A Festa da Vindima Impulsionando o Enoturismo na Região de São Joaquim (SC) José Luiz Monteiro Mattos1 Wilton Carlos Cordeiro2 Flavia Baratieri Losso3 Resumo A descoberta do vinho e o crescente consumo pelos seres humanos se perdem na história. As pessoas sempre sentiram a necessidade de festejar a colheita da uva, comemorar o esforço de cuidar da videira e assim obter bons frutos para produzirem seus vinhos. Vindima é o nome dado à colheita de uvas, que no hemisfério sul, se dá de dezembro a abril, e no norte entre agosto e novembro. No período da vindima, os trabalhadores comemoram o final da colheita e início da elaboração do vinho, lembrando as festas que homenageavam Baco, considerado o deus do vinho e da folia. A festa da vindima talvez tenha sido o primeiro elo entre o vinho e o turismo. O desenvolvimento da vitivinicultura de altitude tem propiciado o crescimento do turismo nas regiões produtoras. O presente estudo teve como objetivo observar a influência da festa da vindima na região de São Joaquim. A pesquisa caracterizou-se por uma abordagem qualitativa, utilizando-se da observação participante como método para a coleta das informações necessárias à investigação. Para tanto, os pesquisadores atuaram como turistas durante a 2ª Festa da Vindima de Altitude de Santa Catarina. Fez parte da programação da festa, diversas atrações artísticas e culturais realizadas nas vinícolas, bem como uma exposição com degustação dos vinhos produzidos na região. A integração entre os diferentes setores, públicos e privados, podem transformar a festa da Vindima de Altitude em empreendimento capaz de alavancar o crescimento da região. Palavras-chave: Enoturismo. São Joaquim (SC). Vindima. Vinhos de Altitude. Abstract: The discovery of the wine and the growing consumption by humans are lost in history. People always felt the need to celebrate the grape harvest, celebrate the effort to take care of the vine and so get good fruit to produce their wines. Vintage is the name given to harvesting wine grapes, which in the southern hemisphere occurs from December to April, and in the north between August and November. In the vintage period, workers celebrate the end of harvest and the beginning of winemaking, reminding the parties that honored Bacchus, considered the god of wine and revelry. The Vintage Festival was perhaps the first link between wine and tourism. The development of altitude viticulture has promoted the growth of tourism in the producing regions. This study aimed to observe the influence of the vintage Festival in the Sao Joaquim region. The research was characterized by a qualitative approach using participant observation as a method to collect the information necessary for the investigation. Therefore, the researchers acted as tourists during the 2nd Altitude Vintage Festival of Santa Catarina. We had as part of the Festival programming, several artistic and cultural attractions held in the wineries as well as an exhibition and tasting of the wines 1 Estudante do IFSC, Florianópolis (SC), [email protected] Mestre, Professor do IFSC, Florianópolis (SC), [email protected] 3 Mestre, Professora do IFSC, Florianópolis (SC), [email protected] 2 produced in the region. The integration between the different sectors, public and private, can transform the party Altitude Vintage Festival in an enterprise able to leverage the region's growth. Keywords: Wine tourism. São Joaquim (SC). Vintage. Altitude Wines De Baco ao Cristianismo Apesar de ser a divindade mais conhecida quando se trata de vinho, Baco está longe de ser a única e tampouco a primeira divindade relacionada a bebida. Além dos gregos e dos romanos, egípcios, persas, etruscos, chineses e outros tantos povos criaram mitos e personagens relacionadas ao vinho ou à vinha (GRIZZO, 2014). A oferenda de vinho aos deuses era comum na Mesopotâmia, no Egito, na Grécia e em Roma. Tornou-se também, um importante símbolo de conceitos fundamentais, como a morte e a ressurreição, e passou a representar o sangue de algumas divindades em várias religiões. O vinho tinha um papel importante nos ritos religiosos, seja consumido como libação aos deuses ou enterrado com os mortos, para o consumo na posteridade (JOHNSON, 1999). O Egito deu ao vinho qualidade e leveza; vinculou-o à religiosidade; tornou-o bebida de status e nobreza. Havia a delimitação da classe social que deveria beber o vinho, como também sobre a propriedade das vinhas, ambas de exclusividade das elites ricas e poderosas. Nesse último sentido, a passagem do vinho do Egito para a Grécia foi muito mais que uma viagem através da água e do tempo: foi também a popularização da bebida (PHILLIPS, 2003). O vinho não só impulsionou a economia grega, como também possuía um misticismo, que era expressado na adoração de Dionísio, o deus do vinho. JOHNSON (1999) ressalta três comemorações em homenagem a Dionísio, em Atenas: as Dionísias Rurais (dezembro), as Antesterias (fevereiro) uma festa primaveril, em que se celebrava a brotação e o rejuvenescimento da natureza, e as Grandes Dionísias, ou Dionísias Urbanas (março), que se transformou num dos maiores eventos públicos do calendário da cidade. Com o passar do tempo, os ritos tornaram-se cada vez mais complexos e místicos, abrangendo crenças relativas à espiritualidade e à vida após a morte, o que originou o cristianismo. Quando a cultura grega foi absorvida pelo Império Romano, o culto a Dionísio transformou-se nos bacanais. O nome de Baco sempre causou polêmica por está ligado as bebedeiras e, sobretudo por aparecer na literatura mundial com a mesma personificação usando nomes diferentes, mas sempre ligado ao uso do vinho e de seus efeitos (COSTA, 2009). Com a expansão do Império Romano, a cultura do vinho foi levada para as regiões por eles conquistadas, e, por conseguinte o aumento dos vinhedos e as celebrações ligadas à colheita e vinificação da uva. É indiscutível a influência e a contribuição do culto a Baco sobre a religião cristã recém-chegada a Roma. No século IV, o imperador Constantino declarou o cristianismo como a religião oficial de Roma, banindo os cultos pagãos. Nem por isso, o culto ao deus do vinho desapareceu, transformaram-se em festividades aos santos vinhateiros, protetores do vinho e da vinha, como São Martinho e São Vicente (GAUTIER, 2009). A Vindima Vindima é o nome dado à colheita de uvas, que no hemisfério sul, se dá de dezembro a abril, e no norte entre agosto e novembro. Na época das vindimas, quase todas as regiões vinícolas do mundo comemoram a colheita das uvas destinadas à elaboração do vinho (CERICATO, 2008). As Festas da Vindima são uma tradição histórica que atrai imenso fluxo de pessoas. Talvez elas tenham sido o primeiro elo entre o vinho e o turismo (MENDOZA, 2015). Festejos relacionados ao vinho ou a vinha acontecem mundo a fora. Na Borgonha, França, no primeiro final de semana após o dia 22 de janeiro há a de São Vicente, que a partir de 1938 a Confraria dos Cavaleiros de Tastevin imprimiu novos rumos a festa, que é itinerante entre as 32 comunas, onde mais de 100 mil pessoas vão à aldeia escolhida participar da missa, da procissão e depois celebrar com vinho (ATOUT FRANCE, 2015). Em Mendoza, Argentina, a primeira tentativa de festa ocorreu em 1913, porém foi em 1936 com um decreto provincial que institucionalizou a Festa Vendimal. Tem início entre os 18 distritos que compõe a província entre janeiro, fevereiro e março, com seu ápice no primeiro final de semana de março. Onde mais de 35.000 pessoas (OBSERVATÓRIO, 2015), acompanham os cortejos pela cidade, que culmina em um anfiteatro a céu aberto, com um show onde toda a tradição e o culto a Virgem de Carrodilla, são encenados, finalizando com a eleição da Rainha. Os 247.000 turistas, que estiveram na região no mês de março de 2013 (OBSERVATÓRIO, 2015), puderam participar, também, de diversas atividades, como visitas as bodegas e turismo rural; passeios pelos atrativos naturais (turismo de aventura) e atividades culturais. No Brasil, as Festas da Vindima ocorrem entre os meses de janeiro e março, principalmente, no Rio Grande do Sul, nas cidades de Flores da Cunha que está na 13ª edição, que tem como mote principal o resgate das tradições e a cultura italiana, enaltecendo o perfil religioso e festivo dos imigrantes. Foram doze dias de comemoração com a presença de aproximadamente 78.000 pessoas. E Bento Gonçalves na sua 6ª edição, que acontece no Vale dos Vinhedos, durante os meses de fevereiro e março, onde todos participam da colheita e pisa das uvas, celebrações religiosas e degustação dos produtos advindos da uva. A programação foi extensa com atrativos culturais e gastronômicos nas vinícolas, restaurantes e hotéis. Contudo, em Santa Catarina já há movimentação para a realização de eventos semelhantes, sobretudo na região de São Joaquim. São Joaquim São Joaquim é conhecida nacionalmente por dois títulos: a Capital Brasileira da Maçã – uma alusão direta às excelentes condições ecológicas para o cultivo dessa fruta, e o título de Cidade Mais Fria do Brasil – um atrativo irresistível para turistas de todas as partes do país. A vitivinicultura de altitude apresenta-se, assim, como mais uma alternativa econômica para o município, e tem propiciado o crescimento do turismo nas regiões produtoras (CORDEIRO, 2006). A partir de 1999 iniciou o processo de produção de vinhos em regiões de elevada altitude em Santa Catarina. Subsidiados pelos resultados obtidos pela Empresa de Pesquisa Agropecuária de Santa Catarina, empreendedores vindos de diferentes setores da economia, passaram a investir na implantação de vinhedos e na construção de vinícolas na região denominada Planalto Catarinense (IDEM, 2006). O surgimento de novos empreendimentos oportunizou em 2005, a criação da associação de produtores de vinhos, constituída por 28 produtores distribuídos em três regiões: São Joaquim no Planalto Sul; Campos Novos no Meio Oeste e Caçador no Noroeste do estado (ACAVITIS, 2014). Estes empreendimentos encontram-se a mais de 900 metros de altitude, fazendo com que a videira tenha um comportamento diferente daquelas cultivadas em terrenos mais baixos, gerando vinhos com grande potencial de mercado. A viticultura está modificando a paisagem e a cultura das localidades onde se implanta, trazendo consigo atividades até então totalmente diferentes daquelas que suas populações estavam acostumadas. O presente estudo teve como objetivo observar a influência da festa da vindima na região de São Joaquim. Metodologia A característica do trabalho foi à utilização de uma abordagem qualitativa com a tentativa de compreender os significados e peculiaridades das situações apresentadas, onde a coleta inicial de dados exigiu uma pesquisa bibliográfica e documental, para a obtenção de um conhecimento prévio sobre a origem e o significado da Festa da Vindima. A observação participante, (RICHARDSON, 1999) foi o método escolhido para a coleta das informações necessárias à investigação. Caracterizou-se pela atuação dos pesquisadores como turistas durante a 2ª Festa da Vindima de Altitude de Santa Catarina. Pois, a proximidade com o fenômeno em estudo pode ser considerada uma vantagem: a experiência pessoal pode ser uma fonte vital de informações que completam o processo de pesquisa (RICHARDSON, 1999). A 2ª Festa da Vindima de Altitude A viticultura, em todo o mundo, dá a visibilidade ao lugar e, atraí para a região onde esta instalada outros empreendimentos ligados a essa atividade. Que muito emprega e apropria renda na região: como o turismo, a gastronomia e o enoturismo. No período de 26 a 29 de março de 2015, foi realizada a 2ª Vindima de Altitude, que contou com a participação de 25.000 visitantes (informação verbal)4, oriundos, principalmente, de diferentes cidades de Santa Catarina e dos estados do Rio Grande do Sul, São Paulo, Paraná. A programação da festa foi composta por um circuito cultural com diversas apresentações gratuitas, entre os destaques duas apresentações da Cia. Jovem Bolshoi Brasil, uma em meio aos vinhedos e outra no encerramento do evento na Praça da Igreja Matriz da cidade. Todas as atrações foram exclusivamente de Santa Catarina, música (erudita e instrumental, jazz, MPB, nativista, entre outras), além de dança contemporânea e folclórica, e poesia, que teve como intuito valorizar a produção cultural do Estado. Foram montados estandes junto a Praça da Igreja Matriz, onde 13 vinícolas da região expuseram seus produtos para degustação. Além disso, foram criadas programações especiais nas vinícolas, para receber durante o evento, com almoços e jantares harmonizados, happy hour, degustação e visitação aos vinhedos e locais de produção. Pelo fato de diversos eventos acontecerem simultaneamente em locais diferentes, os pesquisadores tiveram que optar por algumas atividades, sendo elas: seminário promovido pela ACAVITIS e Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (EPAGRI), ministrado por João Felippeto, enólogo e pesquisador da EPAGRI, que explanou sobre o ciclo das parreiras cultivadas acima de 900 m de altitude, as castas que melhor se adaptaram à região e os estudos para melhoria da produção. Visita a vinícola Villaggio Bassetti, com recepção do proprietário Sr. Eduardo Bassetti, que mostrou seus vinhos com destaque para o rótulo Donna Enny. Visita a Vínicola Monte Agudo, com apresentação do lançamento do , vinho rosé merlot Sublime, realizada pela somellier e co-proprietária da 4 Número fornecido por ACAVITIS, através de e-mail em julho de 2015. empresa Carolina Ferraz. Happy hour na vinícola Leoni di Venezia, com acolhimento do proprietário Sr. Saul Bianco, onde ocorreu degustação de vinhos brancos, tintos e espumante, com fundo musical propiciado pelo Duo Instrumental Osla. Happy hour na Pericó Vinhos com apresentação da Cia. Jovem Bolshoi Brasil, sediada em Joinville e degustação dos espumantes, vinhos brancos e tintos. Jantar harmonizado na Villa Francioni. Visitação e degustação da exposição dos vinhos produzidos na região, promovida pelas vinícolas no salão da igreja Matriz. E degustação de vinhos com harmonização no Ristorante Toscano, de diferentes embutidos produzidos artesanalmente, com destaque para o presunto tipo Parma. Em todos estes momentos foi possível observar a reação dos visitantes para com as atividades desenvolvidas. Considerações De modo geral, os visitantes avaliaram de forma positiva o evento, demonstrando o potencial da festa na atração de turistas. Vislumbrando possibilidades de integrar a população local ao enoturismo, de forma a tornar essa uma atividade incorporada ao seu dia a dia, gerando renda e trabalho. Contudo, há uma série de situações que devem ser contempladas objetivando o sucesso da Festa da Vindima de Altitude e, consequentemente, o crescimento do enoturismo na região. Primeiramente, os organizadores devem avaliar a possibilidade de aumentar o número de dias da festa, ou criar mecanismos que permitam aos visitantes participarem de várias atividades durante o evento. Pois, apesar de existirem diversas opções, elas acontecem simultaneamente, o que restringe o aproveitamento da festividade pelo turista. O ponto negativo mais citado pelos participantes da festa está relacionado com a infraestrutura oferecida na região, especialmente na questão das estradas de acesso, tanto a cidade, quanto as vinícolas. Além da sinalização que indique os caminhos e localizações dos pontos turísticos, vinícolas, restaurantes e hospedagem. Sendo esses os pontos principais a serem melhorados. Outro ponto julgado relevante está relacionado aos meios de hospedagem, que devem ser ampliados no número de leitos disponíveis, além de promover uma modernização no já existente. Em relação à gastronomia, que está intimamente ligada ao enoturismo, uma ampliação da rede de estabelecimentos atenderia de modo mais satisfatório os viajantes. Além de utilizar produtos regionais como atrativo, valorizaria os pequenos produtores locais. A qualificação da mão de obra para a recepção do turista, através de treinamento ou aperfeiçoamento dos serviços, contribui não apenas para a melhoria do setor, mas principalmente para a elevação do nível de escolaridade da população. Recomenda-se a realização de diferentes investigações que possibilitem conhecer melhor os fenômenos que contribuem para o desenrolar da Festa da Vindima na região e assim colaborar para o seu crescimento. O sucesso do enoturismo no Planalto Catarinense consolida-se através da realização de diferentes atividades de cunho públicos e privados. Dentre eles a Festa da Vindima, que demonstra um potencial importante para impulsionar o setor e desenvolver a região. Para tanto, os mais diferentes atores locais devem ser envolvidos efetivamente na sua construção. Bibliografia: CERICATO, J.. Datas Comemorativas Cívicas e Históricas. Ed. Paulinas (SP), 2008 CORDEIRO, W. C.. A vitivinicultura em São Joaquim - SC: uma nova atividade no município, 2006. Dissertação de mestrado em Agroecossistemas – CCA-UFSC (SC). COSTA, E. R. C.. Enoturismo Retomando o Culto a Baco através do Turismo. eGesta – Revista Eletrônica de Gestão de Negócios, 2009. GAUTIER, J.F. 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