Textura de Gel e Parâmetros Viscoamilográficos e Térmicos de Amido Isolado de Grãos de Milho Armazenados Durante 8 meses em Diferentes Temperaturas 22 Renan Souza Silva 1; Wilner Brod Peres 1; Nelisa Lamas1; Claudia Medeiros Camargo1; Ricardo Tadeu Paraginski 1; Maurício de Oliveira 1 RESUMO O Brasil é o terceiro maior produtor mundial de milho, cujos grãos apresentam elevado valor comercial, seja para alimentação animal ou consumo humano, com destaque para o uso industrial, onde os grãos são utilizados para extração de amido. Para atender a demanda industrial ao longo do ano, os grãos necessitam ser armazenados, sendo que vários fatores interferem na qualidade armazenamento, dentre eles a temperatura. Assim, considerando a importância do amido, e a temperatura como um dos principais fatores que interferem na qualidade de armazenamento, o objetivo no trabalho foi avaliar a textura do gel e os parâmetros viscoamilográficos e térmicos de amido extraído de grãos de milho armazenados com umidade de 14% durante 8 meses nas temperaturas de 5, 15, 25 e 35°C. Os resultados indicaram que temperatura de armazenamento de 35°C provoca alterações nas propriedades de pasta, térmicas e do gel, reduzindo a qualidade do amido, e desta maneira o valor comercial do produto, sendo importante o uso de resfriamento artificial como alternativa para reduzir a temperatura do ambiente em épocas que as temperaturas são elevadas e podem comprometer a qualidade do produto. Palavras-chave: Armazenamento, Temperatura, Amido, Qualidade. Laboratório de Pós-Colheita, Industrialização e Qualidade de Grãos, Departamento de Ciência e Tecnologia Agroindustrial, Faculdade de Agronomia Eliseu Maciel, Universidade Federal de Pelotas, Campus Universitário Capão do Leão, Pelotas, Rio Grande do Sul, CEP: 96.010-900, Caixa Postal 354, Fone: (0xx53) 3275-7358, E-mail: [email protected] 1 298 INTRODUÇÃO Os grãos de milho apresentam elevado valor comercial, sendo utilizados na alimentação animal para a fabricação de rações e na alimentação humana, consumidos na forma “in natura”, ou através da fabricação de derivados, onde o óleo, o amido e a farinha são os principais. Dessa maneira é fundamental que os grãos permaneçam armazenados por longos períodos de tempo, de forma a atender a demanda das indústrias alimentícias na entressafra. A qualidade de armazenamento está relacionada com a qualidade inicial dos grãos, porém durante o período em que os mesmos são armazenados, os grãos são influenciados por fatores como teor de impurezas, teor de grãos quebrados, atmosfera de armazenamento, umidade relativa do ar, umidade dos grãos, temperatura, presença de micro-organismos, insetos, ácaros e tempo de armazenamento. Com relação a estes fatores, a temperatura é um dos principais fatores que alteram a qualidade dos grãos durante o armazenamento, quando há aceleração das reações bioquímicas e metabólicas dos grãos, pelas quais reservas armazenadas no tecido de sustentação são desdobradas, transportadas e ressintetizadas no eixo embrionário (Aguiar et al., 2012; Perez-Garcia & GonzalezBenito, 2006; Santos et al., 2004). O amido é um polissacarídeo, composto por cadeias de amilose e amilopectina, que possuem inúmeras aplicações, apresenta algumas propriedades favoráveis que tornam seu uso comercial importante. Os amidos naturais e os modificados apresentam várias aplicações em produtos alimentares como agentes adesivos, ligantes e formadores de filmes, além de atuarem como geleificantes, retentores de umidade, espessantes e retardadores de retrogradação de alguns alimentos (Zobel & Stefhen, 1995; Freitas et al., 2003). O amido de milho normal é caracterizado pela formação de um gel consistente, sendo bastante presente em sopas desidratadas e molhos que requerem viscosidade a quente, sendo a qualidade dos grãos um fator que pode interferir nas propriedades do amido. A maioria dos estudos realizados até o momento avaliou o efeito da temperatura de armazenamento nas propriedades tecnológicas dos grãos de milho durante 6 meses (180 dias), porém os grãos podem permanecer nas unidades armazenadoras por períodos superiores a 12 meses (365 dias), devido a condições desfavoráveis de mercado que dificultam a comercialização, ou mesmo pelo excesso de matéria prima. O sistema refrigerado de armazenamento é uma alternativa para a manutenção da qualidade do produto, pois a redução da temperatura para valores próximos a 15°C reduz a microflora e os insetos-praga presentes, independentemente das condições climáticas da região, favorecendo o armazenamento por maiores períodos de tempo, porém existem poucos estudos até o momento sobre a qualidade do amido extraído de grãos de milho armazenados 299 em diferentes temperaturas. Assim, considerando a crescente utilização da tecnologia de resfriamento artificial em grãos de milho, e a falta de informações das alterações na qualidade do amido durante o armazenamento neste sistema, o objetivo no trabalho foi avaliar os efeitos das temperaturas de armazenamento de 5, 15, 25 e 35°C na textura do gel e nos parâmetros viscoamilográficos e térmicos do amido isolado. MATERIAL E MÉTODOS Foram utilizados grãos de milho produzidos no município de Santo Augusto, região norte do Rio Grande do Sul, Brasil, latitude S 27º53’18’’, longitude W 53º47’20’’ e altitude de 489 metros, colhidos mecanicamente com umidade próxima a 18%, e transportados para o Laboratório de Pós-Colheita, Industrialização e Qualidade de Grãos, Departamento de Ciência e Tecnologia Agroindustrial - DCTA, Faculdade de Agronomia “Eliseu Maciel” - FAEM, Universidade Federal de Pelotas - UFPel, onde foi realizado e conduzido o experimento. Os grãos foram secados em secador estacionário protótipo do Laboratório de Grãos até a umidade de 14%, com temperatura do ar de secagem de 35°C e fluxo de 9 m³ por tonelada por minuto. Os grãos foram submetidos a expurgo com fosfeto de alumínio de forma a evitar a interferência de insetos no experimento, e posteriormente foram armazenados nas temperaturas de 5, 15, 25 e 35°C durante 8 meses, ao abrigo da luz em sacos de polietileno de 0,2mm de espessura de filme plástico com capacidade de 0,9 Kg. As avaliações foram realizadas no início e ao final de 8 meses de armazenamento. A extração foi realizada segundo metodologia adaptada de Sandhu et al. (2005), com 200 gramas de grãos de milho, através do processo de moagem úmida (“wet milling”). As propriedades de pasta foram avaliadas com o analisador rápido de viscosidade (RVA- Rapid Visco Analyser), usando programa Thermocline for Windows versão 1.10, utilizando 3 gramas de amostra, com umidade corrigida para 14%. A textura do gel foi determinada com um analisador da textura (TA.XT.plus, Stable Micro Systems) de acordo com o método usado por Hormdok e Noomhorm (2007) com algumas modificações. As propriedades térmicas do amido foram avaliadas utilizando um calorímetro diferencial de varredura (DSC, TA Instruments, modelo 2010, New Castle, USA). Os resultados foram submetidos à análise de variância ANOVA, e os efeitos da temperatura foram avaliados pelo teste de Tukey (p≤0,05) com o programa SAS (SAS, INSTITUTE, 2002). 300 RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados das propriedades de pasta do amido (Tabela 1) indicam que o aumento das temperaturas de armazenamento não alterou a temperatura de pasta nos grãos armazenados com 5, 15, 25, e 35°C, sendo que esses tratamentos diferiram do inicial, indicando que houve um aumento na temperatura de pasta para os grãos armazenados naquelas temperaturas. O pico e a quebra de viscosidade reduziram na temperatura de 35°C com relação aos outros tratamentos, sendo que para os grãos armazenados a 15 e 25°C, não ocorreram alterações. Ocorreu aumento da viscosidade final e diminuição da retrogradação no tratamento inicial com relação aos outros tratamentos. Tabela 1. Parâmetros viscoamilográficos do amido de grãos de milho armazenados durante 8 meses nas temperaturas de 5, 15, 25 e 35°C. Temperatura de pasta Tratamentos (°C) a Pico de viscosidade (RVU) Quebra de viscosidade (RVU) Viscosidade final (RVU) Retrogradação (RVU) Inicial 70,50 b 312,00 a 115,60 a 311,06 a 114,74 a 5°C 77,10 a 268,67 b 89,59 b 298,17 b 119,09 a 15°C 77,08 a 266,59 b 84,92 c 298,25 b 116,59 a 25°C 77,08 a 262,88 b 86,50 c 293,83 c 117,46 a 35°C 77,15 a 255,54 c 81,29 d 295,17 c 120,92 a Médias aritméticas simples de três repetições seguidas por letras minúsculas iguais na mesma coluna, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de significância (p≤0,05). a De acordo com Zhou et al. (2003), a redução no valor de quebra de viscosidade é o índice que melhor explica as alterações durante o armazenamento dos grãos, valores que segundo Noomhorm et al. (1997), indicam uma menor capacidade de rompimentos dos grânulos de amido após o armazenamento, resultado da complexação dos grãos, principalmente com proteínas, fortalecendo essas interações, e consequentemente, aumentando a estabilidade dos grânulos durante o aquecimento. Os parâmetros viscoamilográficos ligados à gelatinização sofrem influência da presença, orientação e a natureza da superfície das interações do amido com lipídios e proteínas, que são ricos e aminoácidos básicos, e possuem propriedades hidrofílicas, formando ligações glicosídicas e peptídicas (Zhou et al., 2003; Sirisoontaralak e Noomhorm, 2007). Esse aumento de compostos com menor capacidade de hidratação, que resulta em absorção de água mais lenta, pode ter resultado no 301 aumento da temperatura de pasta do amido extraído dos grãos armazenados na temperatura de 35°C. Além disso, um pequeno aumento na estrutura das proteínas pode reduzir a fragilidade dos grânulos de amido intumescidos, ficando os grânulos inchados menos suscetíveis à desagregação (Hamaker e Griffin, 1993), resultando em maior valor de retrogradação. Os resultados da Tabela 2 apresentam os parâmetros texturométricos do amido. A dureza reduziu ao final de 8 meses para os grãos armazenados na temperatura de 15, 25 e 35°C. A fraturabilidade teve o seu menor valor na temperatura de 25°C e a adesividade não diferiu aos 8 meses apenas nos grãos armazenados na temperatura de 25°C. Os parâmetros elasticidade, mastigabilidade e resiliência não diferiram entre as temperaturas de armazenamento. Tabela 2. Textura do gel de amido de grãos de milho armazenados durante 8 meses nas temperaturas de 5, 15, 25 e 35°C. Parâmetros texturométricos a Temperaturas de armazenamento Inicial 5°C 15°C 25°C 35°C Dureza (gramas) 719,25 a 717,49 a 621,76 b 644,25 b 611,15 b Fraturabilidade (g) 769,85 a 718,15 b 659,81 b 586,71 c 622,32 b -568,93 a -1002,44 b -1151,46 b -690,05 a -921,23 b Elasticidade 0,89 a 0,92 a 0,93 a 0,89 a 0,90 a Coesividade 0,39 a 0,43 b 0,42 b 0,44 b 0,45 b Gomosidade 283,25 b 307,61 a 258,98 c 285,58 b 278,11 b Mastigabilidade 250,31 b 282,71 a 241,57 b 253,74 b 251,93 b 0,11 a 0,09 a 0,08 a 0,11 a 0,09 a Adesividade (g.seg-1) Resiliência Médias aritméticas simples de três repetições seguidas por letras minúsculas iguais na mesma linha, não diferem entre si pelo teste de Tukey a 5% de significância (p≤0,05). a Os resultados de propriedades térmica do amido (Tabela 3 e Figura 1), indicam que a temperatura inicial de pico, temperatura de pico máxima e temperatura de conclusão do pico aumentaram ao final de 8 meses de armazenamento para todas as temperaturas de armazenamento. O armazenamento resultou em um pequeno aumento na entalpia necessária para gelatinização do amido com o aumento do tempo de armazenamento. Esse aumento pode ser atribuído a maior rigidez dos grânulos ao final do armazenamento, o que aumenta a energia necessária para o rompimento da estrutura dos grânulos de amido, devido a fenômenos de complexação que podem ocorrer com os constituintes dos grãos. 302 Tabela 3. Propriedades térmicas do amido de grãos de milho armazenados durante 8 meses nas temperaturas de 5, 15, 25 e 35°C. Tratamentos Temperaturas de gelatinização a T H To Tp Tc (°C) (J.g-1) Inicial 69,16 73,25 76,98 7,82 7,82 5°C 70,64 73,89 78,23 7,59 9,71 15°C 70,50 74,22 79,27 8,77 11,91 25°C 71,15 73,61 77,99 6,84 9,67 35°C 70,44 74,21 78,79 8,35 9,01 To= temperatura inicial de pico, Tp=temperatura de pico máximo, Tc= temperatura de conclusão do pico, ∆T= diferença entre temperatura inicial e temperatura de conclusão, ∆H= entalpia de gelatinização. a O aumento da temperatura inicial do pico pode ser comparado com o aumento da temperatura de pasta onservada na temperatura de pasta (RVA), pois de acordo com Malumba et al., (2010), estes valores estão correlacionados, e de acordo com Zhou et al. (2010) ao avaliar as propriedades térmicas de arroz armazenado em diferentes condições, a entalpia e as temperaturas de gelatinização são afetadas por temperatura e tempo de armazenamento. Figura 1. Propriedades térmicas do amido de grãos de milho armazenados durante 8 meses nas temperaturas de 5, 15, 25 e 35°C. Portanto, o armazenamento de grãos de milho em diferentes temperaturas, provoca alterações na textura do gel, e propriedades de pasta e térmicas do amido ao final de 8 meses de armazenamento, indicando que os grãos necessitam ser 303 armazenados em temperaturas inferiores a 25°C para garantir a qualidade do produto no processo de industrialização. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, R. W. S.; BRITO, D. R.; OOTANI, M. A.; FIDELIS, R. R.; PELUZIO, J. N. Efeito do dióxido do carbono, temperatura e armazenamento sobre sementes de soja e microflora associada. Revista Ciência Agronômica, v. 43, p. 554-560, 2012. CONAB, Companhia Nacional de Abastecimento. 2011. http://www.conab.gov. br/detalhe.php?a=1077&t=2 FREITAS R. A.; PAULA, R. C.; FEITOSA, J. P. A.; ROCHA, S.; SIERAKOWSKi M. R. 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