. Nota-se que ele se forma exatamente fora da área circular clara da mancha escura.
(d) Maturação: esse é o estágio em que a tromba d'água atinge seu nível máximo de
organização e de intensidade. Em termos de organização o funil de condensação cresce até o
seu diâmetro e comprimento máximos. Há uma crescente inclinação da nuvem funil devido ao
fato de que a metade mais baixa da coluna de vórtice movimenta-se mais rápida do que a
porção superior do funil. Análises de temperatura dão anomalias positivas em dois picos
variando entre 0.3 e 0.6ºC, aumentando para 2.2ºC para trombas d'água maiores (Figura 1).
(e) Dissipação: a dissipação ocorre geralmente de forma abrupta com o avanço de um
banho de chuva subsidente que começa a atingir a tromba d'água. Ela desacelera, o vórtice de
spray enfraquece e o funil de condensação se torna progressivamente menor e mais tênue, em
geral assumindo formas de estranhos twisters. A extensão horizontal máxima da cortina de
chuva detectada em alguns casos observados foi, em média, de 610 m, um tamanho típico do
estágio da espiral.
Figura 1 - (a) Estágio de maturação da tromba d’água. Adaptado de GOLDEN, 1974 e (b)
Trombas d’água em diversos estágios.
Figura 2: Foto da tromba d’água (no estágio de maturação) que assustou espectadores em 21
de abril de 2009 na praia de São Conrado no Rio de Janeiro. Fonte: Ana Pini / TV Globo.
Na Figura 3 apresenta-se a imagem de satélite realçada tomada às 9:45 (horário local),
próximo à hora do evento do dia 21 de abril e o diagrama termodinâmico da radiossondagem
do Galeão das 12 UTC. Há um predomínio de nuvens baixas na região da costa do Rio de
Janeiro aparecendo apenas uma pequena área de nuvens cumuliformes. O diagrama
termodinâmico revela um perfil úmido nos níveis baixos e médios da atmosfera
diferentemente de sondagens típicas de tornados onde geralmente se observa um
ressecamento nos níveis médios da atmosfera.
As linhas de corrente em 850, 500 e 200 hPa estão apresentadas na Figura 4.
Percebe-se que a região do Rio de Janeiro está sob um cavado junto a superfície e que o
deslocamento do vento é praticamente zonal nos altos níveis. Além disso, observa-se um
anticiclone a sul do Brasil, ocasionando ventos de componente sul indo direto de encontro ao
litoral do Rio.
(a) Imagem de satélite realçada
(b) Radiossondagem do Galeão
Figura 3 – (a) Imagem de satélite as 9:45(HL) e (b)Diagrama Skew-T do Aeroporto do
Galeão, às 12 UTC dos dias 21de abril de 2009. Fonte: CPTEC/INPE
Figura 4 – Campos de linhas de corrente em 850, 500 e 200 hPa obtidos com os dados das
reanálises do NCEP/NCAR para as 6 UTC do dia 21 de abril de 2009.
Com as simulações feitas pelo modelo WRF usando as reanálises do NCEP/NCAR
como condições inicias e de contorno, puderam ser obtidas algumas características de
mesoescala interessantes mesmo com a resolução de 10 km usada na plataforma do
LPM/UFRJ, grade ainda grosseira para um evento de tromba d’água.
Na Figura 5 são mostrados os campos de umidade específica superposto ao vento e o
campo de convergência a superfície. Percebe-se pela análise destas figuras valores altos de
umidade específica e movimento de sudeste/leste favorecendo além de convergência de
umidade na costa do Rio de Janeiro, a atividade convectiva e a formação de nuvens CB’s
(cumulonimbus) necessárias a existência de eventos de tromba d’água.
A Figura 6 traz a anomalia da temperatura da superfície do mar (TSM) de sete dias
centrada no dia 23 de abril de 2009 mostrando que na costa do Rio de Janeiro a temperatura
estava um pouco acima da média nesta época do ano. Corpos de água relativamente rasos e
quentes tem sido indicados como locais favoráveis à ocorrência de trombas d’água.
Figura 5 – (a) Umidade específica e vento à superfície e (b) Convergência de umidade à
superfície gerados pelo modelo WRF para o horário de 9 UTC.
Figura 6 – Anomalia de TSM .
4. CONCLUSÕES E TRABALHOS FUTUROS
Neste artigo somente os resultados para um caso foi mostrado, embora as análises
tenham sido feitas para todos os cinco casos citados: dias 24 de maio de 2001, 20 de fevereiro
de 2005, 03 de abril de 2006, 21 e 27 de abril de 2009. Foi possível extrair padrões da
estrutura da atmosfera que são semelhantes aos observados em ocorrências de trombas d’água
em outros locais e que estão descritos na literatura disponível nessa área. As simulações com
o modelo de mesoescala WRF permitiram uma descrição mais detalhada da atmosfera, o que
seria impossível com o uso somente de dados observados ou das reanálises do NCEP/NCAR.
Torna-se necessário um levantamento de mais casos, tanto no Rio de Janeiro como em outras
regiões do Brasil, para que análises e simulações mais detalhadas dos padrões atmosféricos
associados aos eventos de tromba d’água sejam compilados.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
GOLDEN, J. H., 1974. The Life Cycle of Florida Keys’ Waterspout. Journal of Applied
Meteorology, 13: 676-692.
MARCELINO, I., 2004. Análise de Episódios de Tornados em Santa Catarina:
Caracterização Sinótica e Mineração de Dados. Instituto Nacional de Pesquisas
Espaciais. São José dos Campos. Dissertação de Mestrado.
MICHALAKES, J., S. Chen, J. DUDHIA, L. Hart, J. KLEMP, J. MIDDLECOFF, and W.
SKAMAROCK (2001): Development of a Next Generation Regional Weather Research
and Forecast Model. Developments in Teracomputing: Proceedings of the Ninth ECMWF
Workshop on the Use of High Performance Computing in Meteorology. Eds. Walter
Zwieflhofer and Norbert Kreitz. World Scientific, Singapore. pp. 269-276.
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