Arquitectura e Design
na Ensaística de William Morris e Walter Gropius
Dissertação de Mestrado em Estudos AngloAmericanos
(Cultura
Inglesa),
apresentada
à
Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em
Outubro de 2004.
Ana Margarida de Sousa Júlio Mendes Barata | Porto 2004
Agradecimentos
O desenvolvimento e conclusão deste trabalho de Mestrado não teria
sido possível sem a presença de todos os que directa ou indirectamente
estiveram envolvidos no longo percurso de pesquisa e de aprofundamento dos
meus conhecimentos, pelo que não posso deixar de registar aqui algumas
palavras de reconhecida e sincera gratidão. À Professora Doutora Fátima Vieira
agradeço especialmente a sua orientação científica, a disponibilidade e a
paciência com que sempre recebeu e leu os fragmentos ainda pouco conclusivos
que estiveram na base da presente dissertação. Aos meus pais, sem os quais o
meu ingresso no curso de Mestrado não teria sido possível, o meu profundo
agradecimento pela compreensão e pelo carinho incondicionais com que sempre
me rodearam. Às minhas irmãs devo a amizade verdadeira e o apoio inestimável
e constante, apesar dos momentos em que estive mais ausente. Aos meus
amigos sempre presentes que nunca deixaram de me incentivar e ouvir em
momentos cruciais, apesar da minha disponibilidade intermitente ao longo destes
anos – a todos, sem excepção –, Muito Obrigada!
À minha avó
Todos os sonhos aspiram a converter-se em
realidade. Às vezes fazem parte deste
mundo como uma imagem que se reflecte
no futuro e, ao mesmo tempo, abandonan-se a ele, querem superar a sua condição de
quimera e materializar-se.
Martin Kieren,
“A beleza do novo mundo: compêndio sobre
construção. Passeio por uma cidade impossível
construída pela Bauhaus”
Vivemos fixações, fixações de felicidade.
Gaston Bachelard,
A Poética do Espaço
Observações Preliminares
Observações Preliminares
A presente dissertação surge na sequência do trabalho que redigi para o
seminário de Cultura Inglesa do curso de Mestrado em Estudos Anglo-Americanos da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. O seminário
subordinava-se
ao
tema
“Revolução”
e,
quando
me
foi
proposto
o
desenvolvimento de um dos pontos do programa sobre “Revolução na Arte”, a
personalidade e a obra de William Morris suscitaram-me particular fascínio. O
meu interesse, já de longa data, por questões relativas à arquitectura e ao design,
motivaram-me a dar continuidade, nesta dissertação de mestrado, ao trabalho
então encetado, mas com uma nova inflexão: já não era meramente Morris que
me interessava, mas também a forma como a sua ideia de indissociabilidade da
arte e do estado da sociedade poderia ter influenciado o trabalho de artistas
posteriores. A necessidade de delimitação de um corpus operacional levou-me à
análise das possíveis teias de relações, abordadas em alguns dos textos críticos
que consultei, entre o trabalho de William Morris e o de Walter Gropius, fundador
da escola Bauhaus em 1919 e responsável pelo período em que a mesma esteve
sediada em Weimar. Essas relações são sem dúvida controversas e
problemáticas, mas foi exactamente o seu carácter complexo que me motivou a
estudá-las.
À medida que fui pesquisando e me fui documentando quer no campo
vastíssimo da obra de William Morris e de tudo o que foi escrito sobre ele, quer no
campo da escola Bauhaus e do que existe sobre o seu fundador deparei com uma
grande discrepância, no que dizia respeito à variedade e número de títulos
disponíveis, nomeadamente na biblioteca do Museu Britânico e na do Royal
Institute of British Architects. Enquanto sobre William Morris tive oportunidade de
6
Observações Preliminares
consultar um número bastante alargado de títulos actuais, sobre a Bauhaus,
apesar da vasta bibliografia existente, foram poucos os títulos recentes a que tive
acesso, principalmente no que se refere a biografias de Walter Gropius. Além
disso, é de referir que a obra escrita deste arquitecto é bastante reduzida, quando
comparada com a de Morris (note-se que tenho em linha de conta somente as
palestras e ensaios), o que me conduziu à selecção de apenas alguns textos que
versassem sobre questões ligadas à arquitectura, ao design e à valorização da
função social do artista/criador, temas que irei desenvolver no âmbito deste
trabalho.
Relativamente à bibliografia, optei por a subdividir apenas em bibliografia
primária e bibliografia geral. Embora, à partida, se justificasse uma subdivisão
mais detalhada dos títulos que constam da bibliografia geral, distinguindo os
textos sobre a teoria e a história da arquitectura, os específicos sobre a Bauhaus
e sobre Walter Gropius e os que versam particularmente sobre William Morris,
considerei que a apresentação por ordem alfabética, numa mesma secção,
facilitaria a consulta bibliográfica solicitada pelas referências parentéticas
presentes no corpo do trabalho.
Cabe-me aqui apontar que a maioria das palestras e dos ensaios de
William Morris que foram objecto de estudo deste trabalho estão reunidos nos
volumes XXII e XXIII da colectânea The Complete Works of William Morris (Introd.
by May Morris. London: Routledge/ Thoemmes Press, 1992.). No entanto, como
alguns dos textos estudados a que faço referência estão compilados em outras
obras, afigura-se-me pertinente explicar as diversas opções de citação
parentética: sempre que os passos das diversas palestras de Morris presentes ao
longo deste trabalho tenham sido retiradas da colectânea The Complete Works of
7
Observações Preliminares
William Morris serão identificados com as iniciais CW, seguidas do volume em
que a palestra se insere e da página correspondente; quando tiver sido utilizada
uma outra fonte de referência, o passo citado será identificado com a data original
da palestra, seguida da página da edição em que se integra, com excepção dos
passos de News from Nowhere and Other Writings (Ed. Clive Wilmer. London:
Penguin Books, 1998.), onde se integra o conto “The Story of the Unknown
Church” (3-13), que serão referenciados com as iniciais NFN, seguidas da
respectiva página da edição utilizada.
No que diz respeito aos ensaios de Walter Gropius, tendo em conta a
diversidade de títulos em que estão compilados, serão sempre referenciados com
a data da edição da colectânea em que se integram, seguida da respectiva
página.
8
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
( . . . ) no hay hechos, ni historia, ni
particularidad, sin ideas, sin razones,
sin intenciones.
Ignasi de Solà-Morales,
Introducción a la Arquitectura
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
Quando Nikolaus Pevsner incluiu em Pioneers of Modern Design (1949) o
subtítulo From William Morris to Walter Gropius estabeleceu-se uma linha
ideológica que uniria para sempre o percurso de Morris ao de Gropius. A
continuidade da obra de ambos, implícita nesta ligação traçada por Pevsner (cf.
Pevsner 1949: 38-39), é objecto de reflexão por parte de vários autores, dos quais
destaco Chris Miele, Gillian Naylor e Mario Manieri Elia. Apesar da controvérsia
que se instalou em torno das possíveis aproximações entre o trabalho de Morris
(1834-1896) e o de Gropius (1883-1969), ressaltam os interesses que tinham em
comum pela arquitectura e pelo design, bem como o modo como percepcionaram
estas realidades no contexto social. Os seus pensamentos são ainda hoje
referências incontornáveis no campo da arquitectura e do design pela sua
responsabilidade na valorização destas disciplinas no âmbito da arte.
A personalidade e o percurso prolífico de William Morris proporcionaram
a publicação de diversos estudos críticos e biográficos, de entre os quais destaco
o da autoria de J. W. Mackail (1889), que Morris ainda terá tido oportunidade de
ler, o de E. P. Thompson (1955), o de Fiona MarcCarthy (1994) e, o mais recente,
de Stephan Coote (1995). Todos têm em comum o facto de realçarem o alcance
da actividade de Morris como designer e artífice criativo e empreendedor.
Contudo, ondeiam de forma diferente o peso dessa actividade: enquanto que
Mackail, ainda no século XIX, minimizou o impacto do desempenho político de
Morris – um pormenor referido por Northrop Frye (Frye 1990: 322) –, os trabalhos
mais recentes destacam as convicções políticas de Morris, referindo-as mesmo
como indissociáveis da sua produção quer como designer – faceta aprofundada
11
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
por Linda Parry em William Morris Textiles (1983) –, quer como ensaísta e
romancista.
Por seu lado, Walter Gropius é recordado acima de tudo como um
arquitecto activo, com obras espalhadas um pouco por todo o mundo, um
pedagogo astuto, um teórico e um reformista inovador pelas perspectivas
artísticas que implementou e desenvolveu na escola Bauhaus. Sigfried Giedion
(1954) realçou o gosto de Gropius pelo trabalho em equipa, James M. Fitch
(1960) eternizou-o como o inventor de uma nova estética, perpetuada nos
edifícios que concebeu ao longo da sua carreira, realçando também o seu
desempenho como educador, designer e crítico, enquanto Paolo Berdini (1986)
registou na sua obra todo o trabalho de arquitectura que Gropius desenvolveu em
parceria com diversos arquitectos, tendo sempre por base motivações sociais e
correspondendo ao que acreditava ser a sua função como arquitecto. Gillian
Naylor (1985) e Winfried Nerdinger (1988), sem esquecerem a importância de
Gropius como educador, reflectiram também sobre o seu vasto legado
arquitectónico.
Neste ponto será relevante destacar que Giulio Carlo Argan, no seu livro
de 1990 sobre Walter Gropius e a Bauhaus, aponta Morris como um dos
antecedentes directos da filosofia adoptada por Gropius em Weimar, um aspecto
que Gillian Naylor também sublinha num dos seus primeiros estudos (Naylor
1973). Morris é ainda mencionado em diversas obras sobre arquitectura e design,
como é o caso das de Leonardo Benévolo (1991; 1996), António Pizza (1999) e
Ignasi de Solà-Morales (2000), como uma das vozes mais potentes que, no
século XIX, ousou apelar para uma reforma social profunda através da arte,
12
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
marcando dessa forma o início de uma nova era no âmbito da arquitectura e do
design (Pevsner 1960: 22-26).
William Morris é assim visto por vários críticos como o pioneiro não só do
design moderno, sugerido por Pevsner no subtítulo de Pioneers of Modern
Design, mas também da denominada arquitectura moderna:1 Leonardo Benévolo
aponta a abertura da firma Morris, Faulkner, Marshall & Co., em 1862, como um
dos marcos definidores da emergência da arquitectura moderna no prefácio à
Historia de la Arquitectura Moderna (Benévolo 1996: 8-9); de modo semelhante, o
título da obra que Manieri Elia editou originalmente em 1976, reeditada pela
Editorial Gustavo Gili em 2001, associa inequivocamente o nome de Morris a esse
momento, ideia que é aliás reforçada pelo autor quando se refere à definição de
arquitectura apresentada por Morris em 1881 como “uma espécie de manifesto do
Movimento Moderno” (Elia 2001: 81). Ainda nesta perspectiva, Solà-Morales
aponta-o também como o “pensador e político” que está na base do
desenvolvimento da arquitectura do século XX (Solà-Morales 2000: 18).
Mas se Morris é visto como um dos propulsores do que viria
a
ser
o
Movimento
Moderno,2
Gropius
é
considerado
um
dos
seus
1
“Arquitectura moderna” deve ser entendida como “( . . . ) a investigação das maneiras possíveis
de organizar o ambiente construído, desde os objectos de uso à cidade e ao território” (Benévolo
1984: 33), uma definição abrangente na sequência ideológica do pensamento de Morris que havia
referido a arquitectura como: “A great subject truly, for it embraces the consideration of the whole
external surroundings of the life of man, we cannot escape from it ( . . . ), for it means the moulding
and altering to human needs of the very face of the earth itself, except in the outer desert” (CW
XXII 119). Leonardo Benévolo menciona três situações distintas que, na sua óptica, assinalaram o
momento que poderá ter marcado o nascimento da arquitectura moderna: em primeiro lugar,
refere a emergência das transformações técnicas, sociais e culturais decorrentes da revolução
industrial; de seguida, aponta o início da actividade da firma de Morris, pela coerência do
programa que defenderam; por último, remete para o momento em que a Bauhaus foi fundada em
Weimar, no pós-Primeira Grande Guerra (cf. Benévolo 1996: 7-9). Sempre que utilizar a expressão
“arquitectura moderna” é neste âmbito que a considero.
2
Por “Movimento Moderno” entenda-se a definição apresentada por Leonardo Benévolo: “( . . . ) la
combinación entre renovación y “modernidad,” y la ambigüedad del resultado que de ello se
desprende.” Este teórico é bastante cauteloso na delimitação cronológica do período a que a
expressão se poderá referir, mas aponta como possibilidade o intervalo de tempo entre 1919 e
13
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
mestres,3 o concretizador efectivo desse movimento: Benévolo aponta o ano em
que Gropius fundou a escola artística Bauhaus em Weimar como o momento em
que se pode falar com propriedade de Movimento Moderno (cf. Benévolo 1996: 89). Por seu lado, Ignasi de Solà-Morales, refere a Bauhaus como uma das
tentativas de criação de uma metodologia e critérios únicos de avaliação crítica
para todo o universo (Solà-Morales 2000: 19,20).
As bases históricas da arquitectura moderna terão assim sido lançadas
no século XIX, coincidindo com as aspirações de renovação da paisagem
humanizada que havia sido desintegrada pela emergência da industrialização, e
terão sido alicerçadas pelo trabalho artístico encetado nos inícios do século XX,
na perspectiva referida por Benévolo. A busca da cultura arquitectónica adequada
à realidade da época, a demanda da inovação, uma ideia implícita no uso do
adjectivo “moderna,” conduziu à reinterpretação da herança do passado
(Benévolo 1996: 6-7), de tal forma que é possível “considerar a história da
arquitectura como história do ambiente construído, produzido pela presença do
Homem na superfície terrestre” (Benévolo 1984: 33).
A abrangência semântica que Morris atribuiu à palavra “arquitectura” ao
englobar no seu âmbito não só a paisagem quando resultante da intervenção
humana, as cidades e os seus edifícios, mas também tudo o que os edifícios e a
1989 (Benévolo 1996: 12-13). A este propósito são ainda relevantes as noções apontadas por
Mário Manieri Elia: “La fórmula «Movimiento Moderno» se ha usado com distintos significados,
pero, de entre ellos, uno se ha llevado la parte del léon: se trata de la teoría que considera el
movimiento moderno como un arco de experiencias ligadas entre sí sin solución de continuidad –
por definición –, que arrancaria com las figuras decimonónicas de Ruskin y Morris y concluiría com
la Bauhaus y Walter Gropius” (Elia 2001: 7).
3
A expressão “mestres do movimento moderno” é utilizada por Leonardo Benévolo ao referir-se
não só a Walter Gropius, mas também a Le Corbusier (1887-1965), Mies van der Rohe (18861969) e Alvaro Aalto (1898-1976) (cf. Benévolo 1991: 234).
14
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
cidade pudessem conter (mobiliário, máquinas, ferramentas, informação),4
mantém-se actual quer a nível teórico, quer a nível prático, respeitando a própria
origem etimológica do vocábulo. A palavra “arquitectura” resulta da conjugação de
dois termos gregos: arjé, que significa o começo, o princípio, o primeiro, e tekton
que significa construir, edificar. Neste sentido, a arquitectura será a génese da
construção e aquele que a exerce, o arquitecto, será o principal responsável pelo
desenvolvimento dessa construção, sendo por um lado quem define as bases da
tarefa e, por outro, aquele que lidera essa actividade.5
Nos finais do século XVIII, o vocábulo “construção” indicava uma série de
aplicações técnicas que incluíam os edifícios públicos e os privados, as ruas, as
pontes, os canais, os movimentos de terras e as construções urbanas; abrangia
de certa forma toda a manufactura de grandes dimensões, onde não fosse
predominante o aspecto mecânico. Depois da Revolução Industrial, o termo
“construção” passou a englobar as actividades inseridas no sistema tradicional
habitualmente associadas ao conceito de arquitectura (Benévolo 1996: 21-22).
4
Cf. Nota 1.
5
John Ruskin parece ter ignorado este facto linguístico quando relegou para um plano inferior a
actividade construtiva, ao referir no prefácio à segunda edição de The Seven Lamps of
Architecture (1855) que a arquitectura consistia na conjugação dos elementos da escultura e da
pintura na ornamentação dos edifícios, sendo tudo o resto “mera construção” (cf. Ruskin 1969:
xxiv). Leia-se o passo do referido prefácio:
“The fact is, there are only two fine arts possible to the human race, sculpture and
painting. What we call architecture is only the association of these in noble masses, or the
placing them in fit places. All architecture rather than this is, in fact, mere building; ( . . . ).
All high art consists in the carving or painting natural objects, chiefly figures: it has always
subject and meaning, never consisting solely in arrangement of lines, or even of colours.”
(Ruskin 1969: xxiv)
Esta distinção entre “arquitectura” e “construção” não foi aceite pelas personalidades do
movimento de artes e ofícios do século XIX, que a consideraram absurda, nomeadamente Philip
Webb e W. R. Lethaby, uma vez que viam a arquitectura acima de tudo como “a arte da
construção honesta” (Brooks 1989: 325). O facto de Ruskin considerar que a arquitectura deveria
suscitar a mesma natureza de sentimentos usualmente atribuídos à pintura e à escultura poderá
ter estado na base da diferenciação que apresentou.
15
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
É interessante notar que a primeira utilização do vocábulo “urbanismo”
também se encontra associada à expansão da sociedade emergente da
Revolução Industrial, a que Morris veementemente se opôs. Nos finais do século
XIX, esta “realidade nova” deu “origem a uma disciplina que se diferencia das
artes urbanas anteriores pelo seu carácter reflexivo e crítico, e [pela] sua
pretensão científica” – o urbanismo (Choay 1992: 2).6 O urbanismo pode, pois, ser
definido como uma área através da qual se procuram respostas para um conjunto
de questões relativas à estética e à organização das cidades, no sentido de
adaptar as suas estruturas às necessidades dos homens.7 Relegada para último
plano em termos estéticos no século XVIII, a arquitectura alcançou assim na
primeira metade do século XIX um prestígio central, adquirindo um discurso
comum às outras artes, especificamente à pintura e à escultura.8
6
Françoise Choay integra a actividade de Morris como ensaísta no grupo de propostas que refere
como pertencentes ao que considera ser o “pré-urbanismo.” Neste grupo inclui também as
reflexões de Owen, Carlyle, Ruskin, Fourier, Cabet e Proudhon, Marx e Engels, pensadores que
na sua opinião se preocuparam com o problema da cidade, sem nunca o dissociarem das
problemáticas relações sociais (cf. Choay 1992: 3-14). No entanto, insere o trabalho de Walter
Gropius no âmbito do que já considera ser “urbanismo” (cf. Choay 1992: 18-26).
7
Definição com base no Dicionário Enciclopédico da Língua Portuguesa, (Vol. M-Z. Publicações
Alfa, 1992). Este conceito de urbanismo vai de encontro às noções presentes na “Carta de
Atenas,” elaborada em 1932, aquando do quarto Congresso Internacional de Arquitectura
Moderna (C.I.A.M), de onde se depreende que o urbanismo é a ordenação de espaços diversos
onde decorrem as mais variadas actividades características do dia-a-dia dos indivíduos (cf. Anexo
2, Ponto 77).
8
Relativamente à distinção entre as diversas artes, Leonardo Benévolo aponta os gregos como
possíveis responsáveis pelo facto de terem concebido quer a arquitectura quer as outras artes
“quase sob a forma de ciência,” uma concepção que resultou na percepção das artes “não como
partes convencionais e variáveis da actividade humana, mas sim como categorias permanentes e
absolutas (o prestígio desta posição”, explicita Benévolo, “perdura ainda nos nossos dias e confere
ao termo «arquitectura» uma solidez que faz com que o seu emprego continue a ser natural, ainda
que o seu conteúdo tenha sofrido uma grande alteração)” (Benévolo 1991: 18).
16
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
Recuando até à era de Vitrúvio,9 o primeiro nome associado ao estatuto
teórico de arquitecto, encontramos uma ideia análoga ao que seria a arquitectura,
mas com uma inflexão um pouco diferente: no prefácio ao Livro I de Os dez Livros
de Arquitectura, obra onde Vitrúvio afirmou ter deixado “todos os preceitos
necessários para se alcançar a perfeição na Arquitectura” (Vitrúvio [ . . . ]: 1-2),
refere-se-
-lhe como “uma ciência que deve ser apoiada por uma grande
diversidade de estudos e de conhecimentos através dos quais ela julga todas as
obras das outras artes que lhe pertencem” (Vitrúvio [ . . . ]: 2). A arquitectura surgia
aqui já como aglutinadora de conhecimentos diversos e de todas as artes,
antevendo-se os conceitos de complementaridade e de interdisciplinaridade
artísticas promovidos no século XIX nomeadamente por Morris e reafirmados por
Gropius no século XX.
Essa forma marcadamente humana e social de se entender a “arte de
bem construir”10 estendeu-se também às noções de design e de designer. O facto
de o significante da arte criativa que se refere à concepção de todo o tipo de
objectos se ter fixado na palavra inglesa design indicia a origem do conceito. A
noção de design implica que a formalização quer de um edifício, quer de um
objecto comum – uma peça de mobiliário, uma capa de um livro, ou um utensílio
de uso diário –, envolve uma atitude analítica e crítica da mesma natureza, uma
9
Pensa-se que Vitrúvio viveu no século I a.C. e que foi contemporâneo do Imperador Augusto,
mas não existem certezas a esse respeito, nem mesmo em relação ao cargo que eventualmente
terá exercido. Sobre esta questão, Helena Rua esclarece o seguinte: “( . . . ) uns classificam-no
como engenheiro militar, e outros como arquitecto romano. ( . . . ) era considerado pelos seus
pares como arquitecto e, por ser protegido do imperador, tinha como obrigação acompanhá-lo nas
suas campanhas e guerras ( . . . )” (Vitrúvio [ . . . ]: v). A obra escrita de Vitrúvio (De Architectura,
libri decem), mesmo constituindo-se mais como um “eco de uma tradição oral do que propriamente
um tratado sistemático e organizado de conhecimentos” (Solà-Morales 2000: 33), é uma fonte de
conceitos fundamentais, tendo adquirido o cariz de primeira referência, uma explicação mítica e
antropológica das origens da arquitectura. O texto de Vitrúvio é encarado como uma “obra poética
no mesmo sentido que os tratados modernos de arquitectura” (Katinsky 1999: 24).
10
A expressão é do arquitecto Fernando Gonçalves (Gonçalves 2000: 46).
17
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
consciência da forma do objecto ou do edifício que se pretende desenvolver. A
actividade do design, tal como é percepcionada actualmente, consiste na
racionalização das formas em utensílios úteis no decurso diário da vida humana
(Solà-Morales 2000: 18).
O design e a arquitectura são duas disciplinas da arte, sendo o primeiro
um processo dialéctico entre as pessoas e em simbiose com a natureza do que é
produzido e a segunda uma arte prática, destinada a construir os espaços que o
ser humano utiliza. Dissociada das pessoas, a obra arquitectónica não tem
qualquer sentido, pois ela é muito mais do que um objecto do seu criador e é esse
aspecto que lhe confere a dimensão social. A este propósito as palavras de
Balagué afiguram-se pertinentes: “A arquitectura, como assinalou Ruskin, é a
mais política das artes no sentido em que impõe uma visão do ser humano e dos
seus objectivos, independentemente de qualquer acordo pessoal entre os que a
habitam” (Balagué 2002: 77).11
O arquitecto e a arquitectura têm vindo, assim, nos últimos cem anos, a
expandir o seu campo de acção, assumindo o “desenho”12 de uma multiplicidade
de espaços e de objectos (Solà-Morales 2000: 18), uma tendência já iniciada pelo
percurso morrisiano e assumidamente concretizada na Bauhaus de Gropius.
William Morris é a figura crucial que despoleta a discussão sobre a natureza e a
importância do design e da arquitectura no meio social, ao procurar estabelecer
relações interdisciplinares entre a arte e os mais diversos campos de experiência
11
Tradução livre de: “La arquitectura, como señaló Ruskin, es la más política de las artes en el
sentido de que impone una visión del ser humano y de sus fines independientemente de cualquier
acuerdo personal entre los que viven en ella” (Balagué 2002: 77).
12
Entenda-se aqui “desenho” com a mesma significação do conceito de design, definido por Solà-Morales que apresento.
18
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
humana. Walter Gropius, por seu lado, terá sido o responsável pela redefinição
dos conceitos até então debatidos.
O cenário no qual se desenvolve a presente dissertação atravessa assim
dois períodos distintos, dois séculos e dois países diferentes que, no entanto, se
aproximam através do percurso artístico desses dois homens. Perante o vasto
número de estudos efectuados quer sobre Morris quer sobre Gropius que já tive
oportunidade de referir, e tendo em conta os evidentes pontos de contacto entre o
trabalho inicial de Gropius e as ideias de Morris relativamente à arte e à
sociedade, afigura-se-me essencial explicitar que a finalidade deste trabalho não
é apenas a observação daquilo que Gropius terá importado de Morris, nem tão-pouco a simples referência a Morris como o inspirador do trabalho realizado por
Gropius e pelos artistas e arquitectos do século XX. Nesta dissertação, proponho-me aprofundar a análise comparativa entre o percurso artístico de Morris e de
Gropius, sublinhando as semelhanças ideológicas e destacando os aspectos que
os opõem, concentrando-me na ensaística de ambos os artistas. Com esta
perspectiva comparatista pretenderei descrever a forma como Morris e Gropius
visionaram a arquitectura e o design, e avaliar o impacto que as ideias de ambos
tiveram na evolução e na reformulação do mundo da arte. Importa ainda realçar
que a fase da escola Bauhaus a que dou relevância e que tenho em consideração
quando estabeleço as comparações com a obra de Morris é a do período em que
esta escola alemã foi liderada por Gropius, em Weimar.
Tendo em consideração os aspectos referidos, a dissertação foi
estruturada em dois capítulos distintos. O primeiro, intitulado “Do gosto vitoriano à
penumbra do pós-guerra,” versa sobre o contexto histórico de William Morris e de
19
Introdução
Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
Walter Gropius. Nele saliento o percurso e perspectivas de ambos os
artistas/autores, bem como o rumo que seguiram as suas obras.
O segundo capítulo, “Do passado fazer futuro: a união das artes,” além
de comportar a minha análise do trabalho de Morris e de Gropius, com base no
legado ensaístico de cada um, realça as abordagens à arquitectura, ao design e à
reivindicação da ideia do artista/arquitecto como detentor de um papel social
progressivamente mais relevante.
Na Conclusão, retomando as linhas de força determinantes no
pensamento de William Morris e de Walter Gropius, indago fundamentalmente
sobre a aproximação entre o legado de ambos, salientando as diferenças de
concretização das suas obras, apesar das concepções ideológicas semelhantes
que estiveram na sua origem; reflicto ainda sobre a valorização da herança
artística e social destas duas personalidades indissociáveis da cultura mundial na
sociedade contemporânea.
20
Capítulo 1
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
( . . . ) it is living art and living history that
I love. If we have no hope for the future,
I do not see how we can look back on
the past with pleasure.
William Morris
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
No século XIX foram lançadas as bases que iriam proporcionar as
mudanças que ocorreriam ao longo do século XX no campo da arquitectura e do
design. A alternância de tendências, aliada à transformação histórica profunda
decorrente primeiro da Revolução Industrial Inglesa e posteriormente do período
entre as duas Grandes Guerras conduziram inevitavelmente a mudanças e
renovações,
nomeadamente
da
linguagem
arquitectónica,
alterando
a
organização de valores até então vigente. Raymond Williams, na sua obra Culture
and Society (1958), chamou a atenção para a alteração do significado e da
utilização de diversos termos, entre eles industry e art, como testemunhos das
modificações operadas na sociedade do século XIX:
( . . . ) in the first half of the nineteenth century, a number of words ( . . . )
acquired new and important meanings. ( . . . ) They are industry, democracy,
class, art, and culture. ( . . . ) The changes in their use, at this critical period
[the nineteenth century], bear witness to a general change in our
characteristic ways of thinking about our common life: about our social,
political, and economic institutions; about the purposes which these
institutions are designed to embody; and about the relations to these
institutions and purposes of our activities in learning, education, and the arts.
(Williams 1963a: 13)
Essa alteração de significado é relevante para se compreender a natureza das
transformações operadas na época e as repercussões da Revolução Industrial a
que essas transformações estiveram directamente ligadas.1
1
Note-se as explicações de Raymond Williams relativamente à alteração do significado dos
termos industry e art, relacionando-a directamente com o desenvolvimento da Revolução
Industrial: “The first important word is industry, and the period in which its use changes is the
period which we now call the Industrial Revolution. Industry before this period, was a name for a
particular human attribute ( . . . ). But, in the last decades of the eighteenth century, industry came
also to mean something else; it became a collective word for our manufacturing and productive
institutions, and for their general activities. ( . . . ) The fourth word, art, is remarkably similar, in its
pattern of change, to industry. ( . . . ) An art had formerly been a human skill; but Art, now, signified
23
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
O desenvolvimento comercial, industrial e tecnológico daí advindo
implicou necessariamente a alteração do modo de perspectivar a realidade,
condicionando o gosto2 das pessoas e a sua forma de estar na vida. O espírito
mercantilista decorrente do progresso económico que se fez sentir em Inglaterra,
já durante o século XVIII, promoveu o investimento na área da arte e do design
aliado à indústria e essencialmente estimulado pela aristocracia.3 O maior
testemunho deste espírito que se vivia em terras britânicas desde os finais do
século XVIII foi a realização da Great Exhibition em 1851. Além de se constituir
como um claro indício da afirmação de uma sociedade consumista, a Great
Exhibition implicou também, de certa forma, a transformação do espaço citadino
mesmo que temporariamente, na medida em que exigiu a construção de um novo
edifício: o Crystal Palace de Joseph Paxton (Fig. 1 e Fig. 2). Este pavilhão de
vidro e ferro tornou-se símbolo da hegemonia industrial britânica e reflexo
da experimentação de novos materiais e de configurações arquitectónicas
a particular group of skills, the ‘imaginative’ or ‘creative’ arts” (Williams 1963: 13-15). É nesta
perspectiva que utilizo os referidos termos ao longo deste trabalho.
2
Na óptica da Sociologia, a evolução do gosto depende das transformações sociais e influencia
simultaneamente essas transformações, como aponta Jukka Gronow em The Sociology of Taste
(1997). Nesta análise sobre o papel do gosto na sociedade, Gronow conclui não ser possível
encontrar uma definição concreta e geral deste conceito, uma vez que não existem regras
orientadoras das suas possíveis modificações. O gosto pode assim basear-se numa opinião,
devendo por isso ser compreendido como uma reflexão de preferências genuinamente individuais
que fazem parte dos hábitos de qualquer pessoa, mas que pode ser orientado pelas opções da
classe dominante. No âmbito da dissertação que apresento, o gosto deve assim ser entendido
como algo social e economicamente condicionado, passível de ser “corrompido” e “melhorado” (cf.
Gronow 1997: esp. pp. x, 11-12 e 41), uma vez que assume uma posição central no debate de
ideias inerentes à evolução do design e da arquitectura, como é defendido por Jules Lubbock (cf.
Lubbock 1995: xii-xv).
3
Para um estudo mais aprofundado deste período da História inglesa consultar The Tyranny of
Taste, Part IV, especialmente os capítulos 1 e 2, onde Lubbock apresenta um estudo cuidado e
pormenorizado do modo como os diversos ramos da indústria foram promovidos, incentivados e
desenvolvidos durante o século XVIII. A criação de Escolas de Design, a divulgação da porcelana
e da olaria, a promoção da seda, a manufactura do algodão e o facto de a indústria de tapeçaria
inglesa dever a sua fundação ao patrocínio da classe aristrocática, são aspectos em que Lubbock
centra a sua atenção (Lubbock 1995: 209-232).
24
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
inovadoras (cf. Pevsner 1960: 132-134 e cf.
Pizza
1999:
41-42).
A
primeira
grande
exposição mundial demonstrou assim ao mundo
o poder económico da Grã-Bretanha resultante
da sua supremacia industrial, mas revelou, por
outro lado, a má qualidade do seu design –
Dennis Farr referiu-o como “appalling trash”
Fig. 1: Palácio de Cristal: desenho
original de Joseph Paxton (1851).
(Farr 1984a: 137) –, pelo menos na perspectiva
dos que se debatiam pela simplicidade e pela
autenticidade da produção artística e que se
insurgiam contra a industrialização e a máquina
que consideravam castradora da criatividade e
da
personalidade
humanas.
John
Ruskin
responsabilizou os fabricantes industriais pela
Fig. 2: Palácio de Cristal:
pormenor da montagem (1851)
corrupção do gosto da população:
If, in short-sighted and reckless eagerness of wealth, ( . . . ) you try to
attract attention by singularities, novelties, and gaudinesses, to make every
design an advertisement, ( . . . ) – no good design will ever be possible to
you, or perceived by you. ( . . . ) You may, by accident snatch the market; (
. . . ) you may obtain the confidence of the public ( . . . ). But whatever
happens to you, ( . . . ) the whole of your life will have been spent in
corrupting public taste and encouraging public extravagance. ( . . . ) your
life has been successful in retarding the arts, tarnishing the virtues, and
confusing the manners of your country. (apud. Williams 1963c: 149-150)
A necessidade de controlar as consequências do progresso económico
no gosto e, nomeadamente, no design, tornou-se cada vez mais premente em
meados do século XIX face ao carácter hediondo de inúmeros dos artigos
25
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
fabricados e à vulgarização da máquina que permitia a sua produção massiva. A
máquina deturpava a natureza dos produtos e ameaçava a singularidade e a
originalidade individuais, por isso os reformadores do design, como William
Morris, manifestaram-se contra o seu uso e procuraram desenvolver meios de
oposição à insensibilidade e frieza da industrialização, promovendo a harmonia
através do processo de criação e produção artesanais, o único meio que
consideravam capaz de produzir objectos belos. Como Elizabeth Cumming e
Wendy Kaplan referem, “( . . . ) in their [the reformers’] eyes the salvation of British
industry and design could only be achieved through artistic intervention”
(Cumming 1996: 10).
Já durante o século XVIII, especialmente na década de 50, haviam sido
publicados diversos artigos onde se propagavam teorias sobre gosto e sobre
design, o que coincidira com a importância crescente que este último havia vindo
a adquirir (Lubbock 1995: 218).4 Um século após a divulgação das teorias de
Hogarth5 relativamente ao gosto e ao design, o governo inglês instituiu um
departamento responsável por “difundir o gosto pela população.” Foi a tentativa
de controlar as consequências nefastas da Revolução Industrial não só na
confecção de objectos, mas também no desenvolvimento urbano. Posteriormente,
esta formalidade seria substituída pelos ideais proféticos de John Ruskin e
William Morris, que viriam a alterar por completo a visão do que deveriam ser a
4
Lubbock refere textos de William Hogarth, David Hume e Adam Smith, entre outros. Segundo o
autor, David Hume e Adam Smith foram duas das personalidades cuja influência foi preponderante
na evolução do design e da política económica. Hume via no gosto estético um forte veículo
prupolsor do desenvolvimento económico sendo, simultaneamente, um dos seus “frutos”; Adam
Smith, por seu lado, considerava o consumo e o gosto aspectos centrais do referido
desenvolvimento económico (cf. Lubbock 1995: 115-143).
5
A primeira escola de design em Inglaterra foi criada a partir de um decreto-lei que ficou
conhecido como “The Hogarth’s Act”. Tendo a lei sido aprovada em 1735, o referido decreto levou
à reformulação da Academia St Martin’s Lane de onde resultou a primeira escola de design
(Lubbock 1995: 217).
26
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
arte, o design e a arquitectura (Lubbock 1995: 207). Ruskin insurgiu-se
veementemente contra o que considerava ser uma inaceitável degeneração dos
modelos sociais e culturais, apresentando a arte como força regeneradora;6
William Morris aliou aos ideais de Ruskin um socialismo humanitário e uma
consciência arquitectural inequivocamente presentes em News from Nowhere
(1890). Esta obra pode ser percepcionada como símbolo do traçado estético da
utopia de Morris, tendo em conta a imagem que ele apresenta da cidade de
Londres, de onde fez desaparecer todas as construções fabris, substituindo-as
por casas unifamiliares construídas com materiais e linhas tradicionais: “( . . . ) all
was changed from last night! The soap-works with their smoke-vomiting chimneys
were gone; the lead-works were gone; and no sound of riveting and hammering
came down the west wind from Thorneycroft’s” (NFN 48).
A segunda metade do século XIX assistiu assim ao início da consolidação
do pensamento arquitectónico em virtude do aparecimento de propostas
reformadoras, mistos de ímpeto moralista, de desejo de renovação social, e de
resistência à degeneração advinda da industrialização. A fealdade das cidades
industriais foi realisticamente descrita por Charles Dickens em Hard Times:
Coketown, a cidade do carvão, transporta o leitor para uma cidade da época quer
através das sensações visuais, quer das olfactivas. A Inglaterra foi pois o primeiro
6
À crítica de Ruskin deve-se a importância conferida à obra de arte como expressão da
mentalidade humana, dando-se particular relevância à arquitectura. Michel Ragon considera-o
responsável pela criação de uma “doutrina estética orgânica” que viria a ser a base do
desenvolvimento cultural e urbanístico futuros (cf. Ragon 1986: 89). A obra de Ruskin foi, de facto,
fundamental para a formação da teoria da arquitectura e as suas ideias influenciaram
grandemente o século XIX. Em The Seven Lamps of Architecture (1849), obra que inspirou
arquitectos e designers principalmente nas décadas de 80 e 90 desse século, Ruskin deu ênfase à
beleza do ornamento arquitectural esculpido à mão, aspecto que, na sua opinião, reflectia o
sentido do trabalho humano e o cuidado dispendido na sua execução. Ainda a propósito da
importância do sentido dado à criação, Cumming salienta: “The idea that any building or object
must be created with enjoyment to be of value, first voiced in The Seven Lamps but stressed in
“The Nature of Gothic”, was Ruskin’s major legacy to the Arts and Crafts and one that led the basis
not only for the work of Morris but also for the creeds of craft guilds later in the century” (Cumming
1996: 12).
27
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
país europeu a confrontar-se com todas as controvérsias inerentes à
industrialização, desde a exploração desumana da classe trabalhadora às
desigualdades sociais e aos problemas ambientais, acrescentando-se-lhes as
adversidades provenientes do crescimento desmesurado e da degradação das
áreas urbanas, principalmente das zonas habitacionais (Pizza 1999: 20, 67). Esta
conjuntura despoletou, principalmente entre 1830 e 1860, discussões fervorosas
acerca do design dos produtos manufacturados e do dos edifícios urbanos. A
arquitectura, que “aspirava descobrir o caminho da sua salvação” (Pizza 1999:
20), e o planeamento urbano – “the public face of the Arts of Design” (Lubbock
1995: 207) – foram gradualmente adquirindo mais importância, sendo submetidos
a
diversas
leis
e
proclamações
ao
longo
dos
séculos,
conduzindo
progressivamente à valorização do benefício público. Inicialmente, apenas os
edifícios públicos, principalmente igrejas e catedrais, eram construídos com base
em preocupações arquitectónicas. Neste contexto é elucidativo referir Christopher
Wren (1632-1723), eternizado pela construção da Catedral de St. Paul, e
Augustus W.N. Pugin (1812-1852), que privilegiava as instituições religiosas
quando procedia à escolha de um projecto. A fé cristã de Pugin levou-o mesmo a
rejeitar a arquitectura clássica que começara a ser promovida no início da época
vitoriana e a favorecer o revivalismo gótico medieval que considerava ser o único
estilo capaz de reflectir a ordem e a estabilidade do Cristianismo. Com o objectivo
de monumentalizar a arquitectura cristã, os diversos elementos do gótico foram
explorados e reorganizados, sob a orientação de ideais de ordem transcendental.
Assistiu-se ao ressurgir de formas amplas e sumptuosas e ao rasgar de janelas
esguias decoradas com vitrais multicores onde se representavam personagens e
episódios bíblicos; experimentaram-se novas técnicas de aplicação e de
28
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
compatibilização de materiais, o que veio exigir a aprendizagem de novos ofícios
(Solà-Morales 2000: 40).
Pugin, para quem a beleza arquitectural derivava da adequação da forma
do edifício à função que este iria cumprir,7 defendia três princípios básicos para a
arquitectura: honestidade estrutural, originalidade de design e a utilização de
recursos endógenos nas obras a construir. Além disso, reflectiu sobre a
importância da integração do design do mobiliário e dos utensílios no design dos
edifícios, promovendo assim a revitalização de ofícios como o dos vitrais, o da
cerâmica e o dos metais (Cumming 1996: 32). O legado deste arquitecto foi
fundamental para os preconizadores do Movimento de Artes e Ofícios, apesar de
não ter sido muito admirado por alguns, nomeadamente por William Morris.8
Os centros de discussão e debate sobre questões directamente
relacionadas com a arte proliferaram por toda a Inglaterra durante o século XIX,
defendendo-se o design livre, o recurso a novos equilíbrios entre formas e
materiais, e lutando-se pela liberdade de interpretação individual através da
promoção da liberdade de criação artística (Cumming 1996: 41). A Sociedade
7
Importa notar que um dos aspectos mais relevantes da arquitectura actual é a funcionalidade do
que é construído, quer se trate de um edifício, quer se trate de um objecto, e Pugin terá sido o
primeiro arquitecto a reconhecer essa interdependência entre forma e função, e a apresentar uma
definição do que viria a ser conhecido por “funcionalismo,” ao considerar que a beleza
arquitectural deveria ser avaliada tendo em conta a adaptação da forma do produto construído à
função que iria exercer (cf. Ragon 1986: 159-160). No cuidadoso estudo sobre o Movimento de
Artes e Ofícios onde referem, além de Pugin, diversos nomes ligados à arquitectura do século XIX,
Elizabeth Cumming e Wendy Kaplan salientam o facto de essa ideia ser já corrente na década de
50 do século em questão – alegava-se que a função de um edifício deveria condicionar o seu
design e que o mesmo deveria ser construído onde fosse possível a obtenção de materiais
cuidadosamente seleccionados. Cumming e Kaplan chamam também a atenção para o facto de
naquela época ser frequente a defesa da adequação do recheio do edifício às suas linhas
exteriores (Cumming 1996: 31-66).
8
Esta conclusão deve-se à leitura de um passo de Culture and Society: 1780-1950, no qual
Raymond Williams afirma o seguinte: “Both Ruskin and Morris were, in fact, unkind in their
references to Pugin; but this is mainly due to their difference from him, and from each other in
matters of belief. Ruskin, for example, wanted to capture Gothic for Protestantism, and was
therefore bound to oppose Pugin; whereas for Morris, Pugin’s prejudice against anything to do with
the working-class movement was sufficiently distasteful” (Williams 1963c: 139).
29
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
para Protecção dos Edifícios Antigos (SPAB), também conhecida como ‘AntiScrape’, era um desses centros. Fundada por William Morris em 1877, a SPAB
transformou-se num ponto de encontro de artistas, estetas, historiadores e
também arquitectos, ou seja, de todos aqueles que estivessem interessados no
futuro dos edifícios antigos (Cumming 1996: 36). O interesse dos que se juntavam
na referida sociedade não era o restauro dos edifícios, mas a sua preservação
como dados culturais inestimáveis que estavam a ser desprezados à medida que
avançava a industrialização.
John Summerson, prestigiado arquitecto e crítico inglês de meados do
século XX, denunciou o estado caótico da arquitectura do seu país em
Architecture In England Since Wren (1948) e chamou a atenção para a
necessidade de investimento na formação de arquitectos que considerava muito
deficiente. Summerson apresentou o século XIX como o ponto chave para a
compreensão dessa grande lacuna:
I think that what I have written will have shown how thoroughly unacademic
British architecture is and always has been. ( . . . ) Nothing could be more
unsympathetic to the academic spirit than the story of our nineteenth-century
architecture, when genius flashed from obscure corners of a scene of prolific
philistinism. (Summerson 1948: 23)
A falta de sentido académico que atribuiu à arquitectura inglesa dever-se-ia
essencialmente ao seu carácter doméstico e pouco ambicioso para que, na sua
opinião, essa arquitectura tendia.9
9
Summerson considerava que a arquitectura inglesa havia sido muito influenciada pelo espírito de
mercantilista e por uma classe de proprietários independentes que tinham, de uma forma ou outra,
imposto o seu gosto. Para justificar a sua opinião, Summerson recorreu a uma comparação entre
as igrejas inglesas e as francesas, referindo que às primeiras faltava a energia muscular
(“muscular energy”) que se sentia existir nas segundas (cf. Summerson 1948: 23-35).
30
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
O
optimismo
emergente
do
progresso
proporcionado
pelo
desenvolvimento industrial que atrás apontei foi, no entanto, abafado pela
ansiedade e angústia que caracterizaram o período das lutas proletárias e da
reforma do design. Neste cenário de controvérsias e transformações despontaram
e fluíram as questões artísticas no séc. XIX, das quais se destaca o Movimento de
Artes e Ofícios de que William Morris fez parte, como foi referido anteriormente. O
principal objectivo de todos os que aderiram a esse movimento era, pois, restituir
ao processo de produção a qualidade e o prestígio que se haviam perdido com a
divisão de tarefas e o trabalho em série impostos pela Revolução Industrial e
aclamados pelo Príncipe Albert no discurso de abertura da Great Exhibition –
“( . . . ) the great principle of division of labour, which may be called the moving
power of civilization, is being extended to all branches of science, industry, and
art” (apud. Coote 1996: 8). Além disso, os seguidores do Movimento de Artes e
Ofícios pretendiam restaurar a harmonia entre o artesão – que assistira à
desvalorização do seu trabalho – o arquitecto e o designer, e promover a
produção de objectos domésticos que fossem acessíveis em termos económicos,
mas de qualidade e de bom gosto. No entanto, o Movimento de Artes e Ofícios foi
mais do que a promoção do artesanato: assumiu-se como a esperança da
melhoria das condições de trabalho, parte importante da reforma social
pretendida. A crença no artesanato como base de uma reforma social e a procura
de um modo de vida simples conduziu os mentores do movimento ao
estabelecimento de oficinas num ambiente idílico e rural, onde a arte era
promovida como um modo de vida (Cumming 1996: 7).
Atitude semelhante em relação à vida e à arte surgiu nos inícios do
século XX, na Alemanha, no período entre as duas Grandes Guerras, perante o
31
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
sentimento de desilusão e o caos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial. Em
1919 a Alemanha viu-se dividida por uma guerra civil resultante do
descontentamento da classe operária que exigia a implantação de uma
democracia que defendesse os seus interesses. A cisão do país que daqui
resultou conduziu, nesse mesmo ano, ao estabelecimento da efémera e
carismática República de Weimar, onde se desenvolveu uma cultura artística
própria com um sentido de liberdade e de mobilidade inexistentes na vida social e
política do pós-guerra.10 Na década de 20 assistiu-se assim à organização de um
mundo artístico optimista, determinado na busca de estabilidade e de pontos
direccionais para o futuro, como se a inflação, o desemprego, a crise social ou o
NSDAP (Nationalsozialistische Deutsche Arbeiterpartei) não existissem. Vivia-se
num clima em que a liberdade artística era permitida, proporcionando o
desabrochar de grandes inovações (Hermand 1989: 9); as fronteiras das até
então distintas disciplinas artísticas começavam a esbater-se: os pintores tornam-se também poetas, escultores, homens do teatro e da arquitectura.
Em Abril do ano da implantação da “República Cinzenta”11 a Alemanha
viu nascer das cinzas e ruínas do pós-Primeira Guerra Mundial uma escola
artística que, durante os seus catorze anos de existência, foi ameaçada por cortes
10
Relativamente às questões que culminaram na crise que deu origem à República de Weimar,
Dagmar Barnouw esclarece: “The assembly which finally took place in Weimar in 1919 elected the
Social Democrat Friedrich Ebert as its first president and symbol of compromise. After the 1917
Gotha schism which had consolidated the left in its opposition to center and right, the leadership of
the (old) Social Democratic party had become more narrowly reformist in a highly volatile situation.
But where they had mistrusted too firmly the people’s ability to make decisions in their own best
interest, the left had been cherishing unrealistic hopes with respect to their instant wisdom. Both
had failed to give serious thought to questions of organization in case of revolution. Consequently
mass action, mass strikes, though more or less spontaneous in character as the left had hoped and
predicted, did not bring about the revolution but a civil war ending in the “grey Republic” of Weimar”
(Barnouw 1988: 26).
Para informações mais precisas sobre os antecedentes da implantação da República de
Weimar consultar também Hermand 1989: 14-34.
11
Expressão pela qual a República de Weimar ficou conhecida.
32
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
financeiros, hostilidades políticas e cisões internas, acabando por ser encerrada
pelos Nazis em 1933. Recordada como símbolo de uma atitude progressista em
relação à arquitectura e ao design, fruto de um idealismo e saudosismo
emergentes do pós-guerra, a escola Bauhaus sofreu várias transformações a
nível organizacional e ideológico,12 decorrentes da mudança de instalações e da
transferência de liderança que lhe esteve associada.13
Na base da história da fundação desta escola artística esteve o arquitecto
Walter Gropius, membro da Werkbund alemã. A Werkbund, uma associação
artística e económica, havia sido criada em 1907 por Hermann Muthesius,
responsável pelas Artes e Ofícios junto do Ministério da Indústria em Berlim, com
o propósito de promover “a cooperação entre arte, indústria e artesanato, para
melhoria da actividade comercial por meio da educação, da propaganda e da
12
Entenda-se aqui “ideológico” não como conceito político, mas como grupo de opiniões e de
directrizes no âmbito pedagógico.
13
Considera-se que a Bauhaus teve três fases distintas a que corresponderam directores e sedes
também distintos. Assim, a primeira fase correspondeu ao período em que esteve sob a direcção
de Walter Gropius, desde a sua fundação, em 1919, até à transferência para Dessau, em 1925; a
segunda fase (1928-1930) foi liderada por Hannes Meyer, um arquitecto suíço; na terceira fase a
Bauhaus teve Ludwig Mies van der Rohe como líder (desde 1930 até à sua dissolução em 1933,
período em que esteve sediada em Berlim). Acerca do encerramento definitivo da Bauhaus pelos
Nazis e dos acontecimentos próximos que a ele conduziram, António Jacinto Rodrigues esclarece:
“Em 1932, a crise agudiza-se ( . . . ), mesmo no interior da Bauhaus; a luta entre as tendências de
esquerda e de direita tomava formas abertas. ( . . . ) O clima social estava cada vez mais marcado
pelo avanço da direita ( . . . ) e as moções de dissolução sucediam-se. Em 5 de Outubro de 1932,
a cidade de Dessau rescindiu os contratos baseando-se num decreto de emergência. Mies Van
der Rohe e os restantes professores conseguiram reparações de danos e prejuízos e deste modo
a Bauhaus ( . . . ) teve uma certa segurança financeira. E, com extrema rapidez, foi possível
instalar a nova Bauhaus em Berlim-Steglitz. A Bauhaus de Berlim iria durar de Outubro de 1932 a
20 de Julho de 1933, altura em que o corpo docente decide encerrar a escola, em virtude das
imposições constantes da Gestapo” (Rodrigues 1989: 190-193). Para mais informações sobre as
contingências que conduziram ao encerramento da Bauhaus e sobre as relações da escola com o
nacional-socialismo consultar Fiedler 2000: 34-48. A década de 30 foi marcada por várias
transformações a nível político que condicionaram o percurso da arte e da aquitectura modernas
que, como resposta aos movimentos fascistas em ascenção, iniciaram uma espécie de emigração
“física”, uma vez que muitos dos seus protagonistas saíram do país, procurando refúgio do outro
lado do Atlântico, e uma emigração “conceptual”, dado que as poéticas na base dos valores do
progresso moderno atravessaram um período de reconsideração decisivo (Pizza 1999: 21).
33
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
posição unida sobre questões pertinentes” (Droste 1994: 12).14 Criada de certa
forma sob a influência inglesa, por meio de Muthesius, que vivera sete anos em
Inglaterra (1896-1903), onde estudou a arquitectura e o design britânicos, a
Werkbund foi referida por Michael Brooks como uma associação no âmbito da
qual as questões relativas ao papel do artesanato e da indústria na produção
artística foram debatidas com maior rigor do que em Inglaterra (Brooks 1989:
332). Perfilou-se, assim, como reflexo da prosperidade económica e do clima de
forte nacionalismo que se vivia na Alemanha no período anterior à Primeira
Grande Guerra. Esta “associação do trabalho” (Werkbund) orientava-se em
direcção ao exterior, ao mercado internacional, onde se pretendia que os produtos
alemães fossem competitivos, o que só seria alcançado se o produto final fosse
de qualidade. Ao zelar por essa qualidade na produção, a Werkbund também
contribuiu para devolver ao operário a dignidade humana que havia perdido e a
alegria na execução da sua actividade (Pizza 1999: 110).
Walter Gropius havia-se tornado membro dessa associação em 1912 por
intermédio de Peter Behrens (1868-1940), datando desta época a emergência de
algumas das suas preocupações em relação à arquitectura.15 Desde o início da
guerra que Gropius defendia a “necessidade de uma reviravolta intelectual”
(Droste 1994: 16), uma mudança que teria como objectivo principal o nascimento
de uma nova forma de perspectivar a arte e, dentro dela, a arquitectura. Numa
carta de 19 de Outubro de 1915, Gropius escreveu:
14
Para um estudo mais pormenorizado sobre a Werkbund, consultar o capítulo 3 – “The Wekbund”
– da obra de Gillian Naylor (Naylor 1993: 37-46), onde o autor esclarece também acerca da
personalidade e da relevância de Hermann Muthesius no contexto da época, assim como das
suas relações com os restantes membros fundadores da organização, entre eles Peter Behrens.
15
As preocupações de Gropius em relação à arquitectura irão ser abordadas ainda neste capítulo
e desenvolvidas no seguinte.
34
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
( . . . ) I cannot envisage teaching architecture as a separate entity, since
architecture is all embracing. What I have in mind is an independent teaching
organization, which must necessarily develop from small beginnings, and
which could be co-ordinated with the existing academy for administrative and
technical purposes, but from the artistic point of view must remain
independent. (apud. Naylor 1973: 43-44)
A oportunidade para concretizar os seus projectos surgiu após a revolução de
Novembro de 1918,16 quando, apoiado pelo Ministro da Educação Social
Democrata, foi autorizado a unir a Academia de Arte e a Escola de Artes e Ofícios
de Weimar de que era director, transformando-as numa única escola artística: a
Staatliches Bauhaus.
Apanhado pela efervescência de movimentos artísticos propulsionados
pelo desejo de reorganização social e política que se sentiu durante (e após) a
Primeira Guerra Mundial, Walter Gropius havia-se tornado membro do
Novembergruppe (uma sociedade de artistas com características semelhantes às
do Arbeitsrat für Kunst), identificando-se com o Expressionismo que esse grupo
adoptara e que se desenvolveu na Alemanha a partir de 1905. Considerado como
um movimento boémio no período anterior à guerra, o Expressionismo converteuse no sentimento vital da geração da Primeira Guerra Mundial e da do pós-guerra
(Fiedler 2000: 17), assumindo-se como um movimento de protesto contra os
valores mecanicistas característicos da Werkbund até então atribuídos à arte, à
16
Seguindo o exemplo das assembleias de trabalhadores e de soldados, após a revolução de
Novembro, formou-se o Arbeitsrat für Kunst (Conselho de Trabalho para a Arte). Gropius fez parte
da sua direcção e publicou no periódico da Revolução Alemã de 1919 um manifesto intitulado
“Baukunst im freien Volkstaat” (Arte da construção num Estado popular livre) onde, entre outros
aspectos, referiu a importância da unidade espiritual na arte e a necessidade de se criar uma nova
humanidade, um desejo de renovação da sociedade influenciado também pela Revolução Russa
de Outubro de 1917, cujos valores apelavam à criação de um mundo novo, onde existissem
condições para a construção de um futuro melhor (Fiedler 2000: 14 e 17). O Novembergruppe,
que sobreviveu até finais dos anos 20, tinha características comuns às do Arbeitsrat (Naylor 1993:
54-56).
35
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
arquitectura e à sociedade e que, a partir do início da guerra, passaram a ser
vistos como responsáveis pela degradação do ser-humano.
A máquina, porque associada ao conflito bélico, passou a ser encarada
como inimiga do homem e, por isso, um elemento a evitar: “O horror da guerra,
um clima místico e profético, acentuam a rejeição da sociedade mecanicista, tida
como responsável pela catástrofe. Este contexto vai determinar o ambiente
cultural e toda a estratégia pedagógica dos anos de formação da Bauhaus”
(Rodrigues 1989: 20). Ao referir que “a guerra e as exigências de reparação de
danos por parte das potências vitoriosas tinham acabado por completo com a
Alemanha industrial,” e ao acrescentar que “a economia de subsistência do pós-guerra reforçou política e ideologicamente o artesanato pequeno-burguês que
antes do conflito parecia sofrer a grande ameaça da indústria”, Andreas Haus
também salienta essa conjuntura (Fiedler 2000: 20).17 Naturalmente, devido à
industrialização, o artesanato na Alemanha estivera de igual modo ameaçado; no
entanto, é relevante referir que o prestígio das oficinas alemãs era bem diferente
do atribuído às inglesas, pois, ao contrário destas, não eram consideradas de
grande qualidade, como Naylor informa:
Very few of these guilds, naturally enough, enjoyed the status or the prestige
of their medieval counterparts; ( . . . ). Obviously they resisted
industrialization, on economic rather than ideological grounds, but their
effectiveness as an alternative to trade unions was weakened by the social
divisions within the guilds themselves – the ‘masters’ being reluctant to
relinquish their autonomy, in the interests of the workforce. Neither could they
be considered custodians of quality, since the majority attempted to undercut
the prices of mass-produced goods, and where they were protected by local
statutes, apparently abused such privileges as they had. ( . . . ) The English
Arts and Crafts Movement ( . . . ) was essentially conservative in that it
17
Tradução livre de: “La guerra y las exigencias de reparación de las potencias victoriosas habían
acabado por completo com la Alemania industrial ( . . . ). La economía de subsistencia de la
posguerra reforzó política e ideológicamente la artesanía pequeñoburguesa, que antes del
conflicto parecía sufrir la fuerte amenaza de la industria ( . . . )” (Fiedler 2000: 20).
36
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
attempted to preserve or revive traditional methods and values of
workmanship. Quality in workmanship, however, was linked to an idealized
concept of the quality of life of the workman, and it was these wider social and
humanitarian concerns that distinguish the British nineteenth-century craft
revival from the politics of the guilds in nineteenth-century Germany. (Naylor
1993: 25-26)
A guerra e a atitude dos seus contemporâneos fizeram com que o
idealismo de Gropius se intensificasse, reforçando também o seu sentido de
responsabilidade em relação à sociedade e ao papel que o arquitecto deveria ter
no estabelecimento do equilíbrio social. A par disso, Gropius ter-se-á apercebido
da necessidade iniludível de proporcionar a todos uma formação completa e
coerente, quer a nível cultural quer a nível artístico. Foi assim num contexto de
revolta e de transformações sociais e políticas que Walter Gropius publicou o
“Programm des Staatlichen Bauhauses in Weimar” (Anexo I),18 imbuído de um
espírito romântico que faz lembrar William Morris e a sua Brotherhood of Artists:19
“Let us create a new guild of craftsmen, without the class distinctions that raise an
arrogant barrier between craftsman and artist” (MB, 9).20
18
O “Programm des Staatlichen Bauhauses in Weimar,” publicado em forma de panfleto, foi
escrito seis meses após o fim da Primeira Guerra Mundial, em Maio de 1919, e dirigia-se
essencialmente aos estudantes inscritos nas diversas Escolas e Academias de Belas-Artes da
Alemanha. Posteriormente, Johannes Itten (elemento do corpo docente da Bauhaus entre 1919 e
1923) referiu-se a este período de reestruturação do seguinte modo: “The general unrest, disorder,
lack of direction, and uncertainty in the years after the World War I fostered the establishment of
institutions with new types of programmes” (apud. Neumann 1970: 21).
19
O objectivo da Brotherhood a que pertenceu Morris foi resumido por Burne-Jones, um dos seus
membros mais activos, como uma guerra sagrada contra a era em que ambos viveram. Sobre o
tema informa E. P. Thompson: “The “Brotherhood” had been founded in 1848, to give a sense of
mystery, dedication, formality, to the group, when they met in each others’ rooms and studios for
earnest discussion” (Thompson 1976: 41). Nesta associação prevalecia assim um forte sentido de
dedicação à arte, um desejo sincero de alcançar algo merecedor da beleza característica dos
tempos passados, apesar do comercialismo que proliferava na época.
20
Embora do título original do documento publicado por Gropius, em 1919, não conste a palavra
“manifesto”, sempre que me referir especificamente ao texto que precedeu o programa
propriamente dito, fá-lo-ei como “Manifesto” uma vez que, tendo sido essa a sua função, é assim
mencionado, por exemplo, por Gillian Naylor e Magdalena Droste. Quando me referir ao
documento na sua totalidade fá-lo-ei com o título original. Todos os passos do referido documento
37
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
A vontade de construir algo novo a partir dos escombros existia, mas não
havia certezas quanto à possibilidade de se concretizar essa vontade numa
escola, em virtude da já referida delicada situação política em Weimar. No
entanto, as negociações de Gropius com as entidades responsáveis na região
acabaram por ser bem sucedidas e, em Março de 1919, foi-lhe concedida
autorização para criar a Staatliches Bauhaus. No mês seguinte foi assinado o
acordo e o “Manifesto” foi publicado em todos os jornais alemães e distribuído nas
escolas de arte. Este documento estabeleceu o programa e os objectivos
principais da nova escola que, percepcionada como um impulso de esperança e
juventude, anunciou e incrementou mudanças de gosto, rompendo com as formas
convencionais e simultaneamente apelando a valores e atitudes que haviam sido
defendidos no século anterior por William Morris.
***********************
Quando Walter Gropius nasceu, a 18 de Maio de 1883, no seio de uma
família de arquitectos e artistas de Berlim, William Morris já havia efectuado um
profícuo caminho na luta pela qualidade, pela beleza e pela autenticidade do
design e da arquitectura em Inglaterra, percurso que conduziria à sua nomeação
como Art Referee do Victoria and Albert Museum, nesse mesmo ano, passando a
ser da sua responsabilidade o aconselhamento na aquisição de obras.
A apreciação do percurso destes dois homens para sempre ligados à arte
e à evolução do gosto tem obrigatoriamente que ter em conta, por um lado, a
de Gropius incluídos nesta dissertação foram retirados de Neumann 1970: 9-10, e serão
referenciados como MB e PB, caso se trate respectivamente de um passo do “Manifesto” ou de
um do “Programm”.
38
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
actividade que desempenharam no campo do design e da arquitectura e, por
outro, as preocupações sociais que manifestaram, muito marcantes em ambos,
mas mais evidentes em William Morris.21 Como já foi sendo exposto ao longo
deste capítulo, o contexto social e histórico em que Morris e Gropius cresceram
determinou de forma clara a sua evolução como seres humanos e influenciou o
cariz da obra que desenvolveram. O que apresento nas páginas que se seguem é
uma abordagem de alguns momentos da vida de ambos que nos poderá auxiliar a
uma melhor compreensão das suas opções artísticas.
Durante a infância e a adolescência, Morris usufruiu de um ambiente
propício ao desenvolvimento do gosto pela literatura, pela arte e pela arquitectura,
o que viria também a contribuir para a definição da sua consciência social.
Espírito persistente e incansável, pôs de lado a vida pessoal em nome de uma
esperança: transformar a sociedade através da transformação do espaço que a
envolvia. “( . . . ) I shall without doubt go on with my work, useful or useless, till I
demit,” lê-se numa carta de 1882 que escreveu para Mrs. Burne-Jones com quem
frequentemente se correspondia (apud. Mackail 1995: 69).22
O seu carácter e a aversão aos produtos da industrialização revelaram-se
desde cedo, nomeadamente em 1851 quando, com 17 anos, acompanhou a mãe
ao Crystal Palace, recusando-se no entanto a entrar no edifício da exposição, pois
21
Neste ponto importa salientar que no âmbito desta dissertação apenas serão tidos em
consideração a actividade que William Morris e Walter Gropius desenvolveram no campo do
design e da arquitectura e o modo como cada um deles percepcionou a arte e a arquitectura na
sociedade, embora oportunamente seja feita referência a outros aspectos da vida e da obra de
cada um.
22
J. W. Mackail em The Life of William Morris descreveu pormenorizadamente a vida de Morris,
dando realce às suas obras literárias e aos seus trabalhos de artesanato. Mackail incluiu longos
passos da correspondência que Morris trocou com familiares e amigos, nomeadamente com
Dante Gabriel Rossetti, Burne-Jones e Mrs. Burne-Jones, de modo a ilustrar alguns momentos
mais marcantes e assim levar o leitor a ver o mundo de Morris através das sensações que
transparecem nessas cartas.
39
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
sabia que não iria gostar do que lá estava exposto. Esta terá sido a primeira
manifestação de desprezo pelos produtos da era industrial contra os quais viria a
debater-se ao longo da sua vida. Amante da natureza e das paisagens idílicas
que povoaram a sua infância, Morris aspirava a um mundo autêntico, desprovido
de artificialismos, de injustiças e de disparidades sociais, aspirava a um mundo
onde todos pudessem usufruir da harmonia e do prazer no trabalho e assim
produzir objectos belos, um mundo a que deu vida no imaginário de News from
Nowhere. Tendo estes aspectos em consideração, não é difícil compreendermos
o motivo pelo qual o antagonismo entre as suas aspirações e a realidade do
período vitoriano em que viveu se tornaria no grande móbil do seu trabalho.
Inicialmente, Morris havia pensado formar-se em arquitectura e com esse
objectivo entrou como aprendiz no gabinete do arquitecto George Edmund Street,
em Janeiro de 1856, onde viria a trabalhar apenas durante esse ano. O contacto
com as novas perspectivas relativamente à arquitectura, que o teriam influenciado
no desejo de enveredar por essa profissão, deu-se ao longo do período em que
frequentou o Exeter College, em Oxford, onde havia entrado em 1853. No
entanto, durante o ano em que esteve no escritório de Street, onde conheceu
Philip Webb e de quem ficou amigo, Morris revelou não ter grande apetência para
a prática formal que a arquitectura exigia, o que o conduziu a abandonar o
escritório e a juntar-se a Burne-Jones em Red Lion Square, em Londres, com o
intuito de seguir uma carreira como designer. Neste ponto é relevante referir-se
que foi Street quem contribuiu para que Morris se apercebesse da potencialidade
das artes decorativas quando aplicadas aos edifícios, aspecto para o qual
Norman Kelvin chama a atenção em “The Morris Who Reads Us”: “The
apprenticeship lasted through most of 1856, and though it ended with Morris’s
40
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
abandoning architecture as a profession, it exposed him to new possibilities in the
applied arts, particularly with respect to integrating decorative elements into
buildings” (Parry 1996: 345). Para Morris a arquitectura não era o desenho no
papel, mas algo com significado mais profundo, intrinsecamente ligado ao espaço
e à ética sociais, como teremos oportunidade de observar no segundo capítulo, e
o interesse pela “arte suprema” acompanha-lo-ia ao longo de toda a vida, como
reflecte o vasto número de palestras e ensaios que escreveu sobre o assunto.23
Foi também no gabinete de Street que Morris iniciou as suas experiências em
olaria e em escultura em madeira e em pedra (MacCarthy 1994: 108).
A convivência com as ideias de Pugin e com os escritos de John Ruskin
já durante o tempo de Oxford terá estado na base do desenvolvimento do
interesse de Morris pela arquitectura gótica, levando-o a viajar pela França e
pelos Países Baixos, a visitar catedrais e colecções de arte, onde poderá ter
observado diversas tapeçarias e, assim, ter despertado também para o ofício da
tecelagem (Parry 1983: 7), que viria a ser um dos grandes atributos das suas
oficinas. A este propósito será pertinente referirmos que frequentemente Morris
destacava os edifícios com características góticas por que passava quando fazia
relatos dos seus passeios, como testemunha o passo seguinte:
We ( . . . ) drove to Cirencester, which turned out a pleasant country town
( . . . ). There is a grand church there, mostly late Gothic, of the very biggest
type of parish church, romantic to the last extent, with its many aisles and
chapels: wall-painting there and stained glass and brasses also: and tacked
on to it an elaborate house, now the town hall, but built doubtless for lodging
the priests who served the many altars in the church. I could have spent a
long day there; ( . . . ). (apud. Mackail 1995: 18-19)
23
“The Art of the People” (1879), “The Beauty of Life” (1880), “Art and the Beauty of the Earth”
(1881), “The Prospects of Architecture in Civilization” (1881), “The Aims of Art” (1886), são alguns
exemplos do legado ensaístico de Morris a que me refiro.
41
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
Por outro lado, a atenção que dedicou à pintura, arte que considerava
estar subordinada à arquitectura, adveio da convivência com Dante Gabriel
Rossetti, tendo as experiências nessa área desempenhado um papel relevante
no desenvolvimento da sua carreira no âmbito das artes decorativas. Trabalhos
em vitrais coloridos, com formas precisas, bem definidas, maioritariamente com
representações de ícones religiosos e destinados, por isso, à decoração de
igrejas, constituíram outra das vertentes do vasto campo de acção a que Morris
e o seu grupo se dedicaram (Parry 1996: 126).
O casamento com Jane Burden despoletou a necessidade de encontrar
um local onde pudessem viver de acordo com os seus gostos, acabando por se
transformar no móbil de experimentação e concretização de muitas das ideias que
Morris e o seu grupo tinham relativamente ao design e à confecção de tapeçarias
e de mobiliário. A decoração da casa – Red House –, projectada por Philip Webb,
foi assim a causa imediata da criação da firma Morris & Co., a que estiveram
ligados, além de Philip Webb, os pintores pré-rafaelitas Burne-Jones, Rossetti e
Ford Madox Brown. As actividades da firma incluíam tecelagem, tinturaria e
pintura, actividades que requeriam oficinas espaçosas, ainda mais considerando
que Morris executava todas as tarefas inerentes ao processo de confecção de
cada uma das actividades referidas. A necessidade de espaço, aliada ao
crescente desprezo de Morris pela degradação da cidade de Londres,
apressaram a transferência da firma recentemente formada para a Red House,
42
Capítulo I
assim
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
que
a
construção
desta
ficou
concluída. O edifício de pedra de linhas
simples,
mas
imponentes,
não
foi
revolucionário em termos arquitectónicos,
mas pode ser percepcionado como um
precursor da ideia de simbiose entre a
Fig. 3: Red House, Upton, Kent (1859-60)
arquitectura e a natureza, antevendo as concepções de Frank Lloyd Wright (1867-1959) e Antoni Gaudí (1852-1926).24 Acima de tudo, constituiu-se como um
símbolo e, simultaneamente, um móbil da concretização da noção do trabalho em
conjunto, realizado com prazer. Todo o trabalho efectuado na casa de Morris,
sugerindo cumplicidade e cooperação entre os vários ofícios, antecipou o modo
como o “estilo Morris” se viria a popularizar entre a classe média no final do
século XIX, e antecipou também a propagação do Movimento de Artes e Ofícios
que começou nos anos 80 e que conferiria a Morris um papel ambivalente,
simultaneamente de inspirador e de líder. Um novo público, interessado no modo
como o mundo poderia ser remodelado, preocupado com a natureza e a
honestidade dos materiais, começou a redecorar as suas casas de acordo com o
“estilo morrisiano,” desenvolvendo-se assim o interesse pelas artes e ofícios.25
24
A aproximação que estabeleço entre Morris, Wright e Gaudí tem apenas em consideração a
relevância que atribuíam ao elemento “natureza” na arquitectura, não a forma como o trabalhavam
e o integravam, aspecto que os distancia. Para Wright e Gaudí, o orgânico era essencial, o que
espelha a subordinação do seu trabalho arquitectural à natureza (Choay 1992: 31); no entanto,
enquanto Wright desenvolvia a sua obra, o edifício, como mais um elemento no cenário natural
envolvente, Gaudí transferia para o edifício e para os objectos as formas irregulares da própria
natureza (cf. Solà-Morales 2000: 64).
25
Formaram-se várias associações com o objectivo de divulgar as artes e as ideias de Morris,
entre elas a “Century Guild,” a “Art Workers’ Guild” e a “Arts and Crafts Exhibition Society” que se
sediaram em Londres. C. R. Ashbee, inspirado na sociedade descrita em News from Nowhere,
criou várias oficinas dirigidas por grupos de trabalhadores em Gloucestershire; e, em 1903, Ernest
Gimson e Sidney Barnsley fundaram a Cotswold School nos arredores de Sapperton. Todas
tinham em comum o objectivo de proporcionar ao povo uma vida mais bela (Coote 1996: 199-200).
43
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
Morris supervisionava todas as etapas que envolviam a criação dos
diferentes produtos, desde a escolha dos materiais ao desenho e à confecção do
que iria ser executado, com uma atenção e um perfeccionismo que o
caracterizariam sempre. Dois dos princípios essenciais pelos quais ele se regia
foram salientados por Mackail: “( . . . ) the first, that nothing should be done in his
workshops which he did not know how to do himself; and the second, that every
form of decorative art could be subsumed under the single head of architecture,
and had only a real and intelligible meaning in its relation to the mistress-art”
(Mackail 1995: 197-198). A arquitectura era assim percepcionada por Morris como
a arte suprema, unificadora de todas as outras, um princípio que seria adoptado
por Walter Gropius no âmbito da Bauhaus, e que terá conduzido Morris à luta pela
protecção dos edifícios, nomeadamente ao contribuir para a fundação da Society
for the Protection of Ancient Buildings (SPAB), uma das poucas actividades
públicas em que se envolveu. No contexto desta sociedade criada com o objectivo
de proteger os edifícios das possíveis tentativas de restauro, Morris descobriu o
gosto por falar em público e por expor as suas ideias em palestras, actividade que
abraçou vigorosamente desde 1877 até 1896, ano em que, já bastante debilitado,
o seu corpo cedeu ao cansaço de uma vida dedicada à paixão pelo trabalho –
“The amount of work he had already done in literature, in art, in politics, in
handicraft, was enough to fill not one, but many lives“ (Mackail 1995: 267).
Nos seus discursos manifestava preocupações a nível estético e a nível
social, dava conta do progresso das actividades promovidas pela SPAB e apelava
à melhoria da qualidade de vida do povo através da difusão da arte pelas classes
44
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
menos favorecidas, como se pode constatar neste passo de “The Prospects of
Architecture in Civilisation” (1881):26
Until our streets are decent and orderly, and our town gardens break the
bricks and mortar every here and there, and are open to all people; until our
meadows even near our towns become fair and sweet, and are unspoiled
( . . . ); till all this happens our museums and art schools will be but
amusements of the rich; and they will soon cease to be of any use to them
also, unless they make up their minds that they will do their best to give us
back the fairness of the Earth. (CW XXII: 138)
Morris acreditava convictamente que a melhoria das condições de vida e de
trabalho dos trabalhadores era o primeiro passo para o renascimento da arte e,
simultaneamente, que a mudança no design conduziria à mudança social.
Ruskin havia aberto o caminho a Morris ao chamar a atenção para a
necessidade de uma análise que tivesse em conta a interdependência entre a
condição da arte e o estado da sociedade; daí que este aprendiz de arquitecto,
depois pintor e poeta do movimento pré-rafaelita, tenha consagrado o fim da sua
vida à militância socialista, vertente política em cuja terminologia e ideais revia os
valores que defendera durante o seu percurso ao bater-se pela renovação da arte
artesanal, a única que considerava pura e propagadora de verdadeiros valores
comunitários. No entanto, ao contrário de Ruskin, Morris converteu-se num
socialista activo, conciliando a sua faceta de artesão e designer com a de político,
confessando
as
suas
preocupações
políticas
e
sociais
também
na
correspondência que trocava com familiares e amigos. Na opinião de Michael
Ragon, William Morris foi mesmo uma das personalidades mais marcantes do
26
As preocupações sociais de Morris reflectiram-se desde logo na atitude que tinha para com
aqueles que trabalhavam nas suas oficinas: não só recebiam salários acima da média como
usufruiam de condições de trabalho superiores às habituais naquela época (cf. Parry 1983: 9).
45
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
socialismo inglês no século XIX (Ragon 1983: 90). As áreas a que se dedicou
foram tão diversas que Fiona MacCarthy registou a sua perplexidade com as
seguintes palavras: “There is something almost suspect in this sheer range of
activity. In an age of ever-narrowing specialization Morris’s versatility is difficult to
grasp” (MacCarthy 1994: vii).
Versatilidade, dinamismo e inovação foram aspectos que também
caracterizaram o percurso de Walter Gropius. Contemporâneo de Mies van der
Rohe (1886-1969), de Le Corbusier (1887-1965) e de Frank Lloyd Wright, o
fundador da Bauhaus imbuiu as suas obras de um sentido de responsabilidade
social que considerava inseparável do trabalho do arquitecto, característica que o
afastou dos seus contemporâneos e o aproximou de William Morris.
Dois anos depois de concluir o curso na Technische Hochschule, Gropius
foi aceite, em 1907, como assistente no gabinete de Peter Behrens, onde viria a
colaborar no projecto para uma fábrica de turbinas destinada à Allgemeine
Elektrizitäts-Geselshaft (AEG) de Berlim. Esta experiência foi decisiva para o
jovem arquitecto na medida em que, constituindo-se esse edifício como um marco
do início de uma nova fase da arquitectura alemã, a participação no seu
nascimento influenciou o desenvolvimento das suas ideias. A fábrica de turbinas
foi considerada o primeiro edifício a reunir, de forma racional e exacta, os novos
princípios dos edifícios industriais, promotores dos valores defendidos pela
Werkbund (Busignani 1973: 14).27
Três anos mais tarde, Gropius decidiu abrir o seu próprio atelier,
abandonando assim o gabinete onde havia iniciado a sua actividade profissional.
27
Alberto Busignani escreveu, em 1973, uma biografia sucinta dos momentos mais importantes da
carreira de Walter Gropius e começou por chamar a atenção para o trabalho que este desenvolveu
no gabinete de Peter Behrens, entre 1907 e 1910, período em que Behrens estava a trabalhar no
referido projecto da fábrica de turbinas.
46
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
No entanto, foi o contacto com Peter Behrens, que também o havia influenciado a
tornar-se membro da Werkbund, que despoletou algumas das preocupações de
Gropius em relação à arquitectura, como ele próprio reconheceu:
It was Behrens who first introduced me to logical and systematical coordination in handling of architectural problems. In the course of my
association with the important schemes on which he was engaged, and
frequent discussions with him and other prominent members of the Deutscher
Werkbund, my own ideas began to crystallize as to what the essential nature
of building ought to be. I became obsessed that modern constructional
technique could not be denied the expression in architecture, and that that
expression demanded the use of unprecedented forms. (apud. Naylor 1993:
36)
Como membro da Werkbund, desde 1911, participou em debates sobre
teoria
da
arquitectura
e
visitou
exposições
que
contribuíram
para
o
enriquecimento e o aperfeiçoamento dos seus conhecimentos e, de certa forma,
para a definição das suas prioridades a nível profissional. A sua concepção de
arquitectura alicerçou-se na união entre duas vertentes que se poderiam
considerar irreconciliáveis: a característica dos edifícios industriais da AEG,
eregidos por Behrens, por um lado, e a do ruralismo bucólico que havia povoado
a sua infância, por outro (Fiedler 2000: 188).
Apologista da cooperação e do trabalho em equipa, Gropius aliou-se a
Adolf Meyer, com quem elaborou alguns projectos ao longo dos primeiros quinze
anos da sua vida profissional, de entre os quais se destacou a construção da
fábrica Fagus. Este projecto, concebido em 1911 com base em materiais
industriais como o metal e o vidro, e no recurso à técnica, foi a primeira grande
obra assinada por aquele que viria a ser considerado o líder da arquitectura
moderna. As obras concebidas por Gropius no período anterior à Primeira Guerra
47
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
Mundial são o expoente do funcionalismo ao serviço de uma indústria que se
revelava cada vez mais interessada na produção e racionalização das tarefas
(Rodrigues 1989: 21). Nesta sequência de ideias, Gropius escreveu no anuário da
Werkbund de 1913:
Os novos tempos exigem a sua própria expressão. Uma forma
desenhada com exactidão, sem nenhum tipo de acaso, contrastes nítidos,
ordem das componentes, a organização em série das partes similares e
unidade de forma e cor: estas serão as bases estéticas do arquitecto
moderno que estão em correspondência com a energia e a economia da
nossa vida pública. (apud. Berdini 1986: 10)
No entanto, como já foi abordado anteriormente, a experiência da Guerra viria a
alterar significativamente o curso da sua actividade, mas não a sua crença na
reconstrução social e no papel que acreditava que o arquitecto deveria ter nesse
contexto.
“Walter Gropius é um homem do outro pós-guerra,” afirmou Giulio Carlo
Argan em Walter Gropius e a Bauhaus (1951), cuja “obra de arquitecto, teórico,
organizador e director dessa admirável escola de arte que foi a Bauhaus é
inseparável das condições históricas da república de Weimar e da frágil
democracia alemã” (Argan 1990: 7). Neste período de instabilidade que assolou a
Europa, Gropius “pôs em jogo toda a sua cultura figurativa e teórica, o seu destino
de artista” (Argan 1990: 7); desafiou a angústia e a penumbra do pós-guerra ao
defender programas que reflectiam o seu optimismo. Talento, ambição,
inteligência, perspicácia, flexibilidade e capacidade de observação compunham a
personalidade de Walter Gropius, que rapidamente se tornou num dos arquitectos
mais conceituados da Alemanha do início do século XX, tendo por isso sido
escolhido para suceder a Henry-Clément van de Velde (1863-1957) na Academia
48
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
de Weimar que posteriormente reorganizou, dando-lhe o nome de Bauhaus.
Embora a sua actividade como arquitecto, educador e crítico se tenha estendido
muito além dos oito anos em que esteve ligado à Bauhaus, foi o projecto que lá
desenvolveu, o idealismo e o carácter empreendedor de que imbuiu os primeiros
anos de vida daquela escola, que o tornaram mundialmente conhecido como
revolucionário de uma época: “The lever with which Gropius moved the world was
a design of another order: a great educational invention, the school of the
Bauhaus” (Fitch 1960: 9).
O trabalho de Gropius como arquitecto estendeu-se por meio século e
ultrapassou os limites da fronteira alemã, podendo mesmo ser dividido em três
etapas distintas, como aponta Lionel Richard:
Une longue période allemande, marquée par sa direction du Bauhaus de
1919 à 1927 et par sa collaboration avec Adolf Meyer jusqu’en 1925. Puis, à
partir de 1934, la difficile adaptation aux aléas de l’émigration en Angleterre
et aux États-Unis. Et enfin, la guerre finie, la possibilité de renouer avec la
construction, aux États-Unis et à l’étranger, y compris en République fédérale
d’Allemagne. (Richard 1995: 12)
O período da actividade de Gropius que é alvo de estudo nesta dissertação é
apenas o compreendido entre 1919 e 1927; no entanto, será pertinente darmos
conta de alguns dos momentos que abrangeram a sua actividade posterior, e
especialmente realçarmos o facto de, ao longo de toda a sua vida, e apesar de
todas as novas e diferentes circunstâncias a que teve de se adaptar, Walter
Gropius se ter mantido fiel aos princípios iniciais que havia definido em 1914:
“( . . . ) un type d’architecte créateur, libre et indépendant, sachant mettre à profit
les capacités intuitives de l’artiste, et rompu à la connaissance des problèmes
psychologiques rencontrés couramment par les familles” (Richard 1995: 13).
49
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
Obrigado a exilar-se em Inglaterra depois de os nazis terem tomado o
poder na Alemanha, Gropius, que sempre havia tentado afastar a escola Bauhaus
de qualquer conotação política, continuou a trabalhar naquilo em que acreditava:
no desenvolvimento moral e social do indivíduo e na promoção da sua educação
para a sensibilização estética. Durante os três anos em que viveu em Inglaterra
(1934-1937), mediante um acordo estabelecido entre os arquitectos ingleses e os
exilados alemães, Gropius associou-se a Maxwell Fry, com quem projectou
algumas habitações e alguns edifícios públicos, de entre os quais se destacou o
do Impington Village-College (1936), construído em Cambridgeshire.28 Argan
descreveu esta primeira fase do exílio de Gropius como uma espécie de retorno
às origens, ao local onde Ruskin e Morris haviam divulgado e defendido a função
social da arte (Argan 1990: 90).
O convite para dirigir a Graduate School of Design da Universidade de
Harvard surgiu na Primavera de 1937 e, em Junho desse mesmo ano, Gropius
mudou-se para os Estados Unidos, onde encetou uma colaboração com Marcel
Breuer que o havia acompanhado na saída de Inglaterra.29 Foi durante os anos de
permanência nos EUA (1938-1941) que a vertente de educador de Gropius, já
revelada no tempo da Bauhaus de Weimar, se desenvolveu mais notoriamente,
tornando-se Gropius admirado não só pela sua imagem de arquitecto inovador,
mas também pela “figura do humanista, do professor, a imagem do que conduz os
seus discípulos à descoberta de si próprios, de tudo o que nos rodeia e pertence
ao homem e faz dinamizar em cada um a potencialidade criadora que em trabalho
comum é capaz de transformar a sociedade” (Gropius 1975: 9).
28
Para uma apreciação de alguns dos projectos elaborados pela dupla Gropius-Fry sugere-se a
leitura de Berdini 1986: 140-159.
29
Sobre o trabalho que Gropius efectuou juntamente com Breuer consultar Berdini 1986: 161-185.
50
Capítulo I
Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
Preconizador
incontestável
de
uma
arquitectura
adaptada
às
necessidades do homem do século XX, Gropius considerava a harmonia das
formas um reflexo da harmonia social; “na sua obra, o rigor lógico adquire
evidência formal: torna-se arquitectura, como condição directa da existência
humana” (Argan 1990: 7). Detentor de uma enorme clareza pedagógica, Walter
Gropius expôs e repetiu as suas concepções em inúmeras conferências, tal como
William Morris havia feito ao longo de toda a sua vida. No capítulo seguinte, é
parte desse legado ensaístico que será objecto de análise.
51
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Sempre acentuei ( . . . ) o outro aspecto
da vida, no qual a satisfação das
necessidades psíquicas é tão
importante quanto as necessidades
materiais, e no qual o propósito de uma
nova concepção espacial é algo mais
do que economia estrutural e perfeição
funcional.
Walter Gropius,
“Do Método”
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Independentemente da forma que assumem, as manifestações artísticas
caracterizam-se diferentemente ao longo dos tempos. São, nesse sentido, um
veículo de transmissão cultural cujo estudo proporciona simultaneamente uma
visita ao passado, uma viagem a tempos imemoriais, e um enriquecimento do
presente – passível de ser moldado – e, por extensão, uma influência no futuro.
William Morris e Walter Gropius, conscientes dessas potencialidades, defenderam
a arte como bem essencial à vida e à evolução do homem dentro da sociedade,
lutaram pela sua acessibilidade e pugnaram pela ideia de um trabalho manual
que, realizado em harmonia e em cooperação, contribuiria para a propagação da
beleza artística por toda a população: “( . . . ) art will no longer be an art of instinct,
( . . . ) it will not be an esoteric mystery shared by a little band of superior beings; it
will be no more hierarchical than the art of past time was, but like it will be a gift of
the people to the people, a thing which everybody can understand ( . . . )” (CW
XXII: 133-134).
Nos seus ensaios, Morris e Gropius apresentaram a arte como fruto da
criação do homem, carregada de emoção e de sentido, destinada a oferecer
qualidade ao dia-a-dia dos indivíduos; a arte não deveria ser um luxo ou privilégio
dos ricos, como Morris defendeu em “The Prospects of Architecture in Civilization”
(1881). Todos, desde os mais humildes aos mais abastados, deveriam ter direito
a uma habitação digna onde se respirasse beleza e alegria; todos deveriam ter
direito a usufruir de utensílios funcionais e belos. Para que a sociedade respirasse
esse bem-estar seria necessário melhorar as condições em cada lar, em cada
rua, em cada cidade, através de um trabalho conjunto e coeso que passaria pela
valorização do ambiente de entreajuda e de cumplicidade que Morris e Gropius
54
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
encontraram no período medieval. Ambos olharam através das estruturas dos
edifícios antigos para um passado distante que lhes poderia ensinar muito sobre a
árdua tarefa de melhorar o presente e, posteriormente, contribuir para a
emergência de um futuro mais promissor.
Do ponto de vista de Morris a arquitectura havia adoecido com a perda do
valor do trabalho individual decorrente da massificação industrial e com a
destruição do património levada a cabo pelas correntes de restauro. Foi no âmbito
da oposição a essas correntes que Morris integrou a Society for the Protection of
Ancient Buildings (SPAB), no contexto da qual iniciou a carreira de orador,
denunciando a degradação social e expondo as suas ideias em relação à arte de
projectar edifícios. A este propósito, leia-se o seguinte passo do manifesto de
abertura da referida sociedade escrito e proferido pelo próprio Morris em 1877:
We think that those last fifty years of knowledge and attention have done
more for their [ancient buildings’] destruction than all foregoing centuries of
revolution, violence, and contempt.
For architecture, long decaying, died out, as a popular art at least,
just as the knowledge of medieval art was born. So that the civilised world of
the nineteenth century has no style of its own amidst its wide knowledge of
the styles of other centuries. From this lack and this gain arose in men’s
minds the strange idea of the Restoration of ancient buildings; and a strange
and most fatal idea ( . . . ). (Morris 1877: 52-53)
O manifesto da SPAB denunciou o problema eminente do desaparecimento dos
edifícios medievais, nomeadamente das igrejas, mas não apresentou qualquer
solução; revelou-se, no entanto, o primeiro indício da reconciliação de Morris,
aspirante a arquitecto na juventude, com as questões arquitectónicas (Miele 1996:
17-18).
55
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Morris visionava a arquitectura como o espelho da vida e manifestou
desde cedo uma grande paixão pelos edifícios, como é possível apercebermo-nos
não só pela leitura dos seus ensaios, mas desde logo pelo contacto com “The
Story of the Unknown Church” (1856), um dos primeiros contos que escreveu.
Neste conto, talvez influenciado pelas viagens que fizera a França, descreveu
pormenorizadamente uma igreja já desaparecida num local que refere como “old
beautiful land!” (NFN 5). A arquitectura medieval, especialmente a gótica, surgia
assim como um modelo de autenticidade e de simplicidade que Morris gostaria de
ver implementado na paisagem do seu tempo. Considerava que a arquitectura só
poderia ser percepcionada como arte quando resultante da criação imaginativa do
homem, elaborada simultaneamente com emoção e inteligência, como professou
em “The Lesser Arts of Life” (1882) (cf. CW XXII 235). Posteriormente, viria a
consolidar a sua crença no carácter insubstituível dos objectos e construções do
passado, escrevendo em “The Revival of Handicraft” (1888): “( . . . ) the produce
of all modern industrialism is ugly, and ( . . . ) whenever anything which is old
disappears, its place is taken by something inferior to it in beauty” (CW XXII: 336).
Apesar do evidente fascínio de Morris pelos edifícios e pela sua
integração na paisagem quer urbana quer rural, não existe qualquer testemunho
de que tenha definido uma teoria cientificamente sólida. Ao contrário do de
Gropius, o conhecimento técnico que Morris detinha na área da arquitectura não
era muito profundo, apesar do lugar de aprendiz que ocupou no gabinete de
George Edmund Street durante quase um ano. As descrições arquitectónicas que
encontramos nos ensaios de Morris são imprecisas, quase sempre tendendo para
o bucólico, realçando essencialmente o ambiente em que o edifício se inseria e
não os pormenores construtivos. Este aspecto leva-nos a concluir que as opiniões
56
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
que transparecem na ensaística morrisiana baseavam-se sobretudo nas emoções
e não em fundamentações teóricas. De igual modo, o conhecimento que Morris
evidenciava ter na área da arquitectura medieval seria um conhecimento passivo
característico de quem lia histórias sobre a arquitectura, não de quem estava
habituado a escrevê-las.1 No entanto, este aspecto não impede que as ideias de
Morris sejam utilizadas como referência por vários arquitectos e teóricos
contemporâneos em algumas das suas obras, como é o caso de Leonardo
Benévolo e, mais recentemente, de Ignasi de Solà-Morales e de Josep Maria
Montaner.
Três décadas depois de William Morris ter escrito “The Arts and Crafts of
Today” (1889), onde reafirmava a importância da criação de objectos de uso
diário belos, resultantes do prazer na sua execução, Walter Gropius preparou
para a Bauhaus um programa que ambicionava promover a formação de
“pessoas com talento artístico para serem designers na indústria, artesãos,
escultores, pintores e arquitectos” (Gropius 1972: 37-38). Gropius pretendia que
essa formação se desenvolvesse dentro de um espírito de integração que
apostasse na união humana sem que as características individuais fossem
anuladas, como aliás já havia defendido no “Programm” publicado juntamente
com o “Manifesto” em 1919 (cf. PB, 9-10).
Foram muitos os que se sentiram atraídos pelas ideias expostas no
“Manifesto” e no “Programm” de Gropius, principalmente aqueles que haviam
combatido na Grande Guerra, que nele haviam visto um propósito, uma causa e
1
As observações ao longo deste parágrafo devem-se essencialmente à leitura da “Introdução” da
obra de Chris Miele, onde o autor estabelece algumas comparações entre as intervenções de
Morris e as de Street relativamente à arquitectura, revelando o seu cepticismo em relação ao
conhecimento técnico de Morris nessa área (cf. Miele 1996: 6-24).
57
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
um modelo de comunidade que lhes poderia proporcionar um novo modo de vida,
aquilo de que necessitavam depois do trauma do conflito mundial. Era um novo
meio de difusão do pensamento artístico baseado numa comunidade de artistas e
de criadores onde, à semelhança da brotherhood morrisiana, se apelava ao
regresso ao artesanato e onde prevalecia um forte espírito de cumplicidade. A
cooperação humana espelhava o apelo à união das diferentes artes, que Gropius
considerava fundamental para que se criasse o “edifício do futuro”:
Architects, sculptors, painters, we must all turn to the crafts! Art is not a
profession. There is no essential difference between the artist and the
craftsman. The artist is an exalted craftsman. In rare moments of inspiration,
moments beyond the control of his will, the grace of heaven may cause his
work to blossom into art. ( . . . ).
Together let us conceive and create the new building of the future,
which will embrace architecture and sculpture and painting in one unity and
which will rise one day toward heaven from the hands of a million workers like
the crystal symbol of a new faith. (MB, 9)
O “Programm des Staatlischen Bauhauses” assumiu-se como um
“projecto com uma dinâmica de profecia,” definindo-se nele o “terreno espiritual”
em que os líderes da Bauhaus se movimentavam (Rodrigues 1989: 37);
estabeleceu o programa e os objectivos principais da nova escola, realçando a
importância da arquitectura e a necessidade de fusão das artes, como é possível
entender-se pela leitura do passo acima citado.
A acompanhar o “Manifesto” e o “Programm” encontrava-se uma
xilogravura de Lyonel Feininger2 (Fig. 5) representando uma catedral, assumida
2
Lyonel Feiniger (1871-1956), um dos revolucionários que apoiara as concepções anarquistas
que haviam proliferado na Alemanha do pós-guerra, foi convidado por Walter Gropius a integrar o
corpo docente da Bauhaus, onde exerceu actividade de 1919 a 1925.
58
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
como símbolo de uma nova filosofia de
estrutura. Três raios de luz convergem no cimo
da torre, três artes – Pintura, Escultura e
Arquitectura – que se unem, cooperando na
criação de uma realidade artística coesa que
reflectia o espírito de comunidade que a
Bauhaus pretendia promover. É ao artigo de
Wilhelm Worringer, “Problemas da Forma da
Arte Gótica” (1912), que se deve a emergência
do simbolismo associado à catedral.3 Feininger
não foi o único autor a utilizar a imagem de
Fig. 4: “A Catedral” (1919)
uma torre de catedral gótica; também Bruno
Taut, por exemplo, recorreu à mesma figura
para ilustrar a capa do seu livro Die Stadtkrone
(1917) (Droste 1994: 19) e poucos anos depois
eternizou no papel a idealização de uma
estrela com a forma de uma catedral que
intitulou de “Domstern” (Fig. 5). Adolf Behne e
Karl Scheffer, dois importantes críticos alemães
Fig. 5: “Domstern” (1919)
de arquitectura, consideram a catedral uma
3
De acordo com Wilhelm Worringer, a catedral é a expressão mais forte do sentimento medieval:
“[a] ( . . . ) vontade criadora gótica ( . . . ) surgiu a partir das necessidades da história universal; ela
exprime-se tão poderosa e claramente no mais pequeno fragmento de roupa gótica como numa
grande catedral” (Worringer 1911: 15).
A catedral foi também o edifício escolhido por William Morris como cenário do já referido
conto “The Story of the Unknown Church”, um local idílico onde, em tempos passados, uma
catedral de características marcadamente francesas se impusera como “símbolo de fertilidade”
(MacCarthy 1994: 88).
59
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
alegoria de Gesamtkunstwerk (união total da obra de arte), conceito debatido por
Richard Wagner em Arte e Revolução (1849), e simultaneamente um símbolo de
unidade social (Droste 1994: 19). Nesta sequência de ideias, a catedral presente
na xilogravura de Feininger foi também percepcionada como “Catedral do
Socialismo,” uma vez que o trabalho desenvolvido na Bauhaus e o ambiente que
lá era promovido podiam ser identificados com os das sociedades ditas
socialistas, como apontam as palavras de Bernd Faulenbach: “Such orientation
fits the fact that the Bauhäusler – at least in the beginning – felt obliged not to the
bourgeois cult of genius but to the idea of a socialist society” (Fiedler 1995: 51).4
Walter Gropius rodeou-se de artistas como Lyonel Feininger, Paul Klee
(1879-1940), Wassily Kandinsky (1866-1944) e Laszlo Moholy-Nagy (1895-1946)
que assumiram a função de desenvolver e impulsionar o processo criativo nas
diferentes oficinas que integravam a escola. Além das oficinas de cerâmica,
carpintaria, pintura, escultura, metalurgia e tecelagem, onde o artesanato era
promovido, a Bauhaus integrou também oficinas de teatro, de tipografia e de
fotografia, tendo sido o desenvolvimento das duas últimas posterior ao período de
Weimar, após a mudança da escola para Dessau.5 Sob a égide do seu sonho,
ainda com um programa pouco definido, Gropius conseguiu reunir um grupo de
artistas revolucionários da época e que actualmente conhecemos como grandes
4
Bernd Faulenbach, no artigo “Bauhaus and Labor Movement in the Political and Cultural
Discussion during the Weimar Republic,” integrado na edição de Jeannine Fiedler (1995), fez uma
análise crítica relativamente à conduta política da Bauhaus, afirmando ser possível a existência,
na fase inicial da escola, de uma certa aproximação às ideias socialistas (cf. Fiedler 1995: 49-55),
embora, como referi no Capítulo 1 desta dissertação, Gropius tenha desde sempre tentado afastar
qualquer conotação política da sua escola. Sobre a relação da Bauhaus com partidos e ideologias
políticas, cf. também Droste 1994: 48-51 e 113-114.
5
O trabalho desenvolvido em cada uma das oficinas da Bauhaus é pormenorizadamente
apresentado na obra de Magdalena Droste (Droste 1994: 68-104) e na edição de Jeannine Fiedler
(Fiedler 2000: 402-497).
60
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
mestres do século XX, como é o caso de Feininger, Klee ou Kandinsky. O modo
como esses artistas lidaram com as noções de estrutura, cor, espaço e forma
influenciou verdadeiramente o trabalho aí executado.
A Bauhaus de Weimar encontrava-se assim profundamente marcada por
uma concepção romântica onde artista e artesão se confundiam, uma vez que “o
artista [era] visto numa perspectiva metafísica do criador do Belo, alheio à
evolução materialista do modelo industrial” (Rodrigues 1989: 18). Esta concepção,
que se intensificou com a presença de Johannes Itten (1888-1967)6 na escola, é
perfeitamente identificável com a perspectiva morrisiana, como podemos
constatar pelo seguinte passo de “The Prospects of Architecture in Civilization”:
When a man turned the wheel, or threw the shuttle, or hammered the iron,
( . . . ) he was expected to make a work of art ( . . . ), he might attain to
making a work of the greatest beauty: this was felt to be positively necessary
to the peace of mind both of the maker and the user; and this is it which I
have called Architecture: the turning of necessary articles of daily use into
works of art. (CW XXII: 144)
Tal como Morris, também Gropius considerava a arquitectura o fim de
toda a actividade criativa, possível apenas pela união das diferentes artes. Poderá
parecer contraditório fazer coincidir a imagem do autor de um projecto como o da
fábrica Fagus, cuja concepção se baseou no corte radical com o estilo e materiais
6
Pintor e pedagogo, Johannes Itten marcou fortemente a Bauhaus de Weimar. Começou por ser
convidado por Gropius para discursar na sessão inaugural da Bauhaus, tendo posteriormente sido
responsável pela criação do curso preparatório que todos deveriam frequentar antes de serem
admitidos na escola. Itten promoveu o estudo de objectos naturais e materiais, pois considerava
que assim se podia apreender o que de contraditório existia em cada um dos materiais; deste
modo, incutia nos alunos a necessidade de se “viver a obra de arte,” de se absorver a sua
essência. Itten demitiu-se em Abril de 1923 no seguimento de diversos conflitos com Gropius.
Com a sua demissão abriu-se caminho para uma nova filosofia de ensino que se concretizou mais
tarde em Dessau. A metodologia da intuição que havia promovido, bem como a valorização do
artesanato e da tradição a que havia dado ênfase, foram postas de lado sendo substituídas
gradualmente pela criação de produtos capazes de responder às necessidades industriais.
61
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
do século XIX, com a do promotor de guildas e associações de artesãos e
catedrais medievais, mas o facto é que tal se verifica. Walter Gropius promoveu
diversos paralelismos entre os ideais medievais relativamente à arte presentes
em William Morris e o que ele considerava ser o papel da arquitectura na
sociedade. Na sua perspectiva, era da responsabilidade do arquitecto
proporcionar a todos e de igual modo o acesso a objectos de arte que fossem
simultaneamente úteis e imaginados e produzidos no âmbito de uma comunidade
coesa e cooperativa. O modelo para esta comunidade foi encontrado por Gropius,
tal como antes havia sido por Morris, na sociedade medieval:
[No] nosso campo de operação não há regras para o trabalho em conjunto, a
não ser que voltemos à Idade Média para estudar as corporações de ofícios
dos mestres-construtores das grandes catedrais. O mais surpreendente na
organização destas guildas era o facto de que, até meados do século XVIII,
cada artesão, participante na obra, podia não apenas executar, mas também
projectar a parte que lhe cabia ( . . . ). Quase nunca existiam projectos no
papel; o grupo de trabalho vivia junto, discutia a tarefa comum e transpunha
as ideias directamente para o material. (Gropius 1972: 125-126)
Como já foi referido, Gropius pretendia divulgar o trabalho de equipa e a
percepção das várias artes como um todo coeso e complementar, pois só assim
considerava ser possível produzir-se em proveito da sociedade: “Architects,
painters, and sculptors must recognize anew the composite character of a building
as an entity. Only then will their work be imbued with the architectonic spirit that it
lost when it became a ‘salon art’.” (MB, 9). O edifício era assim visto como uma
entidade que reunia toda a actividade artística, desde o design à construção, uma
interdisciplinaridade que continua a ser característica da criação contemporânea
(cf. Roqueta 2002:69).
62
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Algumas décadas depois de ter escrito o Manifesto, Gropius reafirmou a
teoria de unidade e de cooperação que considerava essencial na Bauhaus: “It
was created to show how a multitude of individuals, willing to work concertedly but
without losing their identity, could evolve a kinship of expression in their response
to the challenges of the day. Its aim was to give a basic demonstration of how to
maintain unity in diversity”7 (Gropius 1968: 51). A semelhança com William Morris
é evidente, pois também ele havia defendido o trabalho em conjunto sem prejuízo
da criatividade individual, reconhecendo que a cooperação entre as diferentes
artes era propícia à criação de objectos e edifícios naturalmente belos. Só com
essa cooperação existiria a arquitectura:
The word Architecture has, I suppose, to most of you the meaning of
the art of building nobly and ornamentally. ( . . . ) noble as that art is by itself,
and though it is specially the art of civilization, it neither ever has existed nor
never can exist alive and progressive by itself, but must cherish and be
cherished by all the crafts whereby men make the things which they intend
shall be beautiful ( . . . ).
It is this union of the arts, mutually helpful and harmoniously
subordinated one to the other, which I have learned to think as Architecture
( . . . ). (CW XXII: 119)
Neste sentido, a catedral desenhada por Lyonel Feininger simbolizaria para
Gropius a visão cooperativa dos diferentes artífices. Todos, desde o arquitecto
aos trabalhadores de construção, deveriam trabalhar em conjunto para que a obra
nascesse. A catedral, associada ao estilo gótico medieval valorizado e promovido
7
Em itálico no original. A ideia de unidade e de cooperação expressa no passo citado é recorrente
na ensaística de Gropius, como podemos constatar pelos exemplos seguintes: “My own approach,
from the Bauhaus days on, has always been ( . . . ) to say “and” instead of “either-or”, thus seeking
unity in diversity as the desirable aim.” (“The Inner Compass”, discurso proferido na festa de
celebração do seu 75º aniversário, em 1958, Gropius 1968: 18); “We know, after all, that diversity
in unity, not conformity, constitutes the fabric of democracy.” (“Unity in diversity”, Gropius 1968:
22); “( . . . ) this idea of the fundamental unity underlying all branches of design was my guiding
inspiration in founding the original Bauhaus” (apud. Farr 1984b: 311).
63
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
por John Ruskin e posteriormente pelo seu fiel discípulo William Morris, era assim
utilizada para promover a arte do futuro.
O estilo gótico caracteriza-se essencialmente pelos edifícios que se
elevam infinitamente em direcção ao céu, um desenvolvimento em altura no
sentido de um ponto máximo para o qual as suas forças se orientariam num
desejo de desenvolver uma reunião artística, representada na xilogravura de
Lyonel Feininger pela convergência dos raios de luz e das estrelas no cimo da
catedral. A apologia da união das artes através de um símbolo gótico poderia
indiciar a presença desse estilo no movimento Bauhaus, mas tal não se verificou.
No entanto, as formas góticas têm por base o estilo geométrico8 – que também
caracteriza os trabalhos da Bauhaus –, uma presença camuflada de um elemento
fundamental em William Morris. O espaço gótico, pelo seu esplendor e beleza
aliados à simplicidade das formas e ao modo como elas se coadunam em
harmonia, proporciona um sentimento de vertigem que, na minha opinião, pode
verificar-se de igual modo quando se observam nos edifícios de Gropius as linhas
rectas a perder de vista.
A catedral, elemento claramente religioso, assumiu-se como símbolo de
uma nova fé na arte e na sociedade, reflectindo um desejo de mudança e
simultaneamente a esperança de concretização de um ideal. Transformação e
mudança eram também as palavras de ordem de William Morris que, no século
anterior, pretendera, através do apelo a uma mudança social, revolucionar a arte
8
Sobre o assunto, Wilhelm Worringer explica: “A base sobre a qual se desenvolvem as intenções
formais góticas é o estilo geométrico, tal como este se disseminou por toda a Terra enquanto estilo
do homem primitivo; ( . . . ) o grande poder futuro da Idade Média, a arte gótica, se desenvolveu
com base no estilo geométrico ariano” (Worringer 1911: 44-45). Embora os estilos gótico e o que
caracteriza os edifícios da Bauhaus não sejam comparáveis é interessante notar o facto de ambos
terem por base a geometria das formas.
64
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
e o modo de perspectivar a relação do homem com o trabalho. Morris encontrara
na época medieval o modelo para essa relação, como foi referido anteriormente, e
considerava o trabalho essencial à vida e à felicidade, uma ideia que apreendera
da doutrina de Carlyle,9 e que aprendeu a pôr em prática durante a sua vida:
“( . . . ) every day the hammer chinked on the anvil, and the chisel played about
the oak beam, and never without some beauty and invention being born of it and
consequently some human happiness” (CW XXII: 42). No entanto, foi a Ruskin
que deveu o modo criativo de perspectivar o trabalho, interligando-o com a arte. A
obra de Ruskin, especialmente The Stones of Venice, fornecera a Morris os
elementos essenciais para a formação de uma teoria que conjugava elementos de
análise artística e social que, de certa forma, se viu reflectida na obra de Walter
Gropius e na Bauhaus de Weimar.
Ruskin, para quem a arte deveria revelar a Beleza e a Verdade
universais, havia reflectido sobre a importância e necessidade da criatividade no
trabalho, considerando que à componente mecânica e física se deveriam associar
o trabalho intelectual e o moral, pois a separação destas componentes implicaria
a destruição e a diminuição de ambos: “You must either make a tool of the
creature or a man of him” (apud. Thompson 1976: 35). Este aspecto está patente
em Morris e, do meu ponto de vista, foi igualmente defendido por Walter Gropius
uma vez que, à semelhança de Morris, Gropius reforçou a importância da
manifestação do poder imaginativo e criativo do homem, nomeadamente como
9
A Carlyle devem-se afirmações que reflectem a valorização do trabalho manual, como: “All true
Work is sacred; in all true Work, were it but true hand-labour, there is something of divineness,” e
outras que realçam as suas consequências positivas no carácter humano, como: “A man perfects
himself by working,” onde revela claramente a sua opinião em relação ao trabalho (apud.
Thompson 1976: 32).
65
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
estratégia de combate à uniformização e à despersonalização industriais (cf.
Gropius 1972: 21).
Gropius promoveu também a fusão do artista com o artesão: “There is no
essential difference between the artist and the craftsman. The artist is an exalted
craftsman. In rare moments of inspiration, moments beyond the control of his will,
the grace of heaven may cause his work to blossom into art.” (MB, 9). Não
seguem estas palavras de Gropius a ideia proferida por Morris em “Art or no Art?
Who shall settle it?”? – “( . . . ) for all craftsmen were more or less artists, and
could not help adding beauty to the goods they made” (Morris 1884b: 19).
A arte teria como objectivo a felicidade do homem, proporcionar-lhe
beleza e prazer no trabalho e na vida, como defendera Morris: “( . . . ) the Aim of
Art is to increase the happiness of men, by giving them beauty and interest of
incident to amuse their leisure, and prevent them wearying even of rest, and by
giving them hope and bodily pleasure in their work” (CW XXIII: 84). Nesta
sequência de ideias, a arte era compreendida como um bem essencial. Gropius
defendeu os mesmos valores ao considerar que a criatividade artística seria
alimentada pela beleza e pela qualidade se estas estivessem presentes em todas
as camadas sociais (cf. Gropius 1968: 10). Ainda a este propósito parece-me
pertinente realçar o seguinte passo de “Apollo in the Democracy” (1956):
In a long life I have become increasingly aware of the fact that the creation
and love of beauty not only enrich man with a great measure of happiness but
also bring forth ethical powers. An age which does not give this love for
beauty sufficient room remains visually underdeveloped ( . . . ).10 (Gropius
1968: 4)
10
Em itálico no original.
66
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Na óptica de Gropius, a beleza havia sido negligenciada pela presença
obsessiva
da
máquina
e
pela
tendência
do
homem
para
recorrer
descontroladamente a esse elemento de produção, dificultando mesmo a
capacidade de discernimento dos indivíduos em relação ao que seria de
qualidade: “Our apologia is that the rapid progress of technology and science has
confounded our concepts of beauty and the good life; as a result, we are left with
loose ends and a sense of helplessness in the midst of plenty.” (Gropius 1968:
23).
Seguidor convicto dos princípios ruskianos, William Morris rejeitou
veementemente os valores da era industrial característicos do período vitoriano,
defendendo a produção artística pelo povo e para o povo: “art which is to be made
by the people and for the people, as a happiness to the maker and the user.”11
Morris possuía uma acentuada consciência social e acreditava, tal como o faria
Gropius, que o artista tinha responsabilidades cruciais em relação à sociedade.
Através do seu trabalho, o artista deveria promover uma arte que fosse acessível
a todos, proporcionando a evolução do homem.
No caso particular de Morris, é inevitável apercebermo-nos da
contradição existente entre o que ele acreditava ser a arte democrática, isto é,
acessível a todos independentemente das condições social e financeira em que
11
Esta ideia é recorrente em diversos ensaios de Morris, constituindo um dos pilares basilares da
sua filosofia: “Then having leisure from all these things, ( . . . ): men will then assuredly be happy in
their work, and that happiness will assuredly bring forth decorative, noble, popular art.” (“The
Lesser Arts” 1877, CW XXII: 26-27); “That thing which I understand by real art is the expression by
man of his pleasure in labour. ( . . . ) with that seed would be sown also the seed of real art, the
expression of man’s happiness in his labour – an art made by the people, and for the people, as a
happiness to the maker and the user.” (“The Art of the People” 1879, CW XXII: 42, 46); “if art ( . . . )
is to live and not die, it must in the future be of the people for the people, and by the people;” (“The
Prospects of Architecture in Civilization” 1881, CW XXII: 133).
67
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
viviam os indivíduos, e o custo do que era produzido nas suas oficinas. O recurso
exclusivo a técnicas artesanais e a morosidade do trabalho que aí se efectuava
encareciam os produtos que, por isso, eram maioritariamente adquiridos pelos
que tinham mais posses e que, ironicamente, proporcionavam a sobrevivência do
design. No entanto, esse aspecto não impediu Morris de continuar a discursar,
defendendo os valores em que acreditava: “I wish people to understand that the
art we are striving for is a good thing which all can share, which will elevate all,”
confessou em “The Art of the People” (CW XXII: 39), e numa das suas primeiras
palestras – “The Lesser Arts” (1877) – havia já professado: “I do not want art for a
few, any more than education for a few, or freedom for a few” (CW XXII: 26).
Walter Gropius, no início do século seguinte, viria a defender uma ideia
análoga ao pretender estender a todos o acesso à Bauhaus e ao promover o
desenvolvimento de um projecto que implicava a anulação das distinções entre as
classes, factor inibidor do espírito artístico. A este propósito, importará recordar o
seguinte passo do “Manifesto”: “Let us create a new guild of craftsman, without the
class distinctions that raise an arrogant barrier between craftsman and artist” (MB,
9). Embora, neste contexto, a defesa da abolição da distinção entre classes e,
consequentemente, a promoção da igualdade entre os diversos membros da
comunidade se refiram directamente ao campo da arte, penso que podem ser
transpostas para o campo da sociedade em geral uma vez que, de acordo com
Morris e Gropius, a arte reflecte o ambiente social em que se desenvolve, como
referiu William Morris em “The Aims of Art”: “( . . . ) art is and must be, either in its
hollowness or its barreness, in its sincerity or its superficial way, the expression of
the society amongst which it exists” (CW XXIII: 84). Em 1953 Gropius aludiu ao
mesmo aspecto quando apontou a interdependência entre desenvolvimento
68
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
cultural e artístico e o desenvolvimento social: “Ideas of cultural import cannot
spread and develop any faster than the society which they seek to serve” (apud.
Naylor 1973: 7).
Para Gropius as questões sociais assumiam uma importância central. O
bem-estar da população deveria ser prioritário; as condições em que o trabalho
era desenvolvido, factores determinantes das características e estruturas sociais
na perspectiva de Gropius, desempenhavam nesse âmbito um papel muito
importante, como é possível inferir-se da seguinte afirmação: “Contra as
imitações, contra o trabalho medíocre e o diletantismo das artes aplicadas, a
Bauhaus luta por uma nova qualidade de trabalho.”12 Um dos objectivos
pedagógicos da Bauhaus era, pois, promover a criação de condições dignas não
só de habitação, mas também de trabalho, uma ideia que se popularizou durante
o período de crise do pós-guerra. Compreende-se então que esta escola artística
se tenha direccionado para os problemas prementes da habitação que afectaram
a Alemanha nessa época, concentrando-se em desenvolver alternativas que
permitissem solucionar esses problemas, ultrapassando assim as fronteiras que a
haviam instituído como escola de arte (cf. Fiedler 1995: 41-45). Neste sentido,
para todos os que se encontravam ligados à Bauhaus, a apologia de uma nova
arquitectura não era um luxo, mas uma necessidade para o povo, como havia
sido anunciado no “Manifesto.” A grande tónica da Bauhaus era, pois, a
arquitectura, daí o seu objectivo primordial ter sido a reunião de todas as artes
12
Tradução livre de: “Contre les succédanés, contre le travail médiocre et le dilettantisme des arts
appliqués, le Bauhaus lutte pour une nouvelle qualité de travail." (Gropius 1923: 40).
Parece-me oportuno citar um passo de “Some Hints on Pattern-Designing” pela semelhança de
conteúdo com a referida afirmação de Gropius: “( . . . ) I will never address my countrymen on the
subject of art without speaking as briefly, but also as plainly as I can, on the degradation of labour
which I believe to be the great danger of civilization, as it has certainly proved itself to be the very
bane of art” (CW XXII 202).
69
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
sob a sua égide: “The Bauhaus strives to reunite arts and crafts – sculpture,
painting, applied art, and handicrafts – as the permanent elements of a new
architecture” (MB, 9).
O impacto e relevância da arquitectura haviam sido inquestionáveis já no
período vitoriano em que Morris vivera, pois vigorava a consciência da
impossibilidade de o homem não ser afectado pelo ambiente que o rodeava e a
co-responsabilização da comunidade não podia ser negada, como o próprio
Morris realçou em “The Prospects of Architecture in Civilization”: “( . . . ) I entreat
you to turn your minds to thinking of what has come of Architecture, that is to say,
the fairness of the earth amidst the habitations of men: for the hope and the fear of
it will follow us though we try to escape it; it concerns us all, and needs the help of
all” (CW XXII: 120). Era impossível ignorar alguns edifícios eregidos sob os ícones
do capitalismo e da industrialização, “monstruosidades híbridas” consideradas por
Morris e pelo seu grupo como marcas inegáveis da degradação do espírito
humano (Thompson 1976: 27).
Como já tive oportunidade de salientar, William Morris manifestou nos
seus ensaios preocupações diversas em relação à arte e à degradação da
sociedade, preocupações artísticas e sociais que se verificam de modo
semelhante em Gropius, apesar das diferenças inerentes à distância temporal dos
contextos em que se inserem. O fundador da Bauhaus defendia uma aproximação
constante da sua escola aos assuntos reais, o que reflecte e realça o
compromisso que mantinha com a sociedade, procurando essencialmente
promover a melhoria das condições de trabalho da classe operária de forma a que
o trabalho individual fosse valorizado.
70
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Por seu lado, algumas das preocupações prioritárias de Morris em
relação à sociedade diziam respeito aos aglomerados de barracas junto dos
centros industriais onde a maioria dos trabalhadores vivia, e à necessidade da
implementação de uma arquitectura construída não com o objectivo da mera
obtenção de lucro ou de expressão de status, mas com a finalidade de dar prazer
e alegria aos seus utilizadores (Thompson 1977: 2).
Como artista, Morris defendeu o retorno à arte medieval, a um estilo
autêntico e simples, artesanal, com o qual Gropius se identificou em 1919:
Simplicity of life, even the barest, is not a misery, but the very foundation of
refinement ( . . . ).
And then from simplicity of life would rise up the longing for beauty,
which cannot be dead in man’s souls, and we know that nothing can satisfy
that demand but Intelligent work rising gradually into Imaginative work; which
will turn all “operatives” into workmen, into artists, into man. (CW XXII: 150152)
O apelo de Morris para que a arte se despojasse do luxo foi renovado por Gropius
quando este reafirmou a necessidade de “simplicidade na diversidade” (Rodrigues
1989: 119), embora a natureza e os materiais dos objectos criados fossem
diferentes.
Todas as artes se deveriam pautar pela autenticidade implícita na
simplicidade que caracterizaria as criações artísticas, quer se tratasse de um
edifício quer de um artigo de uso diário de pequenas dimensões como uma
cadeira. Os valores que regiam a arquitectura deveriam assim ser aplicados de
igual modo ao design de objectos utilitários, residindo a diferença na proporção do
projecto e não nos princípios orientadores. Esta era uma das linhas de força
determinantes do pensamento de Gropius quando pretendeu revitalizar o estatuto
71
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
do design na Bauhaus através da implementação de um programa pedagógico
que promovesse a criatividade, como ele apontou: “In short, the purpose of the
Bauhaus was not to propagate any style, system, or dogma, but to exert a
revitalizing influence on design. We sought an approach to education which would
promote a creative state of mind and thus help reestablish contemporary
architecture and design as a social art” (Gropius 1968: 29). Um dos objectivos de
Morris foi também sensibilizar a população para a importância do design dos
objectos de uso diário que, tal como uma pintura ou uma escultura, deveriam ser
criados com inteligência e imaginação. A este propósito afigura-se oportuno citar
um passo de “The Lesser Arts of Life” que decerto Gropius subscreveria:
( . . . ) if our houses, our clothes, our household furniture and utensils are not
works of art, they are either wretched makeshifts or, what is worse, degrading
shams of better things. ( . . . ) Again, whatsoever art there is in any of these
articles of daily use must be evolved in a natural and unforced manner from
the material that is dealt with: ( . . . ); the brain that guides the hand must be
healthy and hopeful, must be keenly alive to the surroundings of our own
days, and must be only so much affected by the art of past times as is natural
for one who practises an art which is alive, growing, and looking toward the
future. (CW XXII: 239-240)
Nesta palestra, Morris também analisou a situação em que se encontravam
alguns ofícios, entre eles a olaria, a cerâmica e a tecelagem, que na sua opinião
careciam de desenvolvimento e de estímulo para serem postos em prática mais
eficazmente.
“I am myself an ornamentalist, a maker of would-be pretty things” (CW
XXII: 294) – assim, se definiu Morris e assim o podemos percepcionar como
artista
e
como
designer
inovador,
dois
aspectos
obrigatoriamente
interdependentes, uma vez que o designer é um artista, seguindo a linha de
72
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
pensamento comum a Morris e a Gropius. Na verdade, a separação entre o
trabalho do arquitecto e o do designer de utensílios não fazia qualquer sentido
dentro de uma filosofia de complementariedade das artes. A Red House (1859),
descrita por Dante Gabriel Rossetti como “more a poem than a house” (Cumming
1995: 16), foi o primeiro edifício a ser construído e decorado nesse espírito de
colaboração entre artista e arquitecto, dando a Morris oportunidade de concretizar
muitas das suas ideias relativamente à confecção de tapeçarias, à criação de
papéis de parede, e à idealização de mobiliário, cujas cores e motivos revelavam
a nostalgia que o seu criador sentia em relação ao passado.
William Morris consagrou-se assim como pioneiro na arte do design, uma
linguagem propícia à exteriorização da capacidade imaginativa e intelectual do
artista responsável pela execução de objectos belos porque concebidos com
verdadeiro prazer e emoção. Tendo em conta estes aspectos que envolveriam a
produção artística, não será difícil compreender-se o ponto de vista defendido por
Morris quando afirma em “The Lesser Arts” (1877) que o design não era ensinável
no âmbito de uma escola; esta teria apenas como função fornecer os
instrumentos necessários ao desenvolvimento de uma aptidão natural do
indivíduo (cf. CW XXII: 20). O programa de Gropius para a Bauhaus ecoou o
mesmo pressuposto quando nele se lê: “Art in itself is beyond all methods; it
cannot be taught” (PB, 9). Ainda revelador da identificação do fundador da
Bauhaus com a perspectiva morrisiana apresentada é o facto de, num dos seus
ensaios posteriores, Gropius referir a arte como algo que emana “da graça da
súbita ideia pessoal”, acrescentando: “Ela não é ensinável. O ensinável consiste
em demonstrar a influência que luz, espaço, proporção, forma e cor exercem
sobre a psique humana” (Gropius 1972: 50).
73
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
O conhecimento dos domínios da forma e da cor, da gramática da
composição, a espontaneidade e a intuição eram considerados aspectos
essenciais para a criação de verdadeiras obras de design, pois a beleza das
obras residia nas “leis invisíveis” intrínsecas à “vontade criadora” e não nas
características da matéria que lhes dava corpo, um mero veículo necessário à
manifestação artística (cf. Gropius 1911: 24).13 Na Bauhaus, as formas
elementares da natureza e as cores primárias foram sendo transformadas no
ponto de partida do design de objectos e padrões (Droste 1994: 58), à
semelhança do que Morris havia fomentado ao transpor para as suas tapeçarias e
papéis de parede padrões idealizados a partir de formas facilmente identificáveis
na paisagem natural e que conferiram um carácter único aos seus produtos, como
Linda Parry salientou:
As a designer and manufacturer he was unique both in the context of
Victorian traditions and the wider study of textile history. A pattern-maker of
genius, he explored techniques in order to get the best from his designs in
colour, composition and texture. He revived long forgotten techniques of
dyeing, printing and weaving and, in his workshops, revitalized medieval
traditions of the designer-craftsman. He restored the status and self-respect
of the textile designer, printer and weaver, sunk in the doldrums of the
Industrial Revolution. (Parry 1983: 6)
As tapeçarias eram parte fundamental da decoração de interiores,
constituindo-se cada uma delas como uma obra de arte plena de vida, reveladora
do talento do seu criador. “Bird” (1878), “Acanthus” (1880), “The Strawberry Thief”
(1883) e “The Forest” (1887), testemunhos desse talento inquestionável, revelam
13
Sobre a importância do estudo dos materiais para a execução de obras de artesanato cf.
também Roqueta 2002: 70.
74
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
a harmonia e o equilíbrio no tratamento das
formas e na escolha das cores que dão vida a
todos os elementos da fauna ou da flora que
compõem as tapeçarias. A irregularidade das
linhas presentes na natureza foram captadas e
conjugadas por Morris em simetrias sublimes,
padrões que se repetem como que reflectindo
pedaços de uma paisagem admirando-se ao
espelho (cf. Fig. 6, Fig. 7 e Fig. 8). A forma
Fig. 6: “The Bird”
atenta como Morris observava a natureza e a
habilidade com que transmitia para as obras a
sua interpretação esteve indubitavelmente na
base
do
seu
sucesso
como
designer,
concretizando assim o que Ruskin idealizara
ser o papel de um designer, o que “pensa” os
produtos e o que os “confecciona” reunidos na
mesma pessoa. A atitude pioneira de Morris
transformou-o
numa
fonte
de
inspiração
Fig. 7: “Acanthus”
intemporal e, embora a sua contribuição para o
desenvolvimento do design no século XX seja
por vezes questionada, é inegável que o
trabalho que promoveu conduziu à valorização
dos produtos e das condições de manufactura
(cf. Parry 1983: 9).
Fig. 8: “The Strawberry Thief”
75
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Morris sempre se assumiu como o
principal criador dos padrões produzidos pela
sua firma; no entanto, a execução das obras
estava maioritariamente a cargo de elementos
do sexo feminino, nomeadamente da sua filha
May Morris, a quem pertencem alguns dos
exemplares mais belos produzidos pela Morris
& Co. (Fig. 9).
Situação análoga viria a impor-se na
Bauhaus, onde Gunta Stolzl se destacou como
líder da oficina de tecelagem, uma das mais
produtivas da escola. No âmbito das oficinas
Fig. 9: Painel desenhado por May
Morris, May Morris, c. 1895
da Bauhaus foi promovida a figura do designer
lado a lado com a do artista responsável pela execução dos objectos,
concretizando-se assim um dos objectivos que Gropius havia definido desde o
início das suas funções como director. Cada objecto criado era percepcionado
como uma peça integradora de um todo maior – o edifício reunificador dos
produtos de todas as artes.
O primeiro projecto concebido dentro do espírito de cooperação e de
trabalho em conjunto que Gropius apreendera da era medieval nasceu em 1920:
a Casa Sommerfeld, qualificada como “romântica” por alguns críticos (cf. Fiedler
1995: 41). Todas as oficinas da escola participaram na sua concepção,
concretizando os ideais defendidos no “Manifesto.” No entanto, foi durante a
execução deste projecto que se revelaram os primeiros indícios de conflito interno
entre Walter Gropius e Johannes Itten, que culminariam na demissão deste
76
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
último. Itten defendia que se deveria optar pela produção de uma obra pessoal,
individual, completamente oposta ao mundo comercial exterior e ao entendimento
com a indústria, enquanto Gropius, cujas premissas inicialmente haviam
convergido com as de Morris, insistia cada vez mais na necessidade de aceitação
de encomendas de trabalhos como meio de sobrevivência da escola. Num
discurso proferido em 1922 Gropius defendeu mesmo a urgência de se produzir
nas oficinas da escola “( . . . ) formas típicas que simbolizassem o mundo exterior”
(apud. Droste 1994: 58). Desta forma, o lema de 1919 que a Bauhaus de Weimar
havia seguido – “Arte e Artesanato, uma nova unidade” – foi alterado, e a
Bauhaus adquiriu uma divisa completamente diferente: “Arte e Técnica, uma nova
unidade”.14 Nesta perspectiva, o artista deixava de ser um artesão para passar a
ser encarado como um engenheiro, um estruturador para quem o tecnicismo era
essencial.15
Apesar da nova tendência para conjugar a técnica industrial com o que se
considerava ser o trabalho criativo e artesanal, o facto é que o objectivo de
14
As questões levantadas por Gropius relativamente à fusão da arte (incluindo o artesanato) com
a técnica continuam a ser abordadas por teóricos do design, como o catalão Jordi Montaña que,
considerando que a evolução técnica deve ser colocada ao serviço do produto e não o produto ser
produzido em função da técnica, defende a utilização das mais recentes tecnologias, como a
electrónica e a informática, na produção de objectos de artesanato (cf. Roqueta 2002: 34).
15
Seguindo quer a lógica de Morris quer a de Gropius no que se refere à fusão entre o artista e o
arquitecto, a dualidade artista-engenheiro equivale à dualidade arquitecto-engenheiro. É
interessante salientar-se que Ruskin havia rejeitado a possibilidade de considerar o arquitecto e o
engenheiro como um único indivíduo (cf. Brooks 1989: 325-326), pois encarava-os como
entidades completamente opostas. Neste sentido, é também curioso referir-se que no século I a.
C., época de Vitrúvio, se havia estabelecido uma distinção entre a actividade do “engenheiro”, que
se reconhecia como estando associada à técnica, e a do “arquitecto,” atribuída à arte. No entanto,
o arquitecto era percepcionado como um “engenheiro genial,” um indivíduo que não só dominava
a técnica construtiva, como também detinha a capacidade de “obter resultados surpreendentes”
(Rua 1998: vi). Tratava-se, pois, de alguém capaz de conceber e construir algo magnífico, distinto
pela sua beleza e genialidade. Ainda a propósito da distinção entre arquitecto e engenheiro, Le
Corbusier viria a registar na sua obra Vers une Architecture (1923) que o engenheiro, sendo
conduzido pelo cálculo e inspirado pela lei da economia, ataca a harmonia, enquanto o arquitecto,
promotor da ordem, determina os diversos movimentos do espírito e do coração humanos,
permitindo assim que os indivíduos percepcionem a beleza (Le Corbusier 1995: XVII).
77
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
Gropius não era desprezar o artesanato, nem o trabalho do artista, mas tirar
partido dos aspectos positivos que a máquina poderia oferecer. A qualidade e a
criatividade pretendidas para os produtos eram as mesmas que haviam definido o
espírito do trabalho anterior, registando-se apenas uma alteração no tipo de
instrumentos utilizados na sua execução. Deste modo, a aparente oposição entre
indústria e artesanato caracterizava-se não pela divisão e massificação do
trabalho, associadas à industrialização, mas pela diferença a nível dos
instrumentos auxiliadores na produção. Os valores inerentes à coesão do trabalho
do artista mantinham-se, sendo-lhe contudo conferida a oportunidade de utilizar
técnicas que lhe permitiriam uma produção mais eficaz e célere, para assim poder
responder às necessidades do mercado: “( . . . ) o artesanato e a indústria
encontram-se na via de uma aproximação constante. O artesanato do passado
modificou-se, o artesanato do futuro desenrolar-se-á através de uma unidade
nova ou será o meio de pesquisa no trabalho destinado à produção industrial.”16
O ponto de viragem fundamental na Bauhaus deu-se em 1923, quando
se realizou uma exposição com o objectivo de divulgar os trabalhos e projectos da
escola, um reflexo da concretização de um trabalho em conjunto. Embora a
maioria das oficinas operasse ainda com base no trabalho manual, a
contaminação da indústria começou a fazer-se sentir. Oskar Schlemmer utilizou a
expressão “turning away from Utopia” (apud. Naylor 1973: 80) ao referir-se a esse
momento em que se começavam a desvanecer os aspectos que haviam
aproximado a Bauhaus de Weimar da Brotherhood de William Morris. A Bauhaus
passou a virar-se para o mundo industrial com sentido de futuro, definindo assim
16
Tradução livre de: “Toutefois, artisanat et industrie sont sur la voie d’un rapprochement constant.
L’artisanat du passé a changé, l’artisanat du futur s’épanouira dans une unité nouvelle où il sera
l’organe du travail de recherche destiné à la production industrielle” (Gropius 1995: 39).
78
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
o seu caminho posterior. Esta tendência foi salientada por Gropius em “Art and
Technique: a New Unity”: “The Bauhaus does not pretend to be a crafts school;
( . . . ) the old craft workshops will develop into industrial laboratories: from their
experimentation will evolve standards for industrial production ( . . . ). The teaching
of a craft is meant to prepare for designing for mass production” (apud. Naylor
1973: 93). A mesma sequência de ideias está presente em “Princípios da
produção na Bauhaus” (1923), onde pode inferir-se que as oficinas da Bauhaus
eram, na sua essência, laboratórios para experimentação e produção de
protótipos dos objectos daquela época de forma a que fosse possível a avaliação
da sua viabilidade para a produção em série (cf. Gropius 1995: 38-39).
No ano em que a Bauhaus assistiu à
mudança da filosofia de base que até então a
havia definido, Karl Hubbuch, pintor e ilustrador
alemão,
retratou
no
papel
a
relação
problemática entre o artesanato e a indústria
que
Gropius
solucionar
(cf.
aparentemente
Fiedler
1995:
conseguira
36).
Numa
composição dominada pela estrutura metálica
de uma ponte, surge em primeiro plano a figura
de uma nadadora que,
de feições duras e
Fig. 10: “The Schwimmer” (1923)
olhar vazio, vira costas à catedral gótica que se
destaca ao fundo (Fig. 10). Distante, mas imponente, a catedral relembra a
dignidade e a beleza das formas do passado, qualidades que se pretendia
manter, mas que passariam a ganhar expressão pelo recurso a formas mais
79
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
lineares e a novos materiais. Em Scope of Total Architecture,17 Gropius reflectiu
sobre essas modificações:
Esqueletos de aço ou concreto armado, fachadas envidraçadas, lajes, lajes
suspensas ou alas apoiadas sobre colunas são apenas meios de expressão
impessoais modernos, por assim dizer, o material bruto com o qual diferentes
manifestações arquitectónicas regionais podem ser criadas. A conquista do
gótico – as suas abóbadas, arcos, botaréus, torres ogivais – também se
converteram em meios de expressão internacional. (Gropius 1972: 23)
O fundador da Bauhaus pretendia que as construções do seu presente
dignificassem o ferro, o vidro e o betão do mesmo modo que os edifícios góticos
da época medieval haviam dignificado a pedra e o tijolo. As construções em pedra
sólida foram sendo substituídas por um misto de robustez, presente no ferro e no
betão, e de fragilidade, transmitida pelo vidro. A utilização deste último material
em grandes extensões proporcionava a fusão do espaço interior com o exterior e
simbolizava a transparência e a honestidade, duas características essenciais que
o homem, célula da sociedade, deveria possuir. O edifício da Bauhaus em
Dessau, para onde a escola foi transferida em 1925, reflectiu o novo espírito e a
nova atitude em relação à vida e à arte de se fazer arquitectura, como se
depreende da descrição de Jeannine Fiedler:
( . . . ) a jumble of white squares and rectangles, the walls for the most part
consisting of glass, and apparently without any roof at all. ( . . . ) It was the
Bauhaus, and it had just been built by Walter Gropius. There was nothing like
it in the world. It was a declaration of war on all architecture that had gone
before. It was a manifesto of architecture as the complete work of art to which
architects, sculptures, painters and designers subscribed. Executed in iron,
17
Afigura-se-me importante realçar que Scope of Total Architecture foi uma obra desenvolvida por
Gropius com base em artigos e conferências provenientes da sua actividade como director do
Departamento de Arquitectura da Universidade de Harvard, função que exerceu entre 1937 e
1952.
80
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
concrete and glass, the Bauhaus building celebrated the marriage of
aesthetics and utilitarian functionalism, of art and industry. (Fiedler 1995: 9)
O edifício a que Fiedler se refere é a sede da
Bauhaus em Dessau (Fig. 11), cuja construção
foi posterior à transferência da escola para
essa cidade. Embora edificado num período
subsequente ao de Weimar, a referência à sua
concepção e às suas características não podia
Fig. 11: Edifício Bauhaus em Dessau
(1925-26)
ser preterida, uma vez que neste edifício se reflecte a alteração a nível ideológico
já indiciada nos últimos momentos do trabalho efectuado em Weimar. O percurso
da Bauhaus orientou-se assim no sentido de solucionar o até então irresolúvel
binómio artesanato/indústria. O que o século anterior considerara irreconciliável
começava agora a ser integrado, promovido e desenvolvido: “craftsmanship and
industry, art and technology, thoughts and feelings” (Fiedler 1995: 147). O recurso
à tecnologia passou a ser incentivado, mas sem se negligenciarem os princípios
da criatividade e individualidade artísticas. A escola manteve-se um centro de
cultura comunitária, onde se pretendeu humanizar a máquina e assim alcançar
uma interdependência activa, nova e eficaz entre todos os processos de criação
artística que conduzisse a um equilíbrio renovado do ambiente visual. No entanto,
depois da saída de Gropius da direcção, o espiritualismo de que a Bauhaus
estivera imbuída foi irradicado, e o mundo da produção instituiu-se como objectivo
principal.
Durante os anos em que Gropius liderou a escola, e é este o período que
interessa considerar no âmbito deste trabalho, os valores do passado foram
81
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
utilizados como modelo de referência na elaboração e na concretização do
projecto educativo e pedagógico que visava a formação de artistas criativos e
independentes, capazes de criar o presente e o futuro de um novo século. As
memórias do passado misturavam-se com o presente, integrando-se no
quotidiano dos indivíduos, proporcionando-lhes uma vida diferente e iam, assim,
abrindo caminho para a arquitectura e o design modernos. O artesanato, veículo
dos valores da humanidade, permanece como uma ponte entre o passado e o
futuro, um meio conciliador entre ambos. A propósito da influência do passado e
da nova forma de percepcionar as relações entre a indústria e o artesanato,
parece oportuno citar aqui um passo do artigo “From Utopia to Atopia,” de Dieter
Hassenpflug:
The past could meet the future by means of utopia which connected the
senses and the intellect. And in this informative encounter most likely a latent
element of the secret of the “discovery” of modern design is hidden. A modern
craftsmanship developed from the creative fusion of guild’s craft and modern
mechanical technology, the modern prototype and design art of the architect,
designer and creator. The past and the recollected serve in this respect to
ferment new things, and the amazing thing is that this potential of the past
which facilitates innovation is developed via dreamless “not yet” of the utopia.
By means of a fleeting message, which the past – coming from the future –
gives to the present, the future of the industrial society is shaping up. ( . . . )
Its beauty then becomes imaginable, possible – and even actually tangible,
such as the work of Walter Gropius. Craftsmanship then retreats into the
background but does not disappear entirely. (Fiedler 1995: 147)
As condições de vida e de trabalho da população, o estado do rosto das
cidades, isto é, dos edifícios, e a qualidade dos objectos de uso diário foram
aspectos com os quais Morris e Gropius se preocuparam e que pretenderam ver
melhorados. Para tal, como foi sendo salientado ao longo deste capítulo,
manifestaram na sua ensaística a necessidade de se valorizar a arquitectura
82
Capítulo 2
Do passado fazer futuro: a união das artes
como um todo integrador das diversas artes, reflexo do bem-estar social. “Boa
arquitectura,” confessou Gropius, “deve reflectir a vida da época. E isto exige
conhecimento íntimo das questões biológicas, sociais técnicas e artísticas”18
(Gropius 1972: 27). Quem deveria dominar esses conhecimentos era,
naturalmente, o arquitecto. Compreende-se, então, por que é que Morris e
Gropius, embora afastados no tempo e no espaço, partilharam também a noção
de que o arquitecto, misto de artista, engenheiro e artesão, desempenhava um
papel preponderante no devir da sociedade. Ao vestir a paisagem, ao moldar o
cenário físico em que a vida quotidiana se desenrola, o arquitecto presta à
sociedade um serviço preciso; ele delineia o “panorama artístico”19 do meio onde
exerce a sua acção, e, responsabilizando-se pelo traçado desse meio,
desempenha naturalmente a função de educador do público que recebe as suas
obras.
18
Em itálico no original.
19
Esta expressão é utilizada por Gillo Dorfles quando, ao dissertar sobre as funções do arquitecto,
refere que uma das suas tarefas será a de “delinear e formar o panorama artístico” (Dorfles: 1971:
13).
83
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
Art is not a mirror held up to reality but a
hammer with which to shape it.
Caroline Tisdall,
Geist to the Mill: Selected Writings 1970-1995
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
Além do contexto histórico e cultural, vários anos separam William Morris
e Walter Gropius. No entanto, estes dois homens tinham um sonho em comum:
igualdade e união no meio artístico, honestidade e autenticidade na arte que, na
sua opinião, deveria ser acessível à sociedade em geral. Ambos promoveram o
desenvolvimento de um trabalho digno, valorizando a individualidade e a
criatividade do artista, essenciais à evolução do homem e consequentemente da
sociedade.
A arte e a sociedade estabelecem assim entre si uma relação de
interdependência inequívoca na linha de pensamento dos dois homens da cultura
europeia
cuja
ensaística
é
objecto
de
estudo
neste
trabalho.
Esta
interdependência reflecte-se em dois aspectos: por um lado, o testemunho
artístico constituiu-se como uma fonte de informação infindável acerca do
passado e do presente do meio de onde provém, revelando o carácter do povo
desse meio e descortinando a sua História; por outro, o percurso da arte e as
formas que ele assume têm a possibilidade de moldar os hábitos e o habitat
daqueles que com elas interagem. Ruskin terá sido o primeiro pensador a afirmar
a relação directa da arte com as condições sociais e a considerá-la património de
todos, relacionando a sua qualidade com a da sociedade propriamente dita. O seu
desejo de transformar a sociedade conduziu-o, no entanto, à elaboração de uma
proposta de reforma meramente ideológica que só poderia ser implementada
mediante a alteração radical de muitos e significativos aspectos do sistema
económico-social do seu tempo, não havendo por isso condições para a sua
concretização.
86
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
Ao defenderem a existência de uma relação directa entre a saúde social
e a qualidade estética dos edifícios presentes no espaço físico da sociedade,
Morris e Gropius atribuíram à arte, e dentro desta à arquitectura, o poder de
transformar a mentalidade e a postura humanas e de, simultaneamente, revelar a
degradação ou o bem-estar sociais. Tendo estes aspectos em consideração,
ambos direccionaram os seus percursos pessoais e profissionais no sentido de
conferir ao meio onde viveram, bem como à sua população, a qualidade e a
humanidade que consideravam fundamentais e que, na óptica de ambos, haviam
sido negligenciadas.
Morris acreditava que a arte não dizia somente respeito ao artífice ou a
qualquer outro elemento envolvido na sua criação, mas a todos aqueles que
usufruíssem do produto final, tal como Gropius viria a defender. A arte não seria,
portanto, produtora de luxo ou de futilidade, mas um bem essencial na vida de
qualquer indivíduo e, por isso, teria de ser parte integrante de qualquer acção
humana:
( . . . ) I must ask you to extend the word art beyond those matters which are
consciously works of art, to take in not only painting and sculpture, and
architecture, but the shapes and colours of all household goods, nay, even
the arrangement of the fields for tillage and pasture, the management of
towns and of our highways of all kinds; in a word, to extend it to the aspect of
all the externals of our life. (CW Vol. XXIII: 165)
A partir desta visão, William Morris alargou coerentemente a ideia de arte a todas
as vertentes da vida e a todos os meios, uma atitude que no Movimento Moderno
se manifestaria na defesa funcionalista do protagonismo do homem e na
insistência no valor social da arquitectura e do urbanismo, influenciando os
87
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
diversos sectores da produção, desde o objecto utilitário à planificação urbana
(Montaner 2001: 12).
Esse foi também o enfoque da Bauhaus – construir uma sociedade nova,
formada pelo homem e para o homem, marcar uma diferença pela transformação
das relações e concepções estabelecidas. Prevalecia, pois, uma vontade muito
forte de mudança, principalmente por parte dos denominados arquitectos
modernos, onde se incluía Gropius, como refere Jeannine Fiedler: “Modern
architects, among others, considered themselves the builders of a new society
whose visions went beyond revolutionizing the form of the cities, but included the
creation of a new type of individual, the New Man” (Fiedler 1995: 32). Neste
sentido, não só Gropius, mas também Mies van der Rohe e Le Corbusier
cultivaram propostas novas, ultrapassando os interlocutores previstos pelas
instituições e dirigindo-se ao último destinatário da hierarquia institucional: o
homem comum, aquele que desfruta da arquitectura, bem como de todos os
elementos e espaços criados pela mão humana, tal como Morris havia proferido
em inúmeras das suas palestras.
Durante os anos imediatamente posteriores ao primeiro grande conflito
mundial, o adjectivo “novo” surgia assim recorrentemente associado a todas as
áreas da arte em geral (cf. Fiedler 1995: 14-21), numa ânsia de renovação do
espírito humano que se pretendia acima de tudo ver reflectida exteriormente.
Além disso, a vontade de se promover o desenvolvimento de um mundo mais
límpido, desprovido de subterfúgios, manifestou-se na construção de espaços
onde a simplicidade e a sobriedade das formas imperava, fazendo-se uso
maioritariamente do vidro em substituição do tijolo, numa busca da transparência
e da honestidade que deveriam definir o homem da nova era: “Pure, clear, bright,
88
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
accurate, changeable, mobile, spiritual, vivacious, stable, distinguished, facing the
outside world – these are guiding traits of the 1920’s “New Man”.” (Fiedler 1995:
16).
Os artistas do início do século XX “[i]nventaram,” como aponta Benévolo,
“um estilo de trabalho nunca mais visto depois do século XV: uma combinação
entre poesia e prosa, de audácia intelectual e de adesão à realidade ( . . . )”
(Benévolo 1984: 103), com o objectivo de fazer ressurgir esse homem novo,
alguém capaz de criar o presente e o futuro de um século moderno, um indivíduo
dotado de intuição e sensibilidade em todos os sentidos.
“Intuição” e “sensibilidade” eram duas características essenciais do
artista/artesão que, movido pela sabedoria individual e pela própria experiência de
vida, construía objectos que prevaleceriam como veículos transmissores da
cultura e dos hábitos da sua época. Tal seria o espírito da obra daqueles que
trabalhavam com prazer, um espírito que William Morris tentou incutir nas suas
oficinas, entre elas a de tapeçaria. Esta oficina funcionava também como uma
escola, tendo assim um impacto directo nos membros da comunidade. Alguns
rapazes menores, maioritariamente de classes mais pobres, eram admitidos como
aprendizes, era-lhes ensinado o processo de criação da tapeçaria, dando-lhes
dessa forma uma oportunidade de trabalho e de desenvolvimento das suas
capacidades a que não teriam acesso de outro modo (cf. Coote 1996: 173).
Por seu lado, a Bauhaus instituiu-se desde sempre como uma escola
artística que pretendeu alcançar muito mais do que a renovação do mundo da
arte e da arquitectura. Ela visou também instruir, formar integralmente seres
humanos com carácter, para que estes actuassem consciente e positivamente no
meio social, e assim se distinguissem como verdadeiros propulsores de mudança,
89
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
motores capazes de despoletar uma transformação social através da sua arte.
Nesta perspectiva os alunos da Bauhaus seriam, como o próprio Gropius os
percepcionou, “the catalyst[s] in the transformation of society” (apud. Fiedler 1995:
123). A este propósito Oskar Schlemmer escreveu:
All this means that the Bauhaus is “building” something quite different from
what was planned – human beings. Gropius seemed very aware of this; to his
mind the academies made a grave mistake by neglecting the formation of the
human being. He wants an artist to have character, and this should come
first, not later. (apud. Naylor 1993: 72)
Contribuía para esse fim o facto de os estudantes serem desde cedo encorajados
a descobrir por si próprios todas as potencialidades dos materiais, das formas e
dos objectos, bem como o de serem estimulados a viver e a trabalhar em equipa,
cooperando uns com os outros e com os próprios professores. No entanto, sem o
contacto com a realidade, sem a presença activa do homem, tal atitude não teria
sido exequível, pois provavelmente a Bauhaus nunca teria nascido, ou teria
apenas permanecido como “uma admirável estilística em vez de se erguer como
teoria de criatividade artística e instrumento de uma elevada pedagogia social”
(Argan 1990: 63).
Artista, artesão e arquitecto não eram considerados realidades distintas,
mas sim unas, fundidas no mesmo indivíduo, alguém que partilharia com todos os
elementos dos processos criativo e produtivo a responsabilidade da existência
dos diversos artigos, desde o mais simples utensílio doméstico ao mais complexo
edifício. Estas noções ecoam as de William Morris que considerava, além disso,
não existir qualquer diferença entre o autor da ideia para a criação de um
determinado objecto e aquele que seria responsável pela sua produção, assim
90
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
como defendia que um mesmo individuo poderia ser designer e activista político
sem que essas actividades entrassem em conflito.
No que se refere à actividade do designer, Morris preconizou o princípio
actualmente considerado indispensável de que esse artista deveria ter
consciência
plena,
através
da
sua
experiência
prática,
de
todas
as
potencialidades e limitações dos materiais que iriam ser utilizados na execução do
que desenhava. Contudo, foi com Walter Gropius na Bauhaus de Weimar que a
formação e treino de designers se formalizou pela primeira vez, tendo desde
então adquirido um cariz essencial nos programas das escolas de design em todo
o mundo (Farr 1984a: 136-137).
O que afastou Gropius da linha de pensamento morrisiana foi a sua
crença na fusão entre a arte e a técnica industrial e o facto de considerar que
todos os artistas, desde pintores a escultores, designers a arquitectos, deveriam
unir as suas potencialidades e produzir também para a indústria, que, na óptica
do fundador da Bauhaus, deveria assim usufruir da qualidade e do
profissionalismo de todos os artistas. Esta opinião remete claramente para a
complementaridade entre a arte e a técnica e não para a oposição que Morris
acreditava existir e que sempre defendeu. Gropius e os seus contemporâneos
aperceberam-se assim de que só ultrapassando a barreira entre as artes e os
ofícios e o desenvolvimento técnico seria possível a criação de um ambiente
totalmente adaptado ao ser humano e a oferta, a todos os indivíduos, do acesso a
objectos belos e com qualidade. Ao afastar-se dessa maneira das tradições do
trabalho artesanal, Gropius distanciou-se da estética de Morris, como já foi
salientado neste trabalho, preservando contudo a sua filosofia, pois considerava
ser esse o caminho para a construção da modernidade. Esta atitude de Gropius
91
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
ter-lhe-á permitido, na opinião de Benévolo, não só solucionar o dilema entre arte
e técnica que prevalecera até então, mas também concretizar a transição que se
impunha na passagem para uma nova era (Benévolo 1984:142).1
Nesse contexto ideológico de articulação entre diversas componentes,
incluindo a pesquisa científica e a tecnológica, a radicalização da pesquisa
artística e o confronto de várias propostas também no que dizia respeito ao
controlo do desenvolvimento urbano emergiu a denominada arquitectura
moderna, que se distinguiu assim pela abordagem integral à projecção do
ambiente construído, recusando a diferenciação entre as duas abordagens
tradicionais da arquitectura: a que a considerava como uma técnica, por um lado,
e a que a percepcionava meramente do ponto de vista artístico, por outro.
A par da problemática que remete para o binómio arte-técnica, importa
realçar a forma como o ornamento passou a ser considerado em termos
arquitectónicos no âmbito do Movimento Moderno: “Ornament no longer appeared
as the superfluous force standing out from the structure or calling attention to the
importance of decorative elements. They now appeared as applied and therefore
superfluous decoration” (Fiedler 1995: 17). Este aspecto corroborava a busca da
simplicidade e honestidade que se pretendia que a construção reflectisse, como
foi mencionado anteriormente, e que William Morris também havia perseguido. No
entanto, essa tendência manifestava-se agora de um modo bastante diferente:
enquanto em Morris a simplicidade e honestidade de um objecto ou de um edifício
estavam associados à sua beleza e função, bem como à motivação que havia
1
A percepção da complementaridade entre as diversas áreas é algo inquestionável actualmente,
aspecto que Benévolo também realçou: “As discussões sobre se a arquitectura é uma arte, uma
técnica ou uma síntese entre arte e técnica, parecem-nos verdadeiramente distantes; não
podemos aceitar, sem discussão, as divisões tradicionais entre os sectores da experiência
humana – técnica, ciência, arte e assim por diante – e consideramos absurda uma organização
profissional que reflicta e consolide estas distinções categóricas” (Benévolo 1991: 236).
92
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
estado na base da sua concepção, no Movimento Moderno assistia-se à abolição
de todos os elementos que não fossem necessários à estrutura básica. Antoine
Pompe imortalizou esta nova perspectiva nas imagens de duas árvores que, com
porte
idêntico,
exibem
uma
“decoração”
contrastante: enquanto numa a profusão de
frutos, de folhas e de
flores esconde a
estrutura da árvore por completo, a outra exibe
apenas os galhos nus que lhe dão forma e a
sustêm
(Fig.
12),
simbolizando
o
desprovimento de ornamentos que definiu a
essencialidade da arquitectura pós 1918.
Retomando a noção da arquitectura e
Fig. 12: “Architecture avant 1914.
Architecture après 1918,” Antoine
Pompe (ca. 1920).
do design como artes sociais, é relevante mencionar-se que a vivência destas
artes pode ser quer individual, quer colectiva: se, por um lado, cada indivíduo
reage ao edifício ou ao objecto de forma distinta, por outro, pode aferir-se a forma
como a colectividade em geral interage com o ambiente construído. Neste
contexto, Leonardo Benévolo realça a importância da arquitectura do passado
não só para o enriquecimento do vocabulário contemporâneo, mas também para
a melhoria da arquitectura do presente. Este historiador aponta ainda o facto de a
actividade arquitectónica ser “um trabalho difícil” tendo em conta as exigências
mutáveis [de cada] época” (Benévolo 1984: 109). Porque acompanham o ritmo da
sociedade sobre a qual exercem a sua influência, as formas de arte são únicas
(podemos mesmo afirmar que são irrepetíveis) mas indissociáveis daqueles que
as criaram e dos que com elas interagiram e interagem.
93
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
No seu tratado sobre arquitectura, Vitrúvio havia já inaugurado o
entendimento do arquitecto não só como um técnico da edificação, mas também
como um artista consciente do significado daquilo que constrói (cf. Vitrúvio [ . . . ]:
13-14), noções com as quais Morris e Gropius se identificaram, uma vez que as
viriam a aplicar no modo como percepcionaram esse mesmo artista/arquitecto. No
entanto, também consideraram que a arte, em especial a arquitectura e o design,
não podia ser apreciada isolada do seu público alvo, ideia aliás que vigora ainda
no século XXI. Os espaços, os edifícios e os objectos em geral não são resultado
apenas da criação solitária do artista, pois todos os que usufruem deles
influenciam a sua estrutura e concepção, sendo assim também eles próprios
responsáveis por essas construções. Nesta perspectiva, quer o artista autor da
obra quer os seus utilizadores são criadores: o primeiro porque é o responsável
pelo design, e os segundos pelo modo como interagem com o produto final. Ainda
nesta sequência de ideias, o arquitecto não será apenas o “perito” que condiciona
a transformação, mas poderá também ser “público alvo,” na medida em que tem
igualmente a possibilidade de usufruir da modificação do ambiente sobre o qual
agiu (Benévolo 1991: 12).
As condições ambientais dos espaços em que o homem habitava e
trabalhava, assim como a sua organização, foram preocupações sempre
presentes na mente de William Morris. A sua consciência cívica levou-o também a
tecer frequentes ataques à poluição provocada pelas unidades fabris que
asfixiavam a cidade de Londres, preocupações ambientalistas que em Walter
Gropius não se manifestaram de forma tão veemente, embora o respeito pela
Natureza e pela construção harmoniosa com os seus elementos se tivesse
constituído desde cedo como uma das políticas educativas na escola Bauhaus.
94
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
O objectivo de ambos era tornar o mundo um local mais belo, onde os
seres humanos pudessem viver com dignidade. Para isso havia que começar por
aqueles locais onde a acção humana se fazia sobrepor à da Natureza: as
cidades. A cidade, além de ser um instrumento de comunicação entre diferentes
gerações, em cujo traçado a história dos tempos está inscrita, como se lê no
ponto 6 da “Carta de Atenas” (cf. Anexo 2), é também o cenário privilegiado da
arte dos arquitectos, onde a sua autonomia e a sua capacidade de organização
se pode revelar. A propósito das atribuições sociais dos arquitectos, apontou
Dennis Farr: “( . . . ) architects should concentrate on building for their own
generation” (Farr 1984b: 300). É curioso notar que esta afirmação pode aplicar-se
a um dos aspectos dos pensamentos de Morris e de Gropius, uma vez que
remete para a ideia do arquitecto como um elemento da sociedade que tem o
poder de agir sobre o espaço social, transformando-o e moldando-o, devendo
fazê-lo, contudo, em função do seu presente, de forma a satisfazer as
necessidades prementes da sua época. No entanto, é também um pouco redutora
quer do que Morris e Gropius consideravam ser a função do arquitecto, quer do
modo como principalmente este último percepcionava a arquitectura, isto porque
não engloba a perspectiva de construção e de criação para o futuro a que ele
apelara aquando da publicação do “Manifesto” e que a Bauhaus acabaria por
atingir.
Os esforços nazis para obliterarem por completo a inovadora escola
artística alemã não foram bem sucedidos – o encerramento forçado e abrupto da
instituição não aniquilou a ideia nem o sonho que lhe haviam dado forma. A
emigração sucessiva dos seus líderes e de muitos dos seus alunos assegurou
assim a persistência e a propagação dos valores desta escola um pouco por todo
95
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
o mundo, especialmente nos Estados Unidos, onde, em 1937, a “Nova Bauhaus”
se estabeleceu na cidade de Chicago. Contudo, afastados dos ideais sociais que
haviam inspirado a emergência da Bauhaus em Weimar e atirados para um
ambiente cultural completamente diferente, onde a escola se encontrava
desmembrada das suas origens e coesão iniciais, muitos dos que continuaram
associados a ela não conseguiam produzir mais do que alguns edifícios
inexpressivos e desumanizados, reduzindo a natureza complexa e multifacetada
da escola a uma fórmula um pouco simplista (Kentgens-Craig 2001: xi). No
entanto, o espírito da Bauhaus continuou a exercer uma influência sólida em toda
a vasta área da educação artística, transformando teorias, pedagogias e práticas
de arte, de arquitectura e de design. O reconhecimento do valor intemporal e
universal da Bauhaus conduziu os órgãos da UNESCO a atribuírem aos edifícios
que abrigaram a escola o estatuto de Património Mundial. Assim, desde
Dezembro de 1996, quer as instalações da Bauhaus em Weimar, actual
estabelecimento da Universidade Bauhaus, quer o edifício que Walter Gropius
projectou para Dessau ultrapassaram as fronteiras nacionais, para passarem a
pertencer a toda a humanidade.
Por seu lado, a herança de William Morris também quebrou as barreiras
fronteiriças e temporais. Embora ele não tenha assistido à concretização efectiva
de uma comunidade de artistas e artesões, reunindo todos os membros de várias
famílias sob a égide da criação de objectos úteis e belos, através do trabalho
executado com prazer, as suas ideias inspiraram diversas comunidades que se
viriam a formar, não só no âmbito do movimento de Artes e Ofícios, mas também
no início do século XX. Além disso, não é possível ficar indiferente à mudança
96
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
operada no mundo do design depois dos princípios defendidos por Morris e pelo
seu grupo:
Simple honesty of design was their watchword, with the emphasis on a high
standard of craftsmanship and finish. That these principles were not
incompatible with machine production was left to another generation to prove,
but the important thing to remember is the acceptance of these principles by
an everwidening group of designers at the turn of the century. (Farr 1984a:
177-178)
A geração a que Farr se refere é, sem dúvida, a de Gropius que, tal como foi dito
anteriormente, incentivou o nascimento de uma nova era de conciliação e
complementaridade entre aspectos aparentemente irreconciliáveis, com um único
objectivo: tornar o mundo mais belo, proporcionar a todos qualidade e bom-gosto,
contribuindo assim também para que cada um tivesse a liberdade essencial para
ser, acima de tudo, sincero consigo mesmo e com as tarefas que executa.
Actualmente, a emergência da sociedade digital coloca novos desafios à
arquitectura e ao design quer a nível conceptual, quer a nível prático. Enquanto
que tradicionalmente o artista operava manipulando a matéria para definir os
limites dos espaços que permitissem a execução de actividades, nos nossos dias
a arquitectura pode ser considerada como um processo abstracto que relaciona a
informação com a matéria no espaço e no tempo, sem esquecer o indivíduo. O
trabalho do arquitecto é, então, o de estabelecer essas relações e fazer crescer a
obra intemporal do seu presente.
Testemunha impassível do fluir das diversas épocas, a arquitectura
possui de facto a qualidade da permanência; os edifícios e todas as realidades
espaciais que ela envolve e desenvolve são janelas abertas para o passado,
como Morris poeticamente referiu, sem no entanto se fecharem ao futuro. É assim
97
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
fundamental percepcionar a intemporalidade de alguns feitos, incorporar reflexões
e sentimentos, ter em conta que a contemporaneidade também engloba a relação
e o interesse pelo passado, para que seja possível construir o presente e o futuro
com mais solidez.
Os ideais que estiveram na base da formação do movimento artístico
Bauhaus em Weimar poderiam ter sido formulados por Morris, pois apelam a uma
complementaridade e interdependência das diferentes artes que Morris havia
defendido como condição fundamental para a concretização da verdadeira obra
de arte. Além disso, a ênfase na fusão do artista com o artesão, do trabalho
intelectual com o manual e o apelo ao regresso a um tipo de trabalho artesanal,
realizado em oficinas, conferem ao Manifesto de Gropius um cariz morrisiano. No
entanto, apesar de parecer apelar a esses valores medievais, Gropius não
pretendia um retorno ao trabalho artesanal característico do século XIV, como
Morris, mas apenas uma apropriação dos seus valores, incentivando à
cooperação e realçando ao mesmo tempo a importância do trabalho criativo e
individual, buscando simultaneamente a síntese da tradição medieval, centrada
no artesanato, com a perspectiva moderna, onde o papel da indústria não podia
ser ignorado. A existência de “uma continuidade ideológica” e de “uma
descontinuidade estilística” entre Morris e Gropius é de facto indiscutível, como
afirma Isabel Donas Botto (Ribeiro 1998: 465).
Aplicar os ideais promovidos por William Morris à realidade do século XX,
onde a técnica desempenhava um papel cada vez mais relevante, conciliar arte e
máquina sem transformar o trabalhador numa peça mecânica, foram objectivos
que Walter Gropius, hoje recordado como um dos arquitectos mais relevantes e
influentes do seu século, pretendeu concretizar com a mesma convicção com que
98
Conclusão
A arte como princípio transformador da sociedade
defendeu a construção de um “edifício do futuro” que reunisse todas as vertentes
artísticas.
Nesta perspectiva, a Bauhaus de Walter Gropius promoveu uma arte
virada para o futuro, uma arte humana, honesta e aprazível, que valorizava o
homem e o seu trabalho, à semelhança da de William Morris, e que se construiu,
não com a robustez da pedra e da madeira medievais, mas com a solidez do aço
e do betão, iluminados pelas paredes de vidro do século XX.
Na
sociedade
contemporânea,
cada
vez
mais
individualista
e
intransigente, onde os valores comunitários se diluem num mundo virtual, os
ideais de William Morris e de Walter Gropius, independentemente de se
destacarem as suas diferenças ou as suas semelhanças, adquirem a amplitude
da permanência. Eles apelam ao questionamento das relações e dos
comportamentos humanos que essas relações despoletam, estimulando por isso
a reflexão crítica sobre a forma como interagimos com todo o ambiente que nos
rodeia.
99
Bibliografia
Bibliografia Primária
Obras de William Morris
MORRIS, William. 1992a. The Collected Works of William Morris: Hopes and
Fears for Art and Lectures on Art and Industry. Vol. XXII. Introd. by May
Morris. London: Routledge/ Thoemmes Press.
- - - . 1992b. The Collected Works of William Morris: Signs of Change and
Lectures on Socialism. Vol. XXIII. Introd. by May Morris. London:
Routledge/ Thoemmes Press.
- - - . 1998. (1993). News from Nowhere and Other Writings. Ed. Clive Wilmer.
London: Penguin Books.
- - - . 1877. “Manifesto of the Society for the Protection of Ancient Buildings”.
William Morris on Architecture. Ed. Chris Miele. London: Sheffield
Academic Press, 1996. 52-55.
- - - . 1878. “Address to the First Annual General Meeting of the Society for the
Protection of Ancient Buildings”. William Morris on Architecture. Ed. Chris
Miele. London: Sheffield Academic Press, 1996. 56-63.
- - - . 1884. “Art or not art? Who shall settle it?”. William Morris: Political Writings.
Contributions to The Commonwealth, 1883-1890. Ed. N. Salmon. Bristol:
Thoemmes Press. 18-20.
- - - . 1889. “Ugly London”. William Morris on Architecture. Ed. Chris Miele.
London: Sheffield Academic Press, 1996. 140-142.
101
Bibliografia Primária
Obras de Walter Gropius
GROPIUS, Walter. 1919. “Programm des Staatlischen Bauhauses in Weimar”.
Bauhaus and Bauhaus People. Ed. Eckhard Neumann. Trad. Eva Richter e
Alba Lorman. New York: Reinhold Book Corporation, 1970. 9-10.
- - - . 1961. Introduction. The Theater of the Bauhaus. By Oskar Schlemer. Trad.
Arthur S. Wensinger. [s.l.]: Wesleyan University. 1-14.
- - - . 1968. Apollo in the Democracy: The Cultural Obligation of the Architect. New
York, Toronto, London, Sydney: McGraw–Hill Book Company.
- - - . 1972. Bauhaus: Novarquitetura. Colecção Debates. Trad. J. Guinsburg e
Ingrid Dormien. São Paulo: Editora Perspectiva. [Trad. de Scope of Total
Architecture. New York: Harper & Row, 1953; Allen & Unwin, London,
1956].
- - - . 1995. Architecture et Société. Trad. Dominique Petit. Paris: Éditions du
Linteau.
102
Bibliografia Geral
Bibliografia Geral
ARGAN, Giulio Carlo. 1990 (Ed. Orig. 1951). Walter Gopius e a Bauhaus. Trad.
Emílio Campos Lima. 2ª Ed. Colecção Dimensões. Lisboa: Editorial
Presença.
BACHELARD, Gaston. 1996. “A Casa. Do Porão ao Sótão. O Sentido da
Cabana”. A Poética do Espaço. Capítulo I. Trad. António de Pádua
Danesi. São Paulo: Martins Fontes. 23-53.
BALAGUÉ, Albert Casals. 2002. El Arte, La Vida Y El Oficio de Arquitecto. Madrid:
Alianza Editorial, S.A..
BARNOUW, Dagmar. 1988a. Introduction. Weimar Intellectuals and the Threat of
Modernity. Bloomington and Indianapolis: Indiana University Press. 1-9.
- - - . 1988b. Part One: “Tempted by Distance: Intellectuals and the Grey
Republic”. Weimar Intellectuals and the Threat of Modernity. 12-42.
BENÉVOLO, Leonardo. 1984. A Cidade e o Arquitecto. Trad. Rui Eduardo
Santana Brito. Col. Arte e Comunicação. Lisboa: Edições 70.
- - - . 1991. Introdução à Arquitectura. Trad. Maria Manuela Ribeiro. Col. Arte e
Comunicação. Lisboa: Edições 70. [Ed. Original: 1960, 1987, Gius.
Laterza & Figli Spa, Roma-Bari].
- - - . 1996a. Advertência. Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª Edição Revista e
Ampliada. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 5-13.
- - - . 1996b. Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª Edição Revista e Ampliada.
Cap. II. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 65-88.
- - - . 1996c. Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª Edição Revista e Ampliada.
Cap. IV. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 129-157.
103
Bibliografia Geral
- - - . 1996d. Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª Edição Revista e Ampliada.
Cap. VI. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 179-216.
- - - . 1996e. Cuarta Parte. Introducción. Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª
Edição Revista e Ampliada. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 277-284.
- - - . 1996f. Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª Edição Revista e Ampliada.
Cap. XII. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 399-432.
- - - . 1996g. Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª Edição Revista e Ampliada.
Cap. XIII. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 433-489.
- - - . 1996h. “La urbanística de Gropius.” Historia de la Arquitectura Moderna. 7ª
Edição Revista e Ampliada. Cap.XV. Barcelona: Editorial Gustavo Gili.
531-545.
BERDINI, Paolo. 1986. Walter Gropius. Trad. Fernando Pereira. Barcelona:
Editorial Gustavo Gili S. A..
BERNARD, Edina. 2000. 1905-1945 A Arte Moderna. Trad. José Lima. Lisboa:
Edições 70 [Bordas, 1988; Larousse Bordas, Her, Paris, 1999].
BROOKS, Michael W.. 1989 (1987). “Summary and Aftermath”. John Ruskin and
Victorian Architecture. London: Thames and Hudson. 320-334.
BUSIGNANI, Alberto. 1973. Gropius. Twentieth Century Masters. London, New
York, Sydney, Toronto: Hamlyn.
CHOAY, Françoise. 1992. O Urbanismo: Utopias e Realidades – uma Antologia.
Trad. Dafne Nascimento Rodrigues. São Paulo: editora Perspectiva S.
A. [Éditions du Sevil, 1965].
C.I.A.M..1932. “A Carta de Atenas”. Trad. Maria de Lourdes & F. Castro
Rodrigues. Arquitectura. [ . . . ].
104
Bibliografia Geral
CLARKE, Michael. 2001. Oxford Concise Dictionary of Art Terms. Oxford, New
York: OUP.
COOTE, Stephan. 1996 (1995). William Morris: His Life and Work. Gloucester:
Alan Sutton Publishing Limited.
CUMMING, Elizabeth & Wendy Kaplan. 1995 (1991). The Arts and Crafts
Movement. London: Thames and Hudson Ltd..
DIXON, Roger & Stefan Muthesius. 1988 (1978). Victorian Architecture. London:
Thames and Hudson.
DORFLES, Gillo. [1971]. A Arquitectura Moderna. Trad. José Eduardo Rodil.
Lisboa: Edições 70.
DROSTE, Magdalena. 1994. Bauhaus: 1919-1933. Trad. Casa das Línguas, Ltd.
Taschen Verlag.
ELIA, Mario Manieri. 2001 (1977). William Morris y la Ideología de la Arquitectura
Moderna. Versión castellana de Juan Díaz de Atauri y Rodríguez de
los Ríos. 2ª Ed. Col. GG Reprints. Barcelona: Editorial Gustavo Gili,
SA.
FARR, Dennis. 1984a. “The Innovators, Art Nouveau, Art and Craft”. Cap.VI.
English Art 1870-1940. Oxford, New York: OUP. 136-186.
- - - . 1984b. “Architecture and Design, 1930-1940”. Cap.XI. English Art 18701940. Oxford, New York: OUP. 298-324.
FIEDLER, Jeannine (ed.). 1995. Social Utopias of the Twenties: Bauhaus, Kibbutz
and the Dream of the New Man. Wuppertal/ Germany: Muller+Busman
Press.
FIEDLER, Jeannine & Peter Feierabend (eds.). 2000 (1999). Bauhaus. Trad.
Mariona Gratacòs. Konemann.
105
Bibliografia Geral
FITCH, James Marston. 1960. “Gropius, the social critic.” Walter Gropius. Cap. 3.
London: Mayflower. 28-31.
FRYE, Northrop. 1990. “The Meeting of Past and Future in William Morris.” Myth
and Metaphor: Selected Essays 1974-1988. Ed. Robert D. Denham.
Charlottesville and London: University Press of Virginia. 322-339.
GAUSA, Manuel et al. 2001. Diccionario Metápolis Arquitectura Avanzada.
Barcelona: ACTAR.
GEORGE, Frederico (ed.). 1975. Walter Gropius: Projectos e Construção, 19061969. [ed. lit.] Fundação Calouste Gulbenkian. Lisboa: F.C.G..
GIEDION, S.. 1954. Walter Gropius: Work and Team Work. London: The
Architectural Press.
GONÇALVES, Fernando. 2000. “Origens da Arquitectura”. Arquitectura e Vida, nº
5, Ano I. Junho 2000. 46-49.
GRONOW, Jukka. 1997. The Sociology of Taste. London, New York: Routledge.
HERMAND, Jost & Frank Trommler. 1989. Die Kultur der Weimarer Republik.
Frankfurt: Fischer Taschenbuch Verlag.
HILL, Jonathan (ed.). 1998. Occupying Architecture: between the architect and the
user. London: Routledge.
HOPE, Thomas. 1835. “Historical Essay on Architecture” in Textos de Arquitectura
de la Modernidade. Compilação de Pereu Hereu et al. Madrid: Editorial
Nerea. 1994. 136-138.
HUME, David. 1757. “Of the Standard of Taste” in Textos de Arquitectura de la
Modernidade. Compilação de Pereu Hereu et al. Madrid: Editorial
Nerea. 1994. 38-41.
106
Bibliografia Geral
KATINSKY, Julio Roberto. 1999. “Preliminares a um estudo de Vitrúvio.” Trad.
Marco Aurélio Lagonegro. Estudos Urbanos Série Arte e Vida Urbana.
São Paulo: Editora Hucitec, Fundação Para a Pesquisa Ambiental.
KENTGENS-CRAIG, Margret. 2001 (1999). Introduction. The Bauhaus and
America: First Contacts, 1919-1936. Trad. Lynette Widder. Cambridge,
London: The Mit Press. xi-xx.
KIEREN, Martin. 2000 (1999). "A beleza do novo mundo: compêndio sobre
construção. Passeio por uma cidade impossível construída pela
Bauhaus” in Bauhaus. Eds. Jeannine Fiedler & Peter Feierabend. 2000
(1999). Trad. Mariona Gratacòs. Konemann.
LE CORBUSIER. 1995 (1923). Argument. Vers Une Architecture. Paris:
Flammarim. XVII-XXI.
LUBBOCK, Jules. 1995. The Tyranny of Taste: the politics of architecture and
design in Britain, 1550-1990. New Haven: Paul Mellon Centre for
British Art by Yale University Press.
MACCARTHY, Fiona. 1994. William Morris: A Life of Our Time. London:
Faber&Faber.
MACKAIL, J. W. 1995. The Life of William Morris. Vol. II. New York: Dover
Publications, Inc..
MONTANER, Josep Maria. 2001. “O despertar de uma primeira evolução (19301945)”. Depois do Movimento Moderno – Arquitetura da segunda
metade do século XX. Cap. I. Trad. Portuguesa Maria Beatriz da Costa
Mattos. Barcelona: Editorial Gustavo Gili. 12-18.
NAYLOR, Gillian. 1973 (1968). The Bauhaus. Lon, NY: Studio Vista, Dutton and
Co. Inc..
107
Bibliografia Geral
- - - . 1993 (1985). Bauhaus Reassessed: Sources and Design Theory. London:
The Herbert Press.
NERDINGER, Winfried. 1993 (1988). Walter Gropius: Opera Completa. Milano:
Electa.
NEUMANN, Eckhard (ed.). 1970. Bauhaus and Bauhaus People. Trad. Eva
Richter & Alba Lorman. New York: Reinhold Book Corporation.
PARMESANI, Loredana. 2000. Art of the Twentieth Century: Movements,
Theories, Schools and Tendencies 1900-2000. Milan: Skira editore.
PARRY, Linda. 1983. William Morris Textiles. London: Weindenfeld & Nicolson.
- - - . 1996. William Morris. London: Philip Wilson in association with V&A.
PEVSNER, Nikolaus. 1960 (1949). Pioneers of Modern Design: From William
Morris to Walter Gropius. London: Penguin Books.
- - - . 1976. “Scape and Anti-scrape”. The Future of the Past. Ed. Jane Fawcett.
London: Thames & Hudson. 35-53.
PFEIFFER, Bruce Brooks & Robert Wojtowicz (eds.). 2001. “Introduction”. Frank
Lloyd Wright + Lewis Mumford: Thirty Years of Correspondence. New
York: Princeton Architectural Press. 3-36.
PICK, Frank. Introduction. […]. The New Architecture and the Bauhaus. Trad. P.
Marton. London: Faber and Faber limited.
PIZZA, Antonio. 1999. Arte y Arquitectura Moderna – 1851-1933: Del Crystal
Palace de Joseph Paxton a la clausura de la Bauhaus. Barcelona:
Edicions Universitat Politècnica de Catalunya (UPC).
PORTUGUESA, Sociedade da Língua, et al.. Dicionário Enciclopédico da Língua
Portuguesa, 1992. Vol. M-Z. Lisboa: Publicações Alfa.
108
Bibliografia Geral
RIBEIRO, Maria Isabel Donas Botto. 1998. Em Defesa da Arte do Quotidiano: A
Estética
Socialista
e
Humanista
de
William
Morris.
Coimbra:
Universidade de Coimbra.
RICHARD, Lionel. 1995. Préface. Architecture et Société. Walter Gropius. Trad.
Dominique Petit. Paris: Éditions du Linteau. 5-15.
RODRIGUES, António Jacinto. 1985. Aprender com a Bauhaus – A Bauhaus e o
Ensino Artístico nos Anos 20 – teoria e Prática. Lisboa: Universidade
Nova de Lisboa.
ROQUETA, Santiago et al. 2002. Arquitectura, Art i Artesania, Barcelona: Edicions
UPC.
RUA, Helena. 1998 (1996). Introdução. Os Dez Livros de Arquitectura de Vitrúvio.
Lisboa: Departamento de Engenharia Civil Instituto Superior Técnico.
v-ix.
RUSKIN, John. 1969 (1909). The Seven Lamps of Architecture. London:
Everyman’s Library.
SCHEERBART, Paul. 1914. “Glasarchitektur” in Textos de Arquitectura de la
Modernidade. Compilação de Pereu Hereu et al. Madrid: Editorial
Nerea. 1994. 167-171.
SOLÀ-MORALES, Ignasi et al. 2000. Introducción a la Arquitectura: Conceptos
Fundamentales. Barcelona: Edicions UPC.
STAMP, Gavin & André Goulancourt. 1986. “Precursors and Pioneers”. The
English House 1860-1914: The Flowering of English Domestic
Architecture. London: Faber and Faber. 45-86.
SUMMERSON, John. 1948 (1946). Architecture in England Since Wren. London:
Longmans, Green and Co..
109
Bibliografia Geral
TISDALL, Caroline. 1995. Geist to the Mill: Selected Writings 1970-1995. London:
Red Lion House.
THOMPSON, E. P.. 1976 (1955). William Morris: Romantic to Revolutionary. New
York: Pantheon Books.
THOMPSON, Paul. 1977. The Work of William Morris. Lond., Melb., NY: Quartet
Books.
THORNBERG,
Josep
Muntañola.
2002.
Arquitectura,
Modernidad
Y
Conocimiento. Barcelona: Edicions UPC.
VITRÚVIO. [ . . . ]. “Livro Primeiro”. Os Dez Livros de Arquitectura. Trad.
Portuguesa Maria Helena Rua. Lisboa: Departamento de Engenharia
Civil do Instituto Superior Técnico. 1998 (1996).
WATKIN, David. 1977a. Introduction. Morality and Architecture: The development
of a Theme in Architectural History and Theory from the Gothic Revival
to the Modern Movement. Oxford: Clarendon Press. 1-14.
- - - . 1977b. Conclusion. Morality and Architecture: The development of a Theme
in Architectural History and Theory from the Gothic Revival to the
Modern Movement. Oxford: Clarendon Press. 113-115.
WILLIAMS, Raymond. 1963a (1958). Introduction. Culture and Society: 17801950. New York: Penguin Books in association with Chatto & Windus.
13-19.
- - - . 1963b (1958). “The Romantic Artist”. Culture and Society: 1780-1950. Cap.2.
New York: Penguin Books in association with Chatto & Windus. 48-64.
- - - . 1963c (1958). “Art and Society”. Culture and Society: 1780-1950. Cap.7.
New York: Penguin Books in association with Chatto & Windus. 137-161.
110
Bibliografia Geral
WORRINGER, Wilhelm. 1992 (1911). A Arte Gótica. Trad. Isabel Braga. Colecção
Arte e Comunicação. Lisboa: Edições 70.
ZEVI, Bruno. 1996 (1984). Saber Ver a Arquitetura. Trad. Maria Isabel Gaspar &
Gaëtan Martins de Oliveira. 5ª Ed. São Paulo: Martins Fontes.
111
Anexos
Anexo I
“Manifest” e “Programm des Staatlichen Bauhauses”
Anexo I
“Manifest” e “Programm des Staatlichen Bauhauses”
Anexo II
“A Carta de Atenas”
A CARTA DE ATENAS 1
De facto, certas comunas suburbanas
puderem
adquirir
inopinadamente
um
valor, positivo ou negativo, imprevisível,
I
não só tornando-se a sede de residências
HABITAR
luxuosas,
como
acolhendo
centros
industriais intensos, ou ainda amontoando
1. A CIDADE NÃO É MAIS DO QUE UMA
PARTE
DO
CONJUNTO
populações trabalhadoras miseráveis.
ECONÓMICO,
Os
SOCIAL E POLÍTICO, QUE CONSTITUI A
limites
administrativos
compartimentam
REGIÃO.
o
complexo
que
urbano,
tornam-se então paralisantes.
A
unidade
administrativa
Um aglomerado constitui o nó vital de
coincide
uma extensão geográfica, cujo limite é
raramente com a unidade geográfica, isto
constituído pela zona de influência de um
é, com a região.
outro aglomerado. As suas condições de
A demarcação territorial administrativa
vida estão determinadas pelas vias de
das cidades tem podido ser arbitrária
comunicação que asseguram as trocas e
desde o começo, ou tem-no vindo a ser
o ligam intimamente à sua zona particular.
ulteriormente quando, por continuidade de
NÃO
crescimento alcançou e depois englobou
SE
PROBLEMA
outras comunas.
PODE
DE
URBANISMO
REPORTANDO-SE
Esta demarcação artificial opõe-se a
AOS
uma boa administração do novo conjunto.
ELEMENTOS
ENCARAR
UM
SENÃO
CONSTANTEMENTE
CONSTITUTIVOS
DA
REGIÃO e principalmente à sua geografia
( . . . ).
1
“A Carta de Atenas” resultou da quarta reunião
dos urbanistas e arquitectos que, de todo o mundo,
haviam aderido aos C.I.A.M. (Congressos
Internacionais de Arquitectura Moderna), realizada
em 1932 a bordo de um navio em cruzeiro pelo
Mediterrâneo com destino a Atenas. Durante essa
reunião analisaram-se trinta e três cidades de
dezoito países, e o resultado dessa análise foi o
documento já referido. Este consiste em uma série
de conclusões retiradas da análise efectuada e em
medidas de ordem geral, propostas para fazer face
ao estado a que os núcleos urbanos haviam
chegado na época em matéria de condições de
vida.
O que apresento neste anexo são apenas
alguns dos passos que considerei mais pertinentes
na fundamentação de algumas ideias que defendo
relativamente
à
actualidade,
diria
mesmo
intemporalidade, de William Morris e Walter
Gropius, uma vez que este documento é, ainda
hoje, uma referência para a classe dos arquitectos.
(Tradução de Maria de Lourdes e F. Castro
Rodrigues publicada na revista técnica Arquitectura,
em diversos números, em princípios dos anos 50. O
texto apresentado em maiúsculas está conforme o
da tradução; o texto entre parênteses rectos foi
alterado, ortograficamente, por mim.)
Nenhum empreendimento pode ser
considerado se não se adaptar aos
destinos harmoniosos da região.
O PLANO DA CIDADE NÃO É MAIS DO
QUE UM DOS ELEMENTOS DESTE TODO
QUE CONSTITUI O PLANO REGIONAL.
***
2. JUSTAPOSTOS AO ECONÓMICO, AO
SOCIAL E AO POLÍTICO, VALORES DE
ORDEM PSICOLÓGICA, LIGADA À PESSOA
HUMANA, INTRODUZEM NA DISCUSSÃO
PREOCUPAÇÕES DE ORDEM INDIVIDUAL E
ORDEM
ALARGA
115
COLECTIVA.
NA
A
MEDIDA
VIDA
EM
SÓ
SE
QUE
SE
Anexo II
“A Carta de Atenas”
CONCILIAM
OS
DOIS
CONTRADITÓRIOS
QUE
PRINCÍPIOS
REGEM
SITUAÇÃO
A
POLÍTICA.
GEOGRÁFICA
E
DA
SITUAÇÃO
TOPOGRÁFICA,
DA
PERSONALIDADE HUMANA: O INDIVIDUAL
NATUREZA DOS ALIMENTOS, ÁGUA E
E O COLECTIVO.
TERRA, DA NATUREZA, DO SOLO E DO
CLIMA…
Isolado,
o
homem
sente-se
A
desarmado: por isso se prende sempre,
geografia
e
a
topografia
desempenham no destino dos homens um
espontaneamente, a um grupo.
papel considerável.
Abandonado às suas próprias forças,
não construirá mais do que a sua cabana
É preciso nunca esquecer que o sol
e levará, na insegurança, uma vida sujeita
comanda, impondo as suas leis a todo o
a perigos e fadigas, agravadas com todas
empreendimento
as angústias da solidão.
salvaguarda do ser humano.
cujo objectivo for
Planícies,
Incorporado no grupo, sente pesar
colinas,
a
montanhas,
sobre si a sujeição de regras inevitáveis,
intervêm igualmente para modelar uma
mas, em troca está seguro, em certa
sensibilidade
medida, contra a violência, a doença, a
mentalidade.
fome: pode sonhar em melhorar a sua
(...)
e
determinar
uma
***
habitação e saciar também a necessidade
(...)
profunda da vida social.
***
Tornado elemento constitutivo de uma
sociedade que o mantém, colabora directa
ou
indirectamente
nos
5. DA SITUAÇÃO POLÍTICA: SISTEMA
mil
ADMINISTRATIVO.
empreendimentos que asseguram a vida
física e desenvolvem a vida espiritual.
Fenómeno mais notável que qualquer
(...)
outro,
UM PLANO SÓ É SÁBIO E PRUDENTE
MAS
GARANTINDO
da
vitalidade
do
país,
expressão de uma sabedoria que espera
QUANDO PERMITE UMA COLABORAÇÃO
FRUTUOSA,
sinal
pelo apogeu, ou toca já no declínio…
AO
Se
MÁXIMO A LIBERDADE INDIVIDUAL.
a
política
essencialmente
Esplendor do individuo no quadro do
sistema
civismo.
é
móvel,
administrativo,
de
o
natureza
seu
fruto,
possui
uma
estabilidade natural que lhe permite no
***
tempo, uma maior instalação e não
permite muito frequentes modificações.
3. ESTAS CONSTANTES PSICOLÓGICAS E
BIOLÓGICAS SOFRERÃO A INFLUÊNCIA
Expressão de política móvel, a sua
DO MEIO: SITUAÇÃO GEOGRÁFICA E
duração está assegurada pela própria
TOPOGRÁFICA, SITUAÇÃO ECONÓMICA,
natureza e a própria força das coisas.
116
Anexo II
“A Carta de Atenas”
Se era uma cidade de colonização,
É um sistema que, em limites assaz
rígidos,
determina
território
e
a
o
organizavam-na como um campo, em
impõe-lhes
ângulos rectos e envolvida por paliçadas
uniformemente
sociedade,
rectilíneas.
estatutos e, actuando regularmente sobre
Tudo ali estava ordenado conforme a
as alavancas de comando, determina no
conjunto do país, modalidades de acção
proporção,
uniformes.
conveniências.
(...)
destacavam
***
a
hierarquia
As
das
estradas
portas
da
e
as
que
se
muralha
envolvente partiam obliquamente, para
destinos longínquos.
PARTICULARES
Encontra-se ainda no desenho das
DETERMINARAM, ATRAVÉS DA HISTÓRIA,
cidades o primeiro núcleo compacto do
OS CARACTERES DA CIDADE: DEFESA
burgo, as cinturas sucessivas e o traçado
MILITAR,
das estradas divergentes.
6.
CIRCUNSTÂNCIAS
DESCOBERTAS
CIENTÍFICAS,
ADMINISTRAÇÕES
SUCESSIVAS,
Amontoavam-se
DESENVOLVIMENTO PROGRESSIVO DAS
CONSTRUÇÕES
E
DOS
TRANSPORTE
(VIAS
MEIOS
dentro
dela,
procurando uma dose variável de bem-
DE
-estar, conforme o grau de civilização.
TERRESTRES,
Aqui regras profundamente humanas
AQUÁTICAS, DE FERRO, AÉREAS).
ditavam a escolha dos dispositivos; ali,
A história está inscrita nos traçados e
sujeições
nas arquitecturas das cidades; o que disso
arbitrárias
faziam
nascer
injustiças flagrantes.
subsiste forma o fio condutor que, junto
Nasceu, porém, a era do maquinismo.
com os textos e os documentos gráficos,
A uma medida milenária e que se pôde
permite apresentar as imagens sucessivas
acreditar imutável, a velocidade do passo
do passado.
humano, sobrepôs-se uma medida nova,
Os motivos que fizeram nascer as
em plena evolução ainda, a velocidade
cidades foram de natureza diversa. Por
dos veículos motorizados.
vezes era o valor defensivo, e o cume do
***
penhasco, a curva de um rio, viam nascer
(...)
***
um pequeno burgo fortificado, outras
vezes era o cruzamento de duas estradas
uma
testa
uma
8. O ADVENTO DA ERA MAQUINISTA
que
PROVOCOU ENORMES PERTURBAÇÕES
determinavam a localização do primeiro
NO COMPORTAMENTO DOS HOMENS, NA
edifício.
SUA DISTRIBUIÇÃO SOBRE A TERRA, NOS
anfractuosidade
de
ponte
da
ou
costa
SEUS EMPREENDIMENTOS. MOVIMENTO
A cidade era de forma incerta, as mais
IRREFREADO DE CONCENTRAÇÃO NAS
das vezes em semi-circulo ou em círculo.
117
Anexo II
“A Carta de Atenas”
CIDADES À FEIÇÃO DAS VELOCIDADES
23. …QUE OS BAIRROS DE HABITAÇÃO
MECÂNICAS, EVOLUÇÃO BRUTAL SEM
OCUPEM DE [AGORA EM DIANTE] NO
PRECEDENTES NA HISTÓRIA E QUE É
ESPAÇO
UNIVERSAL.
LOCALIZAÇÕES, TIRANDO PARTIDO DA
O
CAOS
ENTROU
NAS
CIDADES.
URBANO,
AS
MELHORES
TOPOGRAFIA LEVANDO EM CONTA O
CLIMA, DISPONDO DA EXPOSIÇÃO AO SOL
O emprego da máquina alterou as
condições
do
trabalho.
Quebrou
MAIS FAVORÁVEL E DAS SUPERFÍCIES
VERDES OPORTUNAS.
o
equilíbrio milenário, dando um golpe fatal
As cidades, tais como existem hoje,
no [artesanato], despovoando os campos,
engorgitando
as
cidades
menosprezando
harmonias
são construídas em condições contrárias
e,
ao bem público e particular.
seculares,
perturbando as relações naturais que
A história demonstra que a sua criação
existiam entre os lares e os locais de
e o seu desenvolvimento tiveram razões
trabalho.
profundas graduais no tempo e que elas
somente têm vindo a aumentar, como
Um ritmo desesperado, junto a uma
situação
precária,
desorganiza
as
muitas vezes são renovadas no decurso
desencorajante,
condições
de
dos séculos, e isso sobre o mesmo solo.
vida,
A
opondo-se ao acordo das necessidades
da
máquina,
modificando
brutalmente certas condições centenárias,
fundamentais.
As
era
habitações
abrigam
mal
conduziu-as ao caos.
as
famílias, corrompem a sua vida íntima, e o
A nossa tarefa actualmente é arrancá-
desconhecimento das necessidades vitais,
-la à sua desordem por planos onde esteja
tanto físicas como as morais, trazem os
previsto
seus
empreendimentos, no tempo.
frutos
venenosos:
doença,
o
escalonamento
dos
(...)
decadência, revolta.
***
O mal é universal, expresso, nas
(...)
cidades, por uma acumulação que as
***
conduz à desordem e, nos campos, pelo
abandono de numerosas terras.
28. ...QUE SE LEVEM EM LINHA DE CONTA
***
AS
(...)
POSSIBILIDADES
DAS
TÉCNICAS
MODERNAS PARA A CONSTRUÇÃO DE
***
EDIFICAÇÕES ALTAS...
É PRECISO EXIGIR
Cada época empregou para as suas
construções a técnica que lhe era imposta
pelos seus recursos particulares.
118
Anexo II
“A Carta de Atenas”
Até ao século XIX, a arte de construir
O desenvolvimento industrial depende
casas não conhecia senão as paredes-
essencialmente
-mestras de pedra ou de tijolo ou os
abastecimento em matérias-primas e das
tabiques de madeira e pavimentos feitos
facilidades de evacuação dos produtos
com vigas e madeira.
manufacturados. É, portanto, ao longo das
No século XIX, um período intermédio
registou
os
vieram
enfim,
século
XX,
meios
de
vias-férreas criadas pelo século XIX, e nas
ferros perfilados; depois,
no
dos
margens dos cursos de água cuja a
as
navegação a vapor multiplicou o consumo,
construções homogéneas, todas de aço
que as indústrias, verdadeiramente, se
ou cimento armado.
[amontoaram].
(...)
Mas,
disponibilidades
***
aproveitando
imediatas
as
em
alojamentos e em abastecimentos, que
(...)
detiveram
as
cidades
existentes,
os
fundadores de indústrias instalaram as
III
suas empresas na cidade ou seus limites,
TRABALHO
não obstante, o perigo que disso poderia
resultar.
OBSERVAÇÕES
(...)
***
41. OS LOCAIS DE TRABALHO NÃO ESTÃO
RACIONALMENTE
COMPLEXO
DISPOSTOS
URBANO,
( . . . )
NO
***
INDÚSTRIA,
ARTESANATO,
NEGÓCIOS
É PRECISO EXIGIR
ADMINISTRAÇÃO COMÉRCIO.
( . . . )
Antigamente, o alojamento e a oficina,
unidos
por
estreitos
e
47. …QUE ZONAS INDUSTRIAIS SEJAM
permanentes
INDEPENDENTES
DAS
ZONAS
DE
UMAS
DAS
liames, estavam situados um ao pé do
HABITAÇÃO,
outro.
OUTRAS POR UMA ZONA DE VERDURA.
A
expansão
inesperada
do
SEPARADAS
(...)
maquinismo quebrou estas condições de
Três
harmonia; em menos de um século,
disponíveis
conforme
transformou a fisionomia das cidades,
habitantes:
A
quebrou
CIDADE-JARDIM;
as
tradições
seculares
do
tipos
de
habitação
CASA
A
o
estarão
gosto
INDIVIDUAL
CASA
dos
DA
INDIVIDUAL
artesanato e fez nascer uma nova mão-
GEMINADA
-de-obra anónima e móvel.
EXPLORAÇÃO RURAL, E ENFIM, O IMÓVEL
COLECTIVO
119
DE
PROVIDO
UMA
DE
PEQUENA
TODOS
OS
Anexo II
“A Carta de Atenas”
SERVIÇOS NECESSÁRIOS PARA O BEM-
A
-ESTAR DOS SEUS OCUPANTES.
vida
de
acontecimento
***
uma
cidade
contínuo
é
um
manifestado
através dos séculos por obras materiais,
(...)
traçados ou construções, que a dotam
***
com sua personalidade própria e de onde
emana pouco a pouco a sua alma.
49. …QUE O ARTESANATO, INTIMAMENTE
LIGADO
à
VIDA
URBANA
DIRECTAMENTE
OCUPAR
PROCEDE,
LOCAIS
São estes testemunhos preciosos do
DONDE
passado
POSSA
que
serão
respeitados,
primeiramente por causa do seu valor
NITIDAMENTE
histórico ou sentimental, depois porque
DESIGNADOS NO INTERIOR DA CIDADE.
alguns deles têm em si uma virtude
plástica na qual se encarou o mais alto
O artesanato difere, por sua natureza,
da
indústria
e
reclama
grau de intensidade do génio humano.
disposições
Fazem parte do património humano e
apropriadas. Emana directamente de um
potencial acumulado nos centros urbanos.
aqueles
Artesanatos do livro, da [bijutaria], da
encarregados da sua protecção, têm a
costura ou da moda, encontrarão, na
responsabilidade e a obrigação de fazer
concentração intelectual da cidade, a
tudo o que é lícito para transmitir intacta,
excitação criadora que lhe é necessária.
aos séculos futuros, esta nobre herança.
Trata-se
aqui
de
poderão
estar
situados
os
possuem
são
***
actividades
(...)
essencialmente urbanas e cujos locais de
trabalho
que
***
nos
pontos mais intensos da cidade.
70.
***
O
EMPREGO
DE
ESTILOS
DO
PASSADO, SOB PRETEXTO DE ESTÉTICA,
(...)
NAS CONSTRUÇÕES NOVAS ERIGIDAS
NAS
V
ZONAS
CONSEQUÊNCIAS
HISTÓRICAS,
NEFASTAS,
TEM
O
MANTIMENTO DE TAIS USOS OU DA
PATRIMÓNIO HISTÓRICO DAS
INTRODUÇÃO DE TAIS INICIATIVAS NÃO
CIDADES
SERÁ TOLERADO SOB NENHUMA FORMA.
65.
OS
DEVEM
VALORES
SER
ARQUITECTURAIS
Tais métodos são contrários à grande
SALVAGUARDADOS
(EDIFÍCIOS ISOLADOS OU CONJUNTOS
lição da história. Nunca se verificou um
URBANOS).
retrocesso, nunca o homem pisou duas
vezes o mesmo passado.
120
Anexo II
“A Carta de Atenas”
As obras primas do passado mostram-
plano preconcebido e qualquer meditação
nos que cada geração teve a sua maneira
prévia foram excluídos.
Hoje está feito o mal. As cidades são
de pensar, as suas concepções, a sua
dos
desumanas e da ferocidade de alguns
recursos técnicos da época que era sua.
interesses privados nasceu a infelicidade
(...)
de numerosas pessoas.
estética,
apelando
à
totalidade
***
(...)
***
CONCLUSÕES
77. AS CHAVES DO URBANISMO ESTÃO
NESTAS QUATRO FUNÇÕES:
PONTOS DE DOUTRINA
71.
A
MAIOR
PARTE
DAS
Habitar
CIDADES
ESTUDADAS OFERECEM HOJE A IMAGEM
Trabalhar
DO
Recrear-se (horas livres)
CAOS:
ESTAS
CIDADES
NÃO
Circular
RESPONDEM DE FORMA ALGUMA AO SEU
DESTINO, QUE SERIA O DE SATISFAZER
AS
NECESSIDADES
PRIMORDIAIS
O urbanismo em uso tem atacado até
BIOLÓGICAS E PSICOLÓGICAS DAS SUAS
aqui
POPULAÇÕES.
circulação. Tem-se contentado em romper
(...)
avenidas
***
DA
ERA
ou
um
em
problema,
traçar
o
as
da
ruas,
constituindo assim as «ilhas» construídas,
72. ESTA SITUAÇÃO REVELA, DESDE O
PRINCÍPIO
apenas
MAQUINISTA,
cujo destino se deixa ao acaso das
A
iniciativas particulares.
ADIÇÃO INCESSANTE DOS INTERESSES
É
PRIVADOS.
um
insuficiente
(...)
desígnio
da
bem
missão
estreito
que
lhe
e
é
destinada.
Nenhuma autoridade, consciente da
O urbanismo tem quatro objectivos,
natureza e da importância do movimento
que são estes: primeiramente assegurar
maquinista, interveio até agora para evitar
aos homens alojamentos saudáveis, isto é
prejuízos de que ninguém pode ser
lugares onde o espaço, ar puro e o sol
efectivamente responsável.
(estas três «condições da natureza»)
( . . . ) A construção de alojamentos ou
estejam
de fábricas, o estabelecimento de vias na
segundo
terra, na água ou férreas, tudo se
largamente
lugar,
assegurados;
organizar
locais
em
de
trabalho, de maneira que este em vez de
multiplicou com uma pressa e uma
ser uma sujeição penosa, retome o seu
violência individual de onde qualquer
carácter de actividade humana natural;
121
Anexo II
“A Carta de Atenas”
terceiro, prever as instalações necessárias
à
boa
utilização
das
horas
(...)
***
livres,
tornando-as benéficas e fecundas; quarto,
90. ( . . . )
estabelecer a ligação entre estas diversas
organizações por meio de uma rede
A era maquinista introduziu novas
circulatória, que assegure as trocas e ao
técnicas que são uma das causas da
mesmo tempo respeite as prerrogativas
desordem e da confusão das cidades. É
de cada um.
em relação a elas que é preciso procurar
a solução do problema.
ESTES QUATRO OBJECTIVOS SÃO AS
QUATRO CHAVES DO URBANISMO.
As técnicas modernas da construção
***
instituíram
(...)
novos
métodos,
trouxeram
facilidades, permitiram novas dimensões.
***
Na história da arquitectura, abrem um
verdadeiramente um novo ciclo.
87. PARA O ARQUITECTO EMPENHADO
EM
QUESTÕES
INSTRUMENTO
DE
DE
URBANISMO,
MEDIDA
SERÁ
As construções novas serão não
O
somente de uma amplitude mas também
A
de uma complexidade desconhecidas até
ESCALA HUMANA.
aqui. Para cumprir a tarefa múltipla que
lhe
A arquitectura, depois do decurso
é
imposta,
o
arquitecto
deverá
associar-se, em todos os escalões do
destes últimos cem anos deve ser, de
empreendimento,
novo, colocada ao serviço do homem.
a
numerosos
especialistas.
Deve abandonar as pompas estéreis,
***
deve debruçar-se sobre o indivíduo e criar
(...)
para a felicidade deste, os conjuntos que
***
envolverão todos os gestos da sua vida,
92. ( . . . )
tornando-os mais felizes.
A ARQUITECTURA PRESIDE AOS
Quem poderá tomar as necessárias
DESTINOS DA CIDADE.
medidas para levar a bom termo esta
(...)
tarefa, senão o arquitecto que possua o
A arquitectura é responsável pelo bem
perfeito conhecimento do homem, que
estar e pela beleza da cidade. É ela que
tenha abandonado os grafismos ilusórios
se incumbe da sua criação e do seu
e que, pela justa adaptação dos meios,
arranjo e é à sua incumbência também
aos fins propostos, crie uma ordem que
que estão a escolha e a distribuição dos
mantenha em si própria a sua própria
diferentes elementos cuja feliz proporção
poesia?
constituirá
***
durável.
122
uma
obra
harmoniosa
e
Anexo II
“A Carta de Atenas”
A arquitectura é a chave de tudo.
***
(...)
***
95. O INTERESSE PRIVADO SERÁ
SUBORDINADO
AO
INTERESSE
COLECTIVO.
(...)
O direito individual não tem relações
com o vulgar interesse privado. Aquele
que cumula uma minoria, condenando o
resto da massa social a uma vida
medíocre, merece severas restrições.
Deve
ser
tudo
subordinado
ao
interesse colectivo, tendo cada indivíduo
acesso às alegrias fundamentais: o bem
estar do lar, a beleza da cidade.
FIM DA CARTA
123
Anexo III
Índice de Imagens
Fig. 1: Londres, Palácio de Cristal: desenho original de Joseph Paxton,
1851.
In: Benévolo 1996, 134.
Fig. 2: Londres, Palácio de Cristal: pormenor da montagem, 1851.
In: Benévolo 1996, 134.
Fig. 3: “Red House”, Upton, Kent. Projecto de Philip Web, 1859-60.
In: Cumming 1995, 21.
Fig. 4: A Catedral, de Lyonel Feiniger. Xilogravura que acompanhou o
manifesto da Bauhaus de Walter Gropius, 1919.
In: Droste 1994, 18.
Fig. 5: Estrela em forma de Catedral. Bruno Taut, 1919.
In: Textos de Arquitectura de la Modernidade. Compilação de Pereu Hereu
et al. Madrid: Editorial Nerea, 1994. 233.
Fig. 6: Bird: tapeçaria desenhada por William Morris, 1878.
In: Parry 1983, 152.
124
Anexo III
Índice de Imagens
Fig. 7: Acanthus: tapeçaria desenhada por William Morris, c. 1880.
In: Linda Parry, William Morris Textiles, (London: Weidenfeld and Nicolson,
1983.), 27.
Fig. 8: Strawberry Thief: tapeçaria desenhada por William Morris, 1883.
In: Studio Designs Ed (London: Studio Designs, 1991.), Plate 9. (Agenda)
Fig. 9: Um de dois painéis desenhados e bordados por May Morris, c. 1895.
In: Linda Parry, William Morris Textiles, (London: Weidenfeld and Nicolson,
1983.), 31.
Fig. 10: “Die Schwimmerin von Köln” (A nadadora de Colónia). Karl
Hubbuch, 1923.
In: Jeannine Fiedler, “Between a Nest and a Cube: About Architecture and
the Concept of Life in the 1920’s” (Fiedler 1995: 31-39)
Fig. 11: Vista sudoeste do edifício Bauhaus, ala dos ateliers, em Dessau.
Walter Gropius, 1925-26.
In: Droste 1994, 19.
Fig. 12: “Architecture avant 1914. Architecture après 1918”. Antoine Pompe,
cerca de 1920.
In: Wolfgang Pehnt, “The “New Man” and the Architecture of the Twenties”
(Fiedler 1995: 19)
125
Anexo III
Índice de Imagens
O primeiro carimbo Bauhaus, utilizado de 1919 a 1922, concebido por KarlPeter Röhl. Combina vários símbolos cristãos e não cristãos, incluindo a
pirâmide, a cruz suástica, o círculo e a estrela.
In: Droste 1994, 22.
Carimbo da Bauhaus Estatal de Weimar. Óscar Schlemer, 1922.
In: Droste 1994, 34.
Desenho para um tapete em macramé, onde se percepciona a combinação
de estruturas diferentes, reflectindo a influência das teorias da forma de Itten
no atelier de tecelagem. Gunta Stölzl, 1920-22.
In: Droste 1994, 41.
Manifesto Bauhaus com Xilogravura de Feiniger. Walter Gropius, 1919.
In: Droste 1994, 18.
(Em Anexo)
Programa Bauhaus. Walter Gropius, 1919.
In: Droste 1994, 19.
(Em Anexo)
126
Índice
Agradecimentos
2
Observações Preliminares
5
Introdução: Morris | Gropius: duas épocas, um mesmo sonho
9
Capítulo 1: Do gosto vitoriano à penumbra do pós-guerra
21
Capítulo 2: Do passado fazer futuro: união das artes
52
Conclusão: A arte como princípio transformador da sociedade
84
Bibliografia
100
Bibliografia Primária
101
Bibliografia Geral
103
Anexos
112
A.I: “Manifest” e "Programm des Staatlichen Bauhauses“
113
A.II: “Carta de Atenas” (1932)
115
A.III: Índice de Imagens
124
Download

2004. Arquitectura e Design na Ensaística de William Morris e