It’s About Time —
Tempo, movimento e aceleração no design e na arquitectura
O tema da ExperimentaDesign 2009 propõe uma reflexão que é quase um desafio: como é que pensamos o
tempo hoje em dia? De certa forma, tudo nas nossas vidas se prende com o tempo, é um factor omnipresente,
um recurso essencial para qualquer indivíduo ou actividade. Qual é pois a urgência desta problemática no
momento actual? E qual a sua urgência para o design, a arquitectura e a cultura contemporânea?
Quando associada a noções de movimento ou aceleração, a ideia de tempo assume contornos mais definidos:
as coisas que nos rodeam, que dão forma ao mundo em que vivemos, estão a mudar de lugar
e de configuração, e a fazê-lo cada vez mais depressa.
A próxima pergunta é: do que falamos quando falamos de “coisas”?
1. Coisas como objectos: todos os dias, quantidades massivas de coisas atravessam o globo a uma
velocidade crescente. Concebidas no estado americano do Ohio e fabricadas em Guangdong, na China, estas
coisas são expedidas via Amesterdão por uma transportadora marítima filipina, com destino a um grossista
em Itália para posterior comercialização em lojas espalhadas pela Federação Russa, com o apoio de um call
centre em Mumbai. Ou vice versa.
Quais são as implicações e os efeitos destes circuitos no design?
A complexa logística de comunicação e produção à distância, bem como a rentabilização do transporte,
passarão a ter um impacto significativo no briefing criativo. O facto de um determinado objecto ser produzido
e utilizado no seio de culturas distintas da cultura do designer que o concebeu surtirá igualmente os seus
efeitos. E depois há que ter em conta as dimensões política e ética desta questão: optar por uma produção
de baixo custo em países de mão de obra barata pode resultar numa redução de postos de trabalho no país
de origem do fabricante, bem como más condições laborais nos países produtores.
A rede global de transportes tem também um tremendo impacto ambiental. Estaremos a distribuir produtos
ou problemas?
2. Coisas como ideias. De forma consciente ou inconsciente, qualquer projecto ou exercício criativo
representa um conjunto de valores culturais. Estes valores são distribuídos juntamente com os produtos
que deles resultam.
Com o aumento de velocidade a que bens e produtos percorrem distâncias cada vez maiores, importa
questionar que valores estão igualmente a ser exportados.
Trata-se de um problema a que o design não pode ser alheio: como reagem os designers à aceleração dos
fluxos entre comunidades locais e mercados globais? Estarão a esforçar-se para encontrar um equilíbrio
entre valores locais e economia global ou, estarão — ainda que inadvertidamente – a contribuir para as
tensões entre ambos?
Neste contexto, o tempo é um elemento crucial que deve cada vez mais ser equacionado em na óptica
do design, produção, consumo e economia.
1. Tempo para o projecto: o processo de desenvolvimento de um conceito requer pesquisa. A qualidade
do tempo dispendido na pesquisa das condicionantes e necessidades dos produtores e utilizadores a que
se destinam as soluções/propostas projectadas reflecte-se num desempenho culturalmente mais viável
e relevante da sua concepção e projecto.
2. Tempo para a produção: apesar de depender do equilíbrio estabelecido entre recursos e objectivos,
o tempo na óptica da produção não se resume a uma mera função da eficiência (no sentido de: quanto
menos tempo gasto, melhor). Um objecto artesanal incorpora valores distintos de um objecto produzido
industrialmente. O desafio do design é conseguir transpor esta lógica para um patamar superior de
concretização: fabricar produtos bem concebidos através de um processo de manufactura cultural e
socialmente relevante, com uma boa relação custo-eficácia.
3. Tempo para a distribuição: Podem os objectos auto-distribuir-se?
Seremos ainda capazes de pensar escalas alternativas de distribuição de bens para além dos gigantescos
contentores de transporte transatlântico?
Existirá algum (potencial) benefício no facto das coisas percorrerem maiores distâncias que muitos de nós?
De que forma podemos utilizar o design para criar objectos cujo valor aumente durante o período de transporte?
4. Tempo para o consumo: a aceleração parece ser o factor decisivo (senão mesmo o único) no mercado de
consumo; nenhum índice de crescimento é considerado excessivo. Que estratégias deve o design adoptar
para evitar que os produtos canibalizem os seus antecessores para sobreviver?
Um dos caminhos possíveis é direccionar o design para o “upgrade” ou actualização em vez da substituição.
Gerindo o tempo como um recurso a optimizar, o design investiria em processos de adaptação, evolução
e melhoramento, ao invés de contribuir para o amontoado de objectos e equipamentos velhos, obsoletos
e inúteis que prolifera nas nossas casas.
5. economia do tempo: nos ciclos de concepção e produção actuais, o tempo é o inimigo a derrotar.
O mercado funciona em contra-relógio. Tempo é dinheiro num sentido muito restrito: um factor de custo.
“Gastamos” tempo, isso é certo, mas seremos igualmente capazes o ganhar?
Tradicionalmente, a reposta a esta questão reside nas estratégias de “poupança de tempo” – o descascador
de batatas poupa-nos tempo porque torna a operação de as descascar mais rápida. Lucius Burckhardt já
denunciou esta falsa argumentação (visto que omite muitas outras variáveis), que leva ao que o autor apelida
de ‘böse objekte’ (objectos nefastos ref: ‘Design Ist Unsichtbar’, Linz 1982).
Seria pertinente estudar uma aplicação da lógica projectual ao tempo de forma a converte-lo num valor
positivo em todo o espectro do ciclo de produção. Uma nova noção de “design baseado no tempo”.
Centrífugo —
1. que se afasta ou tende a afastar-se de um centro ou eixo
2. que utiliza ou é operado por uma força centrífuga
3. ver eferente
> que conduz ou transporta para de dentro para fora de um órgão, especialmente o cérebro ou a medula espinal
4. usado para descrever uma secção ou tecido de planta que se desenvolve do centro para fora
5. que tende para a dispersão de poder político ou administrativo a partir de autoridade centralizada para a periferia
Vive-se hoje a crescente suspeita de a hegemonia do Ocidente nas áreas da cultura, política e economia tem
os dias contados. A China e a Índia na Ásia, o Irão e o Egipto no Médio Oriente e o Brasil na América do Sul
são novos centros de poder e influência em plena ascensão. Apesar de manterem o estatuto de potências
militares e económicas, os velhos centros culturais que durante séculos se dividiram entre a Europa e os
Estados Unidos estão rapidamente a perder dominância. No plano do design, são ainda apenas perceptíveis
os primeiros sinais desta “força centrífuga”. Já é tempo de lhes prestarmos a devida atenção.
Apesar da maior parte do design mundial ainda se reger por modelos e tecnologias ocidentais, há sinais
que apontam para um crescente interesse em definir metodologias e práticas de design de inspiração local.
Entre os países mais promissores contam-se, numa primeira e subjectiva análise, China, Índia, Irão, África
do Sul e Brasil. Ainda que muito influente no panorama artístico, o design produzido actualmente na China
preocupa-se em copiar fórmulas ocidentais bem sucedidos. Em design gráfico, conheço escassos exemplos
que vão para além da referência nostálgica à cultura Chinesa ancestral. No meu entender, seria de toda
a relevância aprofundar esta matéria: estarão as “novas economias” a desenvolver estratégias e modelos
de design que melhor reflictam a sua herança cultural? De que forma o estão a fazer? As forças centrífugas
em acção nas esferas económica e política estarão agora a manifestar-se na cultura do design? E com
que resultados?
Por seu turno, o design no Ocidente experiencia também (ou deveria) uma necessidade de reavaliar a noção
de supremacia cultural face às forças centrífugas em aceleração. As empresas e multinacionais ocidentais
esforçam-se por aceder a novos mercados na China e outros países.
Que estão elas concretamente a conceber, produzir e distribuir nestes países? O mesmo que aqui? Quantas
empresas e designers ocidentais conhecemos que se virão para o Oriente não apenas procurar inspiração
(o “orientalismo” clássico) mas também para pesquisar e desenvolver novas fórmulas de design e produção
para mercados culturalmente distintos?
Estas ideias são alguns dos eixos de discussão do tema “It’s About Time”, nomeadamente a reacção do
design aquilo que apelidei de “cultura centrífuga”. A produção e distribuição de objectos de design constitui
um circuito de alcance mundial e já é tempo de reflectirmos sobre as suas significativas consequências não
somente aos níveis político, económico e ambiental, mas sobretudo na perspectiva da cultura e do design.
Com base no tema do tempo e do que urge fazer ou considerar, relevamos os seguintes pontos:
It’s about time (já é tempo de)
olhar à nossa volta
escutar o que eles têm a dizer
encetar diálogo com “o outro”
entender o nosso percurso
design para a diversidade
dar prioridade às necessidades do planeta em vez das nossas
pensar “outside the box”
um compromisso com a sustentabilidade
etc.
Algumas associações mais ou menos directas com as questões de “Tempo, Movimento, Aceleração”:
1. O clássico de Siegfried Giedion ‘Space, Time and Architecture’, publicado em 1941, onde o autor
desenvolve a resposta modernista à mudança dos valores que regem a produção einterpretação da
arquitectura na “era das máquinas”. (a sua obra mais conhecida é ‘Mechanization Takes Command’, 1946).
O que poderia significar hoje “Tempo e Design Espacial”? Ligações e conexões, espaços que
se interpenetram ao longo do tempo – através do design ...
Algumas considerações que não pretendem ser mais que convites à exploração e ao debate.
Max Bruinsma
Amsterdão / Abril 2006 / Maio 2008
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