Terra
produtiva
e
desenvolvimento económico
o
Agora24 de Agosto de 2002
José Cerqueira
Introdução. Desde o século XVIII que a
relação entre a propriedade da terra rural
e o desenvolvimento das nações foi uma
questão estudada em várias disciplinas
científicas,
como
a
geografia,
a
agronomia, a demografia, as económicas,
a sociologia, a antropologia, a história, o
direito e outras ciências. O concurso de
diversas várias competências científicas
sobre o mesmo assunto só consegue
acumular conhecimento na condição que
os diversos cientistas respeitem o princípio
da complementaridade das ciências. Foi o
célebre filósofo britânico David Hume
quem chamou à atenção, pela primeira
vez, como a variedade de aspectos
presentes na realidade objectiva coincide
com o número de ciências que estão bem
constituídas no cérebro do homem.
O
contributo
específico
que
os
economistas trouxeram para a questão da
propriedade da terra é a explicação de
como se forma o valor desse bem natural.
A teoria do valor da terra define os efeitos
sobre a repartição do rendimento nacional
e sobre a acumulação do capital
financeiro, que são causados pela
instituição numa sociedade capitalista da
propriedade privada sobre os terrenos
produtivos. A abordagem da questão da
terra em Angola, sob o ângulo da lei do
valor, passa porém por uma introdução
prévia, destinada a isolar o conceito de
terra produtiva relativamente às outras
superfícies do solo.
Dissemelhança económica entre os usos
rural e urbano do solo. Os economistas
concordam como as qualidades que
determinam conjuntamente o valor da
terra são principalmente a fertilidade e
subsidiariamente
a
localização.
A
qualidade da fertilidade exerce sua acção
no lado da oferta, pois este conceito
recobre as substâncias e matérias
intrínsecas da terra que intervêm produção
de bens naturais, como são os cereais, o
gado, os ovos, o leite ou mesmo os
minérios. A fertilidade da terra torna-se
fonte de rendimento para o proprietário do
terreno quando a produção doutros
terrenos, com terra significativa menos
fértil, concorrem para abastecer a procura
do mercado. O factor da localização
também joga papel subsidiário na
determinação do valor da terra. O valor do
hectare
de
terreno
pode
variar
sensivelmente em terras de igual
fertilidade consoante a localização esteja
perto ou longe de grandes centros
consumidores,
o
que
se
explica
naturalmente pelos diferentes custos de
transporte precisos para o escoamento
final dos bens agrícolas. O transporte é
porém uma actividade produtiva, pelo que
a localização contribui na determinação do
valor da terra também no lado da oferta.
A produtividade da terra não é factor
determinante de valor do solo urbano. Os
economistas concordam que o valor dos
terrenos de urbanização é determinado
simplesmente pela localização. O solo
urbano é definido pelo o conjunto de
terrenos que fixam a base multiplicativa de
espaço para alojamentos. Os terrenos
urbanos não são procurados para serem
semeados mas unicamente para servirem
de assentamento de casas, as quais
podem estar isoladas ou elevadas em
prédios
de
propriedade
horizontal.
Contrariamente ao que se passa na
avaliação de terrenos rurais, não é do lado
da oferta de onde a localização determina
o valor de terrenos urbanos. O que
determina a diferença de valor entre casas
de mesmo padrão é a preferência que a
procura desse bem de capital, pela
sociedade, manifesta a favor de quadros
paisagísticos amplos e vistosos. O factor
localização não age em cidades do lado
da oferta pela simples razão que as casas
não podem ser transportadas. É do lado
da procura por casas que a localização
determina psicologicamente o valor do
espaço urbano.
A conclusão à qual acabamos de chegar é
importante, pelo que vamos repeti-la, pela
última vez o valor do solo urbano é
formado
por
forças
puramente
psicológicas reveladas na procura de
casas projectada pelos consumidores, e
contrariamente, o valor do solo rural é
determinado pelas forças objectivas que
as qualidades intrínsecas e indestrutíveis
da terra exercem na oferta de bens
naturais agrícolas. A função económica
desempenhada pela terra na economia
rural é a dum factor de produção, ao
passo que na economia urbana a terra é
totalmente improdutiva. A dissemelhança
radical entre a função económica da terra
no campo e a função económica da terra
na cidade, leva os economistas a
aconselharem a sociedade a separar a
questão do solo rural e a questão do solo
urbano em 2 discussões distintas. Uma
vez que é conveniente tratar a lei do valor
do solo urbano e a lei do valor do solo
rural, uma de cada vez, e nunca as 2 ao
mesmo tempo, nós escolhemos tratar
primeiramente o solo rural. Consideramos
portanto doravante o funcionamento da
terra exclusivamente como factor de
produção e deixamos de lado a função
estática da terra como a base inerte para
multiplicação do espaço habitável.
O valor da terra produtiva. Não é possível
multiplicar a terra, da mesma maneira
como o espaço habitável é multiplicado
nas cidades, pois se existem jardins
suspensos em apartamentos de prédios, é
preciso não perder de vista que a terra
assim elevada na atmosfera foi certamente
retirada do solo. O valor da terra fértil
determina-se sobre o mercado dos
factores de produção. A terra que funciona
produtivamente existe em quantidade
limitada e quase indestrutível. A extensão
de terra dum país é um dado fixo, de tal
modo que os factores variáveis na
produção rural são exclusivamente o
trabalho e o capital.
Nos
estádios
primitivos
de
desenvolvimento económico e social dum
país, o poder de compra monetário
disponível na sociedade é quase todo
absorvido pelas despesas de alimentação.
A importância inadiável das necessidades
puramente
estomacais fazem com que a maior parte
dos trabalhadores está ocupada nas
actividades primárias da agricultura,
pecuária e pescas em todas sociedades
onde a produtividade total resta fraca,
devido ã falta de mecanização. As
sociedades residentes nos países menos
desenvolvidos fazem uso muito extensivo
de quase toda terra apta para a
sementeira, desde os terrenos mais férteis
até chegar a terrenos quase avaros.
O economista clássico David Ricardo
observou
como
são
distinguíveis
facilmente, em quase todos países, 4 e
mais
círculos
concêntricos
de
produtividade
dos
terrenos.
Nas
sociedades onde quase todos terrenos
aráveis são
aproveitados
para
a
agricultura, a renda ao metro quadrado de
terreno forma-se em fatias crescentes
consoante a produtividade da terra: os
proprietários de terras situadas no círculo
dos terrenos menos férteis ganham a
renda zero; os proprietários de terrenos
recebem renda tanto maior quanto mais
produtiva for a terra em seus terrenos; os
proprietários do círculo pequeno de terras
férteis ganham rendas elevadíssimas.
Numa sociedade cuja produtividade é
estacionária, o crescimento da população
tende a aumentar a fatia de renda
fundiária no rendimento nacional, em
detrimento dos salários e dos lucros.
Podemos ilustrar esse efeito com um
exemplo muito e simples.
Exemplo: Seja uma sociedade cuja
produtividade é baixa e estacionária. Num
determinado ano, a alimentação da a,
sociedade implica o uso de terrenos
decompostos em 2 círculos de fertilidade
da terra, o círculo 1, mais produtivo e
círculo 2. No círculo 2, a produção de, por
te exemplo, 1 quilo de tomates custa, em
trabalho e capital, 4 unidades monetárias,
ao passo que aquela produção física te
consegue-se, no círculo 1, com o custo
(em de trabalho e capital) de somente 2
unidades monetárias na terra mais fértil,
então o preço do quilo de tomates
equilibra-se em torno de 4 unidades
monetárias, o que dá no círculo 2 uma
renda zero e no círculo 1 a renda de 2
unidades monetárias por cada quilo de
tomate. Passados alguns anos, a procura
de alimentos aumenta, devido ao
crescimento da população, de tal modo
que isso obrigue ao desbravo progressivo
de terras cada vez menos produtivas, que
definem o cultivo de terrenos no círculo 3.
O custo de produção de 1 quilo de tomate
da é 6 unidades monetárias no círculo 3.
Em consequência, o preço do quilo de
tomates passa a equilibrar-se em 6
unidades monetárias, o círculo 3 gera
renda zero, o círculo 2 passa a gerar a
renda de 2 me unidades monetárias por
cada quilo de tomate, e círculo 1 passa a
gerar renda igual a 4 unidades monetárias
por cada Quilo de tomate. Vamos supor
que, em cada metro quadrado, concentrase, no círculo 1, a produção anual de 100
quilos de tomate. Se abstrairmos, das
benfeitorias, dos equipamentos e dos
alojamentos implantados nos terrenos,
então o valor do metro quadrado de
terrenos determina-se tomando em
consideração o nível da taxa de juro de
longo prazo. Se a essa taxa de juro é 5%,
então os terrenos custam , no círculo 1,
000 4 , 5%= 8.000 unidades monetárias,
cada metro quadrado, custam, no círculo
2, 4.000 unidades monetárias cada metro
quadrado e custam zero no círculo 3.
Como
explicaram
os
economistas
clássicos, numa estacionária duma
sociedade em explosão demográfica, a
parte de rendas fundiárias no rendimento
nacional aumenta. A concentração muitos
de poder de compra nas mãos de
proprietários de terras férteis, favorece
inevitavelmente o aparecimento de
classes ociosas na sociedade, e isso
acaba por levantar o movimento
abolicionista do direito ã propriedade
privada das terras produtivas. Segundo
esta doutrina radical, seria recomendável
que o governo nacionalizasse toda terra
rural para arrendá-la, a seguir, a
empresários capitalistas. As rendas
recolhidas
pelo
governo
serviriam
primeiramente
para
pagar
as
indemnizações devidas aos antigos
proprietários da terra, e depois dessa
indemnização concluída, as rendas
serviriam para financiar diminuições de
impostos.
Entre os defensores desta doutrina, os
mais optimistas, designadamente o
filósofo holandês Bento de Spinoza e o
economista francês Léon Walras, estavam
mesmo persuadidos que a baixa de
impostos poderia ser conduzida até á
eliminação
total
desse
encargo
"detestável". O campeão da luta contra a
propriedade privada do solo foi o
economista americano Thorntein Veblen.
O erro de apreciação de pessoas tão
inteligentes
é
de
certo
modo
compreensível. A explosão demográfica
que ocorreu nos primórdios do capitalismo,
parecia indicar que as rendas fundiárias
poderiam crescer a longo prazo para
proverem o financiamento de toda
actividade do governo.
O
desenvolvimento
do
capitalismo
contrariou todavia aquele receio que a
propriedade privada da terra pudesse
tornar-se, numa sociedade progressiva,
fonte para concentração de poder de
compra nas mãos dos proprietários de
terras, em detrimento dos trabalhadores e
dos investidores. É preciso nunca perder
de vista como o capitalismo é o modo de
produção que assenta na acumulação
financeira dos frutos do progresso trazidos
pela incorporação de máquinas na
produção. O mecanismo da acumulação
capitalista funciona com 2 eixos que
confluem na formação do poder de
compra: o pagamento de salários com
moeda bancária e a incorporação
crescente de máquinas no património das
firmas. A produção capitalista revelou-se
como o melhor
mecanismo social de multiplicação da
variedade de bens graças ã aplicação de
técnicas de engenharia da produção
reveladas progressiva e incessantemente
pela ciências exactas.
O capitalismo tende a estender a
mecanização a todos sectores produtivos
ao mesmo tempo. A propagação desse
efeito produz na agricultura o resultado
espectacular de reduzir imenso a
necessidade de usar extensivamente a
terra. O capitalismo demonstrou vitalidade,
em todos países onde se desenvolveu,
para intensificar a produção intensiva a tal
ponto que a produção alimentar dum país
capitalista
desenvolvido
pode
ser
fornecida a partir dum núcleo pouco
extenso de terras com diferenças de
produtividade muito reduzidas. O efeito
que a mecanização suscita de restringir
quase toda agricultura à cultura intensiva
das terras incluídas no círculo de maior
produtividade,
traduz-se
no
quase
desaparecimento da renda fundiária, como
categoria do rendimento nacional. Em
países
de
capitalismo
antigo,
o
desaparecimento da base rural para
florescimento da classe ociosa na
sociedade já
estava muito avançado no final do século
XIX. O século XX veio mesmo revelar
como, ao invés de ter a capacidade para
alimentar a vida luxuosa de classes
ociosas, a economia rural necessita de
fortes subvenções do governo, para evitar
o completo abandono das regiões com
terras menos férteis, as quais constituem
obviamente a parcela gigante do território
em quase todos países do mundo.
Experiência angolana. No Interland de
Angola o valor da terra é determinado
unicamente nos terrenos de agricultura ou
de mineração, pois nós vimos, na
introdução como é errado chamar terra ao
espaço de habitação. Quer dizer que a
exploração florestal não é susceptível de
criar valor da terra. Porque é desprovido
de valor, o espaço florestal é um bem
colectivo, como o ar ou os rios, cuja
propriedade compete naturalmente ao
governo, o qual poderá evidentemente
conceder, a empresários privados, direitos
para abate comercial de árvores, dentro
das restrições dum programa verdejante
da paisagem angolana. Além de deter
reservas florestais, o governo também
detém reservas de vida animal ou de sitos
cuja beleza permite designá-los como
património natural da humanidade. O
governo poderá evidentemente conceder
direitos de exploração turísticas de todas
reservas não florestais. A propriedade
pública sobre as reservas florestais só se
aplica aos espaços onde a densidade das
árvores expulsa a agricultura. As matas de
árvores que criam sombra para a
agricultura de frutos com alto rendimento
em valor, estão fora da definição das
reservas florestais. Esta precisão é
importante, porque as terras férteis de
Angola estão quase todas sombreadas por
matas que chegam a ser muito densas,
quase como florestas.
Durante o século XX, os geógrafos
portugueses,
liderados pelo grande Orlando Ribeiro,
localizaram as
manchas
territoriais
correspondentes aos círculos de fertilidade
da terra angolana. De acordo com esses
estudos, podemos concluir como a
delimitação dos círculos de fertilidade em
Angola resultam do cruzamento, no relevo
orográfico, duma culminação atlântica e
duma
culminação
transversal.
A
culminação transversal, que vai desde o
extremo norte do Moxico até Benguela, é
a divisória de rios angolanos em grandes 2
bacias. A culminação atlântica ergue
escadaria que começa por interligar, em
ondulações desde 1000 até mais de 2000
metros, o Planalto da Huíla, o Planalto
Principal e o Planalto de Benguela, e
continua para norte, elevada acima de
1000 metros, com curvatura ao redor de
300 km da costa, em serras dispostas
como rebanhos, cujas encostas ocidentais
estão bastante aplanadas nas províncias
do Kuanza Sul, do Kuanza Norte e do
Uíje.
1. O círculo número 1 de fertilidade
corresponde à adição de 2 manchas
geográficas. A mancha mais extensa
estende-se
desde
N'Dlatandao
até
naquela do Zombo, a uma distância de 80
a 300 km do litoral. A mancha menos
extensa está situada, a sul do rio Quanza,
desde a Gabela até Calulo. As manchas
geográficas do círculo campeão em
fertilidade constituem, de certo modo, a
região onde se situa o coração da "Angola
profunda". A aptidão especial para a
agricultura dessa região foi descrita pelo
geógrafo,
muito erudito, cujo nome citamos atrás,
nos termos seguintes: "principalmente nas
encostas voltadas para o mar, favoráveis ã
formação de nevoeiros, medra uma mata
pujante, serrada, emudecida, em vários
estratos, onde se encontra o cafezeiro
robusta espontâneo entre os arbustos do
sub bosque, que é geralmente aclarado
para a apanha do café". O excedente
agrícola do círculo campeão é o café.
2. O círculo de fertilidade número 2 são os
terrenos sedimentados junto à foz de rios,
correspondentes a manchas situadas ao
Norte de Luanda, entre Lobito e Benguela
e no oásis do Namibe. O excedente
agrícola do círculo n.º 2 fertilidade é
constituído pelos bens da cana-de-açúcar,
do ananás, da banana, do sisal e, no
oásis, hortícolas e azeitonas.
3. O círculo número 3 corresponde a uma
acumulação de manchas: a principal está
no Planalto Central, desde Quibala até ao
caminho-de-ferro de Moçâmedes, e as
outras manchas estão na região
malangina da Baixa de Cassange e no
Planalto da Huíla. Os cereais, a batata, a
ginguba, o algodão, o feijão, o tabaco,
gado, são principais excedentes agrícolas
do círculo n.º 3 de produtividade.
4. O último círculo de produtividade
número são as manchas ao redor das
cidades que beneficiam da qualidade de
localização para produzir principalmente
hortícolas e flores.
O círculo n. º 1 Gerou fortes excedentes
de exportação, o que foi muito mais
modestamente também conseguido a
partir do círculo n.º2. O excedente agrícola
de exportação estava constituído por
fundos mutuáveis à procura de aplicação
financeira. A aplicação mais evidente do
excedente agrícola foi obviamente o
financiamento da produção de casas
procuradas nas cidades, em efeito
consecutivo a cada fluxo migratório saído
do campo. Como mostram os dados da
tendência de crescimento que foi
interrompida logo após a Independência,
as vantagens agrícolas de Angola
manifestam-se na capacidade para
elevação das exportações de bens
agrícolas para mais de 1/3 do produto
nacional. Os altos padrões de emprego no
campo criaram um mercado interior
importante para desenvolvimento da
produção industrial baseado na produção
de bens de consumo a partir de inputs e
máquinas importadas.
Aquele modelo de urbanização e de
industrialização, que assentava, em
primeiro lugar, na capacidade de
exportação de bens agrícolas, bem como
na mobilidade de trabalhadores e de
capital vindos do campo para a cidade, foi
infelizmente
quase
totalmente
desmantelado pela guerra. A destruição
quase completa do capital técnico no
campo e a presença numerosa de minas
letais nos espaços verdes, implica que
recuperação do campo será muito lenta se
nào se puder contar, nos próximos anos
em Angola, com mobilidade de capital e
de trabalhadores em proveniência da
cidade para o campo.
O campo poderá receber capitais
acumulados na economia urbana, à
medida que os trabalhadores nas cidades
passem de actividades de mercado
informal para o emprego moderno. Em
Angola, os lucros brutos e a poupança de
rendimentos, que são as 2 fatias da
acumulação de capital financeiro, são
formados na actualidade somente em
firmas ou por famílias residentes em
cidades. A força motriz no novo modelo de
industrialização é a absorção rápida, pelo
emprego
Moderno, da reserva de trabalhadores que
funciona actualmente em mercados
informais, para lá das necessidades
próprias à economia doméstica.
Função governamental no fomento do
aproveitamento
agrícola
da
terra
angolana. O abandono do campo
angolano coloca a sociedade na posição
dum povo que coloniza um território
depois de estabelecer cidades junto à
costa de desembarque. A tábua quase
rasa em que se encontra a agricultura
angolana abre a possibilidade única para o
governo modernizar a estrutura da
propriedade rural em Angola, cujo
desperdício seria severamente qualificado
pelas gerações futuras. A propagação do
capitalismo no campo é algo que deverá
ser conduzido com alguns cuidados. É no
campo onde persistem as condições
fáceis para praticar a exploração dos
trabalhadores.
Esse crime é praticado por malfeitores
disfarçados de« empresários que recrutam
trabalhadores para em regiões muito
despovoadas,
com
promessa
de«
pagamento de altos salários, de tal modo
que os« trabalhadores ficam confinados
ao espaço de patrão.
Nestas condições, todos abastecimentos
para sustento do trabalhador são
oferecidos pelos ditos empresários, a
preços decididos por estes. O trabalhador
acaba facilmente deste modo por viver na
pobreza mas sem deixar de contrair
dívidas face ao patrão, cujo reembolso o
obriga a não poder abandonar o trabalho.
Esta forma de escravatura pseudo
capitalista é a forma hodierna da
exploração do homem pelo homem. A
lição é fácil de reter: numa nação estado
moderna a concessão de terras a firmas
capitalistas deverá prever muitos espaços
livres para a liberdade de comércio e de
circulação em toda circunscrição do
território nacional.
Este
desiderato
da
política
de
ordenamento rural é apontado pelo
geógrafos que apontam ao governo a
obrigação de zelar para que o povoamento
seja uma realidade "orgânica" em todo
território nacional. O conteúdo da
geografia orgânica foi definido com
precisão
pelos
historiadores,
especialmente
Ernesto
Renan.
A
organização económica do espaço pelas
nações estado modernas assenta no
princípio de criação de condições para
residência e circulação que possibilitem a
multiplicação
de
trocas
em
toda
circunscrição do território nacional. Este
princípio já se encontra largamente
assegurado nas cidades. À falta duma
política de ordenamento territorial, surgem
facilmente
obstáculos
contra
a
multiplicação de trocas no campo.
A multiplicação de trocas no campo resulta
da cisão em interesses pessoais distintos
da propriedade de habitação e da
propriedade de terras no campo. A
propriedade de habitação rege-se por
princípios de organização urbana do
espaço, tanto nas cidades como no
campo. Só a propriedade de terras férteis
é que merece um quadro especial de
terras. Para separar bem o espaço rural de
terra fértil do espaço rural urbanizado, o
governo terá de proceder ao cadastro de
terrenos que contêm a terra fértil do país.
A continuidade de sementeira é a
qualidade
que
disseca
terrenos
elementares.
Qualquer
acidente
geográfico, como rios, colinas, malas
cerradas, escarpas, estradas, caminhosde-ferro, etc., delimitam terrenos. Todo
espaço que está entre os terrenos define
espaço sujeito às leis urbanas baldios, de
circulação,
de
residência
e
de
estabelecimento empresarial. O direito de
residência no campo pode ser muito
alargado no campo, a ponto de permitir a
propriedade de ranchos ou fazendas
familiares compreensivas de vários
terrenos férteis. Não é porém conveniente
que as propriedades rurais possam
ultrapassar a extensão a partir da qual os
trabalhadores assalariados fiquem na
prática impedidos de gastar seu salário
livremente no mercado de bens e serviços.
É altamente condenável que as grandes
plantações capitalistas possam constituir
um espaço fechado de trocas entre o
patrão e os partir duma extensão mínima,
as
propriedades
rurais
sejam
descontínuas, de modo a prever espaço
para abertura de vias de comunicação de
modo e também para disponibilizar
retalhos de espaço destinado á fixação de
livre residência, tanto para comércio e
outros serviços como para pequenas
explorações de agricultura doméstica, e
mesmo para (pequenas) actividades
industriais.
O
governo
procede
a
todas
nacionalizações precisas para aplicar o
planam de ordenamento territorial. O
governo nacionaliza igualmente todos
terrenos privados que não sejam
cultivados
durante
um
período
determinado. Para indemnizar as perdas
privadas devidas às nacionalizações de
terras, o governo lança um imposto de
mais valias sobre as transacções de
terrenos férteis, o qual só é extinto findas
as indemnizações. O governo cede
graciosamente terra livre, em regime
experimental, a famílias que escolhem o
seu quinhão para organizar a vida
doméstica na agricultura. Essas famílias
ficam proprietárias privadas dos terrenos
desde a primeira sementeira decorrida
segundo
preceitos
previamente
estabelecidos. O governo vende terrenos
a
firmas
capitalistas
conforme
a
capacidade financeira destas. A firma
pode revender livremente cada terreno,
mas
nunca
será
permitido
o
fraccionamento de terrenos cadastrados.
Para dinamizar a economia rural, o
governo cria, o mais rapidamente possível,
a constelação de comunicações de ligação
das regiões definidas pelas manchas de
terras férteis e as cidades. O ordenamento
do espaço visa assegurar a liberdade de
circulação de bens e pessoas e de fixação
de residência que são os ingredientes
económicos para a sociedade fazer valer a
geografia orgânica no campo.
À falta da acção governamental, cujos
traços gerias acabamos de apontar, o
desenvolvimento do capitalismo no campo
angolano pode reproduzir na nossa
sociedades comportamentos económicos
muito criminosos que abundam na
economia rural dalguns países.
A terra fértil restante. A terra fértil que não
consideramos no presente escrito é
formada pelos terrenos situados sobre
minérios. Não obstante as minas serem a
outra actividade económica que determina
o valor da terra rural, a legislação sobre o
assunto é especial em Angola, enquanto
se mantiver o princípio constitucional da
propriedade do subsolo pelo governo. A
distinção de regime de propriedade entre
terrenos de agricultura e terrenos de
mineração levou-nos a deixar este
segundo objecto para uma próxima
ocasião. Também deixamos para uma
terceira ocasião a questão da propriedade
sobre os recursos de propriedade sobre os
depósitos de petróleo no offshore.
Esta terra subaquática é de longe a mais
rica actualmente em Angola, pelo que
merece bem uma abordagem especial.
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