09/12/2006
Folha de S. Paulo
TENDÊNCIAS/DEBATES
Para crescer, o Brasil precisa mudar a legislação ambiental?
SIM
Utilidade pública e relevância estratégica
ALACIR BORGES e SILVIA MARIA CALOU
A REGULAMENTAÇÃO do artigo 23 da Constituição, que trata da
competência para a concessão de licenças ambientais, enfim recebeu
sinalização do governo de que é necessária para "destravar" os
investimentos em infra-estrutura, operando mudanças na legislação
ambiental.
A falta de regulamentação tem levado o Ministério Público a questionar as
licenças expedidas por alguns órgãos, uma vez que não reconhece a
aplicação da resolução Conama nº 237/97, que define a competência
licenciatória. A rigor, o projeto de lei mencionado nada mais é do que a
transformação dessa resolução em lei, na qual a competência do
licenciamento é determinada pelo território diretamente afetado pelo
empreendimento, e não pelo domínio do bem.
Outra questão que merece tratamento legislativo é a existência de
procedimentos diferenciados nos entes federados. Entendemos que os
procedimentos para licenciamento devem ser uniformes e estáveis para
todo o país e contemplar as particularidades regionais e locais. Os
procedimentos dos Estados e municípios devem conformar-se aos da
União, obedecendo a um efetivo plano de ação governamental de
integração.
Deve também ser revista com cautela a lei de crimes ambientais, que
responsabiliza os servidores dos órgãos licenciadores. Em que pese a
necessidade de evitar atos de má-fé, o receio de algum processo a ser
respondido pessoalmente pelo servidor, sem suporte do Estado, tem sido
fator inibidor das expedições de licenças.
Todavia, se o governo quer realmente destravar o desenvolvimento, tem
de promover também maior agilidade nos processos de licenciamento,
para que os prazos estabelecidos em norma legal sejam cumpridos.
Na própria resolução 237, são estabelecidos os prazos para a expedição
das licenças ambientais, que são, no máximo, de seis meses para as
licenças prévias, ressalvado o caso em que houver estudo de impacto
ambiental e/ou audiência pública (prazo de doze meses). Para as licenças
de instalação e operação, os prazos de emissão estão limitados a seis
meses. Exemplos da não observância dos prazos são os empreendimentos
com concessão federal de geração de energia elétrica de Estreito (1.087
MW), desde 2001 no processo de licenciamento e desde 2005 aguardando
a licença de instalação, e Pai Querê (172 MW), que desde 2001 aguarda a
licença prévia.
Em ambos os casos, as questões que levaram ao atraso nos
licenciamentos são exigências adotadas sem a devida previsão legal. Por
outro lado, há casos em que as condicionantes para a emissão das
licenças são tantas e os prazos para cumprimento são tão longos que
comprometem o cronograma e podem afetar a viabilidade econômica do
empreendimento.
O que se espera daqui para a frente é uma ação coordenada para que os
objetivos de crescimento do país sejam atingidos de forma sustentada.
Além dos pontos mencionados, acreditamos que os empreendimentos de
utilidade pública e relevância estratégica para o país devam ter um rito
especial de licenciamento ambiental. Para um crescimento do PIB de 4%
ao ano, são necessários cerca de 4.000 MW anuais de geração de energia
nova. Entre 2003 e 2006, foram concedidas licenças de operação para
2.023 MW em empreendimentos de geração hidrelétrica de âmbito
federal, ficando clara a urgência de medidas que alterem essa realidade.
Ressaltamos que nossas observações visam contribuir para o
equacionamento dos entraves atuais, sem, contudo, afetar a proteção
ambiental prevista na legislação vigente, contrariamente ao que se tem
veiculado de forma equivocada por setores ambientalistas, que alegam
que as mudanças visam a permissão para a destruição do meio ambiente.
Por isso, somos de opinião que se crie norma de licenciamento específica
ou revisão na existente para dar mais agilidade à expedição de licenças
para empreendimentos de relevância para o país.
ALACIR BORGES, advogada, especialista em direito ambiental pela FGVSP, é coordenadora do Comitê de Meio Ambiente da ABCE (Associação
Brasileira de Concessionárias de Energia Elétrica).
SILVIA MARIA CALOU, economista, mestre em política energética pela
Universidade de Surrey (Inglaterra), é diretora-executiva da ABCE.
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Folha de São Paulo entrevista Silvia e Alacir 09-12-06