OLHAR CRÍTICO SOBRE O DESENVOLVIMENTO: A ANÁLISE DE CASO DO PROJETO PAI QUERÊ Paula Gomes Moreira – Universidade do Estado do Rio de Janeiro [email protected] Resumo – O trabalho pretende analisar a atual estrutura agrária da região sul em virtude do projeto de construção da hidrelétrica de Pai Querê no âmbito do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do governo Lula. Em trabalho de campo realizado nos municípios de São Joaquim, Lages e Bom Jesus no mês de abril e maio do ano presente, algumas impressões sobre a economia, sociedade e política puderam ser observadas como instrumento para se caracterizar o uso da terra e seus principais atores na área citada. Deste modo, ao se discutir o papel do desenvolvimento no atual governo, pode-se compreender também um pouco dos conflitos rurais no sul do país. Alguns dos dados pesquisados na região foram o tipo de subsistência do homem do campo, a produção dentro da área rural, a infra-estrutura da região, a cultura local e, também, as mobilizações sociais do homem do campo. Este estudo foi feito a partir de uma empresa de consultoria do Rio de Janeiro licenciada para realizar esta pesquisa basicamente de Estudos de Impacto Ambiental (EIA) que será posteriormente entregue ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). Alguns impressões do campo serão apresentadas, visto que este trabalho visa discutir não só a questão política e econômica agrária, como os atores que a compõe. Palavras-chave: desenvolvimento; meio ambiente; modernização;cultura; política. Resumen – El presente trabajo pretende analizar la actual estructura agraria de la región sur, en virtud del proyecto de la hidroelétrica de Pai Querê en el ámbito del PAC (Programa de Aceleración del Crecimiento) del actual gobierno Lula. En estudios realizados en los municipios de São Joaquim, Lages y Bom Jesus, en los meses de Abril y Maio del presente año; algunas impresiones sobre la economía, sociedad y poítica, pudieron ser observadas como instrumento para caracterizar el uso de la tierra y sus principales actores en esa área. De este modo, al discutirse el papel del desarrollo del actual gobierno, se puede comprender también un poco los conflictos rurales en el sur del país. Algunos de los datos obtenidos en la región fueron el tipo de subsistencia del hombre en el campo, la producción dentro de la zona rural, la infraestructura de la región, la cultura local y también los movimientos sociales del hombre del campo. Este estudio fue realizado apartir de una empresa de consultoría de Río de Janeiro licenciada para realizar este estudio socioeconómico, que será posteriormente entregue al IBAMA (Instituto Brasileño del Medio Ambiente y de los Recursos Renovables). Algunos de las impresiones del campo serán presentadas, visto que este trabajo busca discutir so solo la cuestión política y económica agraria, como los actores que la componen. Palabras-clave: desarrollo; medio ambiente, modernización; cultura; política. Esse projeto é resultado da importante experiência da qual pude participar durante os meses de abril e maio nos estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Muitos questionamentos que surgiram ao longo da pesquisa de campo foram transferidos para o presente trabalho. Durante o 1 período do campo estive em contato com moradores de áreas rurais dos mencionados estados, desde os grandes latifundiários até os pequenos proprietários da região estudada. Dentro desse cenário optei por desenvolver minha argumentação em torno da atual estrutura agrária da região sul, mais especificamente escolhendo como estudo de caso as propriedades que serão atingidas pela construção da AHE Pai Querê onde realizei as entrevistas de socioeconomia pela empresa de consultoria licenciada para tal estudo. O vale do rio Pelotas, está localizado na região do Planalto das Araucárias, apesar de inserido na área Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, é ainda muito desconhecido no que se refere à biodiversidade em função de seu relevo ser muito acidentado e cheio de vales, por onde é difícil se locomover. A hidrelétrica de Pai Querê, projetada para operar no rio Pelotas, entre Bom Jesus e Lages, inserida na área Núcleo da Reserva da Biosfera da Mata Atlântica, é uma das obras previstas pelo Plano de Aceleração do Crescimento, e se licenciado e construído, poderá destruir muitos hectares de Florestas com mata nativa, além da fauna existente na área. Soma-se a isso, ainda, o fato de que semelhantes estudos ao da socieconomia já foram feitos por especialistas de outras áreas. Um desses estudos, inclusive, demonstrou a existência de artefatos às margens do Rio LavaTudo que indicam que possivelmente grupos populacionais indígenas já habitavam a região, antes mesmo da ocupação pelos ancestrais dos atuais habitantes. Para essa pesquisa a equipe utilizou questionários que levantavam aspectos econômicos, culturais e sociais dos moradores de Lages e São Joaquim – no estado de Santa Catarina – e, dos moradores de Bom Jesus – no estado do Rio Grande do Sul. Ao longo da pesquisa de campo, principalmente quando estive presente nas várias propriedades que possivelmente serão atingidas pela construção da barragem de Pai Querê, percebi que tais locais eram representativos do tipo de organização socioeconômica da região sul do país. E isso fica mais evidente quando olhamos a cultura do local. Toda a equipe chegou a São Joaquim em Santa Catarina, após uma longa, mas tranqüila viagem. Cidade com vocação turística, São Joaquim tem a maçã como símbolo, além das suas famosas geadas de inverno. Após as instruções iniciais e definidas as duplas, partimos a campo com grande entusiasmo. O primeiro dia de campo serviu principalmente para conhecermos a estrada e estabelecermos alguns contatos. Fomos até um distrito de São Joaquim chamado São João de Pelotas. Grande parte das propriedades visitadas era constituída de pequenos agricultores e pecuaristas, agricultores de subsistência (que também trocavam o excedente com vizinhos ou vendiam na própria residência), e é claro, os produtores de maçã (que se organizam em uma associação). Em Lages o trabalho se fez na área da Coxilha Rica, local histórico que conta com diversas rotas pelas quais passavam os tropeiros no início da colonização do lugar. O local é marcado também, pelos muros de taipa que delimitam os limites das grandes propriedades existentes em Lages. Uma 2 outra característica importante é a forte presença de casas datadas de mais de cem anos. O que colabora para a importância histórica do sítio. Nesse mesmo sentido, encontramos ainda, muitos descendentes de filhos de escravos, que permaneceram ligados às terras de seus ancestrais. A região é rica em recursos minerais de pouco valor agregado. Alguns moradores de Lages costumam vender argila para a Prefeitura local em troca de dinheiro. A economia é basicamente de grandes propriedades e da criação de gado. Muitas dessas propriedades são heranças e que agora encontram-se em condomínio ou partilha de bens dos filhos e netos dos antigos proprietários. As estradas até essas propriedades eram tão longas, que a equipe costumava atravessar no mínimo três porteiras até chegar à casa principal do local. O que demonstra uma grande concentração fundiária nessa área. Porém, como o Brasil é uma terra de contrastes marcantes entrevistamos também alguns proprietário que não dispunham ao mesmo de água tratada na localidade. Essa é uma forte característica do campo em Lages, pois muitos de seus moradores por estarem localizados próximos ao Rio Pelotas utilizam de encanamentos que trazem a água diretamente para suas casas da nascente do rio. Na área urbana, por sua vez, existe o tratamento da água, embora muitas residências não tenham instalações sanitárias. Esses dados foram fornecidos pela Secretária de Saúde de Lages, que tem como um de seus programas a construção de banheiros nos domicílios urbanos. No município de Bom Jesus, no Rio Grande do Sul, o trabalho de campo iniciou-se com a coleta dos relatórios estatísticos das secretarias municipais, do Sindicato Rural de Bom Jesus (que representa os empregadores rurais) e informações adicionais no Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Bom Jesus (representando os empregados). Nos dois primeiros dias de campo tivemos um guia local, que foi útil nos apresentando a moradores do local e donos de fazendas entre o centro de Bom Jesus e o trecho inicial de nosso trabalho neste município. Como guia, iniciamos as visitas aos proprietários. Não dispúnhamos de mapas, apenas de uma lista de proprietários que com o passar do tempo mostrou-se desatualizada em relação à atual estrutura fundiária do local. Nos dois dias que fomos a campo com o guia, visitamos muitas propriedades, aplicamos questionários, fizemos registros GPS e fotográfico. Nos demais dias em campo, fomos a propriedades nos arredores da fazenda onde a equipe estava hospedada, almoçamos no local e o dono da fazenda, que nos acompanhou a campo por mais dois dias. O conhecimento do novo guia acerca das propriedades e proprietários era mais apurado, e desta vez a equipe já dispunha de um mapa simples da região, que nos dava alguma noção em relação à divisão das terras atingidas. Ainda assim, tivemos certa dificuldade em estabelecer eventuais divisões em algumas propriedades que se encontravam em processo de inventário. Lá foram observados enormes campos de pasto que formam a paisagem comum da área rural do município, onde se vê também mata ciliar acompanhando alguns trechos do Rio Pelotas e afluentes. Árvores araucárias nativas são vistas em toda a região, embora muitas propriedades visitadas não 3 possuam grande quantidade delas. Plantações de pinheiros constituem outra atividade econômica do município (extração do pinhão e fonte de lenha para fogões e aquecimento das casas). Outra atividade econômica em expansão no município é a plantação do pinus zilhote, espécie de pinheiro nativo de terras temperadas. Alguns pequenos proprietários alertaram para desequilíbrio ecológico trazido pela introdução do pinus, que possui raízes muito compridas que absorvem muita água do solo, além do forte odor exalado pela árvore, que afugentaria vários tipos de animais. O baixo número de habitantes faz com que muitos moradores da área rural de Bom Jesus sejam ligados através de laços de parentesco. Em uma área distante de bens, serviços e sem apoio governamental significativo, ter muitos parentes é útil para garantir a sobrevivência (normalmente os vizinhos ajudam-se mutuamente com serviços pesados ou qualquer outra coisa que não se possa fazer sozinho). Notável também a consciência ecológica de muitos dos entrevistados em relação ao destino do lixo, que não é recolhido em caminhões, mas levado à cidade (ao menos os materiais recicláveis) para dispensa adequada. O frio e as chuvas começaram a aumentar. Faltavam algumas propriedades em áreas isoladas para terminarmos os trabalhos no município. Foi decidido em reunião que toda a equipe voltaria ao Rio de Janeiro com retorno ao campo em duas semanas, para dar conclusão ao trabalho. Mesmo que o meu foco não tenha sido a questão do desenvolvimento em si, é possível através desse levantamento socioeconômico perceber alguns traços fundamentais da atual política de desenvolvimento do governo Lula para aquela região. Visto que, o projeto da hidrelétrica de Pai Querê encontra-se localizado no âmbito do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do atual governo. Sendo assim, é possível explorar mais essa questão para compreender os conflitos de terra e os interesses das famílias moradoras dessas localidades citadas por trás da construção da AHE. Para compreender o atual modelo de desenvolvimento aplicado no Brasil é necessário remontar ao objetivo principal desde há muito tempo predominante entre nossos governantes: a questão da modernização. Acerca desse assunto OCTAVIO IANNI, em seu texto “A ocidentalização do mundo” nos descreve um processo pelo qual a idéia de modernização passou a ser o guia de toda a toda a civilização ocidental, servindo como emblema do desenvolvimento, crescimento, evolução ou progresso. Ele diz, ainda, que as mais diversas formas de sociedade, desde as tribos e nações, até culturas e civilizações, passaram a ser influenciadas pelos padrões sócio-culturais característicos da ocidentalidade, principalmente sob suas formas européias e norte-americana.1 O Brasil não ficou fora dessa tendência mundial o que levou muitos governos, inclusive o atual, a adotarem medidas políticas não condizentes com a realidade social do país. Como nos diz o professor SILVIO COELHO DOS SANTOS no texto “Hidrelétricas e suas conseqüências Sociambientais”, ainda hoje o que se vê é que a proposta de considerar qualquer projeto de 1 IANNI, Octavio. Teorias da globalização – 11º ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Pág.97. 4 desenvolvimento como uma intenção que contemple simultaneamente interesses econômicos, sociais e culturais de uma comunidade ou município, do estado ou do país é rara. A visão de uma “evolução humana” e do positivismo prevaleceram, e a idéia de que a humanidade caminha rumo a níveis crescentes de “bem-estar” parece estar presente entre a maioria dos administradores públicos e privados. Na visão do autor é por isso que o termo desenvolvimento deve ser entendido como mudança2. Mudança em favor de toda a sociedade ou, pelo menos, de parte dela. Consequentemente, o termo desenvolvimento deve ser entendido como mudança. E essa mudança deve ocorrer em favor de toda a sociedade. Isso significa que todo projeto de desenvolvimento hoje no país deveria incluir educação, saúde, água tratada, esgoto, eletricidade, enfim, direitos básicos de todo o cidadão, como partes relevantes nos projetos. No que tange a questão do PAC é importante considerar o que até hoje já foi feito em termos de reforma do campo e como isso influencia diretamente a opção por uma política de aceleramento da economia. Na opinião do economista PLÍNIO DE ARRUDA SAMPAIO o plano de Reforma Agrária parou no ministro Palocci. Como ele mesmo responde quando entrevistado pelo jornal Brasil de Fato no livro “É preciso coragem para mudar o Brasil”, o presidente havia lhe pedido para coordenar o plano. Em poucas palavras, o economista se reuniu com especialistas, professores, docentes, etc., convocou os movimentos sociais e após noventa dias entregaram ao Lula um projeto de assentar 1 milhão de famílias em quatro anos. Porém, o projeto não foi aprovado.3 Isto mostra o quanto a política agrária no Brasil ainda caminha sob passos lentos. E o PAC aparece como um reflexo dos reais interesses do governo em promover um desenvolvimento carente para obtenção de apoio político dos seus parceiros na construção de projetos do plano. Mas essa discussão sobre o desenvolvimento já aparece há muitos anos na história brasileira. E é importante do ponto de vista teórico resgatar nosso passado histórico para compreendermos a situação atual do país. Desde os anos JK, acreditava-se que o Brasil só poderia ultrapassar a sua fase de subdesenvolvimento pela intensificação da industrialização. E sua implementação viria a produzir mudanças no sistema político, determinando a substituição das antigas elites dirigentes do país. O desenvolvimento era pensado, portanto, em termos de uma lógica de crescimento da economia visando à superação do subdesenvolvimento e da formação de uma nova classe dirigente mais representativa que as classes anteriores. Nestes termos, a abertura da economia ao capital estrangeiro se colocou como solução para o impasse da “substituição de importações” que se esgotava. O reverso da medalha seria a 2 VERDUM, Ricardo (org.). SANTOS, Silvio Coelho. Integração, usinas hidrelétricas e impactos socioambientais. In: Hidrelétricas e suas conseqüências Sociambientais – Brasília: INESC, 2007. Págs. 41-42. 3 ARBEX JR, José e VIANNA, Nilton (orgs.). É preciso coragem para mudar o Brasil: entrevistas do Brasil de Fato. Traduções de Brasil de Fato – 1. ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2006. pág. 109-110. 5 implantação de um novo modelo de acumulação que, consolidando o capitalismo brasileiro, iria redefinir e aprofundar a dependência econômica do país. A posse de Juscelino Kubitschek foi o marco na reorientação dos rumos da nossa economia.4 As transformações sofridas pela economia brasileira no período JK foram muito rápidas. Houve a redefinição do novo setor industrial a ser privilegiado e o estabelecimento de novas regras estratégias para o financiamento da industrialização brasileira. Desenvolvimentista, Kubitschek partilhava da crença de que o desenvolvimento econômico era por si só uma forma de política nacional para resolução dos problemas de desigualdade. 5 Essa crença de JK permanece até hoje imbutida na política de desenvolvimento do país, ainda que, sob uma nova roupagem. Numa perspectiva geral, o presente artigo visa enriquecer o debate sobre o papel do campo no desenvolvimento do país, tendo como pano de fundo o projeto de construção da hidrelétrica e seus possíveis impactos na economia, sociedade e cultura dos moradores do sul. Desse modo, o estudo focará na atual configuração rural dos moradores inseridos na região a ser atingida pela construção da barragem da hidrelétrica de Pai Querê. Tal estudo é baseado na pesquisa de campo, realizada pela empresa de consultoria responsável pelo estudo socioeconômico do relatório de Estudos de Impacto Ambiental (EIA), a ser entregue ao IBAMA (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) para posterior avaliação do órgão no processo de licenciamento da barragem. Além disso, em virtude dos dados colhidos na pesquisa é possível compreender um pouco de como vive o homem rural nas regiões mais frias do país. E também a rica cultura do povo sulista, que mantém tradições desde há muitos anos trazidas pelos imigrantes, ao mesmo tempo em que muda suas relações sociais em virtude da modernização introduzida no campo pelo desenvolvimento do país. Alguns dos pontos que ainda devem ser considerados quando estudada a questão da implantação ou não da hidrelétrica são o fato de que o projeto da Usina, no rio Pelotas, foi gestado durante a década de 70, em pleno regime militar, quando os aspectos ambientais eram desconsiderados; a importância histórica e cultural da área, onde se encontra o Passo de Santa Vitória, primeira alfândega entre os Estados do RS e SC, no Caminho das Tropas, da época colonial, bem como a relevância a existência de sítios arqueológicos que lá se encontram; entre outros. 6 Para melhor compreensão do modo de vida do homem do campo do sul, creio ser fundamental caracterizar um pouco do clima e da extratificação vegetal dos locais estudados. Em Santa 4 MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e Economia no Brasil.Rio de Janeiro, Graal, 1986, pp. 51-52 SADER, Emir e JINKINGS, Ivana. Latinoamericana: Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do caribe. São Paulo: 2006. p.218. 6 www.inga.org.br 5 6 Catarina no município de Lages durante pesquisa institucional na Secretaria de Meio Ambiente e Serviços Públicos alguns dados importantes foram colhidos. No tocante à área rural uma das principais características de Lages é a grande plantação monocultora de florestas de pinos, em contraponto à agricultura que não tem se expandido. Também existe o plantio de soja, milho e feijão para a subsistência e a cultura da maçã. São poucas pequenas propriedades e há uma presença muito forte de grandes latifúndios marcados por herança colonial. A produção é de gado de campo nativa e representa uma tendência para os próximos anos. O clima rigoroso da região é marcado por um período de chuva e outro de seca prolongadas, com pouca nevada e pouco tempo de frio. O solo do campo apresenta baixo ph que é corrigido com uso de calcário, porém esse corretivo representa um encargo muito grande para o produtor rural. Assim, a ACRO (Associação das Comunidades Rurais Organizadas) ajuda o agricultor comprando os insumos necessários para o plantio em conjunto. Por outro lado, a Prefeitura provê equipamentos e tratores através da cobrança de uma taxa mínima, além de fornecer assistência técnica por meio de parceria com outras instituições. Outra dificuldade enfrentada pelos agricultores é a má qualidade das estradas que carecem de conservação e em épocas de chuva essa situação piora. Contudo, a área apresenta um outro problema grave de corte de araucária, visto que esse tipo de corte não permite a regeneração de mata nativa no campo. Esta é uma prática realizada por muitos agricultores que roçam a terra antes de crescer a mata de novo. Além disso, tem-se o esgotamento sanitário e os focos de lixo como problemas ambientais na área. Para este último, já existe um projeto de aterros de construção civil projetado para entrar em vigor no próximo ano. Os dois principais símbolos da Serra Catarinense são o pinhão e o chimarrão. O pinheiro brasileiro (Araucária angustiofolia), seu fruto – o pinhão – e o chimarrão são símbolos desta região marcada pelos rigores do clima frio pela neve. Apesar de áreas extensas dedicadas ao reflorestamento de pinus, ainda existem grandes florestas de araucárias, algumas com árvores de mais de 500 anos, preservadas pela geografia acidentada que dificulta o acesso à região. O chimarrão, bebida típica gaúcha, é outra característica marcante da Serra. Os descendentes dos tropeiros que permaneceram na região cultivam os hábitos, costume e tradições campeiras – além do chimarrão, o churrasco as músicas nativistas, as danças, as vestimentas, o fogo de chão...7 No caso do município de São Joaquim, também localizado no mesmo estado, a área rural é fortemente concentrada na agropecuária. Tendo a produção de frutas de clima temperado como principal fonte de renda, o município conta com baixa densidade de indústrias, comércio em desenvolvimento e atividade rural forte. KAISER, Jaksam e ZOTZ, Werner. Santa Catarina: Melhores destinos e regiões turísticas.Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte. Ed. Letras Brasileiras. Santa Catarina, 2009. Pág. 46. 7 7 Na produção de frutas, destacam-se a pêra, a uva e principalmente a maçã, que é o principal fruto da cidade e movimenta mais de 50% da economia local. Desde os pequenos produtores até as grandes empresas se utilizam das boas condições climáticas e de solo para obter umas das melhores maçãs do mundo. Tendo a produção de maçã chegado a seu potencial máximo, novas culturas estão sendo adequadas e implantadas na cidade. Destaque para a vitivinicultura, concentrada na produção de vinhos finos, traz a São Joaquim um novo patamar de desenvolvimento. Com investimentos de alto padrão. Em Lages a grande atração é o turismo rural, são muitas as pousadas e hotéis-fazenda que recebem turistas o ano todo. Entre as atrações oferecidas estão os passeios a cavalo, a comida tropeira, as grandes serras e algumas quedas d’água. As pessoas que procuram esse tipo de turismo são, no geral, moradores de localidades próximas, como Vacarias e São Joaquim. Já no Rio Grande do Sul, no município de Bom Jesus, uma das principais características observadas no local estudado foi a Gila, que é a fruta tradicional de lá. Inclusive, essa fruta é a atração turística do local, com ela são feitas receitas de doces e pratos típicos dos da população local. O lugar conta, ainda, com as cavalgadas anuais através das trilhas deixadas pelos tropeiros. Muitos moradores de outras localidades vão até Bom Jesus para participarem desse evento cultural, o que demonstra a força da tradição tropeirista na região. Como referencial teórico não me basearei somente nas contextualizações sociais e culturais dos locais estudados, mas utilizarei também estudos sobre a questão do desenvolvimento econômico no país. A parte teórica será dividida em duas sub-partes, que proporcionarão as ferramentas para um melhor desenvolvimento da pesquisa. Na primeira sub-parte a pesquisa usufruirá das teorias que explicam a questão do desenvolvimento do Brasil na atualidade. Na segunda sub-parte procederei a análise de alguns dos dados obtidos na pesquisa socioeconômica e como ela encontra-se relacionada a questão anteriormente exposta. Com relação à metodologia usada, a pesquisa parte de um estudo de caso que tem por objetivo analisar a validade de teorias, conceitos e das hipóteses levantadas para um determinado fato histórico. De acordo com os autores GEORGE & BENETT, no texto “Case studies and theory development” os estudos de caso permitem novas abordagens (ao perceber novas nuanças e detalhes) e diretrizes para novos casos. Em poucas linhas, essa metodologia nada mais é do que um exame detalhado de um aspecto de um episódio histórico para testar as explanações teóricas aplicáveis a outros acontecimentos, ajudando outros cientistas sociais a equacionarem estratégias mais eficazes para as suas pesquisas. 8 O estudo de caso estaria ligado à utilização do método de processo-investigativo8, que tenta conectar as relações entre as causas possíveis e os resultados observados. Nesse processo, o investigador examina histórias, arquivos originais, transcrições de entrevistas e outras fontes primárias que permitam perceber se o processo causal de uma determinada teoria, que se remete a um determinado caso, está de fato presente na seqüência e nos valores das variáveis desse caso. Além disso, esse processo pode gerar novas variáveis ou hipóteses na seqüência dos eventos observados. Na prática, a pesquisa usufruirá de fontes primárias para a obtenção de dados que possam fornecer respostas às indagações levantadas. Dentre essas fontes estão o trabalho de campo nas regiões estudadas, os questionários socioeconômicos, a etnografia do local e os dados obtidos na pesquisa institucional nas Secretarias de Meio Ambiente dos estados. Com isso, pode-se averiguar a situação atual da comunidade que vive no entorno dos rios que serão atingidos pela barragem e avaliar, assim, os possíveis impactos que essa construção poderá provocar, caso seja aprovada. O centro da pesquisa se encontra na utilização das informações presentes nos relatórios de campo feitos pela equipe de socioeconomia que fez o levantamento das propriedades ao redor da área dos rios Lava-Tudo e Pelotas, nas divisas entre Santa Catarina e Rio Grande do Sul, que estão diretamente envolvidos nesse processo histórico de construção da AHE. Os arquivos são de propriedade da empresa de consultoria que fez o estudo na região e encontram-se disponíveis apenas em sua sede no Rio de Janeiro. Outro material utilizado foram os guias turísticos fornecidos pela Secretaria de Turismo da região, que foi meu primeiro contato com os municípios a serem visitados. Uma breve descrição da Serra Catarinense é aqui apresentado: “A Serra deve seu desenvolvimento aos tropeiros, desbravadores que, há dois séculos, levaram rebanhos do Rio Grande do Sul para São Paulo, percorrendo trajeto conhecido como o Caminho das Tropas. Verdadeiro corredor cultural ao longo do qual se miscigenaram raças e nasceram povoados, hoje prósperos municípios como Lages, a maior cidade da região, com 160 mil habitantes. Considerada a Capital Nacional do Turismo rural, recebe milhares de visitantes atraídos pela neve e pela Festa Nacional do Pinhão. São Joaquim – Capital Nacional da Maçã – e Uubuci são outros dois importantes municípios turísticos da Serra Catarinense”. 9 Frente a esse arcabouço teórico e metodológico, o projeto propõe um esboço da dissertação dividido em cinco pontos principais a serem debatidos: 8 GEORGE, A.L. & BENETT, A . Case studies and theory development. In: Case studies and theory in the social sciences. MIT Press, 2004. Pags. 03-36 KAISER, Jaksam e ZOTZ, Werner. Santa Catarina: Melhores destinos e regiões turísticas. Secretaria de Estado de Turismo, Cultura e Esporte. Ed. Letras Brasileiras. Santa Catarina, 2009. Pág. 45. 9 9 I. Apresentação das principais teorias que norteiam a pesquisa sobre a questão do desenvolvimento no país; II. A Política de Aceleração do Crescimento; III. O trabalho de campo; IV. Os impactos para a população rural frente à construção do projeto da hidrelétrica e suas relações com o espaço físico e; V. Principais impressões após a pesquisa. No que tange aos resultados que espero alcançar com o projeto, naturalmente, como se trata de um projeto na área das Ciências Sociais, o impacto sobre o conhecimento científico é o que pode ser antecipado com mais segurança. Assim, a expectativa é que os conhecimentos logrados deverão contribuir para lançar luz sobre aspectos ainda bastante desconhecidos da atual política de desenvolvimento do atual governo através do exemplo do projeto de construção da Usina de Pai Querê. Da mesma forma, espero contribuir para esclarecer dimensões da atuação dos agentes envolvidos no processo de licenciamento e dos prováveis impactos que uma construção de tal grandeza provocará nos terrenos do sul catarinense e norte riograndense. Considerando que essas são questões que se colocam na ordem do dia não apenas para os especialistas no assunto da questão agrária no país, espera-se também que o conhecimento produzido seja relevante para o debate acadêmico em outras áreas do conhecimento. Ainda no âmbito do impacto científico, é de se esperar que o desenvolvimento do projeto contribua para incentivar o debate em torno de assuntos que, aparentemente, parecem desvinculados, mas que quando olhados historicamente apresentam uma correlação extrínseca. Embora não se possa estabelecer uma relação direta entre a pesquisa na área de Ciências Sociais e aplicações práticas imediatas, pode-se antecipar que o conhecimento produzido venha contribuir para o re-desenho de políticas de reforma agrária assim como da implementação de programas específicos para esse atual paradigma na sociedade brasileira. Da mesma forma, espera-se que a avaliação global da área rural do sul do Brasil, enfatizando os dois lados da política de desenvolvimento no país e tendo em conta a atuação pública e a privada, traga subsídios imediatos para melhores e mais bem elaboradas políticas de desenvolvimento para aquela região. Referências bibliográficas: GEORGE, A.L. & BENETT, A . Case studies and theory development. In: Case studies and theory in the social sciences. MIT Press, 2004. Pags. 03-36 CARDOSO, Miriam Limoeiro. Ideologia do desenvolvimento Brasil: JK-JQ. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1977. 10 LEHER, Roberto e SETÚBAL, Mariana (org.). Pensamento crítico e movimentos sociais: diálogos para uma nova práxis – São Paulo: Cortez, 2005. BENJAMIM, César ...[et al.]. A opção brasileira – Rio de Janeiro: Contraponto, 1998. SADER, Emir (org.). Governo Lula: decifrando o enigma – São Paulo: Viramundo, 2004. VERDUM, Ricardo (org.). Integração, usinas hidrelétricas e impactos socioambientais – Brasília: INESC, 2007. Págs. 41-42. ARBEX JR, José e VIANNA, Nilton (orgs.). É preciso coragem para mudar o Brasil: entrevistas do Brasil de Fato. Traduções de Brasil de Fato – 1. ed. – São Paulo: Expressão Popular, 2006. Págs. 109-110. MENDONÇA, Sonia Regina de. Estado e Economia no Brasil. Rio de Janeiro, Graal, 1986, Pags. 51-52 SADER, Emir e JINKINGS, Ivana. Latinoamericana: Enciclopédia Contemporânea da América Latina e do caribe. São Paulo: 2006. Pág. 218. IANNI, Octavio. Teorias da globalização – 11º ed. – Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. Pág.97. Sítios visitados: www.saojoaquim.sc.gov.br www.inga.org.br www.bndes.gov.br 11