FUNDAÇÃO ESCOLA DE SOCIOLOGIA E POLÍTICA DE SÃO PAULO III SEMINÁRIO DE PESQUISA DA FESPSP UMA BREVE REFLEXÃO SOBRE OS TERMOS BRANQUITUDE E BRANQUIDADE Aluno: Evandro Finardi Sabóia [email protected] Orientadora: Caroline Cotta de Mello Freitas [email protected] I. Resumo O artigo discute sobre os privilégios vivenciados pelo indivíduo branco buscando compreender por meio dos termos branquitude e branquidade como isso se normatiza e até mesmo possa garantir a perpetuação do racismo. Assim buscamos caracterizar, conceituar e comparar os termos branquitude e branquidade e construir uma linha histórica desses termos por meio da produção acadêmica brasileira. O artigo tentará compreender como que o racismo continua a operar como normalização pautada pela branquitude, além de verificar também, até que ponto a consciência dos indivíduos brancos como racializados e portadores de uma identidade branca contribui para a manutenção de práticas discriminatórias em nossa sociedade, uma vez que possibilitaria a manutenção do status quo. O artigo buscará fazer um breve levantamento desses termos e assim compreender por uma outra lógica as relações raciais da sociedade brasileira e isso foi realizado por meio de uma pesquisa bibliográfica e sobre o que a academia brasileira tem produzido a respeito do privilégio vivido pelo indivíduo branco. O artigo buscará também compreender o modo que ideias como “racismo”, “branquidade”, “branquitude” e “heteronormatividade” se interligam e se completam a fim de compreender como a normatização influencia na reprodução e manutenção do status quo. 1 II. Artigo “Ninguém é igual a ninguém. Todo ser humano é um estranho ímpar”. (ANDRADE, 2002) A epígrafe acima chama atenção para as diferenças existentes entre os seres humanos, cada um possui sua individualidade, aquilo que nas palavras de Andrade nos torna “ímpares”. Ao refletirmos sobre as diferenças chegamos à questão da alteridade, isto é, o modo como compreendemos e lidamos com a individualidade, cultura e características físicas daquele que é diferente. O “outro” muitas vezes é percebido a partir de ideias pré-concebidas, que levam à prática de atitudes discriminatórias, como as que sofrem os negros em nossa sociedade. A observação deste tipo de atitudes, que podem ser observadas diariamente, suscitou o interesse pelo tema do racismo. O presente artigo é fruto de reflexões parciais da pesquisa de monografia que buscará compreender melhor como os termos branquitude e branquidade estão presentes no debate contemporâneo brasileiro e para isso desenvolveremos uma contextualização histórica até chegar aos debates atuais. Portanto esse artigo pretende iniciar a reflexão sobre branquitude, ou identidade racial branca, e ao mesmo tempo compará-la e diferenciá-la de branquidade, termo que foi utilizado anteriormente, mas que por algumas diferenças conceituais se utiliza com outro objetivo e significado atualmente. Para refletir sobre esses termos é necessário conceituar a noção de branquitude que irá nos nortear, utilizaremos a definição proposta por Cardoso (2011) “um lugar de privilégios simbólicos, subjetivos, e materiais palpáveis que colaboram para reprodução do preconceito racial, discriminação racial “injusta” e o do racismo” (p.81). O artigo irá focar na questão da branquitude e como essa opera na sociedade brasileira, assim, buscaremos iniciar a compreensão de como o branco se coloca na discussão sobre o racismo e identificar qual o seu papel para a manutenção da discriminação racial, do preconceito racial e do racismo em nossa sociedade. 2 Ao pensarmos as relações raciais na sociedade brasileira é necessário compreendermos a construção das identidades raciais, no presente trabalho focaremos na compreensão das identidades raciais negra e branca, lembrando que a construção da identidade acontece como resultado de processos de diferenciação. Compreendemos identidade pela perspectiva de Stuart Hall que afirma: A identidade tornou-se uma “celebração móvel”: formada e transformada continuamente em relação às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que nos rodeiam (Hall, 1987). É definida historicamente, e não biologicamente. O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos, identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de nós há identidades contraditórias, empurrando em diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão sendo continuamente deslocadas (2005, p.12-13). Desta forma, a identidade se produz na interação de um indivíduo com outro e com a sociedade a qual pertence, portanto, a identidade é resultado de construções coletivas sobre a alteridade, antes de manifestações individuais, temos a dimensão coletiva. E é por isso que os contextos são tão importantes. Não iremos nos alongar nesse momento na discussão sobre construção de identidades, partimos da ideia de que apenas a identidade negra é conscientemente construída historicamente, pois a branca, por ser a norma e padrão, não precisa ser construída, ela simplesmente é. Sendo assim, “as outras”, as identidades que são estranhas a ela, é que precisam ser construídas e estabelecidas. Assim, é com base na reação às ideias de branqueamento da população e de democracia racial, por exemplo, que se construiu culturalmente no Brasil a identidade negra, identidade esta que propomos entender como uma construção negativa, isto é, estamos afirmando que pôr a negritude não ser a norma, a população negra foi excluída em termos de direitos, e isto quer dizer que considerados diferentes, estranhos, possuíam qualidades negativas, assim tudo aquilo que lhes identificava como pertencente ao grupo negro era negado, discriminado e censurado pelos brancos. Portanto os negros se organizaram e se afirmaram no interior de seu próprio grupo e com isso acabaram por ressaltar alguns elementos de sua cultura e, até mesmo, a exigir que certas expressões culturais e costumes fossem a eles atribuídos, e foi por meio dessa 3 construção da identidade negra, a negritude, como contraposição à identidade branca, os brancos eram caracterizados com qualidades positivas e os não brancos buscariam obter essas características de algum modo, por isso os brancos eram os possuidores das identidades que normalizava e normatizava a sociedade. Para entendermos o termo normalizar e consequentemente normatizar utilizamos a perspectiva de Silva (2000) que afirma o seguinte: Normalizar significa eleger – arbitrariamente – uma identidade específica como o parâmetro em relação ao qual as outras identidades são avaliadas e hierarquizadas. Normalizar significa atribuir a essa identidade todas as características positivas possíveis, em relação às quais as outras identidades só podem ser avaliadas de forma negativa. A identidade normal é ‘natural’, desejável, única. A força da identidade normal é tal que ela nem sequer é vista como uma identidade, mas simplesmente como a identidade. Paradoxalmente são as outras identidades que são marcadas como tais. (SILVA, 2000, p.83) Portanto, fica explícito que a identidade elegida como a norma é a identidade branca, e as outras sofrem uma hierarquização “natural” que pode ser notada através do gradiente de cor, gradiente esse que também pode surgir pelo simples fato de mestiços negarem ser negros, como afirma Ribeiro (2010), e ao mesmo tempo serem negados pelos brancos. Assim, podemos entender que a identidade coletiva do grupo mestiço está ligada ao grupo dos negros, e essa ligação se deve pelo fato da discriminação, isto é, o mestiço traz em seu fenótipo as marcas das origens afro-brasileiras e brancas, e é justamente por causa da prevalência das características físicas ligadas à sua ascendência afro-brasileira que acabará por sofrer as mesmas discriminações e preconceitos que um negro sofre. De acordo com Telles (2003): Em outras palavras, a discriminação contra os pardos é menor do que contra os pretos, mas a renda dos pardos se aproxima da dos pretos e não da dos brancos. Sendo assim, a principal segmentação racial se dá entre os brancos e não-brancos, mesmo que, geralmente, os pretos sofram mais discriminação que os pardos. (2003, p.231). É exatamente essa segmentação entre brancos e não-brancos que faz com que os pretos e pardos acabem por compor um mesmo grupo, o grupo dos negros, e através desse grupo reivindiquem o seu espaço e seus direitos em nossa sociedade. Afinal é a identidade branca que se torna a normalizadora e assim todas as outras identidades acabam por se encaixar num mesmo grupo, o dos não brancos. Apesar de sabermos que ainda hoje a conquista desses espaços é difícil, tornando a própria construção da identidade negra um 4 processo complexo, uma vez que a construção da identidade se realiza por meio de trocas com a coletividade. Como aponta Adam Kuper (2002): [...] identidade não é apenas um assunto pessoal. Ela precisa ser vivida no mundo, num diálogo com outros. Segundo os construcionistas, é nesse diálogo que a identidade é formada. Mas não é dessa maneira que ela é vivenciada. De um ponto de vista subjetivo, a identidade é descoberta dentro da própria pessoa, e implica identidade com outros. O eu interior descobre seu lugar no mundo ao participar da identidade de uma coletividade. (2002, p.298). Como todos os seres humanos, ao participar do mundo o negro se “descobre”, se percebe e, consequentemente, acaba por construir sua identidade, mas quando o mundo no qual está inserido, o renega ou o ignora, a construção de sua identidade como algo positivo se torna mais complexa e difícil, como indica Kuper (2002). Logo, há de se construir essa identidade positiva de si dentro de seu próprio grupo, o grupo negro, o que acontecerá provavelmente dentro de sua casa e/ou em eventos culturais realizados pelo grupo. Se, como propõe Cunha (2009), estamos sempre construindo a identidade num jogo de contrastes, jogo esse no qual a etnicidade é uma forma de protesto eminentemente político, que visa o reconhecimento e a resistência dos sujeitos para que sejam reconhecidos e notados, podemos ter a dimensão dos embates que o grupo negro enfrenta para elaborar sua identidade de forma positiva. Além disso, é importante salientar que a construção de identidade também é um processo cultural e, posto que a cultura e a identidade são constantemente reinventadas, recompostas, investidas de novos significados numa dinâmica que não tem fim (Cunha, 2009), qualquer ação que vise reverter o quadro histórico de depreciação do negro que está posto em nossa sociedade deve ser compreendida levando-se em consideração os processos e dinâmicas de transformação cultural, política e econômica. Logo esse quadro de depreciação e de tudo que é negativo estar ligado a identidade negra, foi a forma como os brancos hierarquizaram e normatizaram as identidades, pois “é também por meio da representação que a identidade e a diferença se ligam a sistemas de poder. Quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade.” (Silva, 2000, p.91), assim os brancos construíram um discurso e uma prática que os coloca no papel de norma da sociedade e nem se percebem como racializados, logo não conseguem se enxergar como indivíduos raciais, apenas enxergam os outros, aqueles que não são brancos. 5 E cabe aos não brancos se fortalecerem em seus próprios grupos e a partir daí construir uma identidade positiva que só poderá acontecer dentro de seu grupo, os negros, e depois de fortalecida essa identidade irão reivindicar a racialização dos brancos e questionar a normatização que os colocou como dominados e portanto portadores de uma identidade negativa. E é exatamente nessa luta entre os diferentes, isto é, entre as diferentes cultura e costumes que as identidades serão postas, pois a norma será questionada e criticada o tempo todo até ser percebida como uma identidade branca, eurocêntrica e ocidental em contrapartida a todas as outras identidades negativas que são os grupos dos não brancos. Logo, a “busca de identidade representa uma luta existencial desesperada para criar um estilo de vida que pode ser sustentado pelo menos por um breve momento” (Kuper, 2002, p.302), isto é, como afirmamos anteriormente, a identidade juntamente com a cultura está em constante transformação e se o grupo negro reivindica seu espaço na sociedade brasileira hoje, é porque construiu uma identidade positivada de si e está questionando a identidade normativa, branca, e os privilégios que esta possui. Conforme afirma Silva “A identidade é instável, contraditória, fragmentada, inconsistente, inacabada. A identidade está ligada a estruturas discursivas e narrativas. A identidade está ligada a sistemas de representação” (SILVA, 2000, p.97) e por estar sempre numa construção e ligada a sistemas de representação que o grupo negro continua a lutar e solicitar seu espaço na sociedade. Assim, sugerimos que a elaboração da identidade negra, a negritude, e as conquistas e lutas que os negros alcançaram ultimamente conseguiram colocar o grupo branco de frente com sua própria identidade racial branca, isto é, conseguiu fazer com que se desvendasse a branquitude e que esta seja debatida na sociedade. Para Edith Piza: Talvez uma metáfora possa resumir o que comecei a perceber: bater contra uma porta de vidro aparentemente inexistente é um impacto fortíssimo e, depois do susto e da dor, a surpresa de não ter percebido o contorno do vidro, a fechadura, os gonzos de metal que mantinham a porta de vidro. Isto resume, em parte, descobrir-se racializado (...) Porém, à medida que vai se buscando os sinais dessa suposta “invisibilidade”, vai se também descobrindo os vãos da porta. Toda 6 porta de vidro tem vãos. Nunca estão totalmente encaixadas na moldura (2002, p. 61-62). Nota-se que, segundo a autora, o fato do branco se defrontar com sua branquitude lhe causa um grande choque, afinal antes ele não sabia que possuía uma raça e muito menos que esta precisaria ser percebida, simplesmente possuía a identidade normativa, e é justamente esse choque que derruba a ideia da invisibilidade da identidade racial branca. No entanto, outros autores discordam da ideia de invisibilidade da raça branca e sustentam: (...) que a invisibilidade como característica da branquitude é fantasiosa, a concepção de que a identidade racial branca seria uma categoria não marcada não se sustenta. Desde os primeiros encontros dos europeus com os africanos e ameríndios, houve uma delimitação em que portugueses, espanhóis, ingleses, holandeses e alemães foram marcados ou se automarcaram como brancos (...) (SANTOS, 2006, p.211-255). Portanto, mais importante do que pensar a suposta invisibilidade racial do grupo branco seria analisar as formas como essa identidade racial é marcada. (FRANKENBERG, 2004, p.307-338) (...) e Matt Wray vai dizer que a definição de branquitude como norma, geralmente seguida pela ideia de que ela é “invisível”, acaba por privilegiar o ponto de vista dos brancos, que sem se enxergarem, acabam por não questionarem suas vantagens raciais. (WRAY, 2004, p.354). (CARDOSO, 2011, p.85) As discussões sobre branquitude possuem diversas interpretações entre os acadêmicos brasileiros, e por essa razão o artigo busca essa caracterização de branquitude e branquidade e compará-los por meio da produção acadêmica brasileira. Mas é necessário explicitar as diferenças encontradas entre o termo branquitude e branquidade e o porquê de sua importância para isso utilizamos a ideia de Camila Moreira de Jesus (2012), que afirma: Através da definição proposta pela autora Edith Pizza (2005), a branquitude passa a ser discutida como um estágio de conscientização e negação do privilégio vivido pelo indivíduo branco que reconhece a inexistência de direito à vantagem estrutural em relação aos negros. Já a nomenclatura branquidade, toma o lugar que até então dizia respeito a branquitude, para definir as práticas daqueles indivíduos brancos que assumem e reafirmam a condição ideal e única de ser humano, portanto, o direito pela manutenção do privilégio perpetuado socialmente. (p.2) Pretenderemos discutir a identidade normativa, a branca, e como os privilégios do indivíduo branco, ou a própria manutenção desses privilégios, que a autora cita acima, se perpetuam em nossa sociedade. Além de apresentar as diferenças dos termos e até mesmo a sua própria transformação no meio acadêmico brasileiro, pois até 2005 os termos branquitude e branquidade eram ambíguos, isto é, muitas vezes um tomava o lugar do outro 7 e vice versa como a própria autora demonstra acima. A ambiguidade e confusão entre os termos fica explícita quando Alves (2010) afirma que “O termo inglês whiteness é usado tanto como sinônimo de brancura como de branquitude ou branquidade” (p.173), portanto nota-se que talvez o problema tenha sido de tradução, mas o que iremos perceber é que a partir de 2005 branquidade e branquitude se tornam conceitos polares1. Por isso a caracterização dos termos e sua discussão é importante para esse debate, pois se fazem necessárias para compreender alguns dos mecanismos de perpetuação do racismo e como o termo branquidade e branquitude se modificaram ao longo dos anos na produção acadêmica brasileira. Isso ficará explícito ao compararmos as seguintes publicações: Eric Lott, especialista em estudos culturais, aprofundou-se nessas contradições em seu brilhante livro Amor e furto: os menestréis de cara preta e a classe trabalhadora norte-americana. Afirma ele que a relação “branquidade”/“negritude” foi moldada por um processo de “atração e repulsa”, no qual os trabalhadores brancos do sexo masculino lutaram, tipicamente em termos inconscientes e amiúde de maneira dolorosa, com sua “atração” pelo que interpretavam e consumiam como cultura “negra” e com seus esforços para controlar seus impulsos nessa direção, condenando, proscrevendo, prendendo e matando pessoas de cor (RACHLEFF, 2004, p.97). Percebe-se na citação acima que a polarização acontece entre branquidade e negritude, já a citação a seguir, mostrará que a polarização acontece entre branquidade e negridade, e, ou branquitude e negritude, conforme nos afirma Jesus (2012): Ou seja, enquanto indivíduos brancos que reconhecem que a supremacia branca não tem razão de existir (branquitude) permanecem omissos no processo o privilégio destes e daqueles brancos que acreditam na brancura como condição ideal de ser humano (branquidade) é mantido, o que faz com que negros sem qualquer reconhecimento sobre seus valores culturais e sociais encontrem no processo de branqueamento a única forma de integração social (negridade), assim são impedidos de formar uma identidade negra positiva (negritude), baseada no resgate de valores individuais e coletivos em nome de uma nova percepção de si e do mundo social, perpetuando valores depreciativos e estereotipados que se arrastam ao longo dos anos (JESUS, 2012, p.11). 1 Podemos definir polares segundo o Dicionário Houaiss como: 1 relativo ou pertencente às extremidades opostas; 2 que se encontra perto das extremidades da terra; 3 de aspecto ou características opostas a outro ou outros (posições, questões). Portanto esse trabalho se utilizará como posições opostas e que estão em extremidades opostas, isto é, que os conceitos são polares. 8 Notamos que as polaridades demonstradas no trecho acima pautam um amadurecimento da utilização do termo, pois visa a sua conceituação histórica, isto é, visa constatar uma oposição conforme um histórico dos termos negridade e negritude e traçar assim os seus opostos, por isso acabam mudando a utilização do termo. Pois se pensarmos branquidade apenas como oposição do termo negridade, que segundo Piza significa que “foi um termo utilizado pelo movimento negro na década de 20 e 30, que reivindica a inclusão do negro na sociedade branca através da negação de sua origem e por um comportamento ditado e aprovado por brancos” (2005, nota de rodapé 6), logo a branquidade seria entendida como os brancos negando a sua identidade de brancos, levando em conta que o conceito de branquidade seria uma oposição ao de negridade, mas não exatamente assim que acontece. Poderíamos conceituar a branquidade, em relação de similaridade com o termo negridade, da seguinte forma que os brancos estariam rejeitando as suas origens brancas, porém não é assim que os estudiosos definem a branquidade, como verificamos na citação de Jesus (2012), pois retomando a sua definição, seriam aqueles indivíduos brancos que permaneceriam omissos nos processos de privilégios e até mesmo, que acreditam na ideia do indivíduo branco como sendo o “tipo ideal”. Portanto seriam aqueles indivíduos que querem manter o status quo e continuar sendo privilegiados por serem integrantes do grupo normatizador e com isso manterem sua supremacia e assim manter o poder que sua identidade lhe fornece. É ainda Piza (2005) que nos afirma que a branquitude deve ser vista como uma negação da identidade branca e de sua supremacia, pois assim ela seria um contraponto a ideia de branquidade, como podemos notar no trecho a seguir discutido pela autora: “Ainda que necessite amadurecer em muito esta proposta, sugere-se aqui que a branquitude seja pensada como uma identidade branca negativa, ou seja, um movimento de negação da supremacia branca enquanto expressão de humanidade. Em oposição à branquidade (termo que está ligado também a negridade, no que se refere aos negros), branquitude é um movimento de reflexão a partir e para fora de nossa própria experiência enquanto brancos. É o questionamento consciente do preconceito e da discriminação que pode levar a uma ação política antirracista. (...) É primeiramente o esforço de compreender os processos de constituição da branquidade para estabelecer uma ação consciente para fora do comportamento hegemônico e para o interior de uma postura política antirracista e, a 9 partir daí, uma ação que se expressa em discursos sobre as desigualdades e sobre os privilégios de ser branco, em espaços brancos e para brancos; e em ações de apoio à plena igualdade (PIZA, 2005, p. 07-08). O que se nota é que a autora discute uma superação das desigualdades presentes na sociedade entre negros e brancos, e os privilégios de ser branco, o que poderíamos entender como uma superação do racismo. Ao pensarmos esses conceitos não podemos perder de vista a ideia da proximidade com as teorias feministas, pois as teorias feministas buscam modificar a forma de olhar a sociedade e o outro, isto é, pretendem tirar o foco da margem e colocá-lo no centro, ou seja, pretende inverter a lógica de que o problema era a mulher e colocar o problema no homem, e aqui seria modificar a ideia de que o problema são os negros, e sim colocar o problema nos brancos que continuam a perpetuar seus privilégios por serem brancos, como podemos ver na afirmação Steyn (2004): Transferir o olhar das margens para o centro, no estudo da raça, é um análogo lógico da estratégia feminista de reformular o saber convencional que diz que a posição da mulher na sociedade é que é problemática, a fim de levantar “o problema do homem” (Fergunson, 1993), e também da estratégia de Witting (1992) de questionar a heterossexualidade como o “problema”, e não a homossexualidade marginalizada. Em todos esses casos, a autoconstrução do centro, que antes mantivera a atenção desviada de si, é denunciada (p.121). Buscamos analisar, caracterizar e comparar os conceitos de branquidade e branquitude e também de localizá-los historicamente. Além disso, por meio desses termos compará-los e verificar a importância dos mesmos na ideia de construção das identidades raciais, identidade branca e identidade negra, e ver as consequências da normatização na construção da identidade negra. Pois como apresenta Steyn (2004) “A branquidade, como constructo ideológico extremamente bem sucedido do projeto modernista de colonização, é, por definição (em termos literais: por ter o poder de definir o eu e o outro), um constructo de poder” (p.123-124). Afinal percebemos que isso acarretará numa construção de identidades baseadas na dominação, isto é, em uma identidade que tida como norma, não possibilitará o diálogo com as outras identidades, pois esse outro não poderá se manifestar afinal ele está sendo 10 dominado e obrigado a se manifestar conforme a vontade de quem o domina, conforme afirma Steyn “A natureza desigual dessa relação permitiu que os brancos estipulassem o significado do eu e do outro, através de projeções, exclusões, negações e atos de repressão” (2004, p.124). As reflexões propostas nesse artigo buscaram iniciar uma compreensão e discussão sobre as formas como a branquidade se reproduz, isto é, destacar a importância da identidade branca no processo de normatização e até mesmo de resignificação do racismo como perpetuação do mesmo por meio da exclusão das identidades que não são as pertencentes a norma. Percebe-se que a reflexão sobre os termos branquitude e branquidade, ainda está no início o que será melhor trabalhado e conceituado na monografia e esse artigo serviu como uma etapa para organizar os pensamentos, as ideias e verificar quais as correções que serão necessárias para que a monografia consiga aprofundar esse debate e assim construir a identidade racial branca que foi rejeitada por muito tempo nas pesquisas de relações raciais como pudemos perceber ao longo desse artigo. 11 III. Referências Bibliográficas ALVES, Luciana. Os significados de ser branco – a brancura no corpo e para além dele. 2010. Dissertação (Mestrado em Sociologia da Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. CARDOSO, Lourenço. O branco-objeto: O movimento negro situando a branquitude. Revista de Estudo e Pesquisa em Educação. Juiz de Fora: 2011. Disponível em http://instrumento.ufjf.emnuvens.com.br/revistainstrumento/article/view/1176 /954 acessado em 05 de março de 2014. CUNHA, Manuela Carneiro da. Cultura com aspas e outros ensaios. São Paulo: CosacNaify, 2009. DELEUZE, G; GUATTARI, F. Mil Platôs – capitalismo e esquizofrenia. Rio de Janeiro: Editora 34, 2004 (Vol.4) HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro. 10ª edição. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2005. JESUS, Camila Moreira de. Branquitude x Branquidade: uma análise conceitual do ser branco. III Encontro Baiano de Estudos em Cultura, maio 2012. Disponível em: http://www.ufrb.edu.br/ebecult/wp- content/uploads/2012/05/Branquitude-x-branquidade-uma-ana%C3%83%C3%85lise-conceitual-do-ser-branco-.pdf acessado em 05 de março de 2014. KUPER, Adam. Cultura: a visão dos antropólogos. São Paulo: Atlas, 2002. PIZA, Edith. Adolescência e racismo: uma breve reflexão. An. 1 Simp. Internacional do Adolescente May. 2005. Disponível em: 12 http://www.proceedings.scielo.br/scielo.php?pid=MSC000000008200500010 0022&script=sci_arttext acessado em 01 de maio de 2014. PIZA, Edith. Porta de vidro: entrada para branquitude. In: CARONE, Iray e BENTO, Maria Aparecida da Silva (org.). Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2002. RACHLEFF, Peter. “Branquidade”: seu lugar na historiografia da raça e da classe nos Estados Unidos. In: WARE, Vron. Branquidade: identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond, (org.) 2004, p. 97114. RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: evolução e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SILVA, Tomaz Tadeu. A produção social da identidade e da diferença. In: SILVA, Tomaz Tadeu (org. e trad.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000, p.73-102. STEYN, Melissa. Novos matizes da “branquidade”: a identidade branca numa África do Sul multicultural e democrática. In: WARE, Vron. Branquidade: identidade branca e multiculturalismo. Rio de Janeiro: Garamond, (org.) 2004, p. 115-137.. TELLES, Edward Eric. Racismo à brasileira: uma nova perspectiva sociológica. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2003. 13