Arquitectura e Design na Ensaística de William Morris e Walter Gropius Dissertação de Mestrado em Estudos AngloAmericanos (Cultura Inglesa), apresentada à Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em Outubro de 2004. Ana Margarida de Sousa Júlio Mendes Barata | Porto 2004 Agradecimentos O desenvolvimento e conclusão deste trabalho de Mestrado não teria sido possível sem a presença de todos os que directa ou indirectamente estiveram envolvidos no longo percurso de pesquisa e de aprofundamento dos meus conhecimentos, pelo que não posso deixar de registar aqui algumas palavras de reconhecida e sincera gratidão. À Professora Doutora Fátima Vieira agradeço especialmente a sua orientação científica, a disponibilidade e a paciência com que sempre recebeu e leu os fragmentos ainda pouco conclusivos que estiveram na base da presente dissertação. Aos meus pais, sem os quais o meu ingresso no curso de Mestrado não teria sido possível, o meu profundo agradecimento pela compreensão e pelo carinho incondicionais com que sempre me rodearam. Às minhas irmãs devo a amizade verdadeira e o apoio inestimável e constante, apesar dos momentos em que estive mais ausente. Aos meus amigos sempre presentes que nunca deixaram de me incentivar e ouvir em momentos cruciais, apesar da minha disponibilidade intermitente ao longo destes anos – a todos, sem excepção –, Muito Obrigada! À minha avó Todos os sonhos aspiram a converter-se em realidade. Às vezes fazem parte deste mundo como uma imagem que se reflecte no futuro e, ao mesmo tempo, abandonan-se a ele, querem superar a sua condição de quimera e materializar-se. Martin Kieren, “A beleza do novo mundo: compêndio sobre construção. Passeio por uma cidade impossível construída pela Bauhaus” Vivemos fixações, fixações de felicidade. Gaston Bachelard, A Poética do Espaço Observações Preliminares Observações Preliminares A presente dissertação surge na sequência do trabalho que redigi para o seminário de Cultura Inglesa do curso de Mestrado em Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O seminário subordinava-se ao tema “Revolução” e, quando me foi proposto o desenvolvimento de um dos pontos do programa sobre “Revolução na Arte”, a personalidade e a obra de William Morris suscitaram-me particular fascínio. O meu interesse, já de longa data, por questões relativas à arquitectura e ao design, motivaram-me a dar continuidade, nesta dissertação de mestrado, ao trabalho então encetado, mas com uma nova inflexão: já não era meramente Morris que me interessava, mas também a forma como a sua ideia de indissociabilidade da arte e do estado da sociedade poderia ter influenciado o trabalho de artistas posteriores. A necessidade de delimitação de um corpus operacional levou-me à análise das possíveis teias de relações, abordadas em alguns dos textos críticos que consultei, entre o trabalho de William Morris e o de Walter Gropius, fundador da escola Bauhaus em 1919 e responsável pelo período em que a mesma esteve sediada em Weimar. Essas relações são sem dúvida controversas e problemáticas, mas foi exactamente o seu carácter complexo que me motivou a estudá-las. À medida que fui pesquisando e me fui documentando quer no campo vastíssimo da obra de William Morris e de tudo o que foi escrito sobre ele, quer no campo da escola Bauhaus e do que existe sobre o seu fundador deparei com uma grande discrepância, no que dizia respeito à variedade e número de títulos disponíveis, nomeadamente na biblioteca do Museu Britânico e na do Royal Institute of British Architects. Enquanto sobre William Morris tive oportunidade de 6 Observações Preliminares consultar um número bastante alargado de títulos actuais, sobre a Bauhaus, apesar da vasta bibliografia existente, foram poucos os títulos recentes a que tive acesso, principalmente no que se refere a biografias de Walter Gropius. Além disso, é de referir que a obra escrita deste arquitecto é bastante reduzida, quando comparada com a de Morris (note-se que tenho em linha de conta somente as palestras e ensaios), o que me conduziu à selecção de apenas alguns textos que versassem sobre questões ligadas à arquitectura, ao design e à valorização da função social do artista/criador, temas que irei desenvolver no âmbito deste trabalho. Relativamente à bibliografia, optei por a subdividir apenas em bibliografia primária e bibliografia geral. Embora, à partida, se justificasse uma subdivisão mais detalhada dos títulos que constam da bibliografia geral, distinguindo os textos sobre a teoria e a história da arquitectura, os específicos sobre a Bauhaus e sobre Walter Gropius e os que versam particularmente sobre William Morris, considerei que a apresentação por ordem alfabética, numa mesma secção, facilitaria a consulta bibliográfica solicitada pelas referências parentéticas presentes no corpo do trabalho. Cabe-me aqui apontar que a maioria das palestras e dos ensaios de William Morris que foram objecto de estudo deste trabalho estão reunidos nos volumes XXII e XXIII da colectânea The Complete Works of William Morris (Introd. by May Morris. London: Routledge/ Thoemmes Press, 1992.). No entanto, como alguns dos textos estudados a que faço referência estão compilados em outras obras, afigura-se-me pertinente explicar as diversas opções de citação parentética: sempre que os passos das diversas palestras de Morris presentes ao longo deste trabalho tenham sido retiradas da colectânea The Complete Works of 7 Observações Preliminares William Morris serão identificados com as iniciais CW, seguidas do volume em que a palestra se insere e da página correspondente; quando tiver sido utilizada uma outra fonte de referência, o passo citado será identificado com a data original da palestra, seguida da página da edição em que se integra, com excepção dos passos de News from Nowhere and Other Writings (Ed. Clive Wilmer. London: Penguin Books, 1998.), onde se integra o conto “The Story of the Unknown Church” (3-13), que serão referenciados com as iniciais NFN, seguidas da respectiva página da edição utilizada. No que diz respeito aos ensaios de Walter Gropius, tendo em conta a diversidade de títulos em que estão compilados, serão sempre referenciados com a data da edição da colectânea em que se integram, seguida da respectiva página. 8 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho ( . . . ) no hay hechos, ni historia, ni particularidad, sin ideas, sin razones, sin intenciones. Ignasi de Solà-Morales, Introducción a la Arquitectura Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho Quando Nikolaus Pevsner incluiu em Pioneers of Modern Design (1949) o subtítulo From William Morris to Walter Gropius estabeleceu-se uma linha ideológica que uniria para sempre o percurso de Morris ao de Gropius. A continuidade da obra de ambos, implícita nesta ligação traçada por Pevsner (cf. Pevsner 1949: 38-39), é objecto de reflexão por parte de vários autores, dos quais destaco Chris Miele, Gillian Naylor e Mario Manieri Elia. Apesar da controvérsia que se instalou em torno das possíveis aproximações entre o trabalho de Morris (1834-1896) e o de Gropius (1883-1969), ressaltam os interesses que tinham em comum pela arquitectura e pelo design, bem como o modo como percepcionaram estas realidades no contexto social. Os seus pensamentos são ainda hoje referências incontornáveis no campo da arquitectura e do design pela sua responsabilidade na valorização destas disciplinas no âmbito da arte. A personalidade e o percurso prolífico de William Morris proporcionaram a publicação de diversos estudos críticos e biográficos, de entre os quais destaco o da autoria de J. W. Mackail (1889), que Morris ainda terá tido oportunidade de ler, o de E. P. Thompson (1955), o de Fiona MarcCarthy (1994) e, o mais recente, de Stephan Coote (1995). Todos têm em comum o facto de realçarem o alcance da actividade de Morris como designer e artífice criativo e empreendedor. Contudo, ondeiam de forma diferente o peso dessa actividade: enquanto que Mackail, ainda no século XIX, minimizou o impacto do desempenho político de Morris – um pormenor referido por Northrop Frye (Frye 1990: 322) –, os trabalhos mais recentes destacam as convicções políticas de Morris, referindo-as mesmo como indissociáveis da sua produção quer como designer – faceta aprofundada 11 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho por Linda Parry em William Morris Textiles (1983) –, quer como ensaísta e romancista. Por seu lado, Walter Gropius é recordado acima de tudo como um arquitecto activo, com obras espalhadas um pouco por todo o mundo, um pedagogo astuto, um teórico e um reformista inovador pelas perspectivas artísticas que implementou e desenvolveu na escola Bauhaus. Sigfried Giedion (1954) realçou o gosto de Gropius pelo trabalho em equipa, James M. Fitch (1960) eternizou-o como o inventor de uma nova estética, perpetuada nos edifícios que concebeu ao longo da sua carreira, realçando também o seu desempenho como educador, designer e crítico, enquanto Paolo Berdini (1986) registou na sua obra todo o trabalho de arquitectura que Gropius desenvolveu em parceria com diversos arquitectos, tendo sempre por base motivações sociais e correspondendo ao que acreditava ser a sua função como arquitecto. Gillian Naylor (1985) e Winfried Nerdinger (1988), sem esquecerem a importância de Gropius como educador, reflectiram também sobre o seu vasto legado arquitectónico. Neste ponto será relevante destacar que Giulio Carlo Argan, no seu livro de 1990 sobre Walter Gropius e a Bauhaus, aponta Morris como um dos antecedentes directos da filosofia adoptada por Gropius em Weimar, um aspecto que Gillian Naylor também sublinha num dos seus primeiros estudos (Naylor 1973). Morris é ainda mencionado em diversas obras sobre arquitectura e design, como é o caso das de Leonardo Benévolo (1991; 1996), António Pizza (1999) e Ignasi de Solà-Morales (2000), como uma das vozes mais potentes que, no século XIX, ousou apelar para uma reforma social profunda através da arte, 12 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho marcando dessa forma o início de uma nova era no âmbito da arquitectura e do design (Pevsner 1960: 22-26). William Morris é assim visto por vários críticos como o pioneiro não só do design moderno, sugerido por Pevsner no subtítulo de Pioneers of Modern Design, mas também da denominada arquitectura moderna:1 Leonardo Benévolo aponta a abertura da firma Morris, Faulkner, Marshall & Co., em 1862, como um dos marcos definidores da emergência da arquitectura moderna no prefácio à Historia de la Arquitectura Moderna (Benévolo 1996: 8-9); de modo semelhante, o título da obra que Manieri Elia editou originalmente em 1976, reeditada pela Editorial Gustavo Gili em 2001, associa inequivocamente o nome de Morris a esse momento, ideia que é aliás reforçada pelo autor quando se refere à definição de arquitectura apresentada por Morris em 1881 como “uma espécie de manifesto do Movimento Moderno” (Elia 2001: 81). Ainda nesta perspectiva, Solà-Morales aponta-o também como o “pensador e político” que está na base do desenvolvimento da arquitectura do século XX (Solà-Morales 2000: 18). Mas se Morris é visto como um dos propulsores do que viria a ser o Movimento Moderno,2 Gropius é considerado um dos seus 1 “Arquitectura moderna” deve ser entendida como “( . . . ) a investigação das maneiras possíveis de organizar o ambiente construído, desde os objectos de uso à cidade e ao território” (Benévolo 1984: 33), uma definição abrangente na sequência ideológica do pensamento de Morris que havia referido a arquitectura como: “A great subject truly, for it embraces the consideration of the whole external surroundings of the life of man, we cannot escape from it ( . . . ), for it means the moulding and altering to human needs of the very face of the earth itself, except in the outer desert” (CW XXII 119). Leonardo Benévolo menciona três situações distintas que, na sua óptica, assinalaram o momento que poderá ter marcado o nascimento da arquitectura moderna: em primeiro lugar, refere a emergência das transformações técnicas, sociais e culturais decorrentes da revolução industrial; de seguida, aponta o início da actividade da firma de Morris, pela coerência do programa que defenderam; por último, remete para o momento em que a Bauhaus foi fundada em Weimar, no pós-Primeira Grande Guerra (cf. Benévolo 1996: 7-9). Sempre que utilizar a expressão “arquitectura moderna” é neste âmbito que a considero. 2 Por “Movimento Moderno” entenda-se a definição apresentada por Leonardo Benévolo: “( . . . ) la combinación entre renovación y “modernidad,” y la ambigüedad del resultado que de ello se desprende.” Este teórico é bastante cauteloso na delimitação cronológica do período a que a expressão se poderá referir, mas aponta como possibilidade o intervalo de tempo entre 1919 e 13 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho mestres,3 o concretizador efectivo desse movimento: Benévolo aponta o ano em que Gropius fundou a escola artística Bauhaus em Weimar como o momento em que se pode falar com propriedade de Movimento Moderno (cf. Benévolo 1996: 89). Por seu lado, Ignasi de Solà-Morales, refere a Bauhaus como uma das tentativas de criação de uma metodologia e critérios únicos de avaliação crítica para todo o universo (Solà-Morales 2000: 19,20). As bases históricas da arquitectura moderna terão assim sido lançadas no século XIX, coincidindo com as aspirações de renovação da paisagem humanizada que havia sido desintegrada pela emergência da industrialização, e terão sido alicerçadas pelo trabalho artístico encetado nos inícios do século XX, na perspectiva referida por Benévolo. A busca da cultura arquitectónica adequada à realidade da época, a demanda da inovação, uma ideia implícita no uso do adjectivo “moderna,” conduziu à reinterpretação da herança do passado (Benévolo 1996: 6-7), de tal forma que é possível “considerar a história da arquitectura como história do ambiente construído, produzido pela presença do Homem na superfície terrestre” (Benévolo 1984: 33). A abrangência semântica que Morris atribuiu à palavra “arquitectura” ao englobar no seu âmbito não só a paisagem quando resultante da intervenção humana, as cidades e os seus edifícios, mas também tudo o que os edifícios e a 1989 (Benévolo 1996: 12-13). A este propósito são ainda relevantes as noções apontadas por Mário Manieri Elia: “La fórmula «Movimiento Moderno» se ha usado com distintos significados, pero, de entre ellos, uno se ha llevado la parte del léon: se trata de la teoría que considera el movimiento moderno como un arco de experiencias ligadas entre sí sin solución de continuidad – por definición –, que arrancaria com las figuras decimonónicas de Ruskin y Morris y concluiría com la Bauhaus y Walter Gropius” (Elia 2001: 7). 3 A expressão “mestres do movimento moderno” é utilizada por Leonardo Benévolo ao referir-se não só a Walter Gropius, mas também a Le Corbusier (1887-1965), Mies van der Rohe (18861969) e Alvaro Aalto (1898-1976) (cf. Benévolo 1991: 234). 14 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho cidade pudessem conter (mobiliário, máquinas, ferramentas, informação),4 mantém-se actual quer a nível teórico, quer a nível prático, respeitando a própria origem etimológica do vocábulo. A palavra “arquitectura” resulta da conjugação de dois termos gregos: arjé, que significa o começo, o princípio, o primeiro, e tekton que significa construir, edificar. Neste sentido, a arquitectura será a génese da construção e aquele que a exerce, o arquitecto, será o principal responsável pelo desenvolvimento dessa construção, sendo por um lado quem define as bases da tarefa e, por outro, aquele que lidera essa actividade.5 Nos finais do século XVIII, o vocábulo “construção” indicava uma série de aplicações técnicas que incluíam os edifícios públicos e os privados, as ruas, as pontes, os canais, os movimentos de terras e as construções urbanas; abrangia de certa forma toda a manufactura de grandes dimensões, onde não fosse predominante o aspecto mecânico. Depois da Revolução Industrial, o termo “construção” passou a englobar as actividades inseridas no sistema tradicional habitualmente associadas ao conceito de arquitectura (Benévolo 1996: 21-22). 4 Cf. Nota 1. 5 John Ruskin parece ter ignorado este facto linguístico quando relegou para um plano inferior a actividade construtiva, ao referir no prefácio à segunda edição de The Seven Lamps of Architecture (1855) que a arquitectura consistia na conjugação dos elementos da escultura e da pintura na ornamentação dos edifícios, sendo tudo o resto “mera construção” (cf. Ruskin 1969: xxiv). Leia-se o passo do referido prefácio: “The fact is, there are only two fine arts possible to the human race, sculpture and painting. What we call architecture is only the association of these in noble masses, or the placing them in fit places. All architecture rather than this is, in fact, mere building; ( . . . ). All high art consists in the carving or painting natural objects, chiefly figures: it has always subject and meaning, never consisting solely in arrangement of lines, or even of colours.” (Ruskin 1969: xxiv) Esta distinção entre “arquitectura” e “construção” não foi aceite pelas personalidades do movimento de artes e ofícios do século XIX, que a consideraram absurda, nomeadamente Philip Webb e W. R. Lethaby, uma vez que viam a arquitectura acima de tudo como “a arte da construção honesta” (Brooks 1989: 325). O facto de Ruskin considerar que a arquitectura deveria suscitar a mesma natureza de sentimentos usualmente atribuídos à pintura e à escultura poderá ter estado na base da diferenciação que apresentou. 15 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho É interessante notar que a primeira utilização do vocábulo “urbanismo” também se encontra associada à expansão da sociedade emergente da Revolução Industrial, a que Morris veementemente se opôs. Nos finais do século XIX, esta “realidade nova” deu “origem a uma disciplina que se diferencia das artes urbanas anteriores pelo seu carácter reflexivo e crítico, e [pela] sua pretensão científica” – o urbanismo (Choay 1992: 2).6 O urbanismo pode, pois, ser definido como uma área através da qual se procuram respostas para um conjunto de questões relativas à estética e à organização das cidades, no sentido de adaptar as suas estruturas às necessidades dos homens.7 Relegada para último plano em termos estéticos no século XVIII, a arquitectura alcançou assim na primeira metade do século XIX um prestígio central, adquirindo um discurso comum às outras artes, especificamente à pintura e à escultura.8 6 Françoise Choay integra a actividade de Morris como ensaísta no grupo de propostas que refere como pertencentes ao que considera ser o “pré-urbanismo.” Neste grupo inclui também as reflexões de Owen, Carlyle, Ruskin, Fourier, Cabet e Proudhon, Marx e Engels, pensadores que na sua opinião se preocuparam com o problema da cidade, sem nunca o dissociarem das problemáticas relações sociais (cf. Choay 1992: 3-14). No entanto, insere o trabalho de Walter Gropius no âmbito do que já considera ser “urbanismo” (cf. Choay 1992: 18-26). 7 Definição com base no Dicionário Enciclopédico da Língua Portuguesa, (Vol. M-Z. Publicações Alfa, 1992). Este conceito de urbanismo vai de encontro às noções presentes na “Carta de Atenas,” elaborada em 1932, aquando do quarto Congresso Internacional de Arquitectura Moderna (C.I.A.M), de onde se depreende que o urbanismo é a ordenação de espaços diversos onde decorrem as mais variadas actividades características do dia-a-dia dos indivíduos (cf. Anexo 2, Ponto 77). 8 Relativamente à distinção entre as diversas artes, Leonardo Benévolo aponta os gregos como possíveis responsáveis pelo facto de terem concebido quer a arquitectura quer as outras artes “quase sob a forma de ciência,” uma concepção que resultou na percepção das artes “não como partes convencionais e variáveis da actividade humana, mas sim como categorias permanentes e absolutas (o prestígio desta posição”, explicita Benévolo, “perdura ainda nos nossos dias e confere ao termo «arquitectura» uma solidez que faz com que o seu emprego continue a ser natural, ainda que o seu conteúdo tenha sofrido uma grande alteração)” (Benévolo 1991: 18). 16 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho Recuando até à era de Vitrúvio,9 o primeiro nome associado ao estatuto teórico de arquitecto, encontramos uma ideia análoga ao que seria a arquitectura, mas com uma inflexão um pouco diferente: no prefácio ao Livro I de Os dez Livros de Arquitectura, obra onde Vitrúvio afirmou ter deixado “todos os preceitos necessários para se alcançar a perfeição na Arquitectura” (Vitrúvio [ . . . ]: 1-2), refere-se- -lhe como “uma ciência que deve ser apoiada por uma grande diversidade de estudos e de conhecimentos através dos quais ela julga todas as obras das outras artes que lhe pertencem” (Vitrúvio [ . . . ]: 2). A arquitectura surgia aqui já como aglutinadora de conhecimentos diversos e de todas as artes, antevendo-se os conceitos de complementaridade e de interdisciplinaridade artísticas promovidos no século XIX nomeadamente por Morris e reafirmados por Gropius no século XX. Essa forma marcadamente humana e social de se entender a “arte de bem construir”10 estendeu-se também às noções de design e de designer. O facto de o significante da arte criativa que se refere à concepção de todo o tipo de objectos se ter fixado na palavra inglesa design indicia a origem do conceito. A noção de design implica que a formalização quer de um edifício, quer de um objecto comum – uma peça de mobiliário, uma capa de um livro, ou um utensílio de uso diário –, envolve uma atitude analítica e crítica da mesma natureza, uma 9 Pensa-se que Vitrúvio viveu no século I a.C. e que foi contemporâneo do Imperador Augusto, mas não existem certezas a esse respeito, nem mesmo em relação ao cargo que eventualmente terá exercido. Sobre esta questão, Helena Rua esclarece o seguinte: “( . . . ) uns classificam-no como engenheiro militar, e outros como arquitecto romano. ( . . . ) era considerado pelos seus pares como arquitecto e, por ser protegido do imperador, tinha como obrigação acompanhá-lo nas suas campanhas e guerras ( . . . )” (Vitrúvio [ . . . ]: v). A obra escrita de Vitrúvio (De Architectura, libri decem), mesmo constituindo-se mais como um “eco de uma tradição oral do que propriamente um tratado sistemático e organizado de conhecimentos” (Solà-Morales 2000: 33), é uma fonte de conceitos fundamentais, tendo adquirido o cariz de primeira referência, uma explicação mítica e antropológica das origens da arquitectura. O texto de Vitrúvio é encarado como uma “obra poética no mesmo sentido que os tratados modernos de arquitectura” (Katinsky 1999: 24). 10 A expressão é do arquitecto Fernando Gonçalves (Gonçalves 2000: 46). 17 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho consciência da forma do objecto ou do edifício que se pretende desenvolver. A actividade do design, tal como é percepcionada actualmente, consiste na racionalização das formas em utensílios úteis no decurso diário da vida humana (Solà-Morales 2000: 18). O design e a arquitectura são duas disciplinas da arte, sendo o primeiro um processo dialéctico entre as pessoas e em simbiose com a natureza do que é produzido e a segunda uma arte prática, destinada a construir os espaços que o ser humano utiliza. Dissociada das pessoas, a obra arquitectónica não tem qualquer sentido, pois ela é muito mais do que um objecto do seu criador e é esse aspecto que lhe confere a dimensão social. A este propósito as palavras de Balagué afiguram-se pertinentes: “A arquitectura, como assinalou Ruskin, é a mais política das artes no sentido em que impõe uma visão do ser humano e dos seus objectivos, independentemente de qualquer acordo pessoal entre os que a habitam” (Balagué 2002: 77).11 O arquitecto e a arquitectura têm vindo, assim, nos últimos cem anos, a expandir o seu campo de acção, assumindo o “desenho”12 de uma multiplicidade de espaços e de objectos (Solà-Morales 2000: 18), uma tendência já iniciada pelo percurso morrisiano e assumidamente concretizada na Bauhaus de Gropius. William Morris é a figura crucial que despoleta a discussão sobre a natureza e a importância do design e da arquitectura no meio social, ao procurar estabelecer relações interdisciplinares entre a arte e os mais diversos campos de experiência 11 Tradução livre de: “La arquitectura, como señaló Ruskin, es la más política de las artes en el sentido de que impone una visión del ser humano y de sus fines independientemente de cualquier acuerdo personal entre los que viven en ella” (Balagué 2002: 77). 12 Entenda-se aqui “desenho” com a mesma significação do conceito de design, definido por Solà-Morales que apresento. 18 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho humana. Walter Gropius, por seu lado, terá sido o responsável pela redefinição dos conceitos até então debatidos. O cenário no qual se desenvolve a presente dissertação atravessa assim dois períodos distintos, dois séculos e dois países diferentes que, no entanto, se aproximam através do percurso artístico desses dois homens. Perante o vasto número de estudos efectuados quer sobre Morris quer sobre Gropius que já tive oportunidade de referir, e tendo em conta os evidentes pontos de contacto entre o trabalho inicial de Gropius e as ideias de Morris relativamente à arte e à sociedade, afigura-se-me essencial explicitar que a finalidade deste trabalho não é apenas a observação daquilo que Gropius terá importado de Morris, nem tão-pouco a simples referência a Morris como o inspirador do trabalho realizado por Gropius e pelos artistas e arquitectos do século XX. Nesta dissertação, proponho-me aprofundar a análise comparativa entre o percurso artístico de Morris e de Gropius, sublinhando as semelhanças ideológicas e destacando os aspectos que os opõem, concentrando-me na ensaística de ambos os artistas. Com esta perspectiva comparatista pretenderei descrever a forma como Morris e Gropius visionaram a arquitectura e o design, e avaliar o impacto que as ideias de ambos tiveram na evolução e na reformulação do mundo da arte. Importa ainda realçar que a fase da escola Bauhaus a que dou relevância e que tenho em consideração quando estabeleço as comparações com a obra de Morris é a do período em que esta escola alemã foi liderada por Gropius, em Weimar. Tendo em consideração os aspectos referidos, a dissertação foi estruturada em dois capítulos distintos. O primeiro, intitulado “Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra,” versa sobre o contexto histórico de William Morris e de 19 Introdução Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho Walter Gropius. Nele saliento o percurso e perspectivas de ambos os artistas/autores, bem como o rumo que seguiram as suas obras. O segundo capítulo, “Do passado fazer futuro: a união das artes,” além de comportar a minha análise do trabalho de Morris e de Gropius, com base no legado ensaístico de cada um, realça as abordagens à arquitectura, ao design e à reivindicação da ideia do artista/arquitecto como detentor de um papel social progressivamente mais relevante. Na Conclusão, retomando as linhas de força determinantes no pensamento de William Morris e de Walter Gropius, indago fundamentalmente sobre a aproximação entre o legado de ambos, salientando as diferenças de concretização das suas obras, apesar das concepções ideológicas semelhantes que estiveram na sua origem; reflicto ainda sobre a valorização da herança artística e social destas duas personalidades indissociáveis da cultura mundial na sociedade contemporânea. 20 Capítulo 1 Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra ( . . . ) it is living art and living history that I love. If we have no hope for the future, I do not see how we can look back on the past with pleasure. William Morris Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra No século XIX foram lançadas as bases que iriam proporcionar as mudanças que ocorreriam ao longo do século XX no campo da arquitectura e do design. A alternância de tendências, aliada à transformação histórica profunda decorrente primeiro da Revolução Industrial Inglesa e posteriormente do período entre as duas Grandes Guerras conduziram inevitavelmente a mudanças e renovações, nomeadamente da linguagem arquitectónica, alterando a organização de valores até então vigente. Raymond Williams, na sua obra Culture and Society (1958), chamou a atenção para a alteração do significado e da utilização de diversos termos, entre eles industry e art, como testemunhos das modificações operadas na sociedade do século XIX: ( . . . ) in the first half of the nineteenth century, a number of words ( . . . ) acquired new and important meanings. ( . . . ) They are industry, democracy, class, art, and culture. ( . . . ) The changes in their use, at this critical period [the nineteenth century], bear witness to a general change in our characteristic ways of thinking about our common life: about our social, political, and economic institutions; about the purposes which these institutions are designed to embody; and about the relations to these institutions and purposes of our activities in learning, education, and the arts. (Williams 1963a: 13) Essa alteração de significado é relevante para se compreender a natureza das transformações operadas na época e as repercussões da Revolução Industrial a que essas transformações estiveram directamente ligadas.1 1 Note-se as explicações de Raymond Williams relativamente à alteração do significado dos termos industry e art, relacionando-a directamente com o desenvolvimento da Revolução Industrial: “The first important word is industry, and the period in which its use changes is the period which we now call the Industrial Revolution. Industry before this period, was a name for a particular human attribute ( . . . ). But, in the last decades of the eighteenth century, industry came also to mean something else; it became a collective word for our manufacturing and productive institutions, and for their general activities. ( . . . ) The fourth word, art, is remarkably similar, in its pattern of change, to industry. ( . . . ) An art had formerly been a human skill; but Art, now, signified 23 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra O desenvolvimento comercial, industrial e tecnológico daí advindo implicou necessariamente a alteração do modo de perspectivar a realidade, condicionando o gosto2 das pessoas e a sua forma de estar na vida. O espírito mercantilista decorrente do progresso económico que se fez sentir em Inglaterra, já durante o século XVIII, promoveu o investimento na área da arte e do design aliado à indústria e essencialmente estimulado pela aristocracia.3 O maior testemunho deste espírito que se vivia em terras britânicas desde os finais do século XVIII foi a realização da Great Exhibition em 1851. Além de se constituir como um claro indício da afirmação de uma sociedade consumista, a Great Exhibition implicou também, de certa forma, a transformação do espaço citadino mesmo que temporariamente, na medida em que exigiu a construção de um novo edifício: o Crystal Palace de Joseph Paxton (Fig. 1 e Fig. 2). Este pavilhão de vidro e ferro tornou-se símbolo da hegemonia industrial britânica e reflexo da experimentação de novos materiais e de configurações arquitectónicas a particular group of skills, the ‘imaginative’ or ‘creative’ arts” (Williams 1963: 13-15). É nesta perspectiva que utilizo os referidos termos ao longo deste trabalho. 2 Na óptica da Sociologia, a evolução do gosto depende das transformações sociais e influencia simultaneamente essas transformações, como aponta Jukka Gronow em The Sociology of Taste (1997). Nesta análise sobre o papel do gosto na sociedade, Gronow conclui não ser possível encontrar uma definição concreta e geral deste conceito, uma vez que não existem regras orientadoras das suas possíveis modificações. O gosto pode assim basear-se numa opinião, devendo por isso ser compreendido como uma reflexão de preferências genuinamente individuais que fazem parte dos hábitos de qualquer pessoa, mas que pode ser orientado pelas opções da classe dominante. No âmbito da dissertação que apresento, o gosto deve assim ser entendido como algo social e economicamente condicionado, passível de ser “corrompido” e “melhorado” (cf. Gronow 1997: esp. pp. x, 11-12 e 41), uma vez que assume uma posição central no debate de ideias inerentes à evolução do design e da arquitectura, como é defendido por Jules Lubbock (cf. Lubbock 1995: xii-xv). 3 Para um estudo mais aprofundado deste período da História inglesa consultar The Tyranny of Taste, Part IV, especialmente os capítulos 1 e 2, onde Lubbock apresenta um estudo cuidado e pormenorizado do modo como os diversos ramos da indústria foram promovidos, incentivados e desenvolvidos durante o século XVIII. A criação de Escolas de Design, a divulgação da porcelana e da olaria, a promoção da seda, a manufactura do algodão e o facto de a indústria de tapeçaria inglesa dever a sua fundação ao patrocínio da classe aristrocática, são aspectos em que Lubbock centra a sua atenção (Lubbock 1995: 209-232). 24 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra inovadoras (cf. Pevsner 1960: 132-134 e cf. Pizza 1999: 41-42). A primeira grande exposição mundial demonstrou assim ao mundo o poder económico da Grã-Bretanha resultante da sua supremacia industrial, mas revelou, por outro lado, a má qualidade do seu design – Dennis Farr referiu-o como “appalling trash” Fig. 1: Palácio de Cristal: desenho original de Joseph Paxton (1851). (Farr 1984a: 137) –, pelo menos na perspectiva dos que se debatiam pela simplicidade e pela autenticidade da produção artística e que se insurgiam contra a industrialização e a máquina que consideravam castradora da criatividade e da personalidade humanas. John Ruskin responsabilizou os fabricantes industriais pela Fig. 2: Palácio de Cristal: pormenor da montagem (1851) corrupção do gosto da população: If, in short-sighted and reckless eagerness of wealth, ( . . . ) you try to attract attention by singularities, novelties, and gaudinesses, to make every design an advertisement, ( . . . ) – no good design will ever be possible to you, or perceived by you. ( . . . ) You may, by accident snatch the market; ( . . . ) you may obtain the confidence of the public ( . . . ). But whatever happens to you, ( . . . ) the whole of your life will have been spent in corrupting public taste and encouraging public extravagance. ( . . . ) your life has been successful in retarding the arts, tarnishing the virtues, and confusing the manners of your country. (apud. Williams 1963c: 149-150) A necessidade de controlar as consequências do progresso económico no gosto e, nomeadamente, no design, tornou-se cada vez mais premente em meados do século XIX face ao carácter hediondo de inúmeros dos artigos 25 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra fabricados e à vulgarização da máquina que permitia a sua produção massiva. A máquina deturpava a natureza dos produtos e ameaçava a singularidade e a originalidade individuais, por isso os reformadores do design, como William Morris, manifestaram-se contra o seu uso e procuraram desenvolver meios de oposição à insensibilidade e frieza da industrialização, promovendo a harmonia através do processo de criação e produção artesanais, o único meio que consideravam capaz de produzir objectos belos. Como Elizabeth Cumming e Wendy Kaplan referem, “( . . . ) in their [the reformers’] eyes the salvation of British industry and design could only be achieved through artistic intervention” (Cumming 1996: 10). Já durante o século XVIII, especialmente na década de 50, haviam sido publicados diversos artigos onde se propagavam teorias sobre gosto e sobre design, o que coincidira com a importância crescente que este último havia vindo a adquirir (Lubbock 1995: 218).4 Um século após a divulgação das teorias de Hogarth5 relativamente ao gosto e ao design, o governo inglês instituiu um departamento responsável por “difundir o gosto pela população.” Foi a tentativa de controlar as consequências nefastas da Revolução Industrial não só na confecção de objectos, mas também no desenvolvimento urbano. Posteriormente, esta formalidade seria substituída pelos ideais proféticos de John Ruskin e William Morris, que viriam a alterar por completo a visão do que deveriam ser a 4 Lubbock refere textos de William Hogarth, David Hume e Adam Smith, entre outros. Segundo o autor, David Hume e Adam Smith foram duas das personalidades cuja influência foi preponderante na evolução do design e da política económica. Hume via no gosto estético um forte veículo prupolsor do desenvolvimento económico sendo, simultaneamente, um dos seus “frutos”; Adam Smith, por seu lado, considerava o consumo e o gosto aspectos centrais do referido desenvolvimento económico (cf. Lubbock 1995: 115-143). 5 A primeira escola de design em Inglaterra foi criada a partir de um decreto-lei que ficou conhecido como “The Hogarth’s Act”. Tendo a lei sido aprovada em 1735, o referido decreto levou à reformulação da Academia St Martin’s Lane de onde resultou a primeira escola de design (Lubbock 1995: 217). 26 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra arte, o design e a arquitectura (Lubbock 1995: 207). Ruskin insurgiu-se veementemente contra o que considerava ser uma inaceitável degeneração dos modelos sociais e culturais, apresentando a arte como força regeneradora;6 William Morris aliou aos ideais de Ruskin um socialismo humanitário e uma consciência arquitectural inequivocamente presentes em News from Nowhere (1890). Esta obra pode ser percepcionada como símbolo do traçado estético da utopia de Morris, tendo em conta a imagem que ele apresenta da cidade de Londres, de onde fez desaparecer todas as construções fabris, substituindo-as por casas unifamiliares construídas com materiais e linhas tradicionais: “( . . . ) all was changed from last night! The soap-works with their smoke-vomiting chimneys were gone; the lead-works were gone; and no sound of riveting and hammering came down the west wind from Thorneycroft’s” (NFN 48). A segunda metade do século XIX assistiu assim ao início da consolidação do pensamento arquitectónico em virtude do aparecimento de propostas reformadoras, mistos de ímpeto moralista, de desejo de renovação social, e de resistência à degeneração advinda da industrialização. A fealdade das cidades industriais foi realisticamente descrita por Charles Dickens em Hard Times: Coketown, a cidade do carvão, transporta o leitor para uma cidade da época quer através das sensações visuais, quer das olfactivas. A Inglaterra foi pois o primeiro 6 À crítica de Ruskin deve-se a importância conferida à obra de arte como expressão da mentalidade humana, dando-se particular relevância à arquitectura. Michel Ragon considera-o responsável pela criação de uma “doutrina estética orgânica” que viria a ser a base do desenvolvimento cultural e urbanístico futuros (cf. Ragon 1986: 89). A obra de Ruskin foi, de facto, fundamental para a formação da teoria da arquitectura e as suas ideias influenciaram grandemente o século XIX. Em The Seven Lamps of Architecture (1849), obra que inspirou arquitectos e designers principalmente nas décadas de 80 e 90 desse século, Ruskin deu ênfase à beleza do ornamento arquitectural esculpido à mão, aspecto que, na sua opinião, reflectia o sentido do trabalho humano e o cuidado dispendido na sua execução. Ainda a propósito da importância do sentido dado à criação, Cumming salienta: “The idea that any building or object must be created with enjoyment to be of value, first voiced in The Seven Lamps but stressed in “The Nature of Gothic”, was Ruskin’s major legacy to the Arts and Crafts and one that led the basis not only for the work of Morris but also for the creeds of craft guilds later in the century” (Cumming 1996: 12). 27 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra país europeu a confrontar-se com todas as controvérsias inerentes à industrialização, desde a exploração desumana da classe trabalhadora às desigualdades sociais e aos problemas ambientais, acrescentando-se-lhes as adversidades provenientes do crescimento desmesurado e da degradação das áreas urbanas, principalmente das zonas habitacionais (Pizza 1999: 20, 67). Esta conjuntura despoletou, principalmente entre 1830 e 1860, discussões fervorosas acerca do design dos produtos manufacturados e do dos edifícios urbanos. A arquitectura, que “aspirava descobrir o caminho da sua salvação” (Pizza 1999: 20), e o planeamento urbano – “the public face of the Arts of Design” (Lubbock 1995: 207) – foram gradualmente adquirindo mais importância, sendo submetidos a diversas leis e proclamações ao longo dos séculos, conduzindo progressivamente à valorização do benefício público. Inicialmente, apenas os edifícios públicos, principalmente igrejas e catedrais, eram construídos com base em preocupações arquitectónicas. Neste contexto é elucidativo referir Christopher Wren (1632-1723), eternizado pela construção da Catedral de St. Paul, e Augustus W.N. Pugin (1812-1852), que privilegiava as instituições religiosas quando procedia à escolha de um projecto. A fé cristã de Pugin levou-o mesmo a rejeitar a arquitectura clássica que começara a ser promovida no início da época vitoriana e a favorecer o revivalismo gótico medieval que considerava ser o único estilo capaz de reflectir a ordem e a estabilidade do Cristianismo. Com o objectivo de monumentalizar a arquitectura cristã, os diversos elementos do gótico foram explorados e reorganizados, sob a orientação de ideais de ordem transcendental. Assistiu-se ao ressurgir de formas amplas e sumptuosas e ao rasgar de janelas esguias decoradas com vitrais multicores onde se representavam personagens e episódios bíblicos; experimentaram-se novas técnicas de aplicação e de 28 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra compatibilização de materiais, o que veio exigir a aprendizagem de novos ofícios (Solà-Morales 2000: 40). Pugin, para quem a beleza arquitectural derivava da adequação da forma do edifício à função que este iria cumprir,7 defendia três princípios básicos para a arquitectura: honestidade estrutural, originalidade de design e a utilização de recursos endógenos nas obras a construir. Além disso, reflectiu sobre a importância da integração do design do mobiliário e dos utensílios no design dos edifícios, promovendo assim a revitalização de ofícios como o dos vitrais, o da cerâmica e o dos metais (Cumming 1996: 32). O legado deste arquitecto foi fundamental para os preconizadores do Movimento de Artes e Ofícios, apesar de não ter sido muito admirado por alguns, nomeadamente por William Morris.8 Os centros de discussão e debate sobre questões directamente relacionadas com a arte proliferaram por toda a Inglaterra durante o século XIX, defendendo-se o design livre, o recurso a novos equilíbrios entre formas e materiais, e lutando-se pela liberdade de interpretação individual através da promoção da liberdade de criação artística (Cumming 1996: 41). A Sociedade 7 Importa notar que um dos aspectos mais relevantes da arquitectura actual é a funcionalidade do que é construído, quer se trate de um edifício, quer se trate de um objecto, e Pugin terá sido o primeiro arquitecto a reconhecer essa interdependência entre forma e função, e a apresentar uma definição do que viria a ser conhecido por “funcionalismo,” ao considerar que a beleza arquitectural deveria ser avaliada tendo em conta a adaptação da forma do produto construído à função que iria exercer (cf. Ragon 1986: 159-160). No cuidadoso estudo sobre o Movimento de Artes e Ofícios onde referem, além de Pugin, diversos nomes ligados à arquitectura do século XIX, Elizabeth Cumming e Wendy Kaplan salientam o facto de essa ideia ser já corrente na década de 50 do século em questão – alegava-se que a função de um edifício deveria condicionar o seu design e que o mesmo deveria ser construído onde fosse possível a obtenção de materiais cuidadosamente seleccionados. Cumming e Kaplan chamam também a atenção para o facto de naquela época ser frequente a defesa da adequação do recheio do edifício às suas linhas exteriores (Cumming 1996: 31-66). 8 Esta conclusão deve-se à leitura de um passo de Culture and Society: 1780-1950, no qual Raymond Williams afirma o seguinte: “Both Ruskin and Morris were, in fact, unkind in their references to Pugin; but this is mainly due to their difference from him, and from each other in matters of belief. Ruskin, for example, wanted to capture Gothic for Protestantism, and was therefore bound to oppose Pugin; whereas for Morris, Pugin’s prejudice against anything to do with the working-class movement was sufficiently distasteful” (Williams 1963c: 139). 29 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra para Protecção dos Edifícios Antigos (SPAB), também conhecida como ‘AntiScrape’, era um desses centros. Fundada por William Morris em 1877, a SPAB transformou-se num ponto de encontro de artistas, estetas, historiadores e também arquitectos, ou seja, de todos aqueles que estivessem interessados no futuro dos edifícios antigos (Cumming 1996: 36). O interesse dos que se juntavam na referida sociedade não era o restauro dos edifícios, mas a sua preservação como dados culturais inestimáveis que estavam a ser desprezados à medida que avançava a industrialização. John Summerson, prestigiado arquitecto e crítico inglês de meados do século XX, denunciou o estado caótico da arquitectura do seu país em Architecture In England Since Wren (1948) e chamou a atenção para a necessidade de investimento na formação de arquitectos que considerava muito deficiente. Summerson apresentou o século XIX como o ponto chave para a compreensão dessa grande lacuna: I think that what I have written will have shown how thoroughly unacademic British architecture is and always has been. ( . . . ) Nothing could be more unsympathetic to the academic spirit than the story of our nineteenth-century architecture, when genius flashed from obscure corners of a scene of prolific philistinism. (Summerson 1948: 23) A falta de sentido académico que atribuiu à arquitectura inglesa dever-se-ia essencialmente ao seu carácter doméstico e pouco ambicioso para que, na sua opinião, essa arquitectura tendia.9 9 Summerson considerava que a arquitectura inglesa havia sido muito influenciada pelo espírito de mercantilista e por uma classe de proprietários independentes que tinham, de uma forma ou outra, imposto o seu gosto. Para justificar a sua opinião, Summerson recorreu a uma comparação entre as igrejas inglesas e as francesas, referindo que às primeiras faltava a energia muscular (“muscular energy”) que se sentia existir nas segundas (cf. Summerson 1948: 23-35). 30 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra O optimismo emergente do progresso proporcionado pelo desenvolvimento industrial que atrás apontei foi, no entanto, abafado pela ansiedade e angústia que caracterizaram o período das lutas proletárias e da reforma do design. Neste cenário de controvérsias e transformações despontaram e fluíram as questões artísticas no séc. XIX, das quais se destaca o Movimento de Artes e Ofícios de que William Morris fez parte, como foi referido anteriormente. O principal objectivo de todos os que aderiram a esse movimento era, pois, restituir ao processo de produção a qualidade e o prestígio que se haviam perdido com a divisão de tarefas e o trabalho em série impostos pela Revolução Industrial e aclamados pelo Príncipe Albert no discurso de abertura da Great Exhibition – “( . . . ) the great principle of division of labour, which may be called the moving power of civilization, is being extended to all branches of science, industry, and art” (apud. Coote 1996: 8). Além disso, os seguidores do Movimento de Artes e Ofícios pretendiam restaurar a harmonia entre o artesão – que assistira à desvalorização do seu trabalho – o arquitecto e o designer, e promover a produção de objectos domésticos que fossem acessíveis em termos económicos, mas de qualidade e de bom gosto. No entanto, o Movimento de Artes e Ofícios foi mais do que a promoção do artesanato: assumiu-se como a esperança da melhoria das condições de trabalho, parte importante da reforma social pretendida. A crença no artesanato como base de uma reforma social e a procura de um modo de vida simples conduziu os mentores do movimento ao estabelecimento de oficinas num ambiente idílico e rural, onde a arte era promovida como um modo de vida (Cumming 1996: 7). Atitude semelhante em relação à vida e à arte surgiu nos inícios do século XX, na Alemanha, no período entre as duas Grandes Guerras, perante o 31 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra sentimento de desilusão e o caos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial. Em 1919 a Alemanha viu-se dividida por uma guerra civil resultante do descontentamento da classe operária que exigia a implantação de uma democracia que defendesse os seus interesses. A cisão do país que daqui resultou conduziu, nesse mesmo ano, ao estabelecimento da efémera e carismática República de Weimar, onde se desenvolveu uma cultura artística própria com um sentido de liberdade e de mobilidade inexistentes na vida social e política do pós-guerra.10 Na década de 20 assistiu-se assim à organização de um mundo artístico optimista, determinado na busca de estabilidade e de pontos direccionais para o futuro, como se a inflação, o desemprego, a crise social ou o NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei) não existissem. Vivia-se num clima em que a liberdade artística era permitida, proporcionando o desabrochar de grandes inovações (Hermand 1989: 9); as fronteiras das até então distintas disciplinas artísticas começavam a esbater-se: os pintores tornam-se também poetas, escultores, homens do teatro e da arquitectura. Em Abril do ano da implantação da “República Cinzenta”11 a Alemanha viu nascer das cinzas e ruínas do pós-Primeira Guerra Mundial uma escola artística que, durante os seus catorze anos de existência, foi ameaçada por cortes 10 Relativamente às questões que culminaram na crise que deu origem à República de Weimar, Dagmar Barnouw esclarece: “The assembly which finally took place in Weimar in 1919 elected the Social Democrat Friedrich Ebert as its first president and symbol of compromise. After the 1917 Gotha schism which had consolidated the left in its opposition to center and right, the leadership of the (old) Social Democratic party had become more narrowly reformist in a highly volatile situation. But where they had mistrusted too firmly the people’s ability to make decisions in their own best interest, the left had been cherishing unrealistic hopes with respect to their instant wisdom. Both had failed to give serious thought to questions of organization in case of revolution. Consequently mass action, mass strikes, though more or less spontaneous in character as the left had hoped and predicted, did not bring about the revolution but a civil war ending in the “grey Republic” of Weimar” (Barnouw 1988: 26). Para informações mais precisas sobre os antecedentes da implantação da República de Weimar consultar também Hermand 1989: 14-34. 11 Expressão pela qual a República de Weimar ficou conhecida. 32 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra financeiros, hostilidades políticas e cisões internas, acabando por ser encerrada pelos Nazis em 1933. Recordada como símbolo de uma atitude progressista em relação à arquitectura e ao design, fruto de um idealismo e saudosismo emergentes do pós-guerra, a escola Bauhaus sofreu várias transformações a nível organizacional e ideológico,12 decorrentes da mudança de instalações e da transferência de liderança que lhe esteve associada.13 Na base da história da fundação desta escola artística esteve o arquitecto Walter Gropius, membro da Werkbund alemã. A Werkbund, uma associação artística e económica, havia sido criada em 1907 por Hermann Muthesius, responsável pelas Artes e Ofícios junto do Ministério da Indústria em Berlim, com o propósito de promover “a cooperação entre arte, indústria e artesanato, para melhoria da actividade comercial por meio da educação, da propaganda e da 12 Entenda-se aqui “ideológico” não como conceito político, mas como grupo de opiniões e de directrizes no âmbito pedagógico. 13 Considera-se que a Bauhaus teve três fases distintas a que corresponderam directores e sedes também distintos. Assim, a primeira fase correspondeu ao período em que esteve sob a direcção de Walter Gropius, desde a sua fundação, em 1919, até à transferência para Dessau, em 1925; a segunda fase (1928-1930) foi liderada por Hannes Meyer, um arquitecto suíço; na terceira fase a Bauhaus teve Ludwig Mies van der Rohe como líder (desde 1930 até à sua dissolução em 1933, período em que esteve sediada em Berlim). Acerca do encerramento definitivo da Bauhaus pelos Nazis e dos acontecimentos próximos que a ele conduziram, António Jacinto Rodrigues esclarece: “Em 1932, a crise agudiza-se ( . . . ), mesmo no interior da Bauhaus; a luta entre as tendências de esquerda e de direita tomava formas abertas. ( . . . ) O clima social estava cada vez mais marcado pelo avanço da direita ( . . . ) e as moções de dissolução sucediam-se. Em 5 de Outubro de 1932, a cidade de Dessau rescindiu os contratos baseando-se num decreto de emergência. Mies Van der Rohe e os restantes professores conseguiram reparações de danos e prejuízos e deste modo a Bauhaus ( . . . ) teve uma certa segurança financeira. E, com extrema rapidez, foi possível instalar a nova Bauhaus em Berlim-Steglitz. A Bauhaus de Berlim iria durar de Outubro de 1932 a 20 de Julho de 1933, altura em que o corpo docente decide encerrar a escola, em virtude das imposições constantes da Gestapo” (Rodrigues 1989: 190-193). Para mais informações sobre as contingências que conduziram ao encerramento da Bauhaus e sobre as relações da escola com o nacional-socialismo consultar Fiedler 2000: 34-48. A década de 30 foi marcada por várias transformações a nível político que condicionaram o percurso da arte e da aquitectura modernas que, como resposta aos movimentos fascistas em ascenção, iniciaram uma espécie de emigração “física”, uma vez que muitos dos seus protagonistas saíram do país, procurando refúgio do outro lado do Atlântico, e uma emigração “conceptual”, dado que as poéticas na base dos valores do progresso moderno atravessaram um período de reconsideração decisivo (Pizza 1999: 21). 33 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra posição unida sobre questões pertinentes” (Droste 1994: 12).14 Criada de certa forma sob a influência inglesa, por meio de Muthesius, que vivera sete anos em Inglaterra (1896-1903), onde estudou a arquitectura e o design britânicos, a Werkbund foi referida por Michael Brooks como uma associação no âmbito da qual as questões relativas ao papel do artesanato e da indústria na produção artística foram debatidas com maior rigor do que em Inglaterra (Brooks 1989: 332). Perfilou-se, assim, como reflexo da prosperidade económica e do clima de forte nacionalismo que se vivia na Alemanha no período anterior à Primeira Grande Guerra. Esta “associação do trabalho” (Werkbund) orientava-se em direcção ao exterior, ao mercado internacional, onde se pretendia que os produtos alemães fossem competitivos, o que só seria alcançado se o produto final fosse de qualidade. Ao zelar por essa qualidade na produção, a Werkbund também contribuiu para devolver ao operário a dignidade humana que havia perdido e a alegria na execução da sua actividade (Pizza 1999: 110). Walter Gropius havia-se tornado membro dessa associação em 1912 por intermédio de Peter Behrens (1868-1940), datando desta época a emergência de algumas das suas preocupações em relação à arquitectura.15 Desde o início da guerra que Gropius defendia a “necessidade de uma reviravolta intelectual” (Droste 1994: 16), uma mudança que teria como objectivo principal o nascimento de uma nova forma de perspectivar a arte e, dentro dela, a arquitectura. Numa carta de 19 de Outubro de 1915, Gropius escreveu: 14 Para um estudo mais pormenorizado sobre a Werkbund, consultar o capítulo 3 – “The Wekbund” – da obra de Gillian Naylor (Naylor 1993: 37-46), onde o autor esclarece também acerca da personalidade e da relevância de Hermann Muthesius no contexto da época, assim como das suas relações com os restantes membros fundadores da organização, entre eles Peter Behrens. 15 As preocupações de Gropius em relação à arquitectura irão ser abordadas ainda neste capítulo e desenvolvidas no seguinte. 34 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra ( . . . ) I cannot envisage teaching architecture as a separate entity, since architecture is all embracing. What I have in mind is an independent teaching organization, which must necessarily develop from small beginnings, and which could be co-ordinated with the existing academy for administrative and technical purposes, but from the artistic point of view must remain independent. (apud. Naylor 1973: 43-44) A oportunidade para concretizar os seus projectos surgiu após a revolução de Novembro de 1918,16 quando, apoiado pelo Ministro da Educação Social Democrata, foi autorizado a unir a Academia de Arte e a Escola de Artes e Ofícios de Weimar de que era director, transformando-as numa única escola artística: a Staatliches Bauhaus. Apanhado pela efervescência de movimentos artísticos propulsionados pelo desejo de reorganização social e política que se sentiu durante (e após) a Primeira Guerra Mundial, Walter Gropius havia-se tornado membro do Novembergruppe (uma sociedade de artistas com características semelhantes às do Arbeitsrat für Kunst), identificando-se com o Expressionismo que esse grupo adoptara e que se desenvolveu na Alemanha a partir de 1905. Considerado como um movimento boémio no período anterior à guerra, o Expressionismo converteuse no sentimento vital da geração da Primeira Guerra Mundial e da do pós-guerra (Fiedler 2000: 17), assumindo-se como um movimento de protesto contra os valores mecanicistas característicos da Werkbund até então atribuídos à arte, à 16 Seguindo o exemplo das assembleias de trabalhadores e de soldados, após a revolução de Novembro, formou-se o Arbeitsrat für Kunst (Conselho de Trabalho para a Arte). Gropius fez parte da sua direcção e publicou no periódico da Revolução Alemã de 1919 um manifesto intitulado “Baukunst im freien Volkstaat” (Arte da construção num Estado popular livre) onde, entre outros aspectos, referiu a importância da unidade espiritual na arte e a necessidade de se criar uma nova humanidade, um desejo de renovação da sociedade influenciado também pela Revolução Russa de Outubro de 1917, cujos valores apelavam à criação de um mundo novo, onde existissem condições para a construção de um futuro melhor (Fiedler 2000: 14 e 17). O Novembergruppe, que sobreviveu até finais dos anos 20, tinha características comuns às do Arbeitsrat (Naylor 1993: 54-56). 35 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra arquitectura e à sociedade e que, a partir do início da guerra, passaram a ser vistos como responsáveis pela degradação do ser-humano. A máquina, porque associada ao conflito bélico, passou a ser encarada como inimiga do homem e, por isso, um elemento a evitar: “O horror da guerra, um clima místico e profético, acentuam a rejeição da sociedade mecanicista, tida como responsável pela catástrofe. Este contexto vai determinar o ambiente cultural e toda a estratégia pedagógica dos anos de formação da Bauhaus” (Rodrigues 1989: 20). Ao referir que “a guerra e as exigências de reparação de danos por parte das potências vitoriosas tinham acabado por completo com a Alemanha industrial,” e ao acrescentar que “a economia de subsistência do pós-guerra reforçou política e ideologicamente o artesanato pequeno-burguês que antes do conflito parecia sofrer a grande ameaça da indústria”, Andreas Haus também salienta essa conjuntura (Fiedler 2000: 20).17 Naturalmente, devido à industrialização, o artesanato na Alemanha estivera de igual modo ameaçado; no entanto, é relevante referir que o prestígio das oficinas alemãs era bem diferente do atribuído às inglesas, pois, ao contrário destas, não eram consideradas de grande qualidade, como Naylor informa: Very few of these guilds, naturally enough, enjoyed the status or the prestige of their medieval counterparts; ( . . . ). Obviously they resisted industrialization, on economic rather than ideological grounds, but their effectiveness as an alternative to trade unions was weakened by the social divisions within the guilds themselves – the ‘masters’ being reluctant to relinquish their autonomy, in the interests of the workforce. Neither could they be considered custodians of quality, since the majority attempted to undercut the prices of mass-produced goods, and where they were protected by local statutes, apparently abused such privileges as they had. ( . . . ) The English Arts and Crafts Movement ( . . . ) was essentially conservative in that it 17 Tradução livre de: “La guerra y las exigencias de reparación de las potencias victoriosas habían acabado por completo com la Alemania industrial ( . . . ). La economía de subsistencia de la posguerra reforzó política e ideológicamente la artesanía pequeñoburguesa, que antes del conflicto parecía sufrir la fuerte amenaza de la industria ( . . . )” (Fiedler 2000: 20). 36 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra attempted to preserve or revive traditional methods and values of workmanship. Quality in workmanship, however, was linked to an idealized concept of the quality of life of the workman, and it was these wider social and humanitarian concerns that distinguish the British nineteenth-century craft revival from the politics of the guilds in nineteenth-century Germany. (Naylor 1993: 25-26) A guerra e a atitude dos seus contemporâneos fizeram com que o idealismo de Gropius se intensificasse, reforçando também o seu sentido de responsabilidade em relação à sociedade e ao papel que o arquitecto deveria ter no estabelecimento do equilíbrio social. A par disso, Gropius ter-se-á apercebido da necessidade iniludível de proporcionar a todos uma formação completa e coerente, quer a nível cultural quer a nível artístico. Foi assim num contexto de revolta e de transformações sociais e políticas que Walter Gropius publicou o “Programm des Staatlichen Bauhauses in Weimar” (Anexo I),18 imbuído de um espírito romântico que faz lembrar William Morris e a sua Brotherhood of Artists:19 “Let us create a new guild of craftsmen, without the class distinctions that raise an arrogant barrier between craftsman and artist” (MB, 9).20 18 O “Programm des Staatlichen Bauhauses in Weimar,” publicado em forma de panfleto, foi escrito seis meses após o fim da Primeira Guerra Mundial, em Maio de 1919, e dirigia-se essencialmente aos estudantes inscritos nas diversas Escolas e Academias de Belas-Artes da Alemanha. Posteriormente, Johannes Itten (elemento do corpo docente da Bauhaus entre 1919 e 1923) referiu-se a este período de reestruturação do seguinte modo: “The general unrest, disorder, lack of direction, and uncertainty in the years after the World War I fostered the establishment of institutions with new types of programmes” (apud. Neumann 1970: 21). 19 O objectivo da Brotherhood a que pertenceu Morris foi resumido por Burne-Jones, um dos seus membros mais activos, como uma guerra sagrada contra a era em que ambos viveram. Sobre o tema informa E. P. Thompson: “The “Brotherhood” had been founded in 1848, to give a sense of mystery, dedication, formality, to the group, when they met in each others’ rooms and studios for earnest discussion” (Thompson 1976: 41). Nesta associação prevalecia assim um forte sentido de dedicação à arte, um desejo sincero de alcançar algo merecedor da beleza característica dos tempos passados, apesar do comercialismo que proliferava na época. 20 Embora do título original do documento publicado por Gropius, em 1919, não conste a palavra “manifesto”, sempre que me referir especificamente ao texto que precedeu o programa propriamente dito, fá-lo-ei como “Manifesto” uma vez que, tendo sido essa a sua função, é assim mencionado, por exemplo, por Gillian Naylor e Magdalena Droste. Quando me referir ao documento na sua totalidade fá-lo-ei com o título original. Todos os passos do referido documento 37 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra A vontade de construir algo novo a partir dos escombros existia, mas não havia certezas quanto à possibilidade de se concretizar essa vontade numa escola, em virtude da já referida delicada situação política em Weimar. No entanto, as negociações de Gropius com as entidades responsáveis na região acabaram por ser bem sucedidas e, em Março de 1919, foi-lhe concedida autorização para criar a Staatliches Bauhaus. No mês seguinte foi assinado o acordo e o “Manifesto” foi publicado em todos os jornais alemães e distribuído nas escolas de arte. Este documento estabeleceu o programa e os objectivos principais da nova escola que, percepcionada como um impulso de esperança e juventude, anunciou e incrementou mudanças de gosto, rompendo com as formas convencionais e simultaneamente apelando a valores e atitudes que haviam sido defendidos no século anterior por William Morris. *********************** Quando Walter Gropius nasceu, a 18 de Maio de 1883, no seio de uma família de arquitectos e artistas de Berlim, William Morris já havia efectuado um profícuo caminho na luta pela qualidade, pela beleza e pela autenticidade do design e da arquitectura em Inglaterra, percurso que conduziria à sua nomeação como Art Referee do Victoria and Albert Museum, nesse mesmo ano, passando a ser da sua responsabilidade o aconselhamento na aquisição de obras. A apreciação do percurso destes dois homens para sempre ligados à arte e à evolução do gosto tem obrigatoriamente que ter em conta, por um lado, a de Gropius incluídos nesta dissertação foram retirados de Neumann 1970: 9-10, e serão referenciados como MB e PB, caso se trate respectivamente de um passo do “Manifesto” ou de um do “Programm”. 38 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra actividade que desempenharam no campo do design e da arquitectura e, por outro, as preocupações sociais que manifestaram, muito marcantes em ambos, mas mais evidentes em William Morris.21 Como já foi sendo exposto ao longo deste capítulo, o contexto social e histórico em que Morris e Gropius cresceram determinou de forma clara a sua evolução como seres humanos e influenciou o cariz da obra que desenvolveram. O que apresento nas páginas que se seguem é uma abordagem de alguns momentos da vida de ambos que nos poderá auxiliar a uma melhor compreensão das suas opções artísticas. Durante a infância e a adolescência, Morris usufruiu de um ambiente propício ao desenvolvimento do gosto pela literatura, pela arte e pela arquitectura, o que viria também a contribuir para a definição da sua consciência social. Espírito persistente e incansável, pôs de lado a vida pessoal em nome de uma esperança: transformar a sociedade através da transformação do espaço que a envolvia. “( . . . ) I shall without doubt go on with my work, useful or useless, till I demit,” lê-se numa carta de 1882 que escreveu para Mrs. Burne-Jones com quem frequentemente se correspondia (apud. Mackail 1995: 69).22 O seu carácter e a aversão aos produtos da industrialização revelaram-se desde cedo, nomeadamente em 1851 quando, com 17 anos, acompanhou a mãe ao Crystal Palace, recusando-se no entanto a entrar no edifício da exposição, pois 21 Neste ponto importa salientar que no âmbito desta dissertação apenas serão tidos em consideração a actividade que William Morris e Walter Gropius desenvolveram no campo do design e da arquitectura e o modo como cada um deles percepcionou a arte e a arquitectura na sociedade, embora oportunamente seja feita referência a outros aspectos da vida e da obra de cada um. 22 J. W. Mackail em The Life of William Morris descreveu pormenorizadamente a vida de Morris, dando realce às suas obras literárias e aos seus trabalhos de artesanato. Mackail incluiu longos passos da correspondência que Morris trocou com familiares e amigos, nomeadamente com Dante Gabriel Rossetti, Burne-Jones e Mrs. Burne-Jones, de modo a ilustrar alguns momentos mais marcantes e assim levar o leitor a ver o mundo de Morris através das sensações que transparecem nessas cartas. 39 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra sabia que não iria gostar do que lá estava exposto. Esta terá sido a primeira manifestação de desprezo pelos produtos da era industrial contra os quais viria a debater-se ao longo da sua vida. Amante da natureza e das paisagens idílicas que povoaram a sua infância, Morris aspirava a um mundo autêntico, desprovido de artificialismos, de injustiças e de disparidades sociais, aspirava a um mundo onde todos pudessem usufruir da harmonia e do prazer no trabalho e assim produzir objectos belos, um mundo a que deu vida no imaginário de News from Nowhere. Tendo estes aspectos em consideração, não é difícil compreendermos o motivo pelo qual o antagonismo entre as suas aspirações e a realidade do período vitoriano em que viveu se tornaria no grande móbil do seu trabalho. Inicialmente, Morris havia pensado formar-se em arquitectura e com esse objectivo entrou como aprendiz no gabinete do arquitecto George Edmund Street, em Janeiro de 1856, onde viria a trabalhar apenas durante esse ano. O contacto com as novas perspectivas relativamente à arquitectura, que o teriam influenciado no desejo de enveredar por essa profissão, deu-se ao longo do período em que frequentou o Exeter College, em Oxford, onde havia entrado em 1853. No entanto, durante o ano em que esteve no escritório de Street, onde conheceu Philip Webb e de quem ficou amigo, Morris revelou não ter grande apetência para a prática formal que a arquitectura exigia, o que o conduziu a abandonar o escritório e a juntar-se a Burne-Jones em Red Lion Square, em Londres, com o intuito de seguir uma carreira como designer. Neste ponto é relevante referir-se que foi Street quem contribuiu para que Morris se apercebesse da potencialidade das artes decorativas quando aplicadas aos edifícios, aspecto para o qual Norman Kelvin chama a atenção em “The Morris Who Reads Us”: “The apprenticeship lasted through most of 1856, and though it ended with Morris’s 40 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra abandoning architecture as a profession, it exposed him to new possibilities in the applied arts, particularly with respect to integrating decorative elements into buildings” (Parry 1996: 345). Para Morris a arquitectura não era o desenho no papel, mas algo com significado mais profundo, intrinsecamente ligado ao espaço e à ética sociais, como teremos oportunidade de observar no segundo capítulo, e o interesse pela “arte suprema” acompanha-lo-ia ao longo de toda a vida, como reflecte o vasto número de palestras e ensaios que escreveu sobre o assunto.23 Foi também no gabinete de Street que Morris iniciou as suas experiências em olaria e em escultura em madeira e em pedra (MacCarthy 1994: 108). A convivência com as ideias de Pugin e com os escritos de John Ruskin já durante o tempo de Oxford terá estado na base do desenvolvimento do interesse de Morris pela arquitectura gótica, levando-o a viajar pela França e pelos Países Baixos, a visitar catedrais e colecções de arte, onde poderá ter observado diversas tapeçarias e, assim, ter despertado também para o ofício da tecelagem (Parry 1983: 7), que viria a ser um dos grandes atributos das suas oficinas. A este propósito será pertinente referirmos que frequentemente Morris destacava os edifícios com características góticas por que passava quando fazia relatos dos seus passeios, como testemunha o passo seguinte: We ( . . . ) drove to Cirencester, which turned out a pleasant country town ( . . . ). There is a grand church there, mostly late Gothic, of the very biggest type of parish church, romantic to the last extent, with its many aisles and chapels: wall-painting there and stained glass and brasses also: and tacked on to it an elaborate house, now the town hall, but built doubtless for lodging the priests who served the many altars in the church. I could have spent a long day there; ( . . . ). (apud. Mackail 1995: 18-19) 23 “The Art of the People” (1879), “The Beauty of Life” (1880), “Art and the Beauty of the Earth” (1881), “The Prospects of Architecture in Civilization” (1881), “The Aims of Art” (1886), são alguns exemplos do legado ensaístico de Morris a que me refiro. 41 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra Por outro lado, a atenção que dedicou à pintura, arte que considerava estar subordinada à arquitectura, adveio da convivência com Dante Gabriel Rossetti, tendo as experiências nessa área desempenhado um papel relevante no desenvolvimento da sua carreira no âmbito das artes decorativas. Trabalhos em vitrais coloridos, com formas precisas, bem definidas, maioritariamente com representações de ícones religiosos e destinados, por isso, à decoração de igrejas, constituíram outra das vertentes do vasto campo de acção a que Morris e o seu grupo se dedicaram (Parry 1996: 126). O casamento com Jane Burden despoletou a necessidade de encontrar um local onde pudessem viver de acordo com os seus gostos, acabando por se transformar no móbil de experimentação e concretização de muitas das ideias que Morris e o seu grupo tinham relativamente ao design e à confecção de tapeçarias e de mobiliário. A decoração da casa – Red House –, projectada por Philip Webb, foi assim a causa imediata da criação da firma Morris & Co., a que estiveram ligados, além de Philip Webb, os pintores pré-rafaelitas Burne-Jones, Rossetti e Ford Madox Brown. As actividades da firma incluíam tecelagem, tinturaria e pintura, actividades que requeriam oficinas espaçosas, ainda mais considerando que Morris executava todas as tarefas inerentes ao processo de confecção de cada uma das actividades referidas. A necessidade de espaço, aliada ao crescente desprezo de Morris pela degradação da cidade de Londres, apressaram a transferência da firma recentemente formada para a Red House, 42 Capítulo I assim Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra que a construção desta ficou concluída. O edifício de pedra de linhas simples, mas imponentes, não foi revolucionário em termos arquitectónicos, mas pode ser percepcionado como um precursor da ideia de simbiose entre a Fig. 3: Red House, Upton, Kent (1859-60) arquitectura e a natureza, antevendo as concepções de Frank Lloyd Wright (1867-1959) e Antoni Gaudí (1852-1926).24 Acima de tudo, constituiu-se como um símbolo e, simultaneamente, um móbil da concretização da noção do trabalho em conjunto, realizado com prazer. Todo o trabalho efectuado na casa de Morris, sugerindo cumplicidade e cooperação entre os vários ofícios, antecipou o modo como o “estilo Morris” se viria a popularizar entre a classe média no final do século XIX, e antecipou também a propagação do Movimento de Artes e Ofícios que começou nos anos 80 e que conferiria a Morris um papel ambivalente, simultaneamente de inspirador e de líder. Um novo público, interessado no modo como o mundo poderia ser remodelado, preocupado com a natureza e a honestidade dos materiais, começou a redecorar as suas casas de acordo com o “estilo morrisiano,” desenvolvendo-se assim o interesse pelas artes e ofícios.25 24 A aproximação que estabeleço entre Morris, Wright e Gaudí tem apenas em consideração a relevância que atribuíam ao elemento “natureza” na arquitectura, não a forma como o trabalhavam e o integravam, aspecto que os distancia. Para Wright e Gaudí, o orgânico era essencial, o que espelha a subordinação do seu trabalho arquitectural à natureza (Choay 1992: 31); no entanto, enquanto Wright desenvolvia a sua obra, o edifício, como mais um elemento no cenário natural envolvente, Gaudí transferia para o edifício e para os objectos as formas irregulares da própria natureza (cf. Solà-Morales 2000: 64). 25 Formaram-se várias associações com o objectivo de divulgar as artes e as ideias de Morris, entre elas a “Century Guild,” a “Art Workers’ Guild” e a “Arts and Crafts Exhibition Society” que se sediaram em Londres. C. R. Ashbee, inspirado na sociedade descrita em News from Nowhere, criou várias oficinas dirigidas por grupos de trabalhadores em Gloucestershire; e, em 1903, Ernest Gimson e Sidney Barnsley fundaram a Cotswold School nos arredores de Sapperton. Todas tinham em comum o objectivo de proporcionar ao povo uma vida mais bela (Coote 1996: 199-200). 43 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra Morris supervisionava todas as etapas que envolviam a criação dos diferentes produtos, desde a escolha dos materiais ao desenho e à confecção do que iria ser executado, com uma atenção e um perfeccionismo que o caracterizariam sempre. Dois dos princípios essenciais pelos quais ele se regia foram salientados por Mackail: “( . . . ) the first, that nothing should be done in his workshops which he did not know how to do himself; and the second, that every form of decorative art could be subsumed under the single head of architecture, and had only a real and intelligible meaning in its relation to the mistress-art” (Mackail 1995: 197-198). A arquitectura era assim percepcionada por Morris como a arte suprema, unificadora de todas as outras, um princípio que seria adoptado por Walter Gropius no âmbito da Bauhaus, e que terá conduzido Morris à luta pela protecção dos edifícios, nomeadamente ao contribuir para a fundação da Society for the Protection of Ancient Buildings (SPAB), uma das poucas actividades públicas em que se envolveu. No contexto desta sociedade criada com o objectivo de proteger os edifícios das possíveis tentativas de restauro, Morris descobriu o gosto por falar em público e por expor as suas ideias em palestras, actividade que abraçou vigorosamente desde 1877 até 1896, ano em que, já bastante debilitado, o seu corpo cedeu ao cansaço de uma vida dedicada à paixão pelo trabalho – “The amount of work he had already done in literature, in art, in politics, in handicraft, was enough to fill not one, but many lives“ (Mackail 1995: 267). Nos seus discursos manifestava preocupações a nível estético e a nível social, dava conta do progresso das actividades promovidas pela SPAB e apelava à melhoria da qualidade de vida do povo através da difusão da arte pelas classes 44 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra menos favorecidas, como se pode constatar neste passo de “The Prospects of Architecture in Civilisation” (1881):26 Until our streets are decent and orderly, and our town gardens break the bricks and mortar every here and there, and are open to all people; until our meadows even near our towns become fair and sweet, and are unspoiled ( . . . ); till all this happens our museums and art schools will be but amusements of the rich; and they will soon cease to be of any use to them also, unless they make up their minds that they will do their best to give us back the fairness of the Earth. (CW XXII: 138) Morris acreditava convictamente que a melhoria das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores era o primeiro passo para o renascimento da arte e, simultaneamente, que a mudança no design conduziria à mudança social. Ruskin havia aberto o caminho a Morris ao chamar a atenção para a necessidade de uma análise que tivesse em conta a interdependência entre a condição da arte e o estado da sociedade; daí que este aprendiz de arquitecto, depois pintor e poeta do movimento pré-rafaelita, tenha consagrado o fim da sua vida à militância socialista, vertente política em cuja terminologia e ideais revia os valores que defendera durante o seu percurso ao bater-se pela renovação da arte artesanal, a única que considerava pura e propagadora de verdadeiros valores comunitários. No entanto, ao contrário de Ruskin, Morris converteu-se num socialista activo, conciliando a sua faceta de artesão e designer com a de político, confessando as suas preocupações políticas e sociais também na correspondência que trocava com familiares e amigos. Na opinião de Michael Ragon, William Morris foi mesmo uma das personalidades mais marcantes do 26 As preocupações sociais de Morris reflectiram-se desde logo na atitude que tinha para com aqueles que trabalhavam nas suas oficinas: não só recebiam salários acima da média como usufruiam de condições de trabalho superiores às habituais naquela época (cf. Parry 1983: 9). 45 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra socialismo inglês no século XIX (Ragon 1983: 90). As áreas a que se dedicou foram tão diversas que Fiona MacCarthy registou a sua perplexidade com as seguintes palavras: “There is something almost suspect in this sheer range of activity. In an age of ever-narrowing specialization Morris’s versatility is difficult to grasp” (MacCarthy 1994: vii). Versatilidade, dinamismo e inovação foram aspectos que também caracterizaram o percurso de Walter Gropius. Contemporâneo de Mies van der Rohe (1886-1969), de Le Corbusier (1887-1965) e de Frank Lloyd Wright, o fundador da Bauhaus imbuiu as suas obras de um sentido de responsabilidade social que considerava inseparável do trabalho do arquitecto, característica que o afastou dos seus contemporâneos e o aproximou de William Morris. Dois anos depois de concluir o curso na Technische Hochschule, Gropius foi aceite, em 1907, como assistente no gabinete de Peter Behrens, onde viria a colaborar no projecto para uma fábrica de turbinas destinada à Allgemeine Elektrizitäts-Geselshaft (AEG) de Berlim. Esta experiência foi decisiva para o jovem arquitecto na medida em que, constituindo-se esse edifício como um marco do início de uma nova fase da arquitectura alemã, a participação no seu nascimento influenciou o desenvolvimento das suas ideias. A fábrica de turbinas foi considerada o primeiro edifício a reunir, de forma racional e exacta, os novos princípios dos edifícios industriais, promotores dos valores defendidos pela Werkbund (Busignani 1973: 14).27 Três anos mais tarde, Gropius decidiu abrir o seu próprio atelier, abandonando assim o gabinete onde havia iniciado a sua actividade profissional. 27 Alberto Busignani escreveu, em 1973, uma biografia sucinta dos momentos mais importantes da carreira de Walter Gropius e começou por chamar a atenção para o trabalho que este desenvolveu no gabinete de Peter Behrens, entre 1907 e 1910, período em que Behrens estava a trabalhar no referido projecto da fábrica de turbinas. 46 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra No entanto, foi o contacto com Peter Behrens, que também o havia influenciado a tornar-se membro da Werkbund, que despoletou algumas das preocupações de Gropius em relação à arquitectura, como ele próprio reconheceu: It was Behrens who first introduced me to logical and systematical coordination in handling of architectural problems. In the course of my association with the important schemes on which he was engaged, and frequent discussions with him and other prominent members of the Deutscher Werkbund, my own ideas began to crystallize as to what the essential nature of building ought to be. I became obsessed that modern constructional technique could not be denied the expression in architecture, and that that expression demanded the use of unprecedented forms. (apud. Naylor 1993: 36) Como membro da Werkbund, desde 1911, participou em debates sobre teoria da arquitectura e visitou exposições que contribuíram para o enriquecimento e o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos e, de certa forma, para a definição das suas prioridades a nível profissional. A sua concepção de arquitectura alicerçou-se na união entre duas vertentes que se poderiam considerar irreconciliáveis: a característica dos edifícios industriais da AEG, eregidos por Behrens, por um lado, e a do ruralismo bucólico que havia povoado a sua infância, por outro (Fiedler 2000: 188). Apologista da cooperação e do trabalho em equipa, Gropius aliou-se a Adolf Meyer, com quem elaborou alguns projectos ao longo dos primeiros quinze anos da sua vida profissional, de entre os quais se destacou a construção da fábrica Fagus. Este projecto, concebido em 1911 com base em materiais industriais como o metal e o vidro, e no recurso à técnica, foi a primeira grande obra assinada por aquele que viria a ser considerado o líder da arquitectura moderna. As obras concebidas por Gropius no período anterior à Primeira Guerra 47 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra Mundial são o expoente do funcionalismo ao serviço de uma indústria que se revelava cada vez mais interessada na produção e racionalização das tarefas (Rodrigues 1989: 21). Nesta sequência de ideias, Gropius escreveu no anuário da Werkbund de 1913: Os novos tempos exigem a sua própria expressão. Uma forma desenhada com exactidão, sem nenhum tipo de acaso, contrastes nítidos, ordem das componentes, a organização em série das partes similares e unidade de forma e cor: estas serão as bases estéticas do arquitecto moderno que estão em correspondência com a energia e a economia da nossa vida pública. (apud. Berdini 1986: 10) No entanto, como já foi abordado anteriormente, a experiência da Guerra viria a alterar significativamente o curso da sua actividade, mas não a sua crença na reconstrução social e no papel que acreditava que o arquitecto deveria ter nesse contexto. “Walter Gropius é um homem do outro pós-guerra,” afirmou Giulio Carlo Argan em Walter Gropius e a Bauhaus (1951), cuja “obra de arquitecto, teórico, organizador e director dessa admirável escola de arte que foi a Bauhaus é inseparável das condições históricas da república de Weimar e da frágil democracia alemã” (Argan 1990: 7). Neste período de instabilidade que assolou a Europa, Gropius “pôs em jogo toda a sua cultura figurativa e teórica, o seu destino de artista” (Argan 1990: 7); desafiou a angústia e a penumbra do pós-guerra ao defender programas que reflectiam o seu optimismo. Talento, ambição, inteligência, perspicácia, flexibilidade e capacidade de observação compunham a personalidade de Walter Gropius, que rapidamente se tornou num dos arquitectos mais conceituados da Alemanha do início do século XX, tendo por isso sido escolhido para suceder a Henry-Clément van de Velde (1863-1957) na Academia 48 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra de Weimar que posteriormente reorganizou, dando-lhe o nome de Bauhaus. Embora a sua actividade como arquitecto, educador e crítico se tenha estendido muito além dos oito anos em que esteve ligado à Bauhaus, foi o projecto que lá desenvolveu, o idealismo e o carácter empreendedor de que imbuiu os primeiros anos de vida daquela escola, que o tornaram mundialmente conhecido como revolucionário de uma época: “The lever with which Gropius moved the world was a design of another order: a great educational invention, the school of the Bauhaus” (Fitch 1960: 9). O trabalho de Gropius como arquitecto estendeu-se por meio século e ultrapassou os limites da fronteira alemã, podendo mesmo ser dividido em três etapas distintas, como aponta Lionel Richard: Une longue période allemande, marquée par sa direction du Bauhaus de 1919 à 1927 et par sa collaboration avec Adolf Meyer jusqu’en 1925. Puis, à partir de 1934, la difficile adaptation aux aléas de l’émigration en Angleterre et aux États-Unis. Et enfin, la guerre finie, la possibilité de renouer avec la construction, aux États-Unis et à l’étranger, y compris en République fédérale d’Allemagne. (Richard 1995: 12) O período da actividade de Gropius que é alvo de estudo nesta dissertação é apenas o compreendido entre 1919 e 1927; no entanto, será pertinente darmos conta de alguns dos momentos que abrangeram a sua actividade posterior, e especialmente realçarmos o facto de, ao longo de toda a sua vida, e apesar de todas as novas e diferentes circunstâncias a que teve de se adaptar, Walter Gropius se ter mantido fiel aos princípios iniciais que havia definido em 1914: “( . . . ) un type d’architecte créateur, libre et indépendant, sachant mettre à profit les capacités intuitives de l’artiste, et rompu à la connaissance des problèmes psychologiques rencontrés couramment par les familles” (Richard 1995: 13). 49 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra Obrigado a exilar-se em Inglaterra depois de os nazis terem tomado o poder na Alemanha, Gropius, que sempre havia tentado afastar a escola Bauhaus de qualquer conotação política, continuou a trabalhar naquilo em que acreditava: no desenvolvimento moral e social do indivíduo e na promoção da sua educação para a sensibilização estética. Durante os três anos em que viveu em Inglaterra (1934-1937), mediante um acordo estabelecido entre os arquitectos ingleses e os exilados alemães, Gropius associou-se a Maxwell Fry, com quem projectou algumas habitações e alguns edifícios públicos, de entre os quais se destacou o do Impington Village-College (1936), construído em Cambridgeshire.28 Argan descreveu esta primeira fase do exílio de Gropius como uma espécie de retorno às origens, ao local onde Ruskin e Morris haviam divulgado e defendido a função social da arte (Argan 1990: 90). O convite para dirigir a Graduate School of Design da Universidade de Harvard surgiu na Primavera de 1937 e, em Junho desse mesmo ano, Gropius mudou-se para os Estados Unidos, onde encetou uma colaboração com Marcel Breuer que o havia acompanhado na saída de Inglaterra.29 Foi durante os anos de permanência nos EUA (1938-1941) que a vertente de educador de Gropius, já revelada no tempo da Bauhaus de Weimar, se desenvolveu mais notoriamente, tornando-se Gropius admirado não só pela sua imagem de arquitecto inovador, mas também pela “figura do humanista, do professor, a imagem do que conduz os seus discípulos à descoberta de si próprios, de tudo o que nos rodeia e pertence ao homem e faz dinamizar em cada um a potencialidade criadora que em trabalho comum é capaz de transformar a sociedade” (Gropius 1975: 9). 28 Para uma apreciação de alguns dos projectos elaborados pela dupla Gropius-Fry sugere-se a leitura de Berdini 1986: 140-159. 29 Sobre o trabalho que Gropius efectuou juntamente com Breuer consultar Berdini 1986: 161-185. 50 Capítulo I Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra Preconizador incontestável de uma arquitectura adaptada às necessidades do homem do século XX, Gropius considerava a harmonia das formas um reflexo da harmonia social; “na sua obra, o rigor lógico adquire evidência formal: torna-se arquitectura, como condição directa da existência humana” (Argan 1990: 7). Detentor de uma enorme clareza pedagógica, Walter Gropius expôs e repetiu as suas concepções em inúmeras conferências, tal como William Morris havia feito ao longo de toda a sua vida. No capítulo seguinte, é parte desse legado ensaístico que será objecto de análise. 51 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Sempre acentuei ( . . . ) o outro aspecto da vida, no qual a satisfação das necessidades psíquicas é tão importante quanto as necessidades materiais, e no qual o propósito de uma nova concepção espacial é algo mais do que economia estrutural e perfeição funcional. Walter Gropius, “Do Método” Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Independentemente da forma que assumem, as manifestações artísticas caracterizam-se diferentemente ao longo dos tempos. São, nesse sentido, um veículo de transmissão cultural cujo estudo proporciona simultaneamente uma visita ao passado, uma viagem a tempos imemoriais, e um enriquecimento do presente – passível de ser moldado – e, por extensão, uma influência no futuro. William Morris e Walter Gropius, conscientes dessas potencialidades, defenderam a arte como bem essencial à vida e à evolução do homem dentro da sociedade, lutaram pela sua acessibilidade e pugnaram pela ideia de um trabalho manual que, realizado em harmonia e em cooperação, contribuiria para a propagação da beleza artística por toda a população: “( . . . ) art will no longer be an art of instinct, ( . . . ) it will not be an esoteric mystery shared by a little band of superior beings; it will be no more hierarchical than the art of past time was, but like it will be a gift of the people to the people, a thing which everybody can understand ( . . . )” (CW XXII: 133-134). Nos seus ensaios, Morris e Gropius apresentaram a arte como fruto da criação do homem, carregada de emoção e de sentido, destinada a oferecer qualidade ao dia-a-dia dos indivíduos; a arte não deveria ser um luxo ou privilégio dos ricos, como Morris defendeu em “The Prospects of Architecture in Civilization” (1881). Todos, desde os mais humildes aos mais abastados, deveriam ter direito a uma habitação digna onde se respirasse beleza e alegria; todos deveriam ter direito a usufruir de utensílios funcionais e belos. Para que a sociedade respirasse esse bem-estar seria necessário melhorar as condições em cada lar, em cada rua, em cada cidade, através de um trabalho conjunto e coeso que passaria pela valorização do ambiente de entreajuda e de cumplicidade que Morris e Gropius 54 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes encontraram no período medieval. Ambos olharam através das estruturas dos edifícios antigos para um passado distante que lhes poderia ensinar muito sobre a árdua tarefa de melhorar o presente e, posteriormente, contribuir para a emergência de um futuro mais promissor. Do ponto de vista de Morris a arquitectura havia adoecido com a perda do valor do trabalho individual decorrente da massificação industrial e com a destruição do património levada a cabo pelas correntes de restauro. Foi no âmbito da oposição a essas correntes que Morris integrou a Society for the Protection of Ancient Buildings (SPAB), no contexto da qual iniciou a carreira de orador, denunciando a degradação social e expondo as suas ideias em relação à arte de projectar edifícios. A este propósito, leia-se o seguinte passo do manifesto de abertura da referida sociedade escrito e proferido pelo próprio Morris em 1877: We think that those last fifty years of knowledge and attention have done more for their [ancient buildings’] destruction than all foregoing centuries of revolution, violence, and contempt. For architecture, long decaying, died out, as a popular art at least, just as the knowledge of medieval art was born. So that the civilised world of the nineteenth century has no style of its own amidst its wide knowledge of the styles of other centuries. From this lack and this gain arose in men’s minds the strange idea of the Restoration of ancient buildings; and a strange and most fatal idea ( . . . ). (Morris 1877: 52-53) O manifesto da SPAB denunciou o problema eminente do desaparecimento dos edifícios medievais, nomeadamente das igrejas, mas não apresentou qualquer solução; revelou-se, no entanto, o primeiro indício da reconciliação de Morris, aspirante a arquitecto na juventude, com as questões arquitectónicas (Miele 1996: 17-18). 55 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Morris visionava a arquitectura como o espelho da vida e manifestou desde cedo uma grande paixão pelos edifícios, como é possível apercebermo-nos não só pela leitura dos seus ensaios, mas desde logo pelo contacto com “The Story of the Unknown Church” (1856), um dos primeiros contos que escreveu. Neste conto, talvez influenciado pelas viagens que fizera a França, descreveu pormenorizadamente uma igreja já desaparecida num local que refere como “old beautiful land!” (NFN 5). A arquitectura medieval, especialmente a gótica, surgia assim como um modelo de autenticidade e de simplicidade que Morris gostaria de ver implementado na paisagem do seu tempo. Considerava que a arquitectura só poderia ser percepcionada como arte quando resultante da criação imaginativa do homem, elaborada simultaneamente com emoção e inteligência, como professou em “The Lesser Arts of Life” (1882) (cf. CW XXII 235). Posteriormente, viria a consolidar a sua crença no carácter insubstituível dos objectos e construções do passado, escrevendo em “The Revival of Handicraft” (1888): “( . . . ) the produce of all modern industrialism is ugly, and ( . . . ) whenever anything which is old disappears, its place is taken by something inferior to it in beauty” (CW XXII: 336). Apesar do evidente fascínio de Morris pelos edifícios e pela sua integração na paisagem quer urbana quer rural, não existe qualquer testemunho de que tenha definido uma teoria cientificamente sólida. Ao contrário do de Gropius, o conhecimento técnico que Morris detinha na área da arquitectura não era muito profundo, apesar do lugar de aprendiz que ocupou no gabinete de George Edmund Street durante quase um ano. As descrições arquitectónicas que encontramos nos ensaios de Morris são imprecisas, quase sempre tendendo para o bucólico, realçando essencialmente o ambiente em que o edifício se inseria e não os pormenores construtivos. Este aspecto leva-nos a concluir que as opiniões 56 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes que transparecem na ensaística morrisiana baseavam-se sobretudo nas emoções e não em fundamentações teóricas. De igual modo, o conhecimento que Morris evidenciava ter na área da arquitectura medieval seria um conhecimento passivo característico de quem lia histórias sobre a arquitectura, não de quem estava habituado a escrevê-las.1 No entanto, este aspecto não impede que as ideias de Morris sejam utilizadas como referência por vários arquitectos e teóricos contemporâneos em algumas das suas obras, como é o caso de Leonardo Benévolo e, mais recentemente, de Ignasi de Solà-Morales e de Josep Maria Montaner. Três décadas depois de William Morris ter escrito “The Arts and Crafts of Today” (1889), onde reafirmava a importância da criação de objectos de uso diário belos, resultantes do prazer na sua execução, Walter Gropius preparou para a Bauhaus um programa que ambicionava promover a formação de “pessoas com talento artístico para serem designers na indústria, artesãos, escultores, pintores e arquitectos” (Gropius 1972: 37-38). Gropius pretendia que essa formação se desenvolvesse dentro de um espírito de integração que apostasse na união humana sem que as características individuais fossem anuladas, como aliás já havia defendido no “Programm” publicado juntamente com o “Manifesto” em 1919 (cf. PB, 9-10). Foram muitos os que se sentiram atraídos pelas ideias expostas no “Manifesto” e no “Programm” de Gropius, principalmente aqueles que haviam combatido na Grande Guerra, que nele haviam visto um propósito, uma causa e 1 As observações ao longo deste parágrafo devem-se essencialmente à leitura da “Introdução” da obra de Chris Miele, onde o autor estabelece algumas comparações entre as intervenções de Morris e as de Street relativamente à arquitectura, revelando o seu cepticismo em relação ao conhecimento técnico de Morris nessa área (cf. Miele 1996: 6-24). 57 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes um modelo de comunidade que lhes poderia proporcionar um novo modo de vida, aquilo de que necessitavam depois do trauma do conflito mundial. Era um novo meio de difusão do pensamento artístico baseado numa comunidade de artistas e de criadores onde, à semelhança da brotherhood morrisiana, se apelava ao regresso ao artesanato e onde prevalecia um forte espírito de cumplicidade. A cooperação humana espelhava o apelo à união das diferentes artes, que Gropius considerava fundamental para que se criasse o “edifício do futuro”: Architects, sculptors, painters, we must all turn to the crafts! Art is not a profession. There is no essential difference between the artist and the craftsman. The artist is an exalted craftsman. In rare moments of inspiration, moments beyond the control of his will, the grace of heaven may cause his work to blossom into art. ( . . . ). Together let us conceive and create the new building of the future, which will embrace architecture and sculpture and painting in one unity and which will rise one day toward heaven from the hands of a million workers like the crystal symbol of a new faith. (MB, 9) O “Programm des Staatlischen Bauhauses” assumiu-se como um “projecto com uma dinâmica de profecia,” definindo-se nele o “terreno espiritual” em que os líderes da Bauhaus se movimentavam (Rodrigues 1989: 37); estabeleceu o programa e os objectivos principais da nova escola, realçando a importância da arquitectura e a necessidade de fusão das artes, como é possível entender-se pela leitura do passo acima citado. A acompanhar o “Manifesto” e o “Programm” encontrava-se uma xilogravura de Lyonel Feininger2 (Fig. 5) representando uma catedral, assumida 2 Lyonel Feiniger (1871-1956), um dos revolucionários que apoiara as concepções anarquistas que haviam proliferado na Alemanha do pós-guerra, foi convidado por Walter Gropius a integrar o corpo docente da Bauhaus, onde exerceu actividade de 1919 a 1925. 58 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes como símbolo de uma nova filosofia de estrutura. Três raios de luz convergem no cimo da torre, três artes – Pintura, Escultura e Arquitectura – que se unem, cooperando na criação de uma realidade artística coesa que reflectia o espírito de comunidade que a Bauhaus pretendia promover. É ao artigo de Wilhelm Worringer, “Problemas da Forma da Arte Gótica” (1912), que se deve a emergência do simbolismo associado à catedral.3 Feininger não foi o único autor a utilizar a imagem de Fig. 4: “A Catedral” (1919) uma torre de catedral gótica; também Bruno Taut, por exemplo, recorreu à mesma figura para ilustrar a capa do seu livro Die Stadtkrone (1917) (Droste 1994: 19) e poucos anos depois eternizou no papel a idealização de uma estrela com a forma de uma catedral que intitulou de “Domstern” (Fig. 5). Adolf Behne e Karl Scheffer, dois importantes críticos alemães Fig. 5: “Domstern” (1919) de arquitectura, consideram a catedral uma 3 De acordo com Wilhelm Worringer, a catedral é a expressão mais forte do sentimento medieval: “[a] ( . . . ) vontade criadora gótica ( . . . ) surgiu a partir das necessidades da história universal; ela exprime-se tão poderosa e claramente no mais pequeno fragmento de roupa gótica como numa grande catedral” (Worringer 1911: 15). A catedral foi também o edifício escolhido por William Morris como cenário do já referido conto “The Story of the Unknown Church”, um local idílico onde, em tempos passados, uma catedral de características marcadamente francesas se impusera como “símbolo de fertilidade” (MacCarthy 1994: 88). 59 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes alegoria de Gesamtkunstwerk (união total da obra de arte), conceito debatido por Richard Wagner em Arte e Revolução (1849), e simultaneamente um símbolo de unidade social (Droste 1994: 19). Nesta sequência de ideias, a catedral presente na xilogravura de Feininger foi também percepcionada como “Catedral do Socialismo,” uma vez que o trabalho desenvolvido na Bauhaus e o ambiente que lá era promovido podiam ser identificados com os das sociedades ditas socialistas, como apontam as palavras de Bernd Faulenbach: “Such orientation fits the fact that the Bauhäusler – at least in the beginning – felt obliged not to the bourgeois cult of genius but to the idea of a socialist society” (Fiedler 1995: 51).4 Walter Gropius rodeou-se de artistas como Lyonel Feininger, Paul Klee (1879-1940), Wassily Kandinsky (1866-1944) e Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946) que assumiram a função de desenvolver e impulsionar o processo criativo nas diferentes oficinas que integravam a escola. Além das oficinas de cerâmica, carpintaria, pintura, escultura, metalurgia e tecelagem, onde o artesanato era promovido, a Bauhaus integrou também oficinas de teatro, de tipografia e de fotografia, tendo sido o desenvolvimento das duas últimas posterior ao período de Weimar, após a mudança da escola para Dessau.5 Sob a égide do seu sonho, ainda com um programa pouco definido, Gropius conseguiu reunir um grupo de artistas revolucionários da época e que actualmente conhecemos como grandes 4 Bernd Faulenbach, no artigo “Bauhaus and Labor Movement in the Political and Cultural Discussion during the Weimar Republic,” integrado na edição de Jeannine Fiedler (1995), fez uma análise crítica relativamente à conduta política da Bauhaus, afirmando ser possível a existência, na fase inicial da escola, de uma certa aproximação às ideias socialistas (cf. Fiedler 1995: 49-55), embora, como referi no Capítulo 1 desta dissertação, Gropius tenha desde sempre tentado afastar qualquer conotação política da sua escola. Sobre a relação da Bauhaus com partidos e ideologias políticas, cf. também Droste 1994: 48-51 e 113-114. 5 O trabalho desenvolvido em cada uma das oficinas da Bauhaus é pormenorizadamente apresentado na obra de Magdalena Droste (Droste 1994: 68-104) e na edição de Jeannine Fiedler (Fiedler 2000: 402-497). 60 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes mestres do século XX, como é o caso de Feininger, Klee ou Kandinsky. O modo como esses artistas lidaram com as noções de estrutura, cor, espaço e forma influenciou verdadeiramente o trabalho aí executado. A Bauhaus de Weimar encontrava-se assim profundamente marcada por uma concepção romântica onde artista e artesão se confundiam, uma vez que “o artista [era] visto numa perspectiva metafísica do criador do Belo, alheio à evolução materialista do modelo industrial” (Rodrigues 1989: 18). Esta concepção, que se intensificou com a presença de Johannes Itten (1888-1967)6 na escola, é perfeitamente identificável com a perspectiva morrisiana, como podemos constatar pelo seguinte passo de “The Prospects of Architecture in Civilization”: When a man turned the wheel, or threw the shuttle, or hammered the iron, ( . . . ) he was expected to make a work of art ( . . . ), he might attain to making a work of the greatest beauty: this was felt to be positively necessary to the peace of mind both of the maker and the user; and this is it which I have called Architecture: the turning of necessary articles of daily use into works of art. (CW XXII: 144) Tal como Morris, também Gropius considerava a arquitectura o fim de toda a actividade criativa, possível apenas pela união das diferentes artes. Poderá parecer contraditório fazer coincidir a imagem do autor de um projecto como o da fábrica Fagus, cuja concepção se baseou no corte radical com o estilo e materiais 6 Pintor e pedagogo, Johannes Itten marcou fortemente a Bauhaus de Weimar. Começou por ser convidado por Gropius para discursar na sessão inaugural da Bauhaus, tendo posteriormente sido responsável pela criação do curso preparatório que todos deveriam frequentar antes de serem admitidos na escola. Itten promoveu o estudo de objectos naturais e materiais, pois considerava que assim se podia apreender o que de contraditório existia em cada um dos materiais; deste modo, incutia nos alunos a necessidade de se “viver a obra de arte,” de se absorver a sua essência. Itten demitiu-se em Abril de 1923 no seguimento de diversos conflitos com Gropius. Com a sua demissão abriu-se caminho para uma nova filosofia de ensino que se concretizou mais tarde em Dessau. A metodologia da intuição que havia promovido, bem como a valorização do artesanato e da tradição a que havia dado ênfase, foram postas de lado sendo substituídas gradualmente pela criação de produtos capazes de responder às necessidades industriais. 61 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes do século XIX, com a do promotor de guildas e associações de artesãos e catedrais medievais, mas o facto é que tal se verifica. Walter Gropius promoveu diversos paralelismos entre os ideais medievais relativamente à arte presentes em William Morris e o que ele considerava ser o papel da arquitectura na sociedade. Na sua perspectiva, era da responsabilidade do arquitecto proporcionar a todos e de igual modo o acesso a objectos de arte que fossem simultaneamente úteis e imaginados e produzidos no âmbito de uma comunidade coesa e cooperativa. O modelo para esta comunidade foi encontrado por Gropius, tal como antes havia sido por Morris, na sociedade medieval: [No] nosso campo de operação não há regras para o trabalho em conjunto, a não ser que voltemos à Idade Média para estudar as corporações de ofícios dos mestres-construtores das grandes catedrais. O mais surpreendente na organização destas guildas era o facto de que, até meados do século XVIII, cada artesão, participante na obra, podia não apenas executar, mas também projectar a parte que lhe cabia ( . . . ). Quase nunca existiam projectos no papel; o grupo de trabalho vivia junto, discutia a tarefa comum e transpunha as ideias directamente para o material. (Gropius 1972: 125-126) Como já foi referido, Gropius pretendia divulgar o trabalho de equipa e a percepção das várias artes como um todo coeso e complementar, pois só assim considerava ser possível produzir-se em proveito da sociedade: “Architects, painters, and sculptors must recognize anew the composite character of a building as an entity. Only then will their work be imbued with the architectonic spirit that it lost when it became a ‘salon art’.” (MB, 9). O edifício era assim visto como uma entidade que reunia toda a actividade artística, desde o design à construção, uma interdisciplinaridade que continua a ser característica da criação contemporânea (cf. Roqueta 2002:69). 62 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Algumas décadas depois de ter escrito o Manifesto, Gropius reafirmou a teoria de unidade e de cooperação que considerava essencial na Bauhaus: “It was created to show how a multitude of individuals, willing to work concertedly but without losing their identity, could evolve a kinship of expression in their response to the challenges of the day. Its aim was to give a basic demonstration of how to maintain unity in diversity”7 (Gropius 1968: 51). A semelhança com William Morris é evidente, pois também ele havia defendido o trabalho em conjunto sem prejuízo da criatividade individual, reconhecendo que a cooperação entre as diferentes artes era propícia à criação de objectos e edifícios naturalmente belos. Só com essa cooperação existiria a arquitectura: The word Architecture has, I suppose, to most of you the meaning of the art of building nobly and ornamentally. ( . . . ) noble as that art is by itself, and though it is specially the art of civilization, it neither ever has existed nor never can exist alive and progressive by itself, but must cherish and be cherished by all the crafts whereby men make the things which they intend shall be beautiful ( . . . ). It is this union of the arts, mutually helpful and harmoniously subordinated one to the other, which I have learned to think as Architecture ( . . . ). (CW XXII: 119) Neste sentido, a catedral desenhada por Lyonel Feininger simbolizaria para Gropius a visão cooperativa dos diferentes artífices. Todos, desde o arquitecto aos trabalhadores de construção, deveriam trabalhar em conjunto para que a obra nascesse. A catedral, associada ao estilo gótico medieval valorizado e promovido 7 Em itálico no original. A ideia de unidade e de cooperação expressa no passo citado é recorrente na ensaística de Gropius, como podemos constatar pelos exemplos seguintes: “My own approach, from the Bauhaus days on, has always been ( . . . ) to say “and” instead of “either-or”, thus seeking unity in diversity as the desirable aim.” (“The Inner Compass”, discurso proferido na festa de celebração do seu 75º aniversário, em 1958, Gropius 1968: 18); “We know, after all, that diversity in unity, not conformity, constitutes the fabric of democracy.” (“Unity in diversity”, Gropius 1968: 22); “( . . . ) this idea of the fundamental unity underlying all branches of design was my guiding inspiration in founding the original Bauhaus” (apud. Farr 1984b: 311). 63 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes por John Ruskin e posteriormente pelo seu fiel discípulo William Morris, era assim utilizada para promover a arte do futuro. O estilo gótico caracteriza-se essencialmente pelos edifícios que se elevam infinitamente em direcção ao céu, um desenvolvimento em altura no sentido de um ponto máximo para o qual as suas forças se orientariam num desejo de desenvolver uma reunião artística, representada na xilogravura de Lyonel Feininger pela convergência dos raios de luz e das estrelas no cimo da catedral. A apologia da união das artes através de um símbolo gótico poderia indiciar a presença desse estilo no movimento Bauhaus, mas tal não se verificou. No entanto, as formas góticas têm por base o estilo geométrico8 – que também caracteriza os trabalhos da Bauhaus –, uma presença camuflada de um elemento fundamental em William Morris. O espaço gótico, pelo seu esplendor e beleza aliados à simplicidade das formas e ao modo como elas se coadunam em harmonia, proporciona um sentimento de vertigem que, na minha opinião, pode verificar-se de igual modo quando se observam nos edifícios de Gropius as linhas rectas a perder de vista. A catedral, elemento claramente religioso, assumiu-se como símbolo de uma nova fé na arte e na sociedade, reflectindo um desejo de mudança e simultaneamente a esperança de concretização de um ideal. Transformação e mudança eram também as palavras de ordem de William Morris que, no século anterior, pretendera, através do apelo a uma mudança social, revolucionar a arte 8 Sobre o assunto, Wilhelm Worringer explica: “A base sobre a qual se desenvolvem as intenções formais góticas é o estilo geométrico, tal como este se disseminou por toda a Terra enquanto estilo do homem primitivo; ( . . . ) o grande poder futuro da Idade Média, a arte gótica, se desenvolveu com base no estilo geométrico ariano” (Worringer 1911: 44-45). Embora os estilos gótico e o que caracteriza os edifícios da Bauhaus não sejam comparáveis é interessante notar o facto de ambos terem por base a geometria das formas. 64 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes e o modo de perspectivar a relação do homem com o trabalho. Morris encontrara na época medieval o modelo para essa relação, como foi referido anteriormente, e considerava o trabalho essencial à vida e à felicidade, uma ideia que apreendera da doutrina de Carlyle,9 e que aprendeu a pôr em prática durante a sua vida: “( . . . ) every day the hammer chinked on the anvil, and the chisel played about the oak beam, and never without some beauty and invention being born of it and consequently some human happiness” (CW XXII: 42). No entanto, foi a Ruskin que deveu o modo criativo de perspectivar o trabalho, interligando-o com a arte. A obra de Ruskin, especialmente The Stones of Venice, fornecera a Morris os elementos essenciais para a formação de uma teoria que conjugava elementos de análise artística e social que, de certa forma, se viu reflectida na obra de Walter Gropius e na Bauhaus de Weimar. Ruskin, para quem a arte deveria revelar a Beleza e a Verdade universais, havia reflectido sobre a importância e necessidade da criatividade no trabalho, considerando que à componente mecânica e física se deveriam associar o trabalho intelectual e o moral, pois a separação destas componentes implicaria a destruição e a diminuição de ambos: “You must either make a tool of the creature or a man of him” (apud. Thompson 1976: 35). Este aspecto está patente em Morris e, do meu ponto de vista, foi igualmente defendido por Walter Gropius uma vez que, à semelhança de Morris, Gropius reforçou a importância da manifestação do poder imaginativo e criativo do homem, nomeadamente como 9 A Carlyle devem-se afirmações que reflectem a valorização do trabalho manual, como: “All true Work is sacred; in all true Work, were it but true hand-labour, there is something of divineness,” e outras que realçam as suas consequências positivas no carácter humano, como: “A man perfects himself by working,” onde revela claramente a sua opinião em relação ao trabalho (apud. Thompson 1976: 32). 65 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes estratégia de combate à uniformização e à despersonalização industriais (cf. Gropius 1972: 21). Gropius promoveu também a fusão do artista com o artesão: “There is no essential difference between the artist and the craftsman. The artist is an exalted craftsman. In rare moments of inspiration, moments beyond the control of his will, the grace of heaven may cause his work to blossom into art.” (MB, 9). Não seguem estas palavras de Gropius a ideia proferida por Morris em “Art or no Art? Who shall settle it?”? – “( . . . ) for all craftsmen were more or less artists, and could not help adding beauty to the goods they made” (Morris 1884b: 19). A arte teria como objectivo a felicidade do homem, proporcionar-lhe beleza e prazer no trabalho e na vida, como defendera Morris: “( . . . ) the Aim of Art is to increase the happiness of men, by giving them beauty and interest of incident to amuse their leisure, and prevent them wearying even of rest, and by giving them hope and bodily pleasure in their work” (CW XXIII: 84). Nesta sequência de ideias, a arte era compreendida como um bem essencial. Gropius defendeu os mesmos valores ao considerar que a criatividade artística seria alimentada pela beleza e pela qualidade se estas estivessem presentes em todas as camadas sociais (cf. Gropius 1968: 10). Ainda a este propósito parece-me pertinente realçar o seguinte passo de “Apollo in the Democracy” (1956): In a long life I have become increasingly aware of the fact that the creation and love of beauty not only enrich man with a great measure of happiness but also bring forth ethical powers. An age which does not give this love for beauty sufficient room remains visually underdeveloped ( . . . ).10 (Gropius 1968: 4) 10 Em itálico no original. 66 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Na óptica de Gropius, a beleza havia sido negligenciada pela presença obsessiva da máquina e pela tendência do homem para recorrer descontroladamente a esse elemento de produção, dificultando mesmo a capacidade de discernimento dos indivíduos em relação ao que seria de qualidade: “Our apologia is that the rapid progress of technology and science has confounded our concepts of beauty and the good life; as a result, we are left with loose ends and a sense of helplessness in the midst of plenty.” (Gropius 1968: 23). Seguidor convicto dos princípios ruskianos, William Morris rejeitou veementemente os valores da era industrial característicos do período vitoriano, defendendo a produção artística pelo povo e para o povo: “art which is to be made by the people and for the people, as a happiness to the maker and the user.”11 Morris possuía uma acentuada consciência social e acreditava, tal como o faria Gropius, que o artista tinha responsabilidades cruciais em relação à sociedade. Através do seu trabalho, o artista deveria promover uma arte que fosse acessível a todos, proporcionando a evolução do homem. No caso particular de Morris, é inevitável apercebermo-nos da contradição existente entre o que ele acreditava ser a arte democrática, isto é, acessível a todos independentemente das condições social e financeira em que 11 Esta ideia é recorrente em diversos ensaios de Morris, constituindo um dos pilares basilares da sua filosofia: “Then having leisure from all these things, ( . . . ): men will then assuredly be happy in their work, and that happiness will assuredly bring forth decorative, noble, popular art.” (“The Lesser Arts” 1877, CW XXII: 26-27); “That thing which I understand by real art is the expression by man of his pleasure in labour. ( . . . ) with that seed would be sown also the seed of real art, the expression of man’s happiness in his labour – an art made by the people, and for the people, as a happiness to the maker and the user.” (“The Art of the People” 1879, CW XXII: 42, 46); “if art ( . . . ) is to live and not die, it must in the future be of the people for the people, and by the people;” (“The Prospects of Architecture in Civilization” 1881, CW XXII: 133). 67 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes viviam os indivíduos, e o custo do que era produzido nas suas oficinas. O recurso exclusivo a técnicas artesanais e a morosidade do trabalho que aí se efectuava encareciam os produtos que, por isso, eram maioritariamente adquiridos pelos que tinham mais posses e que, ironicamente, proporcionavam a sobrevivência do design. No entanto, esse aspecto não impediu Morris de continuar a discursar, defendendo os valores em que acreditava: “I wish people to understand that the art we are striving for is a good thing which all can share, which will elevate all,” confessou em “The Art of the People” (CW XXII: 39), e numa das suas primeiras palestras – “The Lesser Arts” (1877) – havia já professado: “I do not want art for a few, any more than education for a few, or freedom for a few” (CW XXII: 26). Walter Gropius, no início do século seguinte, viria a defender uma ideia análoga ao pretender estender a todos o acesso à Bauhaus e ao promover o desenvolvimento de um projecto que implicava a anulação das distinções entre as classes, factor inibidor do espírito artístico. A este propósito, importará recordar o seguinte passo do “Manifesto”: “Let us create a new guild of craftsman, without the class distinctions that raise an arrogant barrier between craftsman and artist” (MB, 9). Embora, neste contexto, a defesa da abolição da distinção entre classes e, consequentemente, a promoção da igualdade entre os diversos membros da comunidade se refiram directamente ao campo da arte, penso que podem ser transpostas para o campo da sociedade em geral uma vez que, de acordo com Morris e Gropius, a arte reflecte o ambiente social em que se desenvolve, como referiu William Morris em “The Aims of Art”: “( . . . ) art is and must be, either in its hollowness or its barreness, in its sincerity or its superficial way, the expression of the society amongst which it exists” (CW XXIII: 84). Em 1953 Gropius aludiu ao mesmo aspecto quando apontou a interdependência entre desenvolvimento 68 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes cultural e artístico e o desenvolvimento social: “Ideas of cultural import cannot spread and develop any faster than the society which they seek to serve” (apud. Naylor 1973: 7). Para Gropius as questões sociais assumiam uma importância central. O bem-estar da população deveria ser prioritário; as condições em que o trabalho era desenvolvido, factores determinantes das características e estruturas sociais na perspectiva de Gropius, desempenhavam nesse âmbito um papel muito importante, como é possível inferir-se da seguinte afirmação: “Contra as imitações, contra o trabalho medíocre e o diletantismo das artes aplicadas, a Bauhaus luta por uma nova qualidade de trabalho.”12 Um dos objectivos pedagógicos da Bauhaus era, pois, promover a criação de condições dignas não só de habitação, mas também de trabalho, uma ideia que se popularizou durante o período de crise do pós-guerra. Compreende-se então que esta escola artística se tenha direccionado para os problemas prementes da habitação que afectaram a Alemanha nessa época, concentrando-se em desenvolver alternativas que permitissem solucionar esses problemas, ultrapassando assim as fronteiras que a haviam instituído como escola de arte (cf. Fiedler 1995: 41-45). Neste sentido, para todos os que se encontravam ligados à Bauhaus, a apologia de uma nova arquitectura não era um luxo, mas uma necessidade para o povo, como havia sido anunciado no “Manifesto.” A grande tónica da Bauhaus era, pois, a arquitectura, daí o seu objectivo primordial ter sido a reunião de todas as artes 12 Tradução livre de: “Contre les succédanés, contre le travail médiocre et le dilettantisme des arts appliqués, le Bauhaus lutte pour une nouvelle qualité de travail." (Gropius 1923: 40). Parece-me oportuno citar um passo de “Some Hints on Pattern-Designing” pela semelhança de conteúdo com a referida afirmação de Gropius: “( . . . ) I will never address my countrymen on the subject of art without speaking as briefly, but also as plainly as I can, on the degradation of labour which I believe to be the great danger of civilization, as it has certainly proved itself to be the very bane of art” (CW XXII 202). 69 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes sob a sua égide: “The Bauhaus strives to reunite arts and crafts – sculpture, painting, applied art, and handicrafts – as the permanent elements of a new architecture” (MB, 9). O impacto e relevância da arquitectura haviam sido inquestionáveis já no período vitoriano em que Morris vivera, pois vigorava a consciência da impossibilidade de o homem não ser afectado pelo ambiente que o rodeava e a co-responsabilização da comunidade não podia ser negada, como o próprio Morris realçou em “The Prospects of Architecture in Civilization”: “( . . . ) I entreat you to turn your minds to thinking of what has come of Architecture, that is to say, the fairness of the earth amidst the habitations of men: for the hope and the fear of it will follow us though we try to escape it; it concerns us all, and needs the help of all” (CW XXII: 120). Era impossível ignorar alguns edifícios eregidos sob os ícones do capitalismo e da industrialização, “monstruosidades híbridas” consideradas por Morris e pelo seu grupo como marcas inegáveis da degradação do espírito humano (Thompson 1976: 27). Como já tive oportunidade de salientar, William Morris manifestou nos seus ensaios preocupações diversas em relação à arte e à degradação da sociedade, preocupações artísticas e sociais que se verificam de modo semelhante em Gropius, apesar das diferenças inerentes à distância temporal dos contextos em que se inserem. O fundador da Bauhaus defendia uma aproximação constante da sua escola aos assuntos reais, o que reflecte e realça o compromisso que mantinha com a sociedade, procurando essencialmente promover a melhoria das condições de trabalho da classe operária de forma a que o trabalho individual fosse valorizado. 70 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Por seu lado, algumas das preocupações prioritárias de Morris em relação à sociedade diziam respeito aos aglomerados de barracas junto dos centros industriais onde a maioria dos trabalhadores vivia, e à necessidade da implementação de uma arquitectura construída não com o objectivo da mera obtenção de lucro ou de expressão de status, mas com a finalidade de dar prazer e alegria aos seus utilizadores (Thompson 1977: 2). Como artista, Morris defendeu o retorno à arte medieval, a um estilo autêntico e simples, artesanal, com o qual Gropius se identificou em 1919: Simplicity of life, even the barest, is not a misery, but the very foundation of refinement ( . . . ). And then from simplicity of life would rise up the longing for beauty, which cannot be dead in man’s souls, and we know that nothing can satisfy that demand but Intelligent work rising gradually into Imaginative work; which will turn all “operatives” into workmen, into artists, into man. (CW XXII: 150152) O apelo de Morris para que a arte se despojasse do luxo foi renovado por Gropius quando este reafirmou a necessidade de “simplicidade na diversidade” (Rodrigues 1989: 119), embora a natureza e os materiais dos objectos criados fossem diferentes. Todas as artes se deveriam pautar pela autenticidade implícita na simplicidade que caracterizaria as criações artísticas, quer se tratasse de um edifício quer de um artigo de uso diário de pequenas dimensões como uma cadeira. Os valores que regiam a arquitectura deveriam assim ser aplicados de igual modo ao design de objectos utilitários, residindo a diferença na proporção do projecto e não nos princípios orientadores. Esta era uma das linhas de força determinantes do pensamento de Gropius quando pretendeu revitalizar o estatuto 71 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes do design na Bauhaus através da implementação de um programa pedagógico que promovesse a criatividade, como ele apontou: “In short, the purpose of the Bauhaus was not to propagate any style, system, or dogma, but to exert a revitalizing influence on design. We sought an approach to education which would promote a creative state of mind and thus help reestablish contemporary architecture and design as a social art” (Gropius 1968: 29). Um dos objectivos de Morris foi também sensibilizar a população para a importância do design dos objectos de uso diário que, tal como uma pintura ou uma escultura, deveriam ser criados com inteligência e imaginação. A este propósito afigura-se oportuno citar um passo de “The Lesser Arts of Life” que decerto Gropius subscreveria: ( . . . ) if our houses, our clothes, our household furniture and utensils are not works of art, they are either wretched makeshifts or, what is worse, degrading shams of better things. ( . . . ) Again, whatsoever art there is in any of these articles of daily use must be evolved in a natural and unforced manner from the material that is dealt with: ( . . . ); the brain that guides the hand must be healthy and hopeful, must be keenly alive to the surroundings of our own days, and must be only so much affected by the art of past times as is natural for one who practises an art which is alive, growing, and looking toward the future. (CW XXII: 239-240) Nesta palestra, Morris também analisou a situação em que se encontravam alguns ofícios, entre eles a olaria, a cerâmica e a tecelagem, que na sua opinião careciam de desenvolvimento e de estímulo para serem postos em prática mais eficazmente. “I am myself an ornamentalist, a maker of would-be pretty things” (CW XXII: 294) – assim, se definiu Morris e assim o podemos percepcionar como artista e como designer inovador, dois aspectos obrigatoriamente interdependentes, uma vez que o designer é um artista, seguindo a linha de 72 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes pensamento comum a Morris e a Gropius. Na verdade, a separação entre o trabalho do arquitecto e o do designer de utensílios não fazia qualquer sentido dentro de uma filosofia de complementariedade das artes. A Red House (1859), descrita por Dante Gabriel Rossetti como “more a poem than a house” (Cumming 1995: 16), foi o primeiro edifício a ser construído e decorado nesse espírito de colaboração entre artista e arquitecto, dando a Morris oportunidade de concretizar muitas das suas ideias relativamente à confecção de tapeçarias, à criação de papéis de parede, e à idealização de mobiliário, cujas cores e motivos revelavam a nostalgia que o seu criador sentia em relação ao passado. William Morris consagrou-se assim como pioneiro na arte do design, uma linguagem propícia à exteriorização da capacidade imaginativa e intelectual do artista responsável pela execução de objectos belos porque concebidos com verdadeiro prazer e emoção. Tendo em conta estes aspectos que envolveriam a produção artística, não será difícil compreender-se o ponto de vista defendido por Morris quando afirma em “The Lesser Arts” (1877) que o design não era ensinável no âmbito de uma escola; esta teria apenas como função fornecer os instrumentos necessários ao desenvolvimento de uma aptidão natural do indivíduo (cf. CW XXII: 20). O programa de Gropius para a Bauhaus ecoou o mesmo pressuposto quando nele se lê: “Art in itself is beyond all methods; it cannot be taught” (PB, 9). Ainda revelador da identificação do fundador da Bauhaus com a perspectiva morrisiana apresentada é o facto de, num dos seus ensaios posteriores, Gropius referir a arte como algo que emana “da graça da súbita ideia pessoal”, acrescentando: “Ela não é ensinável. O ensinável consiste em demonstrar a influência que luz, espaço, proporção, forma e cor exercem sobre a psique humana” (Gropius 1972: 50). 73 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes O conhecimento dos domínios da forma e da cor, da gramática da composição, a espontaneidade e a intuição eram considerados aspectos essenciais para a criação de verdadeiras obras de design, pois a beleza das obras residia nas “leis invisíveis” intrínsecas à “vontade criadora” e não nas características da matéria que lhes dava corpo, um mero veículo necessário à manifestação artística (cf. Gropius 1911: 24).13 Na Bauhaus, as formas elementares da natureza e as cores primárias foram sendo transformadas no ponto de partida do design de objectos e padrões (Droste 1994: 58), à semelhança do que Morris havia fomentado ao transpor para as suas tapeçarias e papéis de parede padrões idealizados a partir de formas facilmente identificáveis na paisagem natural e que conferiram um carácter único aos seus produtos, como Linda Parry salientou: As a designer and manufacturer he was unique both in the context of Victorian traditions and the wider study of textile history. A pattern-maker of genius, he explored techniques in order to get the best from his designs in colour, composition and texture. He revived long forgotten techniques of dyeing, printing and weaving and, in his workshops, revitalized medieval traditions of the designer-craftsman. He restored the status and self-respect of the textile designer, printer and weaver, sunk in the doldrums of the Industrial Revolution. (Parry 1983: 6) As tapeçarias eram parte fundamental da decoração de interiores, constituindo-se cada uma delas como uma obra de arte plena de vida, reveladora do talento do seu criador. “Bird” (1878), “Acanthus” (1880), “The Strawberry Thief” (1883) e “The Forest” (1887), testemunhos desse talento inquestionável, revelam 13 Sobre a importância do estudo dos materiais para a execução de obras de artesanato cf. também Roqueta 2002: 70. 74 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes a harmonia e o equilíbrio no tratamento das formas e na escolha das cores que dão vida a todos os elementos da fauna ou da flora que compõem as tapeçarias. A irregularidade das linhas presentes na natureza foram captadas e conjugadas por Morris em simetrias sublimes, padrões que se repetem como que reflectindo pedaços de uma paisagem admirando-se ao espelho (cf. Fig. 6, Fig. 7 e Fig. 8). A forma Fig. 6: “The Bird” atenta como Morris observava a natureza e a habilidade com que transmitia para as obras a sua interpretação esteve indubitavelmente na base do seu sucesso como designer, concretizando assim o que Ruskin idealizara ser o papel de um designer, o que “pensa” os produtos e o que os “confecciona” reunidos na mesma pessoa. A atitude pioneira de Morris transformou-o numa fonte de inspiração Fig. 7: “Acanthus” intemporal e, embora a sua contribuição para o desenvolvimento do design no século XX seja por vezes questionada, é inegável que o trabalho que promoveu conduziu à valorização dos produtos e das condições de manufactura (cf. Parry 1983: 9). Fig. 8: “The Strawberry Thief” 75 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Morris sempre se assumiu como o principal criador dos padrões produzidos pela sua firma; no entanto, a execução das obras estava maioritariamente a cargo de elementos do sexo feminino, nomeadamente da sua filha May Morris, a quem pertencem alguns dos exemplares mais belos produzidos pela Morris & Co. (Fig. 9). Situação análoga viria a impor-se na Bauhaus, onde Gunta Stolzl se destacou como líder da oficina de tecelagem, uma das mais produtivas da escola. No âmbito das oficinas Fig. 9: Painel desenhado por May Morris, May Morris, c. 1895 da Bauhaus foi promovida a figura do designer lado a lado com a do artista responsável pela execução dos objectos, concretizando-se assim um dos objectivos que Gropius havia definido desde o início das suas funções como director. Cada objecto criado era percepcionado como uma peça integradora de um todo maior – o edifício reunificador dos produtos de todas as artes. O primeiro projecto concebido dentro do espírito de cooperação e de trabalho em conjunto que Gropius apreendera da era medieval nasceu em 1920: a Casa Sommerfeld, qualificada como “romântica” por alguns críticos (cf. Fiedler 1995: 41). Todas as oficinas da escola participaram na sua concepção, concretizando os ideais defendidos no “Manifesto.” No entanto, foi durante a execução deste projecto que se revelaram os primeiros indícios de conflito interno entre Walter Gropius e Johannes Itten, que culminariam na demissão deste 76 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes último. Itten defendia que se deveria optar pela produção de uma obra pessoal, individual, completamente oposta ao mundo comercial exterior e ao entendimento com a indústria, enquanto Gropius, cujas premissas inicialmente haviam convergido com as de Morris, insistia cada vez mais na necessidade de aceitação de encomendas de trabalhos como meio de sobrevivência da escola. Num discurso proferido em 1922 Gropius defendeu mesmo a urgência de se produzir nas oficinas da escola “( . . . ) formas típicas que simbolizassem o mundo exterior” (apud. Droste 1994: 58). Desta forma, o lema de 1919 que a Bauhaus de Weimar havia seguido – “Arte e Artesanato, uma nova unidade” – foi alterado, e a Bauhaus adquiriu uma divisa completamente diferente: “Arte e Técnica, uma nova unidade”.14 Nesta perspectiva, o artista deixava de ser um artesão para passar a ser encarado como um engenheiro, um estruturador para quem o tecnicismo era essencial.15 Apesar da nova tendência para conjugar a técnica industrial com o que se considerava ser o trabalho criativo e artesanal, o facto é que o objectivo de 14 As questões levantadas por Gropius relativamente à fusão da arte (incluindo o artesanato) com a técnica continuam a ser abordadas por teóricos do design, como o catalão Jordi Montaña que, considerando que a evolução técnica deve ser colocada ao serviço do produto e não o produto ser produzido em função da técnica, defende a utilização das mais recentes tecnologias, como a electrónica e a informática, na produção de objectos de artesanato (cf. Roqueta 2002: 34). 15 Seguindo quer a lógica de Morris quer a de Gropius no que se refere à fusão entre o artista e o arquitecto, a dualidade artista-engenheiro equivale à dualidade arquitecto-engenheiro. É interessante salientar-se que Ruskin havia rejeitado a possibilidade de considerar o arquitecto e o engenheiro como um único indivíduo (cf. Brooks 1989: 325-326), pois encarava-os como entidades completamente opostas. Neste sentido, é também curioso referir-se que no século I a. C., época de Vitrúvio, se havia estabelecido uma distinção entre a actividade do “engenheiro”, que se reconhecia como estando associada à técnica, e a do “arquitecto,” atribuída à arte. No entanto, o arquitecto era percepcionado como um “engenheiro genial,” um indivíduo que não só dominava a técnica construtiva, como também detinha a capacidade de “obter resultados surpreendentes” (Rua 1998: vi). Tratava-se, pois, de alguém capaz de conceber e construir algo magnífico, distinto pela sua beleza e genialidade. Ainda a propósito da distinção entre arquitecto e engenheiro, Le Corbusier viria a registar na sua obra Vers une Architecture (1923) que o engenheiro, sendo conduzido pelo cálculo e inspirado pela lei da economia, ataca a harmonia, enquanto o arquitecto, promotor da ordem, determina os diversos movimentos do espírito e do coração humanos, permitindo assim que os indivíduos percepcionem a beleza (Le Corbusier 1995: XVII). 77 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes Gropius não era desprezar o artesanato, nem o trabalho do artista, mas tirar partido dos aspectos positivos que a máquina poderia oferecer. A qualidade e a criatividade pretendidas para os produtos eram as mesmas que haviam definido o espírito do trabalho anterior, registando-se apenas uma alteração no tipo de instrumentos utilizados na sua execução. Deste modo, a aparente oposição entre indústria e artesanato caracterizava-se não pela divisão e massificação do trabalho, associadas à industrialização, mas pela diferença a nível dos instrumentos auxiliadores na produção. Os valores inerentes à coesão do trabalho do artista mantinham-se, sendo-lhe contudo conferida a oportunidade de utilizar técnicas que lhe permitiriam uma produção mais eficaz e célere, para assim poder responder às necessidades do mercado: “( . . . ) o artesanato e a indústria encontram-se na via de uma aproximação constante. O artesanato do passado modificou-se, o artesanato do futuro desenrolar-se-á através de uma unidade nova ou será o meio de pesquisa no trabalho destinado à produção industrial.”16 O ponto de viragem fundamental na Bauhaus deu-se em 1923, quando se realizou uma exposição com o objectivo de divulgar os trabalhos e projectos da escola, um reflexo da concretização de um trabalho em conjunto. Embora a maioria das oficinas operasse ainda com base no trabalho manual, a contaminação da indústria começou a fazer-se sentir. Oskar Schlemmer utilizou a expressão “turning away from Utopia” (apud. Naylor 1973: 80) ao referir-se a esse momento em que se começavam a desvanecer os aspectos que haviam aproximado a Bauhaus de Weimar da Brotherhood de William Morris. A Bauhaus passou a virar-se para o mundo industrial com sentido de futuro, definindo assim 16 Tradução livre de: “Toutefois, artisanat et industrie sont sur la voie d’un rapprochement constant. L’artisanat du passé a changé, l’artisanat du futur s’épanouira dans une unité nouvelle où il sera l’organe du travail de recherche destiné à la production industrielle” (Gropius 1995: 39). 78 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes o seu caminho posterior. Esta tendência foi salientada por Gropius em “Art and Technique: a New Unity”: “The Bauhaus does not pretend to be a crafts school; ( . . . ) the old craft workshops will develop into industrial laboratories: from their experimentation will evolve standards for industrial production ( . . . ). The teaching of a craft is meant to prepare for designing for mass production” (apud. Naylor 1973: 93). A mesma sequência de ideias está presente em “Princípios da produção na Bauhaus” (1923), onde pode inferir-se que as oficinas da Bauhaus eram, na sua essência, laboratórios para experimentação e produção de protótipos dos objectos daquela época de forma a que fosse possível a avaliação da sua viabilidade para a produção em série (cf. Gropius 1995: 38-39). No ano em que a Bauhaus assistiu à mudança da filosofia de base que até então a havia definido, Karl Hubbuch, pintor e ilustrador alemão, retratou no papel a relação problemática entre o artesanato e a indústria que Gropius solucionar (cf. aparentemente Fiedler 1995: conseguira 36). Numa composição dominada pela estrutura metálica de uma ponte, surge em primeiro plano a figura de uma nadadora que, de feições duras e Fig. 10: “The Schwimmer” (1923) olhar vazio, vira costas à catedral gótica que se destaca ao fundo (Fig. 10). Distante, mas imponente, a catedral relembra a dignidade e a beleza das formas do passado, qualidades que se pretendia manter, mas que passariam a ganhar expressão pelo recurso a formas mais 79 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes lineares e a novos materiais. Em Scope of Total Architecture,17 Gropius reflectiu sobre essas modificações: Esqueletos de aço ou concreto armado, fachadas envidraçadas, lajes, lajes suspensas ou alas apoiadas sobre colunas são apenas meios de expressão impessoais modernos, por assim dizer, o material bruto com o qual diferentes manifestações arquitectónicas regionais podem ser criadas. A conquista do gótico – as suas abóbadas, arcos, botaréus, torres ogivais – também se converteram em meios de expressão internacional. (Gropius 1972: 23) O fundador da Bauhaus pretendia que as construções do seu presente dignificassem o ferro, o vidro e o betão do mesmo modo que os edifícios góticos da época medieval haviam dignificado a pedra e o tijolo. As construções em pedra sólida foram sendo substituídas por um misto de robustez, presente no ferro e no betão, e de fragilidade, transmitida pelo vidro. A utilização deste último material em grandes extensões proporcionava a fusão do espaço interior com o exterior e simbolizava a transparência e a honestidade, duas características essenciais que o homem, célula da sociedade, deveria possuir. O edifício da Bauhaus em Dessau, para onde a escola foi transferida em 1925, reflectiu o novo espírito e a nova atitude em relação à vida e à arte de se fazer arquitectura, como se depreende da descrição de Jeannine Fiedler: ( . . . ) a jumble of white squares and rectangles, the walls for the most part consisting of glass, and apparently without any roof at all. ( . . . ) It was the Bauhaus, and it had just been built by Walter Gropius. There was nothing like it in the world. It was a declaration of war on all architecture that had gone before. It was a manifesto of architecture as the complete work of art to which architects, sculptures, painters and designers subscribed. Executed in iron, 17 Afigura-se-me importante realçar que Scope of Total Architecture foi uma obra desenvolvida por Gropius com base em artigos e conferências provenientes da sua actividade como director do Departamento de Arquitectura da Universidade de Harvard, função que exerceu entre 1937 e 1952. 80 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes concrete and glass, the Bauhaus building celebrated the marriage of aesthetics and utilitarian functionalism, of art and industry. (Fiedler 1995: 9) O edifício a que Fiedler se refere é a sede da Bauhaus em Dessau (Fig. 11), cuja construção foi posterior à transferência da escola para essa cidade. Embora edificado num período subsequente ao de Weimar, a referência à sua concepção e às suas características não podia Fig. 11: Edifício Bauhaus em Dessau (1925-26) ser preterida, uma vez que neste edifício se reflecte a alteração a nível ideológico já indiciada nos últimos momentos do trabalho efectuado em Weimar. O percurso da Bauhaus orientou-se assim no sentido de solucionar o até então irresolúvel binómio artesanato/indústria. O que o século anterior considerara irreconciliável começava agora a ser integrado, promovido e desenvolvido: “craftsmanship and industry, art and technology, thoughts and feelings” (Fiedler 1995: 147). O recurso à tecnologia passou a ser incentivado, mas sem se negligenciarem os princípios da criatividade e individualidade artísticas. A escola manteve-se um centro de cultura comunitária, onde se pretendeu humanizar a máquina e assim alcançar uma interdependência activa, nova e eficaz entre todos os processos de criação artística que conduzisse a um equilíbrio renovado do ambiente visual. No entanto, depois da saída de Gropius da direcção, o espiritualismo de que a Bauhaus estivera imbuída foi irradicado, e o mundo da produção instituiu-se como objectivo principal. Durante os anos em que Gropius liderou a escola, e é este o período que interessa considerar no âmbito deste trabalho, os valores do passado foram 81 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes utilizados como modelo de referência na elaboração e na concretização do projecto educativo e pedagógico que visava a formação de artistas criativos e independentes, capazes de criar o presente e o futuro de um novo século. As memórias do passado misturavam-se com o presente, integrando-se no quotidiano dos indivíduos, proporcionando-lhes uma vida diferente e iam, assim, abrindo caminho para a arquitectura e o design modernos. O artesanato, veículo dos valores da humanidade, permanece como uma ponte entre o passado e o futuro, um meio conciliador entre ambos. A propósito da influência do passado e da nova forma de percepcionar as relações entre a indústria e o artesanato, parece oportuno citar aqui um passo do artigo “From Utopia to Atopia,” de Dieter Hassenpflug: The past could meet the future by means of utopia which connected the senses and the intellect. And in this informative encounter most likely a latent element of the secret of the “discovery” of modern design is hidden. A modern craftsmanship developed from the creative fusion of guild’s craft and modern mechanical technology, the modern prototype and design art of the architect, designer and creator. The past and the recollected serve in this respect to ferment new things, and the amazing thing is that this potential of the past which facilitates innovation is developed via dreamless “not yet” of the utopia. By means of a fleeting message, which the past – coming from the future – gives to the present, the future of the industrial society is shaping up. ( . . . ) Its beauty then becomes imaginable, possible – and even actually tangible, such as the work of Walter Gropius. Craftsmanship then retreats into the background but does not disappear entirely. (Fiedler 1995: 147) As condições de vida e de trabalho da população, o estado do rosto das cidades, isto é, dos edifícios, e a qualidade dos objectos de uso diário foram aspectos com os quais Morris e Gropius se preocuparam e que pretenderam ver melhorados. Para tal, como foi sendo salientado ao longo deste capítulo, manifestaram na sua ensaística a necessidade de se valorizar a arquitectura 82 Capítulo 2 Do passado fazer futuro: a união das artes como um todo integrador das diversas artes, reflexo do bem-estar social. “Boa arquitectura,” confessou Gropius, “deve reflectir a vida da época. E isto exige conhecimento íntimo das questões biológicas, sociais técnicas e artísticas”18 (Gropius 1972: 27). Quem deveria dominar esses conhecimentos era, naturalmente, o arquitecto. Compreende-se, então, por que é que Morris e Gropius, embora afastados no tempo e no espaço, partilharam também a noção de que o arquitecto, misto de artista, engenheiro e artesão, desempenhava um papel preponderante no devir da sociedade. Ao vestir a paisagem, ao moldar o cenário físico em que a vida quotidiana se desenrola, o arquitecto presta à sociedade um serviço preciso; ele delineia o “panorama artístico”19 do meio onde exerce a sua acção, e, responsabilizando-se pelo traçado desse meio, desempenha naturalmente a função de educador do público que recebe as suas obras. 18 Em itálico no original. 19 Esta expressão é utilizada por Gillo Dorfles quando, ao dissertar sobre as funções do arquitecto, refere que uma das suas tarefas será a de “delinear e formar o panorama artístico” (Dorfles: 1971: 13). 83 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade Art is not a mirror held up to reality but a hammer with which to shape it. Caroline Tisdall, Geist to the Mill: Selected Writings 1970-1995 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade Além do contexto histórico e cultural, vários anos separam William Morris e Walter Gropius. No entanto, estes dois homens tinham um sonho em comum: igualdade e união no meio artístico, honestidade e autenticidade na arte que, na sua opinião, deveria ser acessível à sociedade em geral. Ambos promoveram o desenvolvimento de um trabalho digno, valorizando a individualidade e a criatividade do artista, essenciais à evolução do homem e consequentemente da sociedade. A arte e a sociedade estabelecem assim entre si uma relação de interdependência inequívoca na linha de pensamento dos dois homens da cultura europeia cuja ensaística é objecto de estudo neste trabalho. Esta interdependência reflecte-se em dois aspectos: por um lado, o testemunho artístico constituiu-se como uma fonte de informação infindável acerca do passado e do presente do meio de onde provém, revelando o carácter do povo desse meio e descortinando a sua História; por outro, o percurso da arte e as formas que ele assume têm a possibilidade de moldar os hábitos e o habitat daqueles que com elas interagem. Ruskin terá sido o primeiro pensador a afirmar a relação directa da arte com as condições sociais e a considerá-la património de todos, relacionando a sua qualidade com a da sociedade propriamente dita. O seu desejo de transformar a sociedade conduziu-o, no entanto, à elaboração de uma proposta de reforma meramente ideológica que só poderia ser implementada mediante a alteração radical de muitos e significativos aspectos do sistema económico-social do seu tempo, não havendo por isso condições para a sua concretização. 86 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade Ao defenderem a existência de uma relação directa entre a saúde social e a qualidade estética dos edifícios presentes no espaço físico da sociedade, Morris e Gropius atribuíram à arte, e dentro desta à arquitectura, o poder de transformar a mentalidade e a postura humanas e de, simultaneamente, revelar a degradação ou o bem-estar sociais. Tendo estes aspectos em consideração, ambos direccionaram os seus percursos pessoais e profissionais no sentido de conferir ao meio onde viveram, bem como à sua população, a qualidade e a humanidade que consideravam fundamentais e que, na óptica de ambos, haviam sido negligenciadas. Morris acreditava que a arte não dizia somente respeito ao artífice ou a qualquer outro elemento envolvido na sua criação, mas a todos aqueles que usufruíssem do produto final, tal como Gropius viria a defender. A arte não seria, portanto, produtora de luxo ou de futilidade, mas um bem essencial na vida de qualquer indivíduo e, por isso, teria de ser parte integrante de qualquer acção humana: ( . . . ) I must ask you to extend the word art beyond those matters which are consciously works of art, to take in not only painting and sculpture, and architecture, but the shapes and colours of all household goods, nay, even the arrangement of the fields for tillage and pasture, the management of towns and of our highways of all kinds; in a word, to extend it to the aspect of all the externals of our life. (CW Vol. XXIII: 165) A partir desta visão, William Morris alargou coerentemente a ideia de arte a todas as vertentes da vida e a todos os meios, uma atitude que no Movimento Moderno se manifestaria na defesa funcionalista do protagonismo do homem e na insistência no valor social da arquitectura e do urbanismo, influenciando os 87 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade diversos sectores da produção, desde o objecto utilitário à planificação urbana (Montaner 2001: 12). Esse foi também o enfoque da Bauhaus – construir uma sociedade nova, formada pelo homem e para o homem, marcar uma diferença pela transformação das relações e concepções estabelecidas. Prevalecia, pois, uma vontade muito forte de mudança, principalmente por parte dos denominados arquitectos modernos, onde se incluía Gropius, como refere Jeannine Fiedler: “Modern architects, among others, considered themselves the builders of a new society whose visions went beyond revolutionizing the form of the cities, but included the creation of a new type of individual, the New Man” (Fiedler 1995: 32). Neste sentido, não só Gropius, mas também Mies van der Rohe e Le Corbusier cultivaram propostas novas, ultrapassando os interlocutores previstos pelas instituições e dirigindo-se ao último destinatário da hierarquia institucional: o homem comum, aquele que desfruta da arquitectura, bem como de todos os elementos e espaços criados pela mão humana, tal como Morris havia proferido em inúmeras das suas palestras. Durante os anos imediatamente posteriores ao primeiro grande conflito mundial, o adjectivo “novo” surgia assim recorrentemente associado a todas as áreas da arte em geral (cf. Fiedler 1995: 14-21), numa ânsia de renovação do espírito humano que se pretendia acima de tudo ver reflectida exteriormente. Além disso, a vontade de se promover o desenvolvimento de um mundo mais límpido, desprovido de subterfúgios, manifestou-se na construção de espaços onde a simplicidade e a sobriedade das formas imperava, fazendo-se uso maioritariamente do vidro em substituição do tijolo, numa busca da transparência e da honestidade que deveriam definir o homem da nova era: “Pure, clear, bright, 88 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade accurate, changeable, mobile, spiritual, vivacious, stable, distinguished, facing the outside world – these are guiding traits of the 1920’s “New Man”.” (Fiedler 1995: 16). Os artistas do início do século XX “[i]nventaram,” como aponta Benévolo, “um estilo de trabalho nunca mais visto depois do século XV: uma combinação entre poesia e prosa, de audácia intelectual e de adesão à realidade ( . . . )” (Benévolo 1984: 103), com o objectivo de fazer ressurgir esse homem novo, alguém capaz de criar o presente e o futuro de um século moderno, um indivíduo dotado de intuição e sensibilidade em todos os sentidos. “Intuição” e “sensibilidade” eram duas características essenciais do artista/artesão que, movido pela sabedoria individual e pela própria experiência de vida, construía objectos que prevaleceriam como veículos transmissores da cultura e dos hábitos da sua época. Tal seria o espírito da obra daqueles que trabalhavam com prazer, um espírito que William Morris tentou incutir nas suas oficinas, entre elas a de tapeçaria. Esta oficina funcionava também como uma escola, tendo assim um impacto directo nos membros da comunidade. Alguns rapazes menores, maioritariamente de classes mais pobres, eram admitidos como aprendizes, era-lhes ensinado o processo de criação da tapeçaria, dando-lhes dessa forma uma oportunidade de trabalho e de desenvolvimento das suas capacidades a que não teriam acesso de outro modo (cf. Coote 1996: 173). Por seu lado, a Bauhaus instituiu-se desde sempre como uma escola artística que pretendeu alcançar muito mais do que a renovação do mundo da arte e da arquitectura. Ela visou também instruir, formar integralmente seres humanos com carácter, para que estes actuassem consciente e positivamente no meio social, e assim se distinguissem como verdadeiros propulsores de mudança, 89 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade motores capazes de despoletar uma transformação social através da sua arte. Nesta perspectiva os alunos da Bauhaus seriam, como o próprio Gropius os percepcionou, “the catalyst[s] in the transformation of society” (apud. Fiedler 1995: 123). A este propósito Oskar Schlemmer escreveu: All this means that the Bauhaus is “building” something quite different from what was planned – human beings. Gropius seemed very aware of this; to his mind the academies made a grave mistake by neglecting the formation of the human being. He wants an artist to have character, and this should come first, not later. (apud. Naylor 1993: 72) Contribuía para esse fim o facto de os estudantes serem desde cedo encorajados a descobrir por si próprios todas as potencialidades dos materiais, das formas e dos objectos, bem como o de serem estimulados a viver e a trabalhar em equipa, cooperando uns com os outros e com os próprios professores. No entanto, sem o contacto com a realidade, sem a presença activa do homem, tal atitude não teria sido exequível, pois provavelmente a Bauhaus nunca teria nascido, ou teria apenas permanecido como “uma admirável estilística em vez de se erguer como teoria de criatividade artística e instrumento de uma elevada pedagogia social” (Argan 1990: 63). Artista, artesão e arquitecto não eram considerados realidades distintas, mas sim unas, fundidas no mesmo indivíduo, alguém que partilharia com todos os elementos dos processos criativo e produtivo a responsabilidade da existência dos diversos artigos, desde o mais simples utensílio doméstico ao mais complexo edifício. Estas noções ecoam as de William Morris que considerava, além disso, não existir qualquer diferença entre o autor da ideia para a criação de um determinado objecto e aquele que seria responsável pela sua produção, assim 90 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade como defendia que um mesmo individuo poderia ser designer e activista político sem que essas actividades entrassem em conflito. No que se refere à actividade do designer, Morris preconizou o princípio actualmente considerado indispensável de que esse artista deveria ter consciência plena, através da sua experiência prática, de todas as potencialidades e limitações dos materiais que iriam ser utilizados na execução do que desenhava. Contudo, foi com Walter Gropius na Bauhaus de Weimar que a formação e treino de designers se formalizou pela primeira vez, tendo desde então adquirido um cariz essencial nos programas das escolas de design em todo o mundo (Farr 1984a: 136-137). O que afastou Gropius da linha de pensamento morrisiana foi a sua crença na fusão entre a arte e a técnica industrial e o facto de considerar que todos os artistas, desde pintores a escultores, designers a arquitectos, deveriam unir as suas potencialidades e produzir também para a indústria, que, na óptica do fundador da Bauhaus, deveria assim usufruir da qualidade e do profissionalismo de todos os artistas. Esta opinião remete claramente para a complementaridade entre a arte e a técnica e não para a oposição que Morris acreditava existir e que sempre defendeu. Gropius e os seus contemporâneos aperceberam-se assim de que só ultrapassando a barreira entre as artes e os ofícios e o desenvolvimento técnico seria possível a criação de um ambiente totalmente adaptado ao ser humano e a oferta, a todos os indivíduos, do acesso a objectos belos e com qualidade. Ao afastar-se dessa maneira das tradições do trabalho artesanal, Gropius distanciou-se da estética de Morris, como já foi salientado neste trabalho, preservando contudo a sua filosofia, pois considerava ser esse o caminho para a construção da modernidade. Esta atitude de Gropius 91 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade ter-lhe-á permitido, na opinião de Benévolo, não só solucionar o dilema entre arte e técnica que prevalecera até então, mas também concretizar a transição que se impunha na passagem para uma nova era (Benévolo 1984:142).1 Nesse contexto ideológico de articulação entre diversas componentes, incluindo a pesquisa científica e a tecnológica, a radicalização da pesquisa artística e o confronto de várias propostas também no que dizia respeito ao controlo do desenvolvimento urbano emergiu a denominada arquitectura moderna, que se distinguiu assim pela abordagem integral à projecção do ambiente construído, recusando a diferenciação entre as duas abordagens tradicionais da arquitectura: a que a considerava como uma técnica, por um lado, e a que a percepcionava meramente do ponto de vista artístico, por outro. A par da problemática que remete para o binómio arte-técnica, importa realçar a forma como o ornamento passou a ser considerado em termos arquitectónicos no âmbito do Movimento Moderno: “Ornament no longer appeared as the superfluous force standing out from the structure or calling attention to the importance of decorative elements. They now appeared as applied and therefore superfluous decoration” (Fiedler 1995: 17). Este aspecto corroborava a busca da simplicidade e honestidade que se pretendia que a construção reflectisse, como foi mencionado anteriormente, e que William Morris também havia perseguido. No entanto, essa tendência manifestava-se agora de um modo bastante diferente: enquanto em Morris a simplicidade e honestidade de um objecto ou de um edifício estavam associados à sua beleza e função, bem como à motivação que havia 1 A percepção da complementaridade entre as diversas áreas é algo inquestionável actualmente, aspecto que Benévolo também realçou: “As discussões sobre se a arquitectura é uma arte, uma técnica ou uma síntese entre arte e técnica, parecem-nos verdadeiramente distantes; não podemos aceitar, sem discussão, as divisões tradicionais entre os sectores da experiência humana – técnica, ciência, arte e assim por diante – e consideramos absurda uma organização profissional que reflicta e consolide estas distinções categóricas” (Benévolo 1991: 236). 92 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade estado na base da sua concepção, no Movimento Moderno assistia-se à abolição de todos os elementos que não fossem necessários à estrutura básica. Antoine Pompe imortalizou esta nova perspectiva nas imagens de duas árvores que, com porte idêntico, exibem uma “decoração” contrastante: enquanto numa a profusão de frutos, de folhas e de flores esconde a estrutura da árvore por completo, a outra exibe apenas os galhos nus que lhe dão forma e a sustêm (Fig. 12), simbolizando o desprovimento de ornamentos que definiu a essencialidade da arquitectura pós 1918. Retomando a noção da arquitectura e Fig. 12: “Architecture avant 1914. Architecture après 1918,” Antoine Pompe (ca. 1920). do design como artes sociais, é relevante mencionar-se que a vivência destas artes pode ser quer individual, quer colectiva: se, por um lado, cada indivíduo reage ao edifício ou ao objecto de forma distinta, por outro, pode aferir-se a forma como a colectividade em geral interage com o ambiente construído. Neste contexto, Leonardo Benévolo realça a importância da arquitectura do passado não só para o enriquecimento do vocabulário contemporâneo, mas também para a melhoria da arquitectura do presente. Este historiador aponta ainda o facto de a actividade arquitectónica ser “um trabalho difícil” tendo em conta as exigências mutáveis [de cada] época” (Benévolo 1984: 109). Porque acompanham o ritmo da sociedade sobre a qual exercem a sua influência, as formas de arte são únicas (podemos mesmo afirmar que são irrepetíveis) mas indissociáveis daqueles que as criaram e dos que com elas interagiram e interagem. 93 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade No seu tratado sobre arquitectura, Vitrúvio havia já inaugurado o entendimento do arquitecto não só como um técnico da edificação, mas também como um artista consciente do significado daquilo que constrói (cf. Vitrúvio [ . . . ]: 13-14), noções com as quais Morris e Gropius se identificaram, uma vez que as viriam a aplicar no modo como percepcionaram esse mesmo artista/arquitecto. No entanto, também consideraram que a arte, em especial a arquitectura e o design, não podia ser apreciada isolada do seu público alvo, ideia aliás que vigora ainda no século XXI. Os espaços, os edifícios e os objectos em geral não são resultado apenas da criação solitária do artista, pois todos os que usufruem deles influenciam a sua estrutura e concepção, sendo assim também eles próprios responsáveis por essas construções. Nesta perspectiva, quer o artista autor da obra quer os seus utilizadores são criadores: o primeiro porque é o responsável pelo design, e os segundos pelo modo como interagem com o produto final. Ainda nesta sequência de ideias, o arquitecto não será apenas o “perito” que condiciona a transformação, mas poderá também ser “público alvo,” na medida em que tem igualmente a possibilidade de usufruir da modificação do ambiente sobre o qual agiu (Benévolo 1991: 12). As condições ambientais dos espaços em que o homem habitava e trabalhava, assim como a sua organização, foram preocupações sempre presentes na mente de William Morris. A sua consciência cívica levou-o também a tecer frequentes ataques à poluição provocada pelas unidades fabris que asfixiavam a cidade de Londres, preocupações ambientalistas que em Walter Gropius não se manifestaram de forma tão veemente, embora o respeito pela Natureza e pela construção harmoniosa com os seus elementos se tivesse constituído desde cedo como uma das políticas educativas na escola Bauhaus. 94 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade O objectivo de ambos era tornar o mundo um local mais belo, onde os seres humanos pudessem viver com dignidade. Para isso havia que começar por aqueles locais onde a acção humana se fazia sobrepor à da Natureza: as cidades. A cidade, além de ser um instrumento de comunicação entre diferentes gerações, em cujo traçado a história dos tempos está inscrita, como se lê no ponto 6 da “Carta de Atenas” (cf. Anexo 2), é também o cenário privilegiado da arte dos arquitectos, onde a sua autonomia e a sua capacidade de organização se pode revelar. A propósito das atribuições sociais dos arquitectos, apontou Dennis Farr: “( . . . ) architects should concentrate on building for their own generation” (Farr 1984b: 300). É curioso notar que esta afirmação pode aplicar-se a um dos aspectos dos pensamentos de Morris e de Gropius, uma vez que remete para a ideia do arquitecto como um elemento da sociedade que tem o poder de agir sobre o espaço social, transformando-o e moldando-o, devendo fazê-lo, contudo, em função do seu presente, de forma a satisfazer as necessidades prementes da sua época. No entanto, é também um pouco redutora quer do que Morris e Gropius consideravam ser a função do arquitecto, quer do modo como principalmente este último percepcionava a arquitectura, isto porque não engloba a perspectiva de construção e de criação para o futuro a que ele apelara aquando da publicação do “Manifesto” e que a Bauhaus acabaria por atingir. Os esforços nazis para obliterarem por completo a inovadora escola artística alemã não foram bem sucedidos – o encerramento forçado e abrupto da instituição não aniquilou a ideia nem o sonho que lhe haviam dado forma. A emigração sucessiva dos seus líderes e de muitos dos seus alunos assegurou assim a persistência e a propagação dos valores desta escola um pouco por todo 95 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade o mundo, especialmente nos Estados Unidos, onde, em 1937, a “Nova Bauhaus” se estabeleceu na cidade de Chicago. Contudo, afastados dos ideais sociais que haviam inspirado a emergência da Bauhaus em Weimar e atirados para um ambiente cultural completamente diferente, onde a escola se encontrava desmembrada das suas origens e coesão iniciais, muitos dos que continuaram associados a ela não conseguiam produzir mais do que alguns edifícios inexpressivos e desumanizados, reduzindo a natureza complexa e multifacetada da escola a uma fórmula um pouco simplista (Kentgens-Craig 2001: xi). No entanto, o espírito da Bauhaus continuou a exercer uma influência sólida em toda a vasta área da educação artística, transformando teorias, pedagogias e práticas de arte, de arquitectura e de design. O reconhecimento do valor intemporal e universal da Bauhaus conduziu os órgãos da UNESCO a atribuírem aos edifícios que abrigaram a escola o estatuto de Património Mundial. Assim, desde Dezembro de 1996, quer as instalações da Bauhaus em Weimar, actual estabelecimento da Universidade Bauhaus, quer o edifício que Walter Gropius projectou para Dessau ultrapassaram as fronteiras nacionais, para passarem a pertencer a toda a humanidade. Por seu lado, a herança de William Morris também quebrou as barreiras fronteiriças e temporais. Embora ele não tenha assistido à concretização efectiva de uma comunidade de artistas e artesões, reunindo todos os membros de várias famílias sob a égide da criação de objectos úteis e belos, através do trabalho executado com prazer, as suas ideias inspiraram diversas comunidades que se viriam a formar, não só no âmbito do movimento de Artes e Ofícios, mas também no início do século XX. Além disso, não é possível ficar indiferente à mudança 96 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade operada no mundo do design depois dos princípios defendidos por Morris e pelo seu grupo: Simple honesty of design was their watchword, with the emphasis on a high standard of craftsmanship and finish. That these principles were not incompatible with machine production was left to another generation to prove, but the important thing to remember is the acceptance of these principles by an everwidening group of designers at the turn of the century. (Farr 1984a: 177-178) A geração a que Farr se refere é, sem dúvida, a de Gropius que, tal como foi dito anteriormente, incentivou o nascimento de uma nova era de conciliação e complementaridade entre aspectos aparentemente irreconciliáveis, com um único objectivo: tornar o mundo mais belo, proporcionar a todos qualidade e bom-gosto, contribuindo assim também para que cada um tivesse a liberdade essencial para ser, acima de tudo, sincero consigo mesmo e com as tarefas que executa. Actualmente, a emergência da sociedade digital coloca novos desafios à arquitectura e ao design quer a nível conceptual, quer a nível prático. Enquanto que tradicionalmente o artista operava manipulando a matéria para definir os limites dos espaços que permitissem a execução de actividades, nos nossos dias a arquitectura pode ser considerada como um processo abstracto que relaciona a informação com a matéria no espaço e no tempo, sem esquecer o indivíduo. O trabalho do arquitecto é, então, o de estabelecer essas relações e fazer crescer a obra intemporal do seu presente. Testemunha impassível do fluir das diversas épocas, a arquitectura possui de facto a qualidade da permanência; os edifícios e todas as realidades espaciais que ela envolve e desenvolve são janelas abertas para o passado, como Morris poeticamente referiu, sem no entanto se fecharem ao futuro. É assim 97 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade fundamental percepcionar a intemporalidade de alguns feitos, incorporar reflexões e sentimentos, ter em conta que a contemporaneidade também engloba a relação e o interesse pelo passado, para que seja possível construir o presente e o futuro com mais solidez. Os ideais que estiveram na base da formação do movimento artístico Bauhaus em Weimar poderiam ter sido formulados por Morris, pois apelam a uma complementaridade e interdependência das diferentes artes que Morris havia defendido como condição fundamental para a concretização da verdadeira obra de arte. Além disso, a ênfase na fusão do artista com o artesão, do trabalho intelectual com o manual e o apelo ao regresso a um tipo de trabalho artesanal, realizado em oficinas, conferem ao Manifesto de Gropius um cariz morrisiano. No entanto, apesar de parecer apelar a esses valores medievais, Gropius não pretendia um retorno ao trabalho artesanal característico do século XIV, como Morris, mas apenas uma apropriação dos seus valores, incentivando à cooperação e realçando ao mesmo tempo a importância do trabalho criativo e individual, buscando simultaneamente a síntese da tradição medieval, centrada no artesanato, com a perspectiva moderna, onde o papel da indústria não podia ser ignorado. A existência de “uma continuidade ideológica” e de “uma descontinuidade estilística” entre Morris e Gropius é de facto indiscutível, como afirma Isabel Donas Botto (Ribeiro 1998: 465). Aplicar os ideais promovidos por William Morris à realidade do século XX, onde a técnica desempenhava um papel cada vez mais relevante, conciliar arte e máquina sem transformar o trabalhador numa peça mecânica, foram objectivos que Walter Gropius, hoje recordado como um dos arquitectos mais relevantes e influentes do seu século, pretendeu concretizar com a mesma convicção com que 98 Conclusão A arte como princípio transformador da sociedade defendeu a construção de um “edifício do futuro” que reunisse todas as vertentes artísticas. Nesta perspectiva, a Bauhaus de Walter Gropius promoveu uma arte virada para o futuro, uma arte humana, honesta e aprazível, que valorizava o homem e o seu trabalho, à semelhança da de William Morris, e que se construiu, não com a robustez da pedra e da madeira medievais, mas com a solidez do aço e do betão, iluminados pelas paredes de vidro do século XX. Na sociedade contemporânea, cada vez mais individualista e intransigente, onde os valores comunitários se diluem num mundo virtual, os ideais de William Morris e de Walter Gropius, independentemente de se destacarem as suas diferenças ou as suas semelhanças, adquirem a amplitude da permanência. Eles apelam ao questionamento das relações e dos comportamentos humanos que essas relações despoletam, estimulando por isso a reflexão crítica sobre a forma como interagimos com todo o ambiente que nos rodeia. 99 Bibliografia Bibliografia Primária Obras de William Morris MORRIS, William. 1992a. 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São Paulo: Martins Fontes. 111 Anexos Anexo I “Manifest” e “Programm des Staatlichen Bauhauses” Anexo I “Manifest” e “Programm des Staatlichen Bauhauses” Anexo II “A Carta de Atenas” A CARTA DE ATENAS 1 De facto, certas comunas suburbanas puderem adquirir inopinadamente um valor, positivo ou negativo, imprevisível, I não só tornando-se a sede de residências HABITAR luxuosas, como acolhendo centros industriais intensos, ou ainda amontoando 1. A CIDADE NÃO É MAIS DO QUE UMA PARTE DO CONJUNTO populações trabalhadoras miseráveis. ECONÓMICO, Os SOCIAL E POLÍTICO, QUE CONSTITUI A limites administrativos compartimentam REGIÃO. o complexo que urbano, tornam-se então paralisantes. A unidade administrativa Um aglomerado constitui o nó vital de coincide uma extensão geográfica, cujo limite é raramente com a unidade geográfica, isto constituído pela zona de influência de um é, com a região. outro aglomerado. As suas condições de A demarcação territorial administrativa vida estão determinadas pelas vias de das cidades tem podido ser arbitrária comunicação que asseguram as trocas e desde o começo, ou tem-no vindo a ser o ligam intimamente à sua zona particular. ulteriormente quando, por continuidade de NÃO crescimento alcançou e depois englobou SE PROBLEMA outras comunas. PODE DE URBANISMO REPORTANDO-SE Esta demarcação artificial opõe-se a AOS uma boa administração do novo conjunto. ELEMENTOS ENCARAR UM SENÃO CONSTANTEMENTE CONSTITUTIVOS DA REGIÃO e principalmente à sua geografia ( . . . ). 1 “A Carta de Atenas” resultou da quarta reunião dos urbanistas e arquitectos que, de todo o mundo, haviam aderido aos C.I.A.M. (Congressos Internacionais de Arquitectura Moderna), realizada em 1932 a bordo de um navio em cruzeiro pelo Mediterrâneo com destino a Atenas. Durante essa reunião analisaram-se trinta e três cidades de dezoito países, e o resultado dessa análise foi o documento já referido. Este consiste em uma série de conclusões retiradas da análise efectuada e em medidas de ordem geral, propostas para fazer face ao estado a que os núcleos urbanos haviam chegado na época em matéria de condições de vida. O que apresento neste anexo são apenas alguns dos passos que considerei mais pertinentes na fundamentação de algumas ideias que defendo relativamente à actualidade, diria mesmo intemporalidade, de William Morris e Walter Gropius, uma vez que este documento é, ainda hoje, uma referência para a classe dos arquitectos. (Tradução de Maria de Lourdes e F. Castro Rodrigues publicada na revista técnica Arquitectura, em diversos números, em princípios dos anos 50. O texto apresentado em maiúsculas está conforme o da tradução; o texto entre parênteses rectos foi alterado, ortograficamente, por mim.) Nenhum empreendimento pode ser considerado se não se adaptar aos destinos harmoniosos da região. O PLANO DA CIDADE NÃO É MAIS DO QUE UM DOS ELEMENTOS DESTE TODO QUE CONSTITUI O PLANO REGIONAL. *** 2. JUSTAPOSTOS AO ECONÓMICO, AO SOCIAL E AO POLÍTICO, VALORES DE ORDEM PSICOLÓGICA, LIGADA À PESSOA HUMANA, INTRODUZEM NA DISCUSSÃO PREOCUPAÇÕES DE ORDEM INDIVIDUAL E ORDEM ALARGA 115 COLECTIVA. NA A MEDIDA VIDA EM SÓ SE QUE SE Anexo II “A Carta de Atenas” CONCILIAM OS DOIS CONTRADITÓRIOS QUE PRINCÍPIOS REGEM SITUAÇÃO A POLÍTICA. GEOGRÁFICA E DA SITUAÇÃO TOPOGRÁFICA, DA PERSONALIDADE HUMANA: O INDIVIDUAL NATUREZA DOS ALIMENTOS, ÁGUA E E O COLECTIVO. TERRA, DA NATUREZA, DO SOLO E DO CLIMA… Isolado, o homem sente-se A desarmado: por isso se prende sempre, geografia e a topografia desempenham no destino dos homens um espontaneamente, a um grupo. papel considerável. Abandonado às suas próprias forças, não construirá mais do que a sua cabana É preciso nunca esquecer que o sol e levará, na insegurança, uma vida sujeita comanda, impondo as suas leis a todo o a perigos e fadigas, agravadas com todas empreendimento as angústias da solidão. salvaguarda do ser humano. cujo objectivo for Planícies, Incorporado no grupo, sente pesar colinas, a montanhas, sobre si a sujeição de regras inevitáveis, intervêm igualmente para modelar uma mas, em troca está seguro, em certa sensibilidade medida, contra a violência, a doença, a mentalidade. fome: pode sonhar em melhorar a sua (...) e determinar uma *** habitação e saciar também a necessidade (...) profunda da vida social. *** Tornado elemento constitutivo de uma sociedade que o mantém, colabora directa ou indirectamente nos 5. DA SITUAÇÃO POLÍTICA: SISTEMA mil ADMINISTRATIVO. empreendimentos que asseguram a vida física e desenvolvem a vida espiritual. Fenómeno mais notável que qualquer (...) outro, UM PLANO SÓ É SÁBIO E PRUDENTE MAS GARANTINDO da vitalidade do país, expressão de uma sabedoria que espera QUANDO PERMITE UMA COLABORAÇÃO FRUTUOSA, sinal pelo apogeu, ou toca já no declínio… AO Se MÁXIMO A LIBERDADE INDIVIDUAL. a política essencialmente Esplendor do individuo no quadro do sistema civismo. é móvel, administrativo, de o natureza seu fruto, possui uma estabilidade natural que lhe permite no *** tempo, uma maior instalação e não permite muito frequentes modificações. 3. ESTAS CONSTANTES PSICOLÓGICAS E BIOLÓGICAS SOFRERÃO A INFLUÊNCIA Expressão de política móvel, a sua DO MEIO: SITUAÇÃO GEOGRÁFICA E duração está assegurada pela própria TOPOGRÁFICA, SITUAÇÃO ECONÓMICA, natureza e a própria força das coisas. 116 Anexo II “A Carta de Atenas” Se era uma cidade de colonização, É um sistema que, em limites assaz rígidos, determina território e a o organizavam-na como um campo, em impõe-lhes ângulos rectos e envolvida por paliçadas uniformemente sociedade, rectilíneas. estatutos e, actuando regularmente sobre Tudo ali estava ordenado conforme a as alavancas de comando, determina no conjunto do país, modalidades de acção proporção, uniformes. conveniências. (...) destacavam *** a hierarquia As das estradas portas da e as que se muralha envolvente partiam obliquamente, para destinos longínquos. PARTICULARES Encontra-se ainda no desenho das DETERMINARAM, ATRAVÉS DA HISTÓRIA, cidades o primeiro núcleo compacto do OS CARACTERES DA CIDADE: DEFESA burgo, as cinturas sucessivas e o traçado MILITAR, das estradas divergentes. 6. CIRCUNSTÂNCIAS DESCOBERTAS CIENTÍFICAS, ADMINISTRAÇÕES SUCESSIVAS, Amontoavam-se DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO DAS CONSTRUÇÕES E DOS TRANSPORTE (VIAS MEIOS dentro dela, procurando uma dose variável de bem- DE -estar, conforme o grau de civilização. TERRESTRES, Aqui regras profundamente humanas AQUÁTICAS, DE FERRO, AÉREAS). ditavam a escolha dos dispositivos; ali, A história está inscrita nos traçados e sujeições nas arquitecturas das cidades; o que disso arbitrárias faziam nascer injustiças flagrantes. subsiste forma o fio condutor que, junto Nasceu, porém, a era do maquinismo. com os textos e os documentos gráficos, A uma medida milenária e que se pôde permite apresentar as imagens sucessivas acreditar imutável, a velocidade do passo do passado. humano, sobrepôs-se uma medida nova, Os motivos que fizeram nascer as em plena evolução ainda, a velocidade cidades foram de natureza diversa. Por dos veículos motorizados. vezes era o valor defensivo, e o cume do *** penhasco, a curva de um rio, viam nascer (...) *** um pequeno burgo fortificado, outras vezes era o cruzamento de duas estradas uma testa uma 8. O ADVENTO DA ERA MAQUINISTA que PROVOCOU ENORMES PERTURBAÇÕES determinavam a localização do primeiro NO COMPORTAMENTO DOS HOMENS, NA edifício. SUA DISTRIBUIÇÃO SOBRE A TERRA, NOS anfractuosidade de ponte da ou costa SEUS EMPREENDIMENTOS. MOVIMENTO A cidade era de forma incerta, as mais IRREFREADO DE CONCENTRAÇÃO NAS das vezes em semi-circulo ou em círculo. 117 Anexo II “A Carta de Atenas” CIDADES À FEIÇÃO DAS VELOCIDADES 23. …QUE OS BAIRROS DE HABITAÇÃO MECÂNICAS, EVOLUÇÃO BRUTAL SEM OCUPEM DE [AGORA EM DIANTE] NO PRECEDENTES NA HISTÓRIA E QUE É ESPAÇO UNIVERSAL. LOCALIZAÇÕES, TIRANDO PARTIDO DA O CAOS ENTROU NAS CIDADES. URBANO, AS MELHORES TOPOGRAFIA LEVANDO EM CONTA O CLIMA, DISPONDO DA EXPOSIÇÃO AO SOL O emprego da máquina alterou as condições do trabalho. Quebrou MAIS FAVORÁVEL E DAS SUPERFÍCIES VERDES OPORTUNAS. o equilíbrio milenário, dando um golpe fatal As cidades, tais como existem hoje, no [artesanato], despovoando os campos, engorgitando as cidades menosprezando harmonias são construídas em condições contrárias e, ao bem público e particular. seculares, perturbando as relações naturais que A história demonstra que a sua criação existiam entre os lares e os locais de e o seu desenvolvimento tiveram razões trabalho. profundas graduais no tempo e que elas somente têm vindo a aumentar, como Um ritmo desesperado, junto a uma situação precária, desorganiza as muitas vezes são renovadas no decurso desencorajante, condições de dos séculos, e isso sobre o mesmo solo. vida, A opondo-se ao acordo das necessidades da máquina, modificando brutalmente certas condições centenárias, fundamentais. As era habitações abrigam mal conduziu-as ao caos. as famílias, corrompem a sua vida íntima, e o A nossa tarefa actualmente é arrancá- desconhecimento das necessidades vitais, -la à sua desordem por planos onde esteja tanto físicas como as morais, trazem os previsto seus empreendimentos, no tempo. frutos venenosos: doença, o escalonamento dos (...) decadência, revolta. *** O mal é universal, expresso, nas (...) cidades, por uma acumulação que as *** conduz à desordem e, nos campos, pelo abandono de numerosas terras. 28. ...QUE SE LEVEM EM LINHA DE CONTA *** AS (...) POSSIBILIDADES DAS TÉCNICAS MODERNAS PARA A CONSTRUÇÃO DE *** EDIFICAÇÕES ALTAS... É PRECISO EXIGIR Cada época empregou para as suas construções a técnica que lhe era imposta pelos seus recursos particulares. 118 Anexo II “A Carta de Atenas” Até ao século XIX, a arte de construir O desenvolvimento industrial depende casas não conhecia senão as paredes- essencialmente -mestras de pedra ou de tijolo ou os abastecimento em matérias-primas e das tabiques de madeira e pavimentos feitos facilidades de evacuação dos produtos com vigas e madeira. manufacturados. É, portanto, ao longo das No século XIX, um período intermédio registou os vieram enfim, século XX, meios de vias-férreas criadas pelo século XIX, e nas ferros perfilados; depois, no dos margens dos cursos de água cuja a as navegação a vapor multiplicou o consumo, construções homogéneas, todas de aço que as indústrias, verdadeiramente, se ou cimento armado. [amontoaram]. (...) Mas, disponibilidades *** aproveitando imediatas as em alojamentos e em abastecimentos, que (...) detiveram as cidades existentes, os fundadores de indústrias instalaram as III suas empresas na cidade ou seus limites, TRABALHO não obstante, o perigo que disso poderia resultar. OBSERVAÇÕES (...) *** 41. OS LOCAIS DE TRABALHO NÃO ESTÃO RACIONALMENTE COMPLEXO DISPOSTOS URBANO, ( . . . ) NO *** INDÚSTRIA, ARTESANATO, NEGÓCIOS É PRECISO EXIGIR ADMINISTRAÇÃO COMÉRCIO. ( . . . ) Antigamente, o alojamento e a oficina, unidos por estreitos e 47. …QUE ZONAS INDUSTRIAIS SEJAM permanentes INDEPENDENTES DAS ZONAS DE UMAS DAS liames, estavam situados um ao pé do HABITAÇÃO, outro. OUTRAS POR UMA ZONA DE VERDURA. A expansão inesperada do SEPARADAS (...) maquinismo quebrou estas condições de Três harmonia; em menos de um século, disponíveis conforme transformou a fisionomia das cidades, habitantes: A quebrou CIDADE-JARDIM; as tradições seculares do tipos de habitação CASA A o estarão gosto INDIVIDUAL CASA dos DA INDIVIDUAL artesanato e fez nascer uma nova mão- GEMINADA -de-obra anónima e móvel. EXPLORAÇÃO RURAL, E ENFIM, O IMÓVEL COLECTIVO 119 DE PROVIDO UMA DE PEQUENA TODOS OS Anexo II “A Carta de Atenas” SERVIÇOS NECESSÁRIOS PARA O BEM- A -ESTAR DOS SEUS OCUPANTES. vida de acontecimento *** uma cidade contínuo é um manifestado através dos séculos por obras materiais, (...) traçados ou construções, que a dotam *** com sua personalidade própria e de onde emana pouco a pouco a sua alma. 49. …QUE O ARTESANATO, INTIMAMENTE LIGADO à VIDA URBANA DIRECTAMENTE OCUPAR PROCEDE, LOCAIS São estes testemunhos preciosos do DONDE passado POSSA que serão respeitados, primeiramente por causa do seu valor NITIDAMENTE histórico ou sentimental, depois porque DESIGNADOS NO INTERIOR DA CIDADE. alguns deles têm em si uma virtude plástica na qual se encarou o mais alto O artesanato difere, por sua natureza, da indústria e reclama grau de intensidade do génio humano. disposições Fazem parte do património humano e apropriadas. Emana directamente de um potencial acumulado nos centros urbanos. aqueles Artesanatos do livro, da [bijutaria], da encarregados da sua protecção, têm a costura ou da moda, encontrarão, na responsabilidade e a obrigação de fazer concentração intelectual da cidade, a tudo o que é lícito para transmitir intacta, excitação criadora que lhe é necessária. aos séculos futuros, esta nobre herança. Trata-se aqui de poderão estar situados os possuem são *** actividades (...) essencialmente urbanas e cujos locais de trabalho que *** nos pontos mais intensos da cidade. 70. *** O EMPREGO DE ESTILOS DO PASSADO, SOB PRETEXTO DE ESTÉTICA, (...) NAS CONSTRUÇÕES NOVAS ERIGIDAS NAS V ZONAS CONSEQUÊNCIAS HISTÓRICAS, NEFASTAS, TEM O MANTIMENTO DE TAIS USOS OU DA PATRIMÓNIO HISTÓRICO DAS INTRODUÇÃO DE TAIS INICIATIVAS NÃO CIDADES SERÁ TOLERADO SOB NENHUMA FORMA. 65. OS DEVEM VALORES SER ARQUITECTURAIS Tais métodos são contrários à grande SALVAGUARDADOS (EDIFÍCIOS ISOLADOS OU CONJUNTOS lição da história. Nunca se verificou um URBANOS). retrocesso, nunca o homem pisou duas vezes o mesmo passado. 120 Anexo II “A Carta de Atenas” As obras primas do passado mostram- plano preconcebido e qualquer meditação nos que cada geração teve a sua maneira prévia foram excluídos. Hoje está feito o mal. As cidades são de pensar, as suas concepções, a sua dos desumanas e da ferocidade de alguns recursos técnicos da época que era sua. interesses privados nasceu a infelicidade (...) de numerosas pessoas. estética, apelando à totalidade *** (...) *** CONCLUSÕES 77. AS CHAVES DO URBANISMO ESTÃO NESTAS QUATRO FUNÇÕES: PONTOS DE DOUTRINA 71. A MAIOR PARTE DAS Habitar CIDADES ESTUDADAS OFERECEM HOJE A IMAGEM Trabalhar DO Recrear-se (horas livres) CAOS: ESTAS CIDADES NÃO Circular RESPONDEM DE FORMA ALGUMA AO SEU DESTINO, QUE SERIA O DE SATISFAZER AS NECESSIDADES PRIMORDIAIS O urbanismo em uso tem atacado até BIOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS DAS SUAS aqui POPULAÇÕES. circulação. Tem-se contentado em romper (...) avenidas *** DA ERA ou um em problema, traçar o as da ruas, constituindo assim as «ilhas» construídas, 72. ESTA SITUAÇÃO REVELA, DESDE O PRINCÍPIO apenas MAQUINISTA, cujo destino se deixa ao acaso das A iniciativas particulares. ADIÇÃO INCESSANTE DOS INTERESSES É PRIVADOS. um insuficiente (...) desígnio da bem missão estreito que lhe e é destinada. Nenhuma autoridade, consciente da O urbanismo tem quatro objectivos, natureza e da importância do movimento que são estes: primeiramente assegurar maquinista, interveio até agora para evitar aos homens alojamentos saudáveis, isto é prejuízos de que ninguém pode ser lugares onde o espaço, ar puro e o sol efectivamente responsável. (estas três «condições da natureza») ( . . . ) A construção de alojamentos ou estejam de fábricas, o estabelecimento de vias na segundo terra, na água ou férreas, tudo se largamente lugar, assegurados; organizar locais em de trabalho, de maneira que este em vez de multiplicou com uma pressa e uma ser uma sujeição penosa, retome o seu violência individual de onde qualquer carácter de actividade humana natural; 121 Anexo II “A Carta de Atenas” terceiro, prever as instalações necessárias à boa utilização das horas (...) *** livres, tornando-as benéficas e fecundas; quarto, 90. ( . . . ) estabelecer a ligação entre estas diversas organizações por meio de uma rede A era maquinista introduziu novas circulatória, que assegure as trocas e ao técnicas que são uma das causas da mesmo tempo respeite as prerrogativas desordem e da confusão das cidades. É de cada um. em relação a elas que é preciso procurar a solução do problema. ESTES QUATRO OBJECTIVOS SÃO AS QUATRO CHAVES DO URBANISMO. As técnicas modernas da construção *** instituíram (...) novos métodos, trouxeram facilidades, permitiram novas dimensões. *** Na história da arquitectura, abrem um verdadeiramente um novo ciclo. 87. PARA O ARQUITECTO EMPENHADO EM QUESTÕES INSTRUMENTO DE DE URBANISMO, MEDIDA SERÁ As construções novas serão não O somente de uma amplitude mas também A de uma complexidade desconhecidas até ESCALA HUMANA. aqui. Para cumprir a tarefa múltipla que lhe A arquitectura, depois do decurso é imposta, o arquitecto deverá associar-se, em todos os escalões do destes últimos cem anos deve ser, de empreendimento, novo, colocada ao serviço do homem. a numerosos especialistas. Deve abandonar as pompas estéreis, *** deve debruçar-se sobre o indivíduo e criar (...) para a felicidade deste, os conjuntos que *** envolverão todos os gestos da sua vida, 92. ( . . . ) tornando-os mais felizes. A ARQUITECTURA PRESIDE AOS Quem poderá tomar as necessárias DESTINOS DA CIDADE. medidas para levar a bom termo esta (...) tarefa, senão o arquitecto que possua o A arquitectura é responsável pelo bem perfeito conhecimento do homem, que estar e pela beleza da cidade. É ela que tenha abandonado os grafismos ilusórios se incumbe da sua criação e do seu e que, pela justa adaptação dos meios, arranjo e é à sua incumbência também aos fins propostos, crie uma ordem que que estão a escolha e a distribuição dos mantenha em si própria a sua própria diferentes elementos cuja feliz proporção poesia? constituirá *** durável. 122 uma obra harmoniosa e Anexo II “A Carta de Atenas” A arquitectura é a chave de tudo. *** (...) *** 95. O INTERESSE PRIVADO SERÁ SUBORDINADO AO INTERESSE COLECTIVO. (...) O direito individual não tem relações com o vulgar interesse privado. Aquele que cumula uma minoria, condenando o resto da massa social a uma vida medíocre, merece severas restrições. Deve ser tudo subordinado ao interesse colectivo, tendo cada indivíduo acesso às alegrias fundamentais: o bem estar do lar, a beleza da cidade. FIM DA CARTA 123 Anexo III Índice de Imagens Fig. 1: Londres, Palácio de Cristal: desenho original de Joseph Paxton, 1851. In: Benévolo 1996, 134. Fig. 2: Londres, Palácio de Cristal: pormenor da montagem, 1851. In: Benévolo 1996, 134. Fig. 3: “Red House”, Upton, Kent. Projecto de Philip Web, 1859-60. In: Cumming 1995, 21. Fig. 4: A Catedral, de Lyonel Feiniger. Xilogravura que acompanhou o manifesto da Bauhaus de Walter Gropius, 1919. In: Droste 1994, 18. Fig. 5: Estrela em forma de Catedral. Bruno Taut, 1919. In: Textos de Arquitectura de la Modernidade. Compilação de Pereu Hereu et al. Madrid: Editorial Nerea, 1994. 233. Fig. 6: Bird: tapeçaria desenhada por William Morris, 1878. In: Parry 1983, 152. 124 Anexo III Índice de Imagens Fig. 7: Acanthus: tapeçaria desenhada por William Morris, c. 1880. In: Linda Parry, William Morris Textiles, (London: Weidenfeld and Nicolson, 1983.), 27. Fig. 8: Strawberry Thief: tapeçaria desenhada por William Morris, 1883. In: Studio Designs Ed (London: Studio Designs, 1991.), Plate 9. (Agenda) Fig. 9: Um de dois painéis desenhados e bordados por May Morris, c. 1895. In: Linda Parry, William Morris Textiles, (London: Weidenfeld and Nicolson, 1983.), 31. Fig. 10: “Die Schwimmerin von Köln” (A nadadora de Colónia). Karl Hubbuch, 1923. In: Jeannine Fiedler, “Between a Nest and a Cube: About Architecture and the Concept of Life in the 1920’s” (Fiedler 1995: 31-39) Fig. 11: Vista sudoeste do edifício Bauhaus, ala dos ateliers, em Dessau. Walter Gropius, 1925-26. In: Droste 1994, 19. Fig. 12: “Architecture avant 1914. Architecture après 1918”. Antoine Pompe, cerca de 1920. In: Wolfgang Pehnt, “The “New Man” and the Architecture of the Twenties” (Fiedler 1995: 19) 125 Anexo III Índice de Imagens O primeiro carimbo Bauhaus, utilizado de 1919 a 1922, concebido por KarlPeter Röhl. Combina vários símbolos cristãos e não cristãos, incluindo a pirâmide, a cruz suástica, o círculo e a estrela. In: Droste 1994, 22. Carimbo da Bauhaus Estatal de Weimar. Óscar Schlemer, 1922. In: Droste 1994, 34. Desenho para um tapete em macramé, onde se percepciona a combinação de estruturas diferentes, reflectindo a influência das teorias da forma de Itten no atelier de tecelagem. Gunta Stölzl, 1920-22. In: Droste 1994, 41. Manifesto Bauhaus com Xilogravura de Feiniger. Walter Gropius, 1919. In: Droste 1994, 18. (Em Anexo) Programa Bauhaus. Walter Gropius, 1919. In: Droste 1994, 19. (Em Anexo) 126 Índice Agradecimentos 2 Observações Preliminares 5 Introdução: Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho 9 Capítulo 1: Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra 21 Capítulo 2: Do passado fazer futuro: união das artes 52 Conclusão: A arte como princípio transformador da sociedade 84 Bibliografia 100 Bibliografia Primária 101 Bibliografia Geral 103 Anexos 112 A.I: “Manifest” e "Programm des Staatlichen Bauhauses“ 113 A.II: “Carta de Atenas” (1932) 115 A.III: Índice de Imagens 124