FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO
III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP
UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS TERMOS BRANQUITUDE E BRANQUIDADE
Aluno: Evandro Finardi Sabóia [email protected]
Orientadora: Caroline Cotta de Mello Freitas [email protected]
I.
Resumo
O artigo discute sobre os privilégios vivenciados pelo indivíduo branco
buscando compreender por meio dos termos branquitude e branquidade como
isso se normatiza e até mesmo possa garantir a perpetuação do racismo.
Assim buscamos caracterizar, conceituar e comparar os termos branquitude e
branquidade e construir uma linha histórica desses termos por meio da
produção acadêmica brasileira. O artigo tentará compreender como que o
racismo continua a operar como normalização pautada pela branquitude, além
de verificar também, até que ponto a consciência dos indivíduos brancos como
racializados e portadores de uma identidade branca contribui para a
manutenção de práticas discriminatórias em nossa sociedade, uma vez que
possibilitaria a manutenção do status quo. O artigo buscará fazer um breve
levantamento desses termos e assim compreender por uma outra lógica as
relações raciais da sociedade brasileira e isso foi realizado por meio de uma
pesquisa bibliográfica e sobre o que a academia brasileira tem produzido a
respeito do privilégio vivido pelo indivíduo branco. O artigo buscará também
compreender o modo que ideias como “racismo”, “branquidade”, “branquitude”
e “heteronormatividade” se interligam e se completam a fim de compreender
como a normatização influencia na reprodução e manutenção do status quo.
1
II.
Artigo
“Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho
ímpar”. (ANDRADE, 2002)
A epígrafe acima chama atenção para as diferenças existentes entre os
seres humanos, cada um possui sua individualidade, aquilo que nas palavras
de Andrade nos torna “ímpares”. Ao refletirmos sobre as diferenças chegamos
à questão da alteridade, isto é, o modo como compreendemos e lidamos com a
individualidade, cultura e características físicas daquele que é diferente. O
“outro” muitas vezes é percebido a partir de ideias pré-concebidas, que levam à
prática de atitudes discriminatórias, como as que sofrem os negros em nossa
sociedade. A observação deste tipo de atitudes, que podem ser observadas
diariamente, suscitou o interesse pelo tema do racismo.
O presente artigo é fruto de reflexões parciais da pesquisa de
monografia que buscará compreender melhor como os termos branquitude e
branquidade estão presentes no debate contemporâneo brasileiro e para isso
desenvolveremos uma contextualização histórica até chegar aos debates
atuais. Portanto esse artigo pretende iniciar a reflexão sobre branquitude, ou
identidade racial branca, e ao mesmo tempo compará-la e diferenciá-la de
branquidade, termo que foi utilizado anteriormente, mas que por algumas
diferenças conceituais se utiliza com outro objetivo e significado atualmente.
Para refletir sobre esses termos é necessário conceituar a noção de
branquitude que irá nos nortear, utilizaremos a definição proposta por Cardoso
(2011) “um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, e materiais palpáveis que
colaboram para reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta”
e o do racismo” (p.81).
O artigo irá focar na questão da branquitude e como essa opera na
sociedade brasileira, assim, buscaremos iniciar a compreensão de como o
branco se coloca na discussão sobre o racismo e identificar qual o seu papel
para a manutenção da discriminação racial, do preconceito racial e do racismo
em nossa sociedade.
2
Ao pensarmos as relações raciais na sociedade brasileira é necessário
compreendermos a construção das identidades raciais, no presente trabalho
focaremos na compreensão das identidades raciais negra e branca, lembrando
que a construção da identidade acontece como resultado de processos de
diferenciação. Compreendemos identidade pela perspectiva de Stuart Hall que
afirma:
A identidade tornou-se uma “celebração móvel”: formada e
transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos
representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam
(Hall, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito
assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades
que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há
identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal
modo que nossas identificações estão sendo continuamente
deslocadas (2005, p.12-13).
Desta forma, a identidade se produz na interação de um indivíduo com
outro e com a sociedade a qual pertence, portanto, a identidade é resultado de
construções coletivas sobre a alteridade, antes de manifestações individuais,
temos a dimensão coletiva. E é por isso que os contextos são tão importantes.
Não iremos nos alongar nesse momento na discussão sobre construção
de identidades, partimos da ideia de que apenas a identidade negra é
conscientemente construída historicamente, pois a branca, por ser a norma e
padrão, não precisa ser construída, ela simplesmente é. Sendo assim, “as
outras”, as identidades que são estranhas a ela, é que precisam ser
construídas e estabelecidas.
Assim, é com base na reação às ideias de branqueamento da população
e de democracia racial, por exemplo, que se construiu culturalmente no Brasil a
identidade negra, identidade esta que propomos entender como uma
construção negativa, isto é, estamos afirmando que pôr a negritude não ser a
norma, a população negra foi excluída em termos de direitos, e isto quer dizer
que considerados diferentes, estranhos, possuíam qualidades negativas, assim
tudo aquilo que lhes identificava como pertencente ao grupo negro era negado,
discriminado e censurado pelos brancos. Portanto os negros se organizaram e
se afirmaram no interior de seu próprio grupo e com isso acabaram por
ressaltar alguns elementos de sua cultura e, até mesmo, a exigir que certas
expressões culturais e costumes fossem a eles atribuídos, e foi por meio dessa
3
construção da identidade negra, a negritude, como contraposição à identidade
branca, os brancos eram caracterizados com qualidades positivas e os não
brancos buscariam obter essas características de algum modo, por isso os
brancos eram os possuidores das identidades que normalizava e normatizava a
sociedade. Para entendermos o termo normalizar e consequentemente
normatizar utilizamos a perspectiva de Silva (2000) que afirma o seguinte:
Normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade
específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades
são avaliadas e hierarquizadas. Normalizar significa atribuir a essa
identidade todas as características positivas possíveis, em relação às
quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa.
A identidade normal é ‘natural’, desejável, única. A força da identidade
normal é tal que ela nem sequer é vista como uma identidade, mas
simplesmente como a identidade. Paradoxalmente são as outras
identidades que são marcadas como tais. (SILVA, 2000, p.83)
Portanto, fica explícito que a identidade elegida como a norma é a
identidade branca, e as outras sofrem uma hierarquização “natural” que pode
ser notada através do gradiente de cor, gradiente esse que também pode surgir
pelo simples fato de mestiços negarem ser negros, como afirma Ribeiro (2010),
e ao mesmo tempo serem negados pelos brancos. Assim, podemos entender
que a identidade coletiva do grupo mestiço está ligada ao grupo dos negros, e
essa ligação se deve pelo fato da discriminação, isto é, o mestiço traz em seu
fenótipo as marcas das origens afro-brasileiras e brancas, e é justamente por
causa da prevalência das características físicas ligadas à sua ascendência
afro-brasileira
que
acabará
por
sofrer
as
mesmas
discriminações
e
preconceitos que um negro sofre. De acordo com Telles (2003):
Em outras palavras, a discriminação contra os pardos é menor do que
contra os pretos, mas a renda dos pardos se aproxima da dos pretos e
não da dos brancos. Sendo assim, a principal segmentação racial se
dá entre os brancos e não-brancos, mesmo que, geralmente, os pretos
sofram mais discriminação que os pardos. (2003, p.231).
É exatamente essa segmentação entre brancos e não-brancos que faz
com que os pretos e pardos acabem por compor um mesmo grupo, o grupo
dos negros, e através desse grupo reivindiquem o seu espaço e seus direitos
em nossa sociedade. Afinal é a identidade branca que se torna a normalizadora
e assim todas as outras identidades acabam por se encaixar num mesmo
grupo, o dos não brancos. Apesar de sabermos que ainda hoje a conquista
desses espaços é difícil, tornando a própria construção da identidade negra um
4
processo complexo, uma vez que a construção da identidade se realiza por
meio de trocas com a coletividade. Como aponta Adam Kuper (2002):
[...] identidade não é apenas um assunto pessoal. Ela precisa ser vivida
no mundo, num diálogo com outros. Segundo os construcionistas, é
nesse diálogo que a identidade é formada. Mas não é dessa maneira
que ela é vivenciada. De um ponto de vista subjetivo, a identidade é
descoberta dentro da própria pessoa, e implica identidade com outros.
O eu interior descobre seu lugar no mundo ao participar da identidade
de uma coletividade. (2002, p.298).
Como todos os seres humanos, ao participar do mundo o negro se
“descobre”, se percebe e, consequentemente, acaba por construir sua
identidade, mas quando o mundo no qual está inserido, o renega ou o ignora, a
construção de sua identidade como algo positivo se torna mais complexa e
difícil, como indica Kuper (2002). Logo, há de se construir essa identidade
positiva de si dentro de seu próprio grupo, o grupo negro, o que acontecerá
provavelmente dentro de sua casa e/ou em eventos culturais realizados pelo
grupo. Se, como propõe Cunha (2009), estamos sempre construindo a
identidade num jogo de contrastes, jogo esse no qual a etnicidade é uma forma
de protesto eminentemente político, que visa o reconhecimento e a resistência
dos sujeitos para que sejam reconhecidos e notados, podemos ter a dimensão
dos embates que o grupo negro enfrenta para elaborar sua identidade de forma
positiva. Além disso, é importante salientar que a construção de identidade
também é um processo cultural e, posto que a cultura e a identidade são
constantemente reinventadas, recompostas, investidas de novos significados
numa dinâmica que não tem fim (Cunha, 2009), qualquer ação que vise
reverter o quadro histórico de depreciação do negro que está posto em nossa
sociedade deve ser compreendida levando-se em consideração os processos e
dinâmicas de transformação cultural, política e econômica. Logo esse quadro
de depreciação e de tudo que é negativo estar ligado a identidade negra, foi a
forma como os brancos hierarquizaram e normatizaram as identidades, pois “é
também por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam a
sistemas de poder. Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e
determinar a identidade.” (Silva, 2000, p.91), assim os brancos construíram um
discurso e uma prática que os coloca no papel de norma da sociedade e nem
se percebem como racializados, logo não conseguem se enxergar como
indivíduos raciais, apenas enxergam os outros, aqueles que não são brancos.
5
E cabe aos não brancos se fortalecerem em seus próprios grupos e a partir daí
construir uma identidade positiva que só poderá acontecer dentro de seu
grupo, os negros, e depois de fortalecida essa identidade irão reivindicar a
racialização dos brancos e questionar a normatização que os colocou como
dominados e portanto portadores de uma identidade negativa. E é exatamente
nessa luta entre os diferentes, isto é, entre as diferentes cultura e costumes
que as identidades serão postas, pois a norma será questionada e criticada o
tempo todo até ser percebida como uma identidade branca, eurocêntrica e
ocidental em contrapartida a todas as outras identidades negativas que são os
grupos dos não brancos.
Logo, a “busca de identidade representa uma luta existencial
desesperada para criar um estilo de vida que pode ser sustentado pelo menos
por um breve momento” (Kuper, 2002, p.302), isto é, como afirmamos
anteriormente, a identidade juntamente com a cultura está em constante
transformação e se o grupo negro reivindica seu espaço na sociedade
brasileira hoje, é porque construiu uma identidade positivada de si e está
questionando a identidade normativa, branca, e os privilégios que esta possui.
Conforme afirma Silva “A identidade é instável, contraditória, fragmentada,
inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e
narrativas. A identidade está ligada a sistemas de representação” (SILVA,
2000, p.97) e por estar sempre numa construção e ligada a sistemas de
representação que o grupo negro continua a lutar e solicitar seu espaço na
sociedade.
Assim, sugerimos que a elaboração da identidade negra, a negritude, e
as conquistas e lutas que os negros alcançaram ultimamente conseguiram
colocar o grupo branco de frente com sua própria identidade racial branca, isto
é, conseguiu fazer com que se desvendasse a branquitude e que esta seja
debatida na sociedade. Para Edith Piza:
Talvez uma metáfora possa resumir o que comecei a perceber: bater
contra uma porta de vidro aparentemente inexistente é um impacto
fortíssimo e, depois do susto e da dor, a surpresa de não ter percebido
o contorno do vidro, a fechadura, os gonzos de metal que mantinham a
porta de vidro. Isto resume, em parte, descobrir-se racializado (...)
Porém, à medida que vai se buscando os sinais dessa suposta
“invisibilidade”, vai se também descobrindo os vãos da porta. Toda
6
porta de vidro tem vãos. Nunca estão totalmente encaixadas na
moldura (2002, p. 61-62).
Nota-se que, segundo a autora, o fato do branco se defrontar com sua
branquitude lhe causa um grande choque, afinal antes ele não sabia que
possuía uma raça e muito menos que esta precisaria ser percebida,
simplesmente possuía a identidade normativa, e é justamente esse choque que
derruba a ideia da invisibilidade da identidade racial branca. No entanto, outros
autores discordam da ideia de invisibilidade da raça branca e sustentam:
(...) que a invisibilidade como característica da branquitude é
fantasiosa, a concepção de que a identidade racial branca seria uma
categoria não marcada não se sustenta. Desde os primeiros encontros
dos europeus com os africanos e ameríndios, houve uma delimitação
em que portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses e alemães foram
marcados ou se automarcaram como brancos (...) (SANTOS, 2006,
p.211-255). Portanto, mais importante do que pensar a suposta
invisibilidade racial do grupo branco seria analisar as formas como
essa identidade racial é marcada. (FRANKENBERG, 2004, p.307-338)
(...) e Matt Wray vai dizer que a definição de branquitude como norma,
geralmente seguida pela ideia de que ela é “invisível”, acaba por
privilegiar o ponto de vista dos brancos, que sem se enxergarem,
acabam por não questionarem suas vantagens raciais. (WRAY, 2004,
p.354). (CARDOSO, 2011, p.85)
As discussões sobre branquitude possuem diversas interpretações entre
os acadêmicos brasileiros, e por essa razão o artigo busca essa caracterização
de branquitude e branquidade e compará-los por meio da produção acadêmica
brasileira. Mas é necessário explicitar as diferenças encontradas entre o termo
branquitude e branquidade e o porquê de sua importância para isso utilizamos
a ideia de Camila Moreira de Jesus (2012), que afirma:
Através da definição proposta pela autora Edith Pizza (2005), a
branquitude passa a ser discutida como um estágio de conscientização
e negação do privilégio vivido pelo indivíduo branco que reconhece a
inexistência de direito à vantagem estrutural em relação aos negros. Já
a nomenclatura branquidade, toma o lugar que até então dizia respeito
a branquitude, para definir as práticas daqueles indivíduos brancos que
assumem e reafirmam a condição ideal e única de ser humano,
portanto, o direito pela manutenção do privilégio perpetuado
socialmente. (p.2)
Pretenderemos discutir a identidade normativa, a branca, e como os
privilégios do indivíduo branco, ou a própria manutenção desses privilégios,
que a autora cita acima, se perpetuam em nossa sociedade. Além de
apresentar as diferenças dos termos e até mesmo a sua própria transformação
no meio acadêmico brasileiro, pois até 2005 os termos branquitude e
branquidade eram ambíguos, isto é, muitas vezes um tomava o lugar do outro
7
e vice versa como a própria autora demonstra acima. A ambiguidade e
confusão entre os termos fica explícita quando Alves (2010) afirma que “O
termo inglês whiteness é usado tanto como sinônimo de brancura como de
branquitude ou branquidade” (p.173), portanto nota-se que talvez o problema
tenha sido de tradução, mas o que iremos perceber é que a partir de 2005
branquidade e branquitude se tornam conceitos polares1.
Por isso a caracterização dos termos e sua discussão é importante para
esse debate, pois se fazem necessárias para compreender alguns dos
mecanismos de perpetuação do racismo e como o termo branquidade e
branquitude se modificaram ao longo dos anos na produção acadêmica
brasileira. Isso ficará explícito ao compararmos as seguintes publicações:
Eric Lott, especialista em estudos culturais, aprofundou-se nessas
contradições em seu brilhante livro Amor e furto: os menestréis de
cara preta e a classe trabalhadora norte-americana. Afirma ele que
a relação “branquidade”/“negritude” foi moldada por um processo de
“atração e repulsa”, no qual os trabalhadores brancos do sexo
masculino lutaram, tipicamente em termos inconscientes e amiúde de
maneira dolorosa, com sua “atração” pelo que interpretavam e
consumiam como cultura “negra” e com seus esforços para controlar
seus impulsos nessa direção, condenando, proscrevendo, prendendo e
matando pessoas de cor (RACHLEFF, 2004, p.97).
Percebe-se na citação acima que a polarização acontece entre
branquidade e negritude, já a citação a seguir, mostrará que a polarização
acontece entre branquidade e negridade, e, ou branquitude e negritude,
conforme nos afirma Jesus (2012):
Ou seja, enquanto indivíduos brancos que reconhecem que a
supremacia branca não tem razão de existir (branquitude) permanecem
omissos no processo o privilégio destes e daqueles brancos que
acreditam na brancura como condição ideal de ser humano
(branquidade) é mantido, o que faz com que negros sem qualquer
reconhecimento sobre seus valores culturais e sociais encontrem no
processo de branqueamento a única forma de integração social
(negridade), assim são impedidos de formar uma identidade negra
positiva (negritude), baseada no resgate de valores individuais e
coletivos em nome de uma nova percepção de si e do mundo social,
perpetuando valores depreciativos e estereotipados que se arrastam ao
longo dos anos (JESUS, 2012, p.11).
1
Podemos definir polares segundo o Dicionário Houaiss como: 1 relativo ou pertencente às
extremidades opostas; 2 que se encontra perto das extremidades da terra; 3 de aspecto ou
características opostas a outro ou outros (posições, questões). Portanto esse trabalho se
utilizará como posições opostas e que estão em extremidades opostas, isto é, que os conceitos
são polares.
8
Notamos que as polaridades demonstradas no trecho acima pautam um
amadurecimento da utilização do termo, pois visa a sua conceituação histórica,
isto é, visa constatar uma oposição conforme um histórico dos termos
negridade e negritude e traçar assim os seus opostos, por isso acabam
mudando a utilização do termo. Pois se pensarmos branquidade apenas como
oposição do termo negridade, que segundo Piza significa que “foi um termo
utilizado pelo movimento negro na década de 20 e 30, que reivindica a inclusão
do negro na sociedade branca através da negação de sua origem e por um
comportamento ditado e aprovado por brancos” (2005, nota de rodapé 6), logo
a branquidade seria entendida como os brancos negando a sua identidade de
brancos, levando em conta que o conceito de branquidade seria uma oposição
ao de negridade, mas não exatamente assim que acontece. Poderíamos
conceituar a branquidade, em relação de similaridade com o termo negridade,
da seguinte forma que os brancos estariam rejeitando as suas origens brancas,
porém não é assim que os estudiosos definem a branquidade, como
verificamos na citação de Jesus (2012), pois retomando a sua definição, seriam
aqueles indivíduos brancos que permaneceriam omissos nos processos de
privilégios e até mesmo, que acreditam na ideia do indivíduo branco como
sendo o “tipo ideal”. Portanto seriam aqueles indivíduos que querem manter o
status quo e continuar sendo privilegiados por serem integrantes do grupo
normatizador e com isso manterem sua supremacia e assim manter o poder
que sua identidade lhe fornece.
É ainda Piza (2005) que nos afirma que a branquitude deve ser vista
como uma negação da identidade branca e de sua supremacia, pois assim ela
seria um contraponto a ideia de branquidade, como podemos notar no trecho a
seguir discutido pela autora:
“Ainda que necessite amadurecer em muito esta proposta, sugere-se
aqui que a branquitude seja pensada como uma identidade branca
negativa, ou seja, um movimento de negação da supremacia branca
enquanto expressão de humanidade. Em oposição à branquidade
(termo que está ligado também a negridade, no que se refere aos
negros), branquitude é um movimento de reflexão a partir e para fora
de nossa própria experiência enquanto brancos. É o questionamento
consciente do preconceito e da discriminação que pode levar a uma
ação política antirracista. (...) É primeiramente o esforço de
compreender os processos de constituição da branquidade para
estabelecer uma ação consciente para fora do comportamento
hegemônico e para o interior de uma postura política antirracista e, a
9
partir daí, uma ação que se expressa em discursos sobre as
desigualdades e sobre os privilégios de ser branco, em espaços
brancos e para brancos; e em ações de apoio à plena igualdade (PIZA,
2005, p. 07-08).
O que se nota é que a autora discute uma superação das desigualdades
presentes na sociedade entre negros e brancos, e os privilégios de ser branco,
o que poderíamos entender como uma superação do racismo.
Ao pensarmos esses conceitos não podemos perder de vista a ideia da
proximidade com as teorias feministas, pois as teorias feministas buscam
modificar a forma de olhar a sociedade e o outro, isto é, pretendem tirar o foco
da margem e colocá-lo no centro, ou seja, pretende inverter a lógica de que o
problema era a mulher e colocar o problema no homem, e aqui seria modificar
a ideia de que o problema são os negros, e sim colocar o problema nos
brancos que continuam a perpetuar seus privilégios por serem brancos, como
podemos ver na afirmação Steyn (2004):
Transferir o olhar das margens para o centro, no estudo da raça, é um
análogo lógico da estratégia feminista de reformular o saber
convencional que diz que a posição da mulher na sociedade é que é
problemática, a fim de levantar “o problema do homem” (Fergunson,
1993), e também da estratégia de Witting (1992) de questionar a
heterossexualidade como o “problema”, e não a homossexualidade
marginalizada. Em todos esses casos, a autoconstrução do centro, que
antes mantivera a atenção desviada de si, é denunciada (p.121).
Buscamos
analisar,
caracterizar
e
comparar
os
conceitos
de
branquidade e branquitude e também de localizá-los historicamente. Além
disso, por meio desses termos compará-los e verificar a importância dos
mesmos na ideia de construção das identidades raciais, identidade branca e
identidade negra, e ver as consequências da normatização na construção da
identidade negra. Pois como apresenta Steyn (2004) “A branquidade, como
constructo ideológico extremamente bem sucedido do projeto modernista de
colonização, é, por definição (em termos literais: por ter o poder de definir o eu
e o outro), um constructo de poder” (p.123-124). Afinal percebemos que isso
acarretará numa construção de identidades baseadas na dominação, isto é, em
uma identidade que tida como norma, não possibilitará o diálogo com as outras
identidades, pois esse outro não poderá se manifestar afinal ele está sendo
10
dominado e obrigado a se manifestar conforme a vontade de quem o domina,
conforme afirma Steyn “A natureza desigual dessa relação permitiu que os
brancos estipulassem o significado do eu e do outro, através de projeções,
exclusões, negações e atos de repressão” (2004, p.124).
As reflexões propostas nesse artigo buscaram iniciar uma compreensão
e discussão sobre as formas como a branquidade se reproduz, isto é, destacar
a importância da identidade branca no processo de normatização e até mesmo
de resignificação do racismo como perpetuação do mesmo por meio da
exclusão das identidades que não são as pertencentes a norma. Percebe-se
que a reflexão sobre os termos branquitude e branquidade, ainda está no início
o que será melhor trabalhado e conceituado na monografia e esse artigo serviu
como uma etapa para organizar os pensamentos, as ideias e verificar quais as
correções que serão necessárias para que a monografia consiga aprofundar
esse debate e assim construir a identidade racial branca que foi rejeitada por
muito tempo nas pesquisas de relações raciais como pudemos perceber ao
longo desse artigo.
11
III.
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13
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reflexões sobre os termos branquitude e branquidade