UNIVERSIDADE SÃO JUDAS TADEU FACULDADE DE ARQUITETURA E URBANISMO CURSO DE PÓS GRADUAÇÃO Dalia Katz Configurações espaciais da interface entre os habitantes e a natureza da cidade o caso da favela de Paraisópolis. São Paulo 2008 1 Dalia Katz Configurações espaciais da interface entre os habitantes e a natureza da cidade o caso da favela de Paraisópolis. Dissertação de Mestrado apresentado ao Curso de Pós Graduação em Arquitetura e Urbanísmo para obtenção de título de Mestre em Arquitetura e Urbanismo. Orientadora: Professora Doutora Saide Kahtouni São Paulo 2008 2 Agradecimentos À Agencia de Fomento a Pesquisa CAPES pela bolsa de estudos concedida no periodo de 2006 a 2007. À Nilde, amiga, que me proporcionou as inúmeras caminhadas por Paraisópolis, e que me mostrou este mundo rico e diversificado que é o universo das favelas. À professora Saide Kahtouni, pela excelente orientação deste trabalho. Ao Sidão, ao meu pai e à Tami, pelo companheirismo e apoio que me proporcionaram neste longo caminho. Ao amigo Nicolau, companheiro de jornada, de visitas a Paraisópolis, pelo prazer de compartilhar olhares e impressões. Ao amigo Wolf, pelas revisões do texto e troca de idéias. À amiga Vivi Magalhães pela ajuda com o projeto gráfico. E, à comunidade de Paraisópolis, tão aberta e cativante. 3 Resumo A pesquisa desenvolvida para a elaboração desta dissertação teve como objetivo estudar a configuração espacial dos espaços de convívio da favela de Paraisópolis, partindo de uma paisagem pré-existente que sofreu um processo de apropriação espacial pelos moradores e foi assim transformada. Buscase compreender a relação existente entre a condição cidadã e a configuração espacial dos espaços coletivos uma vez que o espaço da favela foi construído pelos próprios moradores, através da auto-construção e há intensa relação entre moradores e espaço construído, singularidade do universo da favela. Palavras-chave: Paisagem Urbana, Espaço, Favela, Espaço Público 4 Sumário Apresentação......................................................................................................8 1. Favela: interface entre os habitantes e a natureza da cidade.................12 1.1. Introduzindo a questão..........................................................................12 1.2. Um breve panorama que privilegia a cidade de São Paulo....................21 2. Paraisópolis: Origens, transformações, estrutura e forma.....................39 2.1. Origens e transformações.....................................................................39 2.2. Paraisópolis diante das novas centralidades..........................................54 2.3. Estrutura, infra-estrutura e forma............................................................59 3. Configurações espaciais em Paraisópolis................................................68 3.1. Limites....................................................................................................72 3.2. Bairros....................................................................................................78 3.3. Vias/Ruas...............................................................................................86 3.4. Pontos Nodais.........................................................................................93 3.5. Marcos....................................................................................................96 3.6. Fragmento............................................................................................100 5 3.7. Labirinto..............................................................................................107 3.8. Rizoma................................................................................................109 4. Espacialidades do convívio, interface entre os habitantes e a estrutura de Paraisópolis..........................................................................114 4.1. Considerações sobre o espaço público...............................................114 4.2. Espacialidades do convívio e do intercâmbio social...........................121 4.2.1. Exterior x Interior.......................................................................122 4.2.2. Centralidades............................................................................128 4.2.3. Percursos..................................................................................129 4.2.4. Bricolagem.................................................................................139 Conclusão........................................................................................................143 Bibliografia......................................................................................................144 Índice das imagens.........................................................................................149 Índice das tabelas...........................................................................................156 6 7 Apresentação Tudo é tão normal, todo tal e qual, Neném não tem hora pra ir se deitar. Mãe passando roupa do pai agora, De um outro caçula que já vai chegar, É mais uma boca dentro do barraco, Mais um kilo de farinha do mesmo saco, Pra alimentar um novo João ninguém, E a cidade cresce junto com neném. Relampiano, Lenine/Paulinho Mosca A problemática da favela tem sido estudada por profissionais de distintas áreas de forma a colocar suas questões em evidência. A mídia informa diariamente o cotidiano das favelas brasileiras e denuncia seus problemas, as políticas públicas têm colocado em sua agenda de atuações o tema da melhoria das condições de vida nas favelas. É impossível desconhecer este tema àqueles que vivem nas grandes metrópoles. A quantidade de pessoas que vivem em espaços informais nas cidades é enorme e sua existência é inerente à vida urbana. Há diversos aspectos ligados à problemática da favela para este estudo, o principal propósito é nos interrogarmos sobre a relação existente entre a condição cidadã e a configuração espacial. 8 Este trabalho está estruturado em quatro capítulos. No capítulo 1 denominado: “Favela: interface entre os habitantes e a natureza da cidade”, introduz a problemática da favela colocando sua questão não somente como habitacional, mas também econômica e social, demonstra através de dados estatísticos extraídos de outras pesquisas realizadas sobre o assunto, que as condições de infra-estrutura e econômicas das favelas brasileiras não são tão precárias como o comumente pensado pelo imaginário popular. Em seguida, traça um breve panorama brasileiro, com ênfase na cidade de São Paulo, através de uma análise do processo de produção e ocupação da habitação social, pretendendo focar sua análise na origem da favela paulistana. Tem como intuito dar subsídios ao leitor a cerca das questões que engloba a problemática da favela, para, então, passar para uma análise da favela de Paraisópolis propriamente dita. No capítulo 2 denominado: “Paraisópolis: origens, transformações, estrutura e forma”, estuda a favela de Paraisópolis a partir de seus aspectos históricos, estruturais e formais. Partindo da origem do assentamento em questão, traça sua história até o momento atual desenhando um panorama da ocupação espacial em diferentes momentos. Em seguida, utilizando iconografia específica, principalmente mapas e fotos aéreas, faz uma análise da transformação espacial da favela de Paraisópolis analisando sua ocupação e de seu entorno nos anos de 1930, 1950, 1962, 1972, 1994 e finalmente 2007. Após a apresentação da origem e transformação de Paraisópolis, faz-se uma análise da favela diante das novas centralidades, para constatar o caráter privilegiado do assentamento na cidade de São Paulo. Tal característica se dá principalmente devido à sua localização em região central, em um bairro de classe média e, portanto valorizado da cidade, que proporciona a sua população fácil acesso ao mercado de trabalho e equipamentos públicos de saúde, educação e lazer, com ampla acessibilidade, devido a grande rede de transportes públicos. Passa-se então para o estudo dos aspectos formais da favela, apresentando dados, mapas, estatísticas e fotos, dando maior importância ao seu aspecto infra-estrutural. 9 No capítulo 3 denominado: “Configurações espaciais em Paraisópolis”, partindo do fato de que nos estudos desenvolvidos sobre as favelas brasileiras, estas são sempre caracterizadas como o espaço da negação, da falta, da carência, do outro, da precariedade de infra-estrutura e da marginalização, e entendendo que esta é apenas uma visão, para não dizer que seja uma visão equivocada, apresenta-se uma alternativa de análise da configuração espacial da favela de Paraisópolis a partir de cinco conceitos elaborados para o estudo da cidade regular (limites, bairros, vias/ruas, pontos nodais e marcos) desenvolvidos por Kevin Lynch em seu conhecido trabalho denominado “A imagem da cidade1”, e de três conceitos criados para o estudo das favelas (fragmento, labirinto e rizoma) pensados por Paola Berenstein Jacques em seu livro denominado “A estética da ginga2” . Através do estudo destes oito elementos, e da aplicação dos mesmos para a favela de Paraisópolis, constata-se tanto uma analogia entre esta e a cidade regular, quanto singularidades muitos características da forma da favela. O capítulo 4 denominado: “Espacialidades do convívio, interface entre os habitantes e a estrutura de Paraisópolis”, tem por objetivo mergulhar no espaço público da favela de Paraisópolis para verificar a apropriação espacial dos moradores no espaço auto-construído e espontaneamente criado, como se dá a interface entre seus moradores e a estrutura da favela de Paraisópolis. Para este estudo, faz-se necessário conceituar o espaço público e o significado da rua no âmbito da arquitetura e do urbanismo. Revela-se a dificuldade da utilização do par dialético que é o publico e o privado, e novas formas de análise são adotadas. Passa-se então para o estudo dos espaços públicos propriamente ditos, onde a se revela uma intensa interação entre os habitantes e os espaços criados. 1 LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997 2 JACQUES, Paola Berenstein. A Estética da ginga: arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2001 10 11 1. Favela: interface entre os habitantes e a natureza da cidade 1.1. Introduzindo a questão ”Lá não tem brisa Não tem verde-azuis Não tem frescura nem atrevimento Lá não figura no mapa No avesso da montanha, é labirinto É contra-senha, é cara a tapa” Subúrbio, Chico Buarque de Holanda A denominação de um assentamento como “favela” decorre do estatuto jurídico da terra, a questão de sua incerta titularidade, e não, ao contrário do que se pensa, de sua precariedade construtiva e falta de equipamentos urbanos, que geralmente a caracterizam. Mesmo quando um assentamento possui todo tipo de infra-estrutura, mas não o domínio legal da terra, é considerado favela. A favela, cidade irregular, é um lugar onde tudo foi gerado espontaneamente, característica observada pela sua criação, ocupação e intervenção de seus moradores, quase sempre agindo de modo não planejado, desordenado. 12 Por ser um lugar espontâneo, não é reconhecido como cidade, de forma que, segundo Ermínia Maricato (2002): “[...] é ignorada na representação da “cidade oficial”. Ela não cabe nas categorias do planejamento modernista/funcionalista pois mostra semelhanças com as formas urbanas pré-modernas. É possível reconhecer nas favelas semelhanças formais com os burgos medievais. Ela não cabe também no contexto do mercado imobiliário formal/legal, que corresponde o urbanismo modernista. Ela não cabe ainda, de modo rigoroso, nos procedimentos dos levantamentos elaborados pela nossa maior agência de pesquisas de dados, o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). E, por incrível que pareça, os órgãos municipais de aprovação de projetos, as equipes de urbanistas dos governos municipais e o próprio controle urbanístico (serviço público de emissão de alvarás e habite-se de construções), frequentemente desconhecem esse universo. Mesmo nas representações cartográficas é de hábito sua ausência”. (MARICATO, 2002, p.121) Por esse aspecto, predomina no imaginário popular e na visão simplista do observador que na favela não há rede de água, esgoto ou drenagem, não há infra-estrutura de transporte público ou coleta de lixo, as ruas não são asfaltadas e não têm nomes oficiais. De forma que a primeira providência a ser tomada quando se estuda o tema das favelas é quebrar alguns paradigmas equivocados sobre o espaço e a população favelada. Segundo Susana Pasternak Taschner3 (2006), existem alguns “mitos” a serem quebrados sobre sua população, sua forma e sua homogeneidade: 3 TASCHNER, Suzana Pasternak. Favelas e Cortiços no Brasil: 20 anos de Pesquisas e Políticas. Cadernos de pesquisa do LAP, São Paulo, USP / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, n.18, mar. / abr. 1997. 13 O primeiro “mito” ligar-se-ia à especificidade do espaço favelado. Sua apropriação do espaço urbano distingue-se das outras formas de apropriação, já que acontece por invasão, gradual ou repentina, pacífica ou violenta, organizada ou individual. Suas ruas teriam traçado específico, irregular ou dimensões menores. A arquitetura e as técnicas construtivas usadas na favela também seriam dotadas de certa especificidade, desde a montagem do projeto – que não obedece a códigos de obra e normas de uso do solo até o uso de material de construção e técnicas construtivas distintas. (TASCHNER, 2006, p.192) O material usado em sua construção, ao contrário do também comumente pensado, é predominantemente a alvenaria. Nas favelas brasileiras, por exemplo, a madeira, material dominante até o ano de 1987, já não aparece atualmente com tanta intensidade. As moradias, quando sobrados, muitas vezes são constituídas de bloco de concreto no piso inferior e de tijolo baiano nos pisos superiores. Quanto à infra-estrutura básica, possuem ligação de energia elétrica (mais de 99%), água potável (próximo a 98%) e coleta de lixo (mais de 80% das unidades4), conforme quadros abaixo: Tabela 01 – Favelas do Município de São Paulo: Evolução da infra-estrutura em porcentuais. Fonte: Taschner, 2006, p.193 4 TASCHNER, Suzana Pasternak. Favelas e Cortiços no Brasil: 20 anos de Pesquisas e Políticas. Cadernos de pesquisa do LAP, São Paulo, USP / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, n.18, mar. / abr. 1997. p.192. 14 Tabela 02 – Favelas do Município de São Paulo: Evolução das condições materiais dos domicílios. Fonte: Taschner, 2006, p.193 A idéia de ocupação intensa dos domicílios também constitui um paradigma necessário de ser explicitado e quebrado. Exemplo disso é que o adensamento das moradias vem diminuindo conforme os anos, as casas de um único cômodo, no ano de 2000, representavam pouco mais de 1% e o número de pessoas por dormitório diminuiu de 3,06 em 1980 para 1,16 em 20005, reduzindo, então, o congestionamento das moradias. O quadro abaixo expõe estes dados: Tabela 03 – Favelas do Município de São Paulo: Evolução das condições de ocupação dos domicílios. Fonte: Taschner, 2006, p.193 5 TASCHNER, Suzana Pasternak. Favelas e Cortiços no Brasil: 20 anos de Pesquisas e Políticas. Cadernos de pesquisa do LAP, São Paulo, USP / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, n.18, mar. / abr. 1997. p.192. 15 Outros dois paradigmas a serem quebrados dizem respeito, a condição sócio-econômica e étnica dos moradores das favelas: “[...] correspondente à idéia que a favela é o lugar da pobreza, território urbano por excelência dos pobres, tradução espacial de exclusão social, parcela equivalente à cidade abandonada de Marcuse (1996). A população favelada seria específica. No imaginário popular, bastante preconceituoso, o favelado seria negro, nordestino, desocupado e marginal.” (TASCHNER, 2006, p.195). Os números comprovam que a porcentagem da população branca é menor na favela do que no município como um todo, e sua população é composta majoritariamente de migrantes nordestinos, porém, oriundos de movimentos migratórios não recentes. Sua história mostra ainda, diferente do que entende o imaginário popular, que essas pessoas não migraram diretamente do meio rural para as favelas, mas que co-habitaram anteriormente com familiares já estabelecidos na cidade. O paradigma de falta de atividade profissional é também incorreto. Prova disso é que a proporção de moradores empregados com carteira assinada na favela é similar de empregados formais no município como um todo. Apesar de o favelado ser um morador pobre que, comparado com o residente na periferia das cidades, representa o habitante de menor poder aquisitivo, surpreendentemente é grande consumidor de produtos industriais, novos e usados, e, assim como consumidor, é também prestador de serviços. Isso demonstra que, à parte de possuir poder aquisitivo baixo, está plenamente integrado com a vida econômica urbana. O morador da favela é trabalhador, que produz e consome como qualquer outro que reside no tecido urbano regular, como demonstra o quadro abaixo, em que se observa percentuais dos bens possuídos pela população favelada: 16 Tabela 04 – Comparativo sobre bens de consumo individual. Domicílios que possuem o bem, em porcentagem. Fonte: Taschner, 2006, p.196 Há ainda que se afastar o conceito de que a sociedade da favela compõe um corpo homogêneo. Ainda segundo Pasternak (2006), as favelas possuem diferenças internas, podendo-se encontrar “tipologias distintas entre os setores favelados”. Taschner fala de um outro paradigma a ser quebrado: “[...] faria da favela um espaço homogêneo, tanto para uma análise sociológica como para atuação política. Claro que existem fortes diferenças na estrutura física: [...] Mas raramente tem se estudado a heterogeneidade e a diversidade social dentro e entre favelas.” (TASCHNER, 2006, p.196) Como ilustração, veja-se que no caso da favela de Paraisópolis a população que reside no centro, setor mais antigo e consolidado, manifesta características distintas daqueles que residem nas grotas e áreas de risco, últimos setores a serem ocupados. A heterogeneidade na favela de Paraisópolis será especificamente abordada no capítulo 2. Além dessas questões, é importante analisar também que a favela é um espaço constituído de significados sociais, de forma que para garantir o seu 17 entendimento deve-se lidar com a precariedade local, entrando em contato com a comunidade, respeitando sua cultura e entendendo seus pontos negativos e positivos, pois, segundo Jane Jacobs (1961) em seu estudo sobre os cortiços norte-americanos, é preciso encarar seus habitantes como pessoas capazes de entender seus interesses pessoais e lidar com eles, o que certamente são. É preciso discernir e levar em consideração as forças de recuperação existentes e evoluir a partir delas, o que comprovadamente se verifica nas cidades reais. Destaque-se também que não se pode entender a favela sem apreender a importância do movimento neste espaço. A favela é um lugar dinâmico, inacabado e em constante mutação onde os sujeitos da ação são os próprios moradores que o constróem e o transformam diariamente. Daí decorre a idéia de participação da população que ali reside e a importância de levá-la em consideração quando se pensa em propor transformações e se quer garantir a apropriação dos espaços, uma vez que propicia sensação de pertencimento a seus moradores. Segundo Paola Berenstein Jacques: “[...] quando da urbanização, o importante a se preservar não deveria ser sua arquitetura, os barracos, nem seu urbanismo, as vielas, mas o próprio movimento das favelas, através de seus atores, os próprios favelados. Ou seja, o que se deveria pretender preservar é a participação ativa do habitante/ cidadão na construção de seu próprio espaço/cidade, como ocorre em diferentes níveis nos espaços-movimento“. (JACQUES, 2001, p. 150) O conceito de “espaço-movimento” desenvolvido por Paola Berenstein Jaques está ligado não somente ao espaço físico, mas, mais do que isso, ao movimento do percurso e à experiência de percorrê-lo, o que é da ordem do vivido. São espaços que estão em movimento, em constante transformação, em eternos deslocamentos. Diante disso só se pode considerar a favela como um espaço-movimento. 18 Quando se estuda o fenômeno da favela, não se pode deixar de analisar seu aspecto segregacional, isso porque as favelas implicam diretamente o conceito de segregação, que, segundo Villaça6 (2001, p.373), “é um processo segundo o qual diferentes classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões gerais ou conjuntos de bairros da metrópole”. Um exemplo clássico de segregação nas cidades brasileiras é representado pela oposição entre centro e periferia, onde o primeiro é dotado de infra-estrutura, serviços públicos e privados e ocupado pelas classes de mais alta renda da população, e a segunda, carente e distante, é local de moradia das classes de mais baixa renda. Este exemplo indica como o espaço pode atuar como um mecanismo de exclusão. Edmond Préteceille7, em seus estudos sobre segregação, verifica que no caso das cidades brasileiras, a maioria dos trabalhos sobre a segregação urbana diz respeito às diferenças sócio-econômicas em que a segregação é analisada sob a ótica da polarização entre as categorias mais pobres de um lado e mais ricas de outro. Esta díade verificada entre centro e periferia também indica dois tipos de segregação urbana, a que ocorre de forma voluntária e involuntária. Normalmente, no caso do centro, a segregação é voluntária, geralmente são pessoas que escolhem viver perto de outras de sua mesma classe social. No caso da periferia, a segregação é involuntária. São indivíduos que se vêem obrigados a viver em certa localização da cidade por não possuírem condições de habitar determinados bairros. Neste sentido, para Villaça (2001, p.373) “A segregação é um processo dialético em que a segregação de uns provoca ao mesmo tempo e pelo mesmo processo, a segregação de outros”. 6 VILLAÇA Flávio. Espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, 2001. 7 PRETECEILLE, Edmond. A construção social da segregação urbana: convergências e divergências. Revista Espaço & Debates – São Paulo, v.24, n. 45, p.11-23, jan/jul 2004. 19 Nos estudos feitos sobre as favelas brasileiras, estes espaços são sempre caracterizados como o espaço da negação, da falta, da carência, do outro, é a não cidade, cidade não formal ou subnormal. São atributos sugeridos pela segregação urbana e que criam uma analogia entre formas de ocupação espacial. É como se uma cidade fosse a negação da outra, o que realmente não são. Apenas possuem estéticas próprias com características típicas diferentes daquelas conhecidas na cidade regular. Imagem 01 - Segregação Urbana 20 1.2. Um breve panorama que privilegia a cidade de São Paulo Os primeiros profissionais interessados em entender a cena urbana no final do séc. XIX, jornalistas, médicos, engenheiros e urbanistas, voltaram seus olhares para os cortiços que deram origem à favela carioca. Segundo Valladares (2005), conhecidos como antros da vagabundagem e propagação de doenças, os cortiços eram o lugar de moradia da classe pobre que possuía dificuldades financeiras em pagar um aluguel ou adquirir um imóvel. Com as demolições destes “antros de perdição”, nas primeiras décadas do séc. XX, a população que lá vivia se instalou nos morros, dando origem à “favela”. Outra história8 conta que o Morro da Favella, antigo Morro da Providência, foi o primeiro morro a ser ocupado no Rio de Janeiro, em 1897, por soldados de um batalhão da guerra de Canudos, que lá constituíram seus barracos e assim se instalaram. O nome favela9 surgiu durante a segunda década do séc. XX, a partir do Morro da Favella, que a partir deste período passa a denominar uma forma genérica de ocupação ilegal da terra urbana. Tão logo a favela foi descoberta, transformou-se em problema a ser resolvido, e as primeiras intervenções foram no sentido de embelezamento e “higienização” da capital. As favelas não são uma alternativa habitacional apenas na cidade do Rio de Janeiro. Embora apareça ali com maior expressividade, muitos outros municípios no Brasil e no mundo possuem esse tipo de assentamento. Em Minas Gerais, por exemplo, em 1895, com as atividades ligadas à construção da capital do estado, Belo Horizonte, surgiu uma enorme demanda de trabalho que resultou em um grande contingente de trabalhadores que migraram de diversas partes do país criando uma pendência habitacional. Dois 8 VALLADARES, Licia do Prado. A invenção da favela: do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2005. 9 O nome Favela é derivado da planta “Favella”, muito encontrada na vegetação que recobria o Morro da Providência, denominado então “Morro da Favella”. 21 anos antes da inauguração oficial de Belo Horizonte, a cidade já possuía dois assentamentos irregulares. A mesma história ocorreu com a construção da capital do país, Brasília. O assentamento provisório planejado para alocar os trabalhadores incumbidos da construção da cidade, o Núcleo Bandeirante, então chamado Cidade Livre, deveria ser erradicado quando do término da construção da capital. Este assentamento foi ganhando tamanho e se consolidando, e, em 1958, foram proibidas novas construções. Em 1960 decidiu-se pela fixação da Cidade livre, porém nem ela nem as cidades satélites foram suficientes para abrigar o enorme contingente de trabalhadores que migravam para lá. Hoje, as cidades satélites representam 90%10 da população do Distrito Federal, são novos pólos de urbanização, menos controlados e com legislações urbanísticas mais flexíveis e possuem um papel fundamental na constituição da cidade. À primeira vista, as cidades satélites se parecem, especialmente para o olhar estrangeiro. Em algumas delas, ruas principais sobrecarregadas com ônibus e caminhões, a presença do comércio que se derrama para as calçadas, onde se mistura com obras e reparos. Ruas secundárias ainda de terra batida, habitações improvisadas, escolas, campos de esporte e terrenos baldios. Um arquitetura apressada que rompe com o controle característico do Plano Piloto. Um sentimento de coisa inacabada e, ao mesmo tempo, uma vida intensa. Mais jovens que o Plano Piloto, muito barulho e movimento. E, de um ano para o outro, mudanças incríveis, de grande importância. Outras, mais requintadas, filhas legítimas do urbanismo do Plano Piloto, apresentam alto grau de urbanização, aliado a uma renda per capita relativamente elevada e a uma paisagem urbana bem mais estável. (PANERAI, 1999, p.179) 10 PANERAI, Philippe. Análise Urbana. Tradução de Francisco Leitão. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2006, 1ª edição 1999, p. 179. 22 Salvador, na Bahia, cidade que foi a primeira capital do país durante o período colonial, sofreu suas primeiras invasões de terras devido à crise da economia agro-exportadora a partir da década de 40, quando se deu a enorme migração rural-urbana. O regime de propriedade fundiária ainda era o aforamento de terras e o aluguel da casa. Esse sistema que concentrava a posse das terras nas mãos de poucos bloqueava o mercado dificultando o acesso à população menos favorecida. Nesta época ocorreram diversas ocupações, organizadas ou não, das terras. Estima-se que 30% da população de Salvador ocupe ainda hoje áreas invadidas. (Pasternak, 2006, p. 180). No final do séc. XIX, com o advento da indústria, a cidade de São Paulo, anteriormente voltada aos serviços e negócios ligados à comercialização do café, cresceu e se transformou. As taxas de crescimento da cidade elevaram-se muito, a construção era incessante, ergueram-se fábricas e, junto a elas, residências operárias para abrigar o grande contingente de população que migrava para São Paulo em busca de trabalho. Configurou-se um espaço urbano caótico. A seguir um quadro que ilustra o crescimento populacional na cidade de São Paulo: Tabela 05 – Evolução da população – Cidade de São Paulo e Região Metropolitana, 1872-1996 Fonte: Caldeira, 2000, p. 213 23 Consequentemente, entre os anos de 1890 e 194011, o espaço urbano da cidade de São Paulo foi caracterizado pela concentração e aumento da heterogeneidade de suas atividades. Fábricas, residência, comércio e serviços localizavam-se próximos uns dos outros. Muito embora a proximidade entre as diversas atividades fosse uma realidade na cidade de São Paulo, existia uma distinção muito clara entre os locais de residência da elite (ligada à indústria e a atividade cafeeira) e da classe operária. A primeira ocupava as partes mais altas da cidade, principalmente o espigão central onde se localiza a Avenida Paulista, e a segunda, as partes mais baixas, principalmente nas várzeas dos rios Tamanduateí e Tietê, ou próximas ao sistema ferroviário. Enquanto a elite paulistana vivia em mansões e casa própria, a grande maioria da população vivia em imóveis alugados. (CALDEIRA, 2000, p. 215). Se lembrarmos que as ferrovias acompanharam de perto as cotas mais baixas da cidade de São Paulo, imediatamente protegidas das inundações freqüentes dos rios da cidade, e que os primeiros surtos de industrialização seguiram linearmente por esses caminhos, substituídos depois pelos rodoviários, que, por sua vez acompanharam diretamente os fundos de vale e provocaram a expansão dos subúrbios industriais já com estrutura de metropolização, entenderemos por que a cidade e suas suburbanizações acabaram por ocupar o território das águas. (KAHTOUNI, 2004, p. 125) O desenvolvimento da indústria na cidade era rápido. Por mais que se localizassem na região leste, como o Brás e a Mooca, algumas fábricas foram implantadas junto a estrada de ferro na Barra Funda e no Bom Retiro. Contemporaneamente a isso, as elites cresciam em direção ao oeste, na Rua São João e em Santa Cecília, porém esta áreas não foram tão atraentes como o setor sudoeste que a aristocracia paulistana ocupou desde a Vila Buarque e Higienópolis, chegando a Avenida Paulista, aberta em 1892. 11 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34 / Edusp, 2000, p. 213. 24 Imagem 02 – Formação do centro principal de São Paulo Igualmente à experiência Européia, com o advento da industrialização e o conseqüente crescimento das cidades, o problema sanitário veio à tona e exigiu algumas ações por parte do poder público para sanar tais problemas: “Questões sobre como abrigar os pobres e como organizar o espaço urbano numa sociedade que se industrializava estavam ligados ao saneamento. Em conjunto, elas se tornaram o tema central das preocupações da elite e das políticas públicas durante as primeiras décadas do séc. XX” (CALDEIRA, 2000, P.214). A elite, então, além de controlar os pobres por meio de visitas a cortiços à procura de doentes, da mesma forma com que fazem hoje com medo do crime e da violência, mudaram-se para regiões mais afastadas e com empreendimentos imobiliários especificamente direcionados a este público mais abastado. Surgiu então o bairro de Higienópolis, cujo nome é alusivo. As outras regiões ocupadas pela elite paulistana foram os Campos Elíseos e a avenida Paulista. 25 Já nas décadas de 1870 e 1880, os sitio elevados eram valorizados não só pela sua beleza natural, mas especialmente por seu clima e por sua salubridade. O clima saudável já era recomendado pela medicina e os primeiros hospitais, já na década de 1890, seriam abertos nos contrafortes da avenida Paulista e logo no próprio espigão. Não sem razão, o segundo grande loteamento aberto para a aristocracia paulista chamouse Higienópolis, e localizava-se precisamente nos contrafortes da futura Avenida Paulista. (VILLAÇA, 2001, p. 194) As políticas urbanas para a cidade nas décadas de 20 e 30 do séc. XX foram no sentido de embelezamento e organização do centro da cidade, e não correspondiam à real necessidade de uma cidade em pleno crescimento e transformação, agravados pelo grande contingente migratório da virada do século. Exemplo disso é o Plano de Avenidas elaborado por Francisco Prestes Maia, o mais famoso empreendimento urbanístico do governo municipal no começo do século. O plano propunha a abertura de uma rede de avenidas que partia do centro em direção à periferia. Exigiu uma grande quantidade de demolições na área central que acabou por estimular a especulação imobiliária. Devido aos elevados aluguéis da área central, a classe popular se viu obrigada a mudar-se do centro. Para transportar a população que fora deslocada do centro, o sistema de transporte público, anteriormente marcado por bondes, com as obras do Plano de Avenidas de Prestes Maia, passou a ser feito por ônibus. Obviamente esta transição foi gradativa, sendo que em 1948 o transporte por bonde correspondia a 52,2% do total de viagens em transporte público e em 1966 eles haviam caído para apenas 2,4% do total, enquanto que o transporte feito em ônibus subiu de 43,6% em 1948 para 91,2% em 196612. Ainda que outras formas de moradia fossem difundidas na cidade, como os loteamentos ilegais na periferia, na década de 1940, a maioria da população 12 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34 / Edusp, 2000, p. 219. 26 (quase 70% dos domicílios da cidade13) vivia em imóveis alugados. Tal era sua importância que o valor locativo era utilizado como base de cálculo para definição tanto do preço do imóvel como do imposto predial e da taxa de esgoto. Uma nova regulamentação no regime de aluguéis em 1942 constituiu o maior fator de impacto nos arranjos habitacionais das camadas trabalhadoras no Brasil e em São Paulo. A denominada Lei do Inquilinato desestimulou as práticas rentistas e transferiu para o Estado e para os próprios trabalhadores a responsabilidade de produção habitacional. Esta nova regulamentação, que deveria durar dois anos mais foi sucessivamente renovada por mais vinte, congelou todos os aluguéis residenciais nos valores de dezembro de 1941. Teve por conseqüência a diminuição do mercado de locação de imóveis, uma vez que desestimulou a construção de edificações para este fim, acelerando a partida dos trabalhadores para a periferia, onde podiam encontrar terrenos acessíveis para construir suas casas. Esse processo ocorreu na década de 40, em meio a uma das mais graves e dramáticas crises de moradia da história do país, provocando o surgimento de formas alternativas de produção de moradias, baseadas no autoempreendimento em favelas, loteamentos periféricos e outros assentamentos informais. O período foi marcado pela carência de moradias produzidas pelos rentistas tradicionais, atraídos pelas novas oportunidades de investimentos geradas pela transformação econômica então em curso e desestimulados pelo congelamento dos aluguéis instituído pela Lei do Inquilinato. E a situação agravou-se com os despejos judiciais de locatários de baixa e média renda, a demolição acelerada de edificações nos bairros centrais provocada pela abertura de novas avenidas durante o Estado Novo, a especulação imobiliária e as transformações do mercado imobiliário com o surgimento das incorporações de apartamentos para venda. (BONDUKI, 1998, p. 209). 13 BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil, Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Editora Estação Liberdade Ltda., 1998, p. 218. 27 Como visto, a década de 1940 foi decisiva nas ações do Estado no que diz respeito ao setor habitacional, foi quando se deram as principais intervenções do governo federal. Além disso, ocorreu a aceitação por parte do Estado e da população de alternativas precárias, ilegais e segregacionistas, como as favelas e os loteamentos clandestinos na periferia. Esta crise da habitação configurou o surgimento das favelas na cidade de São Paulo. Representavam uma resistência dos moradores em deixar suas habitações no centro da cidade, onde constituíram sua rede de relações, e ir morar na periferia. Desta forma, iniciaram um processo de ocupação de terrenos baldios municipais perto do centro, as várzeas do rio Tietê e Tamanduateí, áreas públicas e ociosas pela sua dificuldade de ocupação14. Surgiram diversas favelas como a da Baixada do Penteado, Ibirapuera, Canindé, Ordem e Progresso, Lapa, Vila Prudente, Vila Guilherme, Piqueri, Tatuapé e Vergueiro. (BONDUKI, 1998, p. 262). Pode-se constatar claramente a relação entre a rede hídrica e a localização das favelas em São Paulo, segundo KAHTOUNI (2004): As várzeas em regiões periféricas reproduzem o que historicamente ocorreu, predominantemente, com a região leste da cidade há muitas décadas: são lugares da exclusão social, de dificuldades de manutenção e organização dos espaços públicos, de ocupação clandestina, de leptospirose e outras moléstias de veiculação hídrica trazidas pelas enchentes. Ocorre então a exclusão elevada ao quadrado: a periferização e a ocupação das consideradas piores porções do território, sujeitas a desmoronamentos e riscos sanitários. (KAHTOUNI, 2004, p. 125). 14 A fácil associação de termos “favela” e “morro” se dá devido à história carioca de habitação irregular. No Rio de Janeiro os morros não foram ocupados pelas camadas mais altas da sociedade, devido a seu difícil acesso, representando um lugar sem ocupação e, portanto barato. Em São Paulo essa associação não pode ser feita. Devido a questões de salubridade, nesta cidade os lugares mais valorizados eram as regiões mais altas de forma que a favela paulistana localizou-se nas várzeas dos rios Tamanduateí e Tietê, ou próximas ao sistema ferroviário. 28 As áreas de difícil ocupação e ambientalmente frágeis, fundos de vale, encostas íngremes, mangues, áreas alagáveis, etc., e que necessitam de legislação própria por estas condições, são as ultimas a serem ocupadas pela cidade oficial, e por isso, menos valorizadas, são as que restam para a grande maioria da população. Em conseqüência disso, notamos a poluição dos recursos hídricos, mortes por desmoronamento, enchentes, doenças e altas indenizações em função dos acidentes que ocorrem nestas áreas, por parte do poder público. Os primeiros favelados da cidade de São Paulo se assemelhavam sócioeconomicamente aos moradores que edificavam suas casas em lotes na periferia. Apesar de estigmatizados como marginais e desocupados, em 1946 os favelados eram apenas assalariados em busca de habitação próxima ao centro, devido a ações de despejos e demolições dos edifícios onde moravam. Havendo então uma correlação entre os despejos e o surgimento das favelas. (BONDUKI, 1998) A propagação das favelas chocou a elite paulistana, orgulhosa de sua cidade com seus arranha-céus e avenidas novas. O estranhamento dos paulistanos com a favela durou mais de três décadas, sendo a questão tratada sob a política de repressão, reeducação e remoção. O crescimento das favelas na área central da cidade foi limitado até a década de 70 (em 1973, apenas 1,3% dos paulistanos viviam em favelas15). A periferia foi preferida pelos trabalhadores paulistanos por razões urbanísticas, culturais e econômicas, além da grande oferta de terrenos mais acessíveis na periferia, o que fez estas regiões da cidade crescerem significativamente. O crescimento da periferia paulistana foi amplo a partir da década de 1940 e continuou de forma caótica até a década de 197016. Sua urbanização foi realizada principalmente pela iniciativa privada, que atuava desde a comercialização dos 15 BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil, Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Editora Estação Liberdade Ltda., 1998, p. 264. 16 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34 / Edusp, 2000, p. 220. 29 terrenos até o fornecimento de serviços de transporte, principalmente o ônibus, que possibilitava o acesso dos trabalhadores da área central a seus locais de residência na periferia: “Os especuladores imobiliários desenvolveram várias práticas ilegais ou irregulares para maximizar seus lucros: da grilagem e fraude ao não suprimento de serviços urbanos básicos e desrespeito às dimensões mínimas do lote exigidas por lei. O resultado dessas práticas é que a maioria dos trabalhadores que compraram terrenos na periferia para construir suas casas descobriu com o tempo que suas propriedades estavam prejudicadas de alguma forma por alguma forma de ilegalidade e seus títulos não podiam ser registrados. [...] Além disso, os trabalhadores normalmente construíam suas casas sem aprovar a planta na prefeitura, já que geralmente não podiam arcar com o custo que isso envolvia. Assim, mesmo quando os lotes eram legais, frequentemente a construção não era.” (CALDEIRA, 2000, P.220) No entanto, esse caráter de ilegalidade dos lotes e da construção das moradias na periferia, a precariedade urbana e o afastamento das áreas valorizadas da cidade, permitiram que a classe trabalhadora solucionasse seu problema de moradia, representando a possibilidade de adquirir a casa própria, mesmo que em terrenos ilegais. Ermínia Maricato (2002) afirma que esta permissividade por parte do governo, diante da ocupação ilegal da terra urbana é parte das “regras do jogo” por que se esta enorme porção do território não fosse ocupada ilegalmente, e a população de baixa renda ficasse sem nenhuma alternativa habitacional, teríamos uma guerra civil, considerando os números envolvidos. Neste movimento de ocupação da cidade, o primeiro anel periférico formado nos anos 1940 e 1950 representa os bairros da Vila Maria, Ipiranga, Vila Guilherme, Vila Prudente e Santana. A expansão da periferia na década de 1960 incluiu os bairros da Freguesia do Ó, Limão, Campo Belo, São Miguel, Socorro, Jaçanã, Artur Alvim e Jaguaré. 30 Imagem 03 – Expansão da Área Urbana, Região Metropolitana de São Paulo, 1949-1992 Observa-se que a heterogeneidade de atividades e classes sociais emblemáticas do final do séc. XIX e princípio do séc. XX deu lugar a uma cidade segregada, configurando uma clara divisão entre centro e periferia em meados da década de 1970. Os pobres habitavam bairros precários em casas autoconstruídas na periferia, enquanto que a classe média e alta ocupavam a área central da cidade em bairros bem equipados. A indústria migrou para a periferia, enquanto que o comércio e os serviços permaneceram tanto na região central como em novas áreas de residência das classes média e alta, as zonas sul e oeste da cidade. Nos anos 1980, a taxa de crescimento populacional da cidade caiu significativamente, houve uma crise econômica que acarretou o empobrecimento ainda maior das classes de renda baixa. Somado a isso, houve melhorias nas 31 condições de infra-estrutura da periferia, “enquanto as rendas diminuíram a periferia melhorou e tornou-se mais cara” (CALDEIRA, 2000 p.231). Esta nova realidade mudou os padrões residenciais, os pobres deixaram o sonho da casa própria e tiveram que se alojar cada vez mais em favelas e cortiços que cresceram substancialmente, enquanto que a população rica iniciou um processo de deslocamento da região central para áreas afastadas da cidade: O município de São Paulo tinha perto de 1% de sua população vivendo em favelas no inicio dos anos 1970 e tem quase 20% no início dos anos 1990 (SEHABPMSP1973 – FIPE/USP,1993). Portanto, entre 1973 e 1993, a população moradora de favelas cresceu 17,8% ao ano. (MARICATO, 2002, p. 154) A maioria das favelas, em 1993, situava-se na periferia, principalmente nas zonas sul e norte da cidade, na Freguesia do Ó, Campo Limpo, Capela do Socorro e Pirituba-Jaraguá. Configurou-se então uma cidade mais fragmentada, onde, ainda que segregada, a oposição centro-periferia começa a não ser mais tão clara e explícita. O centro principal da cidade sofreu um deslocamento, com a semelhança principal de seguir o caminhamento das camadas de alta renda. Este novo centro é disperso, automatizado, fragmentado, expandido, constituído por áreas especializadas e mesclado com diversos tipos de áreas residenciais. O antigo centro foi ocupado, então, pela população de baixa renda. O Centro antigo era compacto e o Centro novo é disperso. Enquanto os centros antigos eram de delimitação pouco controvertida e pouco complexa, a delimitação dessa enorme área central é altamente controvertida e complexa, pois pode envolver a região da avenida Faria Lima, a da marginal do Rio Pinheiros e até mesmo a avenida Luis Carlos Berrini. (VILLAÇA, 2001,p. 266) 32 As melhorias nas condições da periferia ocorreram principalmente por articulações políticas por parte dos moradores que, na década de 1970, se organizaram em movimentos sociais a fim de exigirem seus direitos. Tais melhorias não foram apenas no sentido de dotar as áreas de infra-estrutura e serviços públicos mas, principalmente, as reivindicações dos movimentos sociais diziam respeito a legalização das propriedades nas periferias. A aprovação da lei Lehman (Lei federal 6.766), de 1979, atuou no sentido destas reivindicações sociais, tornando mais fácil processar os incorporadores que atuavam de forma ilegal. No entanto, ela também diminuiu o estoque de terrenos regulares e baratos disponíveis, uma vez que estes se valorizaram como resultado da implantação de infra-estrutura e equipamentos urbanos e regularização dos lotes. Vale lembrar, como já foi falado anteriormente que esta condição de ilegalidade permitia, e ainda permite, à população de baixa renda resolver seu problema habitacional e adquirir a casa própria. “[...] quando se deu a lei federal de loteamentos no 6.766/79 (lei Lehman), que prevê prisão para o loteador clandestino, prisão para o dono do cartório que registrar escritura de venda de lote clandestino e sustação imediata do pagamento pelo comprador ao loteador, tão logo o comprador comprove que o loteamento é irregular (clandestino), passando a depositar as prestações em juízo ou em contas com correção monetária nas Caixas Econômicas. Esse último dispositivo parece ter grande poder dissuasor sobre a vontade do loteador de desobedecer às leis em vigor, pois é medida que depende, para sua eficácia legal, exclusivamente da iniciativa do comprador lesado, que pode agir sozinho ou em conjunto com seus vizinhos, também lesados, como lhe permite a lei 6.766/79. Isso significa que o cidadão lesado, independentemente da prefeitura local, pode tomar a iniciativa de suspender o pagamento das prestações, depositando-as em seu nome em uma caderneta de poupança com a finalidade especial de acolher as prestações. Essas prestações serão levantadas por quem tiver o custo da regularização do loteamento, que poderá ser a prefeitura ou o próprio loteador”. (CAMPOS FILHO, 1989, p. 55) 33 Tabela 06 – Indicadores socioeconômicos, 1980 e 1991 – Periferia e cidade de São Paulo Fonte: Caldeira, 2000, p. 237 No final dos anos 1990, São Paulo já é uma metrópole com muito mais favelas e cortiços, porém sua periferia melhorou consideravelmente. As antigas áreas centrais passaram por um processo de decadência, enquanto que novas áreas puderam se desenvolver e se constituir como novas centralidades. A população de classe alta vive em regiões bem equipadas, mas também em regiões distantes sem infra-estrutura e em enclaves fortificados, perto de localidades ocupadas pelas classes economicamente desprovidas. No princípio da favelização da cidade de São Paulo na década de 1940, a política utilizada para erradicar a “ameaça” que as favelas representavam para a elite paulistana foi a de reeducação, repressão e remoção, que motivou, segundo Bonduki (1998)17, em 1946, o prefeito Abraão Ribeiro, por razões eleitoreiras, a determinar a construção dos primeiros alojamentos provisórios da cidade, 28 pavilhões, cada um para 12 famílias, num total de 336 alojamentos de dois cômodos e em quatro outros pavilhões onde foram instalados chuveiros, sanitários e tanques. No período que compreende os anos de 1951 e 1967, o atendimento da população em situação de carência habitacional estava subordinado ao âmbito municipal ligado diretamente ao gabinete do prefeito. 17 BONDUKI, Nabil. Origens da Habitação Social no Brasil, Arquitetura Moderna, Lei do Inquilinato e Difusão da Casa Própria. São Paulo: Editora Estação Liberdade Ltda., 1998, p. 263. 34 As atuações governamentais concentravam-se no sentido de remoção de favelas em casos de calamidade pública, enchentes, incêndio, desapropriações ou obras públicas. Nestes casos, a família podia optar entre alternativas custeadas com as verbas de auxílio social. Em 196118, registra-se o 1º desfavelamento integral da cidade de São Paulo, o da favela do Canindé, que foi visto como uma nova experiência que resolveu o problema de moradia das famílias atingidas e abriu caminho para novas realizações, despertando o interesse das iniciativas pública e privada frente a questão da habitação popular. No princípio de 1966, foi criada a Secretaria do Bem Estar Social (SEBES) e seu departamento que atuava na área de habitação popular, o Departamento de Habitação e Trabalho (HABI), que, em 1971, definiu duas linhas que norteavam sua atuação: uma para definição de políticas que guiavam suas ações e outra que realizava projetos que deveriam contribuir para a solução do problema habitacional. Frente à ausência de políticas públicas e ações concretas e à falta de apoio institucional e financeiro por parte do governo, as ações diretas do HABI no período de 1966 a 1975 foram modestas, porém com qualidade e inovação das propostas que nortearam futuras políticas habitacionais. Em julho de 1975, as atividades e o corpo técnico do HABI foram transferidos para Cohab-SP, numa tentativa de integração destes dois órgãos que atuavam na área de habitação e interesse social no município. Coincidentemente, após a transferência, observou-se na esfera federal a forte presença do BNH19 (Banco Nacional de Habitação) com amplo plano de 18 GOMIDE, Renata Machado; TANAKA, Marta Maria Soban. A Política Heterodoxa de Habitação Popular Operacionalizada em São Paulo através do FUNAPS (Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal). Cadernos de pesquisa do LAP, São Paulo, USP / Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, n.22, novembro / dezembro de 1997. 19 O Banco Nacional de Habitação foi criado em 1964, e começou a operar em larga escala a partir de 1967, com o intuito promover a construção e financiamento da casa própria para população de renda baixa e muito baixa. No entanto, na década de 70 o BNH tornou-se a principal fonte de financiamento para a classe média. 35 ações no sentido de financiamento para compra de lotes, aquisição de materiais de construção por mutirão, incluindo entre os financiados os que já possuíam terreno ou os adquirentes dos lotes urbanizados. Destacou-se também uma nova carteira de aluguel de moradias. Em 1976, houve a desvinculação entre a Cohab-SP e os programas de remoção de favelas, e o atendimento às famílias atingidas por situação de emergência voltou ao órgão social da prefeitura agora sob o nome de Coordenadoria do Bem Estar Social (COBES). No período de 1976 a 1978, a política praticada pela COBES era a de impedir o aumento e surgimento de novos núcleos favelados, além de erradicar os assentamentos atingidos por obras públicas. A política reguladora adotada era a guarda e fiscalização das áreas municipais de uso comum, reforçando assim a insegurança quanto a ilegalidade da terra: “[...] conforme dados de relatórios de remoção de favelas dos anos 77, 78 e 79: das 10 favelas removidas no período citado, envolvendo a demolição de 1230 barracos, 34,6% das famílias moradoras mudaram-se para outras favelas; 16,3% para moradias ou quartos alugados; 11,7% mudaram-se por conta própria (não receberam auxilio da prefeitura, incluindo-se aí pessoas sós) e 9,9% para terrenos adquiridos ou já de sua propriedade (recebiam auxilio para entrada do lote ou para pagamento de prestações e para a compra de parte do material de construção).” (GOMIDE, 1997, p.12) Em 27 de abril de 1979, foi criado o Fundo de Atendimento à População Moradora em Habitação Subnormal, FUNAPS, destinado a promover atendimento habitacional para a população de renda até 4 salários mínimos e moradora de habitação subnormal. Visava a conceder subsídios financeiros para a realização de soluções habitacionais a serem operacionalizadas pela COBES. 36 Com a criação do FUNAPS, pode-se perceber claramente uma mudança de postura por parte da prefeitura, evidenciando a adoção de diretrizes de fixação e urbanização em áreas públicas ocupadas, prevendo construção de moradias, regularização do solo e implantação de infra-estrutura básica, além de trabalhos sociais que visavam à inserção da população na nova situação de moradia e comunidade. A política utilizada hoje para resolver o problema das favelas na cidade de São Paulo é a de urbanização e regularização. Possui o intuito de transformar as favelas e loteamentos irregulares em bairros, promovendo a inserção da população ao contexto legal da cidade. Prevê melhorias habitacionais, recuperação e preservação de áreas degradadas, urbanização com implantação de infra-estrutura e regulação fundiária. 37 38 2. Paraisópolis: Origens, transformações, estrutura e forma 2.1. Origens e transformações Imagem 04: Localização da favela de Paraisópolis 39 A localização estratégica do assentamento possui ligações com avenidas importantes como a Giovanni Gronchi e Morumbi, garantindo um fácil acesso da comunidade a equipamentos de serviço, saúde, educação, comércio e oportunidades de trabalho. A principal via de acesso é a Avenida Giovanni Gronchi, que representa um limite de expansão dos assentamentos, uma linha que separa a favela do bairro e, ao mesmo tempo é seu elo com a cidade. No início do século passado, a região em que está localizada a favela de Paraisópolis fazia parte da fazenda Diederichesen, cuja sede era a atual Casa da Fazenda, na Avenida Morumbi. Imagem 05: Casa da Fazenda Em 1921, a área foi loteada para fins exclusivamente especulativos no setor imobiliário, visto que era uma região completamente desprovida de infraestrutura, e que a maioria dos compradores vivia em outros estados e nunca haviam tomado posse efetiva da terra. A fazenda foi então dividida em quadras retangulares de 120 metros por 240 metros, com lotes de aproximadamente 700 metros quadrados e ruas de 10 metros de largura. A malha viária ortogonal não se adequava à morfologia local resultando em declividades superiores a 40%. 40 Imagem 06: Loteamento não aprovado, ruas oficializadas pela lei no 7.180/68 em 13.06.72 – Planta de Santo Amaro 41 Imagem 07: Planta de sobreposição: Loteamento original x barracos existentes As ruas originais do loteamento possuíam nomes pré-estabelecidos, que foram se modificando conforme os anos. Isto ocorreu, em muitos casos, devido à presença de grileiros que mudavam os nomes das ruas para dificultar o acesso da documentação no ato da venda dos terrenos clandestinos, o que dificultou também a identificação dos lotes originais fazendo com que os proprietários tivessem maior dificuldade para identificar seus próprio terrenos. A partir da década de 1950, deu-se o início da ocupação do assentamento, com algumas famílias de imigrantes japoneses e alguns migrantes de Alagoas. Estas famílias transformaram a região em chácaras, ou atuavam como grileiros, apossando-se da terra com a finalidade de a vender. 42 A ocupação ocorria de maneira habitual, chegavam ao terreno, cercavam a terra e começavam a viver ali. Na década de 70, a principal atividade era a agricultura: plantava-se café, mandioca, feijão, batata-doce e banana. A presença do verde era intensa, principalmente capim, eucalipto, bananeira, sapê e cana. A região era desprovida de qualquer tipo de infra-estrutura, carecendo de fornecimento de água, luz, recolhimento de esgoto, ruas pavimentadas ou transporte. A água utilizada provinha de poços artesianos feitos pelos moradores, e o esgoto era lançado diretamente nos córregos. Para se chegar até um ponto de ônibus era necessária uma caminhada de quarenta minutos. A luz elétrica foi fornecida muito tempo depois, e, quando foi implantada, não servia a todos os moradores, mas somente àqueles mais próximos às vias principais de acesso. Formou-se então, uma intensa rede clandestina. Entre os anos 1955 e 1960, a região sofreu uma grande valorização devido à proximidade de bairros novos na região como o Morumbi, o Jardim Vitória Régia e a implantação do Cemitério Gethsêmani, além da abertura da Avenida Giovanni Gronchi, no começo da década de 1960. Foi nessa época que o interesse do poder público pela região aflorou. Foram feitas algumas propostas, sendo que a maioria delas diziam respeito à liberação da área para investimentos imobiliários e reintegração de posse. O Morumbi e a Vila Andrade tiveram um significativo crescimento populacional nos anos 1980. Apesar de o Morumbi ser um bairro de classe alta há pelo menos 25 anos, ele mudou radicalmente depois do início da década de 1980. O que era um bairro de enormes mansões, terrenos vazios e área verdes, foi transformado, depois de uma década de construção frenética, num distrito de edifícios. No final dos anos 1970, ele foi “descoberto” por incorporadores imobiliários que decidiram aproveitar o baixo custo dos terrenos e o código de zoneamento favorável e o transformaram no bairro com o mais alto número de novos empreendimentos imobiliários da cidade durante os anos 1980 e 1990. (CALDEIRA, 2000, p.244) 43 Entre 1971 e 1973, foi aprovada uma lei que modificou a regulamentação da região para uma Zona Especial Z8-029, restringindo a ocupação à habitação unifamiliar, proibindo-se o uso comercial e serviços diversificados. Foi uma tentativa do poder público de barrar a ocupação havendo sido determinado um prazo de cinco anos para a definição de uma nova solução. O fato é que nos anos seguintes a comunidade cresceu ainda mais e novas regiões foram ocupadas. É o caso das grotas, regiões com alta declividade e risco de desabamento, últimas áreas a serem ocupadas, por volta de 1980. Imagem 08: Grotão 44 Desde o início da década de 70, ocorreu um enorme aumento da população. O IBGE indicava, nesta época, 1.634 barracos e 7.071 moradores. Em 1984, este número subiu para 3.000 barracos e cerca de 15.000 moradores. Devido à valorização da terra, os proprietários dos lotes originais iniciaram um movimento na tentativa de recuperar suas posses. Em 1980, fundaram a Associação dos Moradores de Paraisópolis, que nunca foi comandada pelos reais moradores da comunidade. Paralelamente a isso, os moradores fundaram uma outra associação, a União dos Moradores da Favela de Paraisópolis, para garantir a melhoria das condições de habitabilidade e reivindicar reformas de infra-estrutura. Surgiram, então, duas entidades lutando por questões opostas: enquanto a primeira queria tomar posse de suas terras, a segunda pretendia fortalecer condições para se estabelecer definitivamente no local. Rapidamente as disputas entre os proprietários das terras e os moradores da comunidade foram deixadas de lado devido ao medo que os donos tinham de entrar na região. À parte o aumento da criminalidade, a década de 1980 foi um bom momento para a comunidade de Paraisópolis. Mesmo com os proprietários empenhandose na remoção das famílias, a população estava organizada e com bastante consciência política. Entre 1983 e 1985, o atendimento à comunidade intensificou-se facilitando o diálogo entre a comunidade e o poder público. Foi nesta época que a Eletropaulo instalou a maioria dos postes de luz e foi quando surgiram os nomes das vielas e becos, foi preciso organizar melhor o espaço. Após esta época, não houve mais atuações significativas na região até os primeiros anos da década de 1990, quando redes de drenagem, esgoto e pavimentação de algumas ruas foram implantadas. Em 1994, cerca de duzentas famílias entraram com ações de usucapião afastando ainda mais a possibilidade dos proprietários de entrarem com ações de reintegração de posse. Hoje, Paraisópolis sofre um processo de urbanização e regularização fundiária que está transformando completamente seu território. 45 A morfologia acidentada do terreno com declividades de até 30% e a presença de importantes córregos não foram levados em consideração quando da elaboração do loteamento original em 1921. Composto de quadras com medidas de 120m x 240m e lotes de 12m x 60m, dispostos lado a lado, formam uma malha viária ortogonal com declividades acentuadas e pouco confortáveis, esta implantação não sugeria a intenção de ocupação imediata daquelas terras, entendendo assim sua função meramente especulativa, o que acabou por possibilitar a ocupação irregular da área. A malha viária ortogonal proposta em 1921 é o único elemento presente ainda hoje. Ela se mantém característica principalmente no setor denominado Centro, com declividades menos acentuadas e onde se deu o principio da ocupação. As edificações do centro demonstram um nível menor de precariedade e maior consolidação, casas feitas de alvenaria com mais de um pavimento, como já observado. Já nos setores mais periféricos, onde a declividade é mais acentuada, a malha viária perdeu sua configuração original, sendo hoje íngremes caminhos de terra com difícil acesso. Não é por acaso que nestas regiões da favela o grau de precariedade das edificações é maior. A herança do sistema viário é um fator muito positivo na configuração dos espaços. Por ser, talvez, o único elemento regular deste espaço, foi o que possibilitou a implantação das redes oficiais de água, esgoto e luz, o que explica o menor grau de precariedade das edificações lindeiras a ele. Permitiu maior permeabilidade do espaço por serem vias que comportam o tráfego de automóveis garantindo o acesso ao assentamento e para fora dele, possibilitando a existência de centralidades, além de ser um fator de consolidação da ocupação. A importância da configuração do viário ortogonal original do assentamento ocorre por ser o elemento de presença constante na paisagem e, portanto, na documentação da área. É a principal referência quando se localiza o assentamento através de imagens aéreas ou mapas. 46 Um dos momentos da pesquisa destinou-se à coleta de iconografia sobre a área de Paraisópolis, focando a análise de sua ocupação territorial. Portanto, serão apresentados aqui mapas e fotos aéreas de diferentes períodos alicerçando a análise. O mapa da década de 1930 é referente à coleção Sara Brasil, época em que a área do assentamento fazia parte do município de Santo Amaro, ainda não anexado ao município de São Paulo. A data de sua anexação é de 193420 e se trata da única incorporação territorial de São Paulo até o presente momento. A área de Indianópolis e Santo Amaro foi rapidamente sendo ocupada por residências, se bem que esparsas. De qualquer maneira, o município de Santo Amaro se tornava um dos mais intimamente vinculados a São Paulo. Em 1933 Santo Amaro já se achava ligado a São Paulo por estrada asfaltada, a primeira com que contaram os arredores paulistanos. Esta via veio favorecer ainda mais a ocupação dos loteamentos na zona, mormente que esta vinha sendo preferida por alguns setores da população abastada, que já se utilizava – em escala ainda restrita mas não desprezível – do automóvel para seus deslocamentos. (LANGENBUCH, 1971, p. 139) A seguir mapa da região que engloba a favela de Paraisópolis na década de 1930 referente à coleção Sara Brasil,. Observa-se no mapa que a favela de Paraisópolis não aparece mapeada neste documento. 20 LANGENBUCH, Juergen Richard. A estruturação da grande São Paulo: estudo de geografia urbana. Rio de janeiro: Instituto Brasileiro de Geografia. Departamento de Documentação e Divulgação Geográfica e Cartográfica, 1971, p.139. 47 Imagem 09 : Sara Brasil década de 1930 48 Na coleção Vasp do ano de 1950, o assentamento de Paraisópolis não aparece claramente, nem sequer o viário pioneiro do assentamento aparece mapeado. O reconhecimento da região se dá por vias lindeiras ao assentamento que se pode reconhecer ainda hoje. Trata-se de um viário sinuoso característico do bairro do Morumbi. Como vimos anteriormente, a ocupação ilegal da Fazenda do Morumbi, que originou a favela de Paraisópolis, se deu na década de 1950, de forma que na data do mapeamento em questão a população que lá residia era embrionária. Imagem 10: Localização da atual Favela de Paraisópolis sobre carta base de 1950 A partir do ano de 1962, a documentação existente são imagens aéreas onde se pode detectar mais claramente a transformação do território, já que, como vimos, em muitos casos, os assentamentos irregulares foram ignorados das representações cartográficas da cidade. 49 Na foto aérea de 1962, detectamos a presença de algumas, porém não a totalidade, das vias originais do assentamento. O vale do córrego do Antoníco aparece muito claramente, bem como as duas grotas, sem ocupação alguma. No bairro do Morumbi, ainda com ocupação escassa, nota-se a presença de um viário marcado por alguns loteamentos, início de uma ocupação que resultou no que conhecemos hoje na região. A ponte do Morumbi aparece claramente e os bairros de Santo Amaro e Vila Andrade encontram-se já urbanizados. 1 - Paraisópolis 2 - Córrego do Antonico 3 - Grotinho 4 - Grotão 5 - Ponte do Morumbi 6 - Bairro de Sto. Amaro 7 - Bairro da V. Andrade Imagem 11: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea de 1962 50 Na imagem de 1972, do loteamento onde a favela de Paraisópolis está localizada, nota-se que algumas ruas foram abertas e que já se percebe a presença de algumas edificações. Destacamos a avenida Giovanni Gronchi, a avenida Morumbi, a rua Laerte Setúbal e a avenida Flavio Américo Mourano, com influência determinantes sobre a região ainda hoje. O bairro do Morumbi aparece mais urbanizado e os bairros adjacentes de Santo Amaro e da Vila Andrade já se encontram consolidados, surge a ponte João Dias, o estádio de futebol do Morumbi e o Jóquei Clube de São Paulo. 1- Paraisópolis 2- Av. Giovanni Gronchi 3- Av. Morumbi 4- Bairro do Morumbi 5- Bairro de Sto. Amaro 6- Bairro da V. Andrade 7- Pte. João Dias 8- Estadio do Morumbi 9- Jóquei Clube Imagem 12: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea de 1972 51 Já na foto aérea de 1994, encontramos a favela de Paraisópolis bem semelhante ao que se vê hoje em dia. A ocupação é intensa, inclusive as grotas, últimas áreas a serem ocupadas, apresentam edificações. O cemitério do Morumbi passa a existir, bem como sua rua de acesso, a rua Deputado Laércio Corte. As pontes do Morumbi e João Dias ganham uma nova faixa de acesso. 1- Favela de Paraisópolis 2- Grotão 3- Cemitério do Morumbi 4- Rua Dep. Laercio Corte 5- Ponte do Morumbi 6- Ponte João Dias Imagem 13: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea 1994 52 Nesta imagem de 2007, vemos claramente a favela de Paraisópolis e seu entorno. Os cemitérios do Morumbi e Getsemani, a favela do Jardim Colombo, as principais avenidas de acesso, avenida Giovanni Gronchi, a avenida Morumbi, a rua Laerte Setúbal e a avenida Flavio Américo Mourano, o consolidado bairro do Morumbi com sua amplas áreas verdes. 1- Paraisópolis 2- Cemitério do Morumbi 3- Cemitério Getsemani 4- Favela do Jardim Colombo 5- Av. Giovanni Gronchi 6- Bairro do Morumbi Imagem 14: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea 2007 53 2.2. Paraisópolis diante das novas centralidades Nos idos dos anos 60, em uma cidade industrializada e em plena expansão, seus espaços se transformavam rapidamente e, um novo deslocamento da burguesia cria uma nova centralidade às margens do Rio Pinheiros, é a Avenida Faria Lima, cujo símbolo econômico de maior envergadura foi a criação do Shopping Center Iguatemi. Depois de haverem se deslocado do centro velho para a avenida Paulista e para a avenida Faria Lima, nos anos 1960, os principais complexos de escritórios, conjuntos habitacionais, shopping centers e hipermercados, acabam se deslocando ao longo do rio Pinheiros, no sentido sudoeste. A avenida que simboliza esta expansão é a Eng. Luis Carlos Berrini. Como mencionado anteriormente, esta expansão partiu dos Campos Elíseos, rumou para Higienópolis e Vila Buarque, depois para a Avenida Paulista e de lá caminhou para a região sudoeste, no sentido do Jardim América, vindo a consolidar a avenida Faria Lima e finalmente o bairro do Morumbi, e a avenida Luis Carlos Berrini. “O espaço privilegiado do mercado imobiliário, para as próximas uma ou duas décadas, na cidade de São Paulo, é o entorno do Rio Pinheiros, onde se concentram pesados investimentos públicos e privados. Aí se concentram também as sedes das grandes multinacionais ou empresas nacionais, como é o caso da mega-sede da Rede Globo de Comunicação. A área apresenta uma das maiores concentrações de helipontos do mundo (terceiro lugar, ficando atrás apenas de Nova Iorque e Tóquio), já que o deficiente tráfego viário da cidade de São Paulo, após todas as megaobras feitas, não condiz com a eficiência que se exige da nova centralidade, típica da chamada globalização”. (MARICATO, 2002, p. 159) 54 Identifica-se o desenvolvimento das centralidades na cidade de São Paulo, sempre tendendo o sentido sudoeste. Villaça (2001) constata que nas cidades brasileiras a estruturação espacial básica tende a se realizar em setores de círculos, porém não em sentido concêntrico, ou seja, a expansão das metrópoles tende a se deslocar sempre na mesma direção, em gomos, como vemos no esquema a seguir: Imagem 15: Estruturas espaciais de algumas áreas metropolitanas segundo o modelo de Hoyt 55 O crescimento paulistano no sentido sudoeste atravessou o rio Pinheiros e encontrou a região onde está localizada atualmente a favela de Paraisópolis, na época apenas um assentamento sem muita importância. Com o surgimento do bairro do Morumbi, Jardim Vitória Regia, Cemitério Gethsêmani e a abertura da Avenida Giovanni Gronchi, as terras se valorizaram e a favela de Paraisópolis ganhou maior visibilidade, despertando o interesse dos efetivos donos das terras a fim de obterem o capital investido na compra dos lotes. Os contrastes na região são gritantes. Tanto a avenida Luis Carlos Berrini, quanto o bairro do Morumbi oferecem um espetáculo de desigualdade social, onde os condomínios fechados e os pomposos edifícios comerciais vislumbram o mar de favelas do entorno. Enquanto que no Morumbi 43,9% dos chefes de domicílios ganham mais de 20 salários mínimos, a porcentagem mais alta da cidade21, 40,2% das famílias residentes no Grotão, setor mais degradado da Favela de Paraisópolis, estão em um patamar de renda entre 0 e 2 salários mínimos22. A proximidade entre esses dois pólos diametralmente opostos na hierarquia econômico-social de São Paulo é bem relatada por Caldeira: Os vizinhos dos condomínios fechados em volta do Real Parque e da Avenida Giovanni Gronchi, no coração do Morumbi, são moradores de duas das mais famosas favelas de São Paulo. Em 1987, havia 233.429 pessoas morando em favelas nos distritos do oeste e sudoeste da cidade, o que correspondia a 28,62% dos moradores das favelas de São Paulo. Em 1993, os moradores de favelas desses distritos aumentaram para 482.304, o que representava 25,36% dos residentes de favelas de São Paulo. (CALDEIRA, 2000, p.247) 21 CALDEIRA, Teresa Pires do Rio. Cidade de muros: crime, segregação e cidadania em São Paulo. São Paulo: Ed. 34 / Edusp, 2000, p. 245. 22 PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO E SECRETARIA DA HABITAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO URBANO. Diagonal Urbana. Diagnóstico Sócio Organizativo. São Paulo, maio de 2002. Acrobat Reader. 56 A localização da favela de Paraisópolis tão próxima a um bairro nobre e valorizado causou aos seus moradores, durante um longo período, o medo constante da desapropriação, que, após lutas políticas e discussões entre poder público e comunidade, foram gradativamente afastados até hoje ser uma favela que conta com programas governamentais de urbanização e regularização fundiária. O fato de ser uma favela pouco violenta e contar com muitos programas de ação social possibilita ao poder público o seu controle, garantindo a permanência do assentamento em local privilegiado. É um território urbano segregado de fato, com problemas sociais e ambientais graves, porém, privilegiado quando comparado à maioria das favelas e bairros periféricos da cidade. A favela de Paraisópolis, em sua origem, constituiu-se como um espaço segregado, primeiro distante da cidade, com grandes dificuldades de acesso23 e carente de todo e qualquer serviço público. Atualmente, mesmo após a valorização fundiária dos bairros adjacentes e, conseqüentemente, de seu próprio território, a precariedade e carência se perpetuam naquele espaço. Ao caminhar pelas ruas do bairro do Morumbi, ou qualquer outra avenida que seja acesso ao assentamento, é fácil notar a mudança na paisagem repentinamente ao dobrar uma esquina e adentrar em Paraisópolis. São ruas com declividades exorbitantes, não há sinalização urbana, o movimento de pessoas na rua é intenso e as construções não possuem acabamento nem variações de cor. Há um limite imaginário da segregação urbana deste espaço, porém que pode ser notado facilmente, com o mínimo de atenção necessária. Diante de todos os problemas que Paraisópolis enfrenta, há de se admitir que é uma favela que se encontra em uma situação muito privilegiada quando comparada às demais favelas da cidade. Localiza-se em região hoje central, facilitando o acesso dos moradores ao mercado de trabalho e equipamentos públicos como hospitais e escolas, com grande acessibilidade devido à ampla rede de transporte público. 23 No inicio do assentamento, década de 1950, era necessária uma caminhada de 40 minutos para chegar a um ponto de ônibus. 57 Ao contrario do que num primeiro momento pode-se afirmar, a configuração espacial de favela de Paraisópolis é dotada de características muito similares às cidades regulares. Possui centro e periferia bem demarcados, possui além de becos e vielas, ruas pavimentadas com transporte e iluminação pública, conta com organizações políticas e disputas internas marcadas por discussões e debates, e sua população está inserida no mercado consumidor. Uma das dificuldades que se encontra hoje para viabilizar projetos de urbanização para Paraisópolis é a questão da titularidade das terras. Por serem de propriedade particular e existirem poucos casos de pedidos de usucapião, o poder público tem a tarefa de encontrar os proprietários, negociar a doação das terras para então poder viabilizar projetos de melhorias. Neste contexto, a prefeitura de São Paulo publicou em 29 de março e 12 de maio de 2006 dois decretos que facilitam a regularização fundiária no assentamento de Paraisópolis. O primeiro permite que donos dos imóveis do loteamento original que tenham adquirido dívidas de IPTU ou outras multas de edificações poderão doar seus lotes à municipalidade em troca do perdão das mesmas. O segundo decreto regulamenta a doação de terrenos sem dívidas à prefeitura em troca da certidão de potencial construtivo transferível, a ser utilizada de acordo com o Plano Diretor Estratégico e os Planos Regionais Estratégicos. Imagem 16: Obras de urbanização 58 2.3. Estrutura, infra-estrutura e forma Entender a paisagem é enxergar a convergência da ação do homem sobre o meio natural, e esta é a questão fundamental deste estudo. Como se deu a apropriação dos espaços da favela de Paraisópolis e de que forma o território existente possibilitou esta ocupação? Foi estudada a transformação da paisagem em Paraisópolis a partir de sua geomorfologia original24 acompanhando seu desenvolvimento até o momento atual. A proposta não é apenas geográfica, pretende-se associar a esta questão a forma criada espontaneamente e a apropriação destes espaços pelos moradores. Para entender a ocupação de Paraisópolis é importante observar São Paulo, que possui terreno ligeiramente ondulado, com desníveis entre colinas de no máximo 40 ou 60 metros, e se observam grandes amplitudes visuais. “... Espremida entre as áreas de relevo relativamente acidentado do Planalto Atlântico e colocada em posição de patamar de relevo suave, em relação à gigantesca ruptura de declividades da Serra do Mar, a região de São Paulo se comporta como um compartimento especial das terras altas do sudeste do Brasil [...] tem a singularidade de possuir uma pequena e pouco espessa bacia sedimentar fluvio-lacustre pliocênica, entalhada na forma de colinas tabulares suavizadas. Foi, sem duvida, a existência dessa pequena bacia poliocênica, alojada no dorso do embasamento cristalino regional que veio criar o relevo pouco movimentado e homogêneo do sistema de colinas que servem de sitio urbano para a metrópole paulistana. Com efeito, as colinas da bacia de São Paulo, pela sua extensão e pelas suas formas de relevo, deram oportunidade para o crescimento de uma grande cidade, em pleno centro de uma vasta região serrana, relativamente acidentada”. (AB´SABER,1956, citado por KAHTOUNI, 2004, p. 10) 24 Para delimitar um espaço de tempo, este estudo tem início a partir do loteamento proposto em 1921, momento no qual se possibilitou a ocupação da terra. 59 Passaremos agora para uma análise da estrutura e forma da região em estudo, a favela de Paraisópolis. A geomorfologia da região de Paraisópolis é levemente acidentada. Observase um talvegue a leste da Avenida Giovanni Gronchi onde se encontra o córrego do Antoníco, em cuja margem direita a declividade é de aproximadamente 22% até chegar a uma área plana na região denominada Centro. Um pouco mais ao sul desta região, ergue-se uma crista na cota média de 805m que contorna dois acidentes geográficos, as duas grotas, então denominadas de Grotão, na cota media de 755m, e o Grotinho, na cota média de 770m. A noroeste do centro encontra-se um talvegue relacionado ao córrego do brejo, pertencente à subbacia do Brejo, na cota média de 760m. Esta é a região mais espraiada. Imagem 17: Morfologia do sítio 60 Apesar de Paraisópolis não contar com um sistema de drenagem projetado, sua geomorfologia favorece o escoamento superficial das águas que escorrem até os talvegues, encontrando os córregos que recebem as águas pluviais, servidas e residuais. A favela possui quatro micro-bacias que conduzem suas águas: Bacia do Antoníco, Brejo, Grotão e Grotinho. Os pontos mais críticos de drenagem são as extremidades dos fundos de vale onde a declividade dos talvegues é menos acentuada, lugares onde o acúmulo de lixo é acentuado provocando um aumento do nível de água, redução do potencial de escoamento e aumento das inundações nos barracos próximos. A malha viária ortogonal estruturante do assentamento garante aos moradores permeabilidade ao seu interior facilitando o acesso a seus locais de comércio, serviços e equipamentos de educação e saúde. No centro de Paraisópolis, essa malha viária conserva seu desenho original, o que facilita a existência de centralidades e ajuda a consolidar a ocupação. Já em outras regiões, a malha perdeu partes de seu desenho original, é o caso das Grotas e do encontro dos córregos onde a malha viária se desfez devido à erosão. Já nas áreas de encostas, o desenho se descaracterizou completamente, havendo as antigas vias se tornado íngremes caminhos de pedestres. O viário estruturante da favela comporta a totalidade da circulação veicular e parte da de pedestres. O fluxo de veículos é intenso e desordenado, não há placas de sinalização adequada, as calçadas foram ocupadas por construções e pelo comércio informal, fatores que tornam o espaço confuso e dificultam a locomoção. O interior das quadras e regiões onde a organização original se perdeu formam vielas e becos que comportam a rede de percurso de pedestres. 61 Imagem 18: Malha viária estrutural do assentamento de Paraisópolis. Sobre o abastecimento de água, a região de Paraisópolis pertence ao Setor Morumbi do Sistema Adutor Metropolitano e é atendida pelo Sistema Produtor Guarapiranga. Essa comunidade conta com rede de distribuição de água implantada pela Secretaria de Abastecimento da Cidade de São Paulo, SABESP, porém somente nas habitações voltadas para a malha ortogonal. Nos domicílios internos as quadras, ou seja aqueles que não estão localizados às margens do viário ortogonal estruturante, o sistema de abastecimento é clandestino. 62 Imagem 19: Rede de água O fato de haver uma rede oficial minimiza o risco de contaminação da água pelo esgoto a céu aberto, pois as tubulações são pressurizadas e constituídas de materiais adequados impedindo o contato entre a água tratada e a que provém dos córregos poluídos. Nos locais onde a rede é clandestina, o uso de materiais e o diâmetro das tubulações inadequados propiciam a contaminação da água. A SABESP também é responsável pela rede coletora de esgoto, sendo que apenas as vias principais são atendidas. As residências localizadas no interior das quadras são atendidas por tubulações implantadas pelos próprios moradores, que além de lançarem o esgoto residencial na rede oficial, despejam os dejetos as vielas internas que percorrem até chegar aos talvegues onde estão os córregos. Este sistema aumenta o volume de esgoto a céu aberto nos fundos de vale. 63 Imagem 20: Rede de esgoto O sistema de coleta de esgoto implantado pela população é também utilizado para drenagem de águas pluviais, acarretando o extravasamento das caixas de inspeção, assoreamento e carregamento de lixo para o interior das tubulações, obstruindo a rede clandestina. A própria rede coletora da SABESP deposita, em algumas áreas, os detritos nos córregos e galerias de águas pluviais, devido à falta de tubulações que levem o esgoto para fora desta região. Os espaços comunitários dão-se apenas nas vias de acesso e passeio, quando estes não estão obstruídos por construções, entulho, lixo ou comércio ambulante. O campo do “Palmeirinha”, localizado junto ao Grotão, e o campo da Rua Silveira Sampaio, representam 1% de espaço de uso coletivo consagrado. 64 Crianças brincam em áreas de alta insalubridade e alto risco de contaminação por doenças, junto aos córregos poluídos e lixo acumulado. Uma característica comum entre todas as favelas é a alta densidade populacional. Em Paraisópolis esta também é a marca, revelando uma densidade média de 625 hab/ha., que resulta em aproximadamente 60m2 por família. Segundo estudo realizado em 2002 pela empresa Diagonal Urbana25, o padrão das habitações indica diferentes níveis de degradação. As habitações feitas com material provisório, madeira, papelão e restos de outros materiais representam 7,83% do total das habitações, e a maior incidência ocorre nas Grotas e na jusante do córrego do Brejo. As habitações em alvenaria precária representam 24,23% das ocupações, e estão mais distribuídas pelo assentamento, observando maior incidência nos setores do Grotão, Grotinho e Brejo. Já as habitações em bom estado ocorrem com predominância no centro, justificando sua consolidação. O estudo de gabarito é outro indicador do grau de consolidação, analisandose a potencialidade de se construir o segundo piso e a condição das habitações. Moradias com mais de um pavimento indicam o bom material usado na construção e um alto grau de consolidação. Sendo assim, altas densidades revelam maior verticalização e maior grau de consolidação. O predomínio do uso do solo é residencial, observando-se, porém, usos comerciais, mistos e institucionais junto ao sistema viário estruturante. Bares, lojas de material de construção e armazéns constituem o comércio principal que se nota em Paraisópolis. Já o uso Institucional ocorre basicamente em escolas, igrejas e associações. 25 Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano, Diagonal Urbana. Diagnóstico Urbanístico Ambiental. São Paulo, maio de 2002. Acrobat Reader. 65 Imagem 21: Espaços privados - Usos 66 67 3. Configurações espaciais em Paraisópolis Para analisar a configuração espacial da favela, dois autores de grande importância para este estudo foram utilizados como conceitual teórico. Kevin Lynch e Paola Berenstein Jacques. Kevin Lynch26 fala sobre um conceito de vital importância na qualidade visual da cidade, a idéia de Legibilidade. Quando um espaço pode ser facilmente reconhecido e organizado de um modo coerente, seus habitantes podem vivenciá-lo melhor. De forma que a necessidade de reconhecer e padronizar o ambiente torna-se crucial, e a imagem criada é de enorme importância prática e emocional para o indivíduo. Em uma cidade, a sensação de equilíbrio e bem estar está diretamente ligada à noção de orientação. A desorientação ou a percepção de estar perdido cria ao indivíduo muito mais do que a incerteza geográfica, mas uma sensação de angústia, de completo desastre. Enquanto que um ambiente legível, além de oferecer ao habitante uma importante sensação de segurança emocional, é capaz de potencializar a experiência humana sobre o ambiente. 26 LYNCH, Kevin. A imagem da cidade. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 68 Não se pode negar que a imagem de um labirinto ou de uma cidade medieval com suas ruas sinuosas, sem paralelismos, oferece uma surpresa um tanto quanto instigante e desafiadora à sua cognição. A favela é efetivamente um espaço labiríntico, a vivência de penetrar em seus becos e vielas e percorrer seus meandros remete diretamente a esta idéia. E como é possível em um espaço como este, gerido espontaneamente sem qualquer planejamento, fazer o exercício da legibilidade? Para Kevin Lynch (1997), o cérebro humano é adaptável, e com o mínimo de experiência é possível encontrar o caminho até mesmo em lugares desorganizados e descaracterizados. Em sua reflexão, para que um espaço labiríntico seja reconhecido: “Primeiro não deve haver o risco de perder a forma básica ou a orientação de não se encontrar o caminho procurado. A surpresa deve ocorrer dentro de uma estrutura geral, a confusão deve dar-se em pequenas regiões dentro de um todo visível. Além disso, o labirinto ou o mistério deve conter, em si, alguma forma que deve ser explorada e apreendida no devido tempo. O caos total sem qualquer indício de conexão, não é nunca agradável.” (LYNCH, 1997, p. 6). Para Paola Berenstein Jacques, “O espaço labiríntico é o espaço da vertigem” (JACQUES, 2001, p.84). O ouvido interno chama-se também labirinto, e é dele que depende o eixo da nossa orientação. Ou seja, em um espaço de difícil, ou de quase impossível legibilidade, a sensação incômoda da vertigem impera. Em Paraisópolis, pode-se vivenciar a legibilidade da forma com que Kevin Lynch propõe. Sua malha ortogonal, presente na maior parte de seu território, impõe uma ordem, e, apesar de ser uma enorme favela, rapidamente se chega a uma destas vias estruturantes. Dessa forma, garante tanto a surpresa como a ordem, tanto o mistério como o conhecido. 69 Imagem 22: Rua Manoel Antonio Pinto cruza a favela no sentido leste-oeste 70 Para auxiliar no entendimento da forma da favela, alguns elementos desenvolvidos pelos autores acima citados serão utilizados. Tal análise limita-se aos elementos físicos perceptivos. O estudo feito por Kevin Lynch analisa a cidade regular exemplificando cidades norte-americanas para expor seus conceitos, enquanto que no presente trabalho, há um esforço no sentido de entender tais elementos e transpor seus conceitos para a cidade irregular. Os conceitos desenvolvidos por Kevin Lynch são: Os limites, que representam fronteiras entre duas fases e quebras de continuidades lineares; os bairros, são setores, regiões médias ou grandes de uma cidade; as vias/ruas, os canais de circulação de uma cidade; os pontos nodais, focos intensivos para os quais ou a partir dos quais o observador se locomove em uma cidade; e os marcos, referências externas. No caso do estudo feito por Paola Berenstein Jacques, os conceitos utilizados pela autora são específicos para o entendimento da favela, de forma que neste estudo há apenas uma adaptação destes conceitos para a favela de Paraisópolis. Há três conceitos desenvolvidos por Paola Berenstein Jacques para a análise das favelas: O fragmento, que diz respeito à técnica construtiva dos barracos das favelas; o labirinto, relacionado à aglomeração dos barracos que resulta em um forma labiríntica; e o rizoma, aglomeração e multiplicação destes espaços labirínticos pela cidade. É de grande importância ressaltar a dificuldade inerente ao exercício da percepção espacial, no caso da favela de Paraisópolis, por configurar um ambiente complexo e alheio ao conhecido e cotidiano da pesquisadora, uma vez que não vivencia este espaço diariamente. Contudo, é necessário esclarecer que este olhar de indivíduo estranho ao ambiente objeto da análise não deixa de ser válido, propiciando olhar crítico pelo distanciamento existente. 71 3.1. Limites Os limites são os elementos lineares não usados ou entendidos como vias pelo observador. São as fronteiras entre duas fases, quebras de continuidade lineares: praia, margem de rios, lagos, etc., cortes de ferrovias, espaços em construção, muros e paredes. São referências laterais, mais do que eixos, coordenados. Estes limites podem ser barreiras mais ou menos penetráveis que separam uma região da outra, mas também podem ser costuras, linhas ao longo das quais duas regiões se relacionam e se encontram. Ainda que possam não ser tão dominantes quanto o sistema viário, para muitos esse elementos limítrofes são importantes características organizacionais, sobretudo ao seu papel de conferir unidade a áreas diferentes, como no contorno de uma cidade por água ou parede. (LYNCH, 1997, p. 52) Imagem 23: Limites da favela de Paraisópolis 72 As ruas podem servir como referências definidoras dos limites de um determinado território, tanto os limites externos como os internos, definindo diferentes setores ou bairros. Os limites da favela de Paraisópolis são muito claros e facilmente perceptíveis, tanto quando vista por cima, através de uma foto aérea, quanto quando se percorre seu entorno. Seus limites externos principais são Avenida Giovanni Gronchi, rua Laerte Setúbal, Avenida Flavio Américo Mourano, rua Dr. Francisco Tomás de Carvalho e rua Dr. José Augusto de Souza e Silva. Vista por cima, nota-se um enorme labirinto cinza parcialmente organizado por suas vias ortogonais. No interior das quadras, há formas geométricas distintas umas das outras e mínimos espaços entre elas. Fora da favela o que se percebe são amplos espaços arborizados, como o do cemitério Getsemani, cemitério do Morumbi, Parque Burle Marx, entre outros, um viário sinuoso e generosos espaços entre edificações. O limite favela/“não favela” se dá claramente. Para identificar os limites externos da favela de Paraisópolis no nível do pedestre, foi feita uma visita a campo a fim de comparar as condições urbanas do entorno com as de seu interior, de forma que foi possível aferir limites claros entre os dois setores ou “bairros”, a cidade regular e a irregular. Imagem 24: Acesso à favela de Paraisópolis pela avenida Giovanni Gronchi 73 Tal visita teve início na Avenida Marginal do Rio Pinheiros, e o acesso ao Bairro do Morumbi foi feito pela Avenida D. Helena Ferreira Moraes, acesso ao Parque Burle Marx. Desta avenida, a visita seguiu para a rua Dep. Laércio Corte, via de ligação ente a Avenida D. Helena Ferreira Moraes e a favela de Paraisópolis, rua onde está localizado também o Cemitério do Morumbi. Imagem 25: Rua Dep. Laercio Corte É uma rua calma e silenciosa, de mão dupla, com duas pistas e calçada generosa. Seu pouco movimento é devido a sua longa extensão e quase nulas interrupções de vias cortando-a transversalmente. Ao longo do percurso, notamse prédios residenciais característicos do bairro, com poucos carros circulando e adentrando nos edifícios, poucas pessoas caminhando na rua ou esperando ônibus nos escassos terminais. Nas proximidades do cemitério, um grande muro acompanha o caminho, e bancas de flores e pequenos quiosques de bebidas surgem na paisagem. A condição urbana é impecável, não se vê lixo na rua, o leito carroçável é plano, não apresentando obstruções, destacando-se sua calçada, detalhada com desenho em mosaico português. Ao chegar ao final da rua, ponto onde esta muda de nome, tornando rua Pasquale Gallupi, é exatamente onde se inicia a favela de Paraisópolis. 74 Imagem 26: Detalhe da calçada da rua Dep. Laercio Corte O contraste é visível. A rua deserta e “sem vida” dá lugar a um mundo diferenciado e complexo. Pessoas circulando, crianças brincando fora de suas casas, agitação e barulho preenchem o espaço vazio do silêncio. As vias impecáveis transformam-se em ruas precárias e no lugar dos carros de luxo, veículos antigos protagonizam a cena. As calçadas coloridas dão lugar a edificações precárias que ocupam o lugar do ir e vir dos pedestres. No lugar dos edifícios de alto padrão com seus amplos recuos e espaços ajardinados, edificações baixas de alvenaria e sem acabamento, coladas umas às outras, configuram o espaço. Seguindo a leste, margeando o limite sul do assentamento, a via percorrida é a rua Dr. José Augusto de Souza e Silva. Localizada em sítio altamente arborizado, os característicos edifícios residenciais do bairro e o silêncio predominam a paisagem. Numa via transversal, nota-se uma abertura, quase como uma fenda através da qual se percebe a favela de Paraisópolis em meio às árvores. Essa rua, Dr. José Augusto de Souza e Silva, termina na rua Dr. Laerte Setúbal, via que assinala um dos limites do assentamento, já dentro dele. Esta rua é marcada pelo intenso comércio e serviço, que, por estar no limite entre o bairro do Morumbi e a favela de Paraisópolis, atende a demanda dos dois mercados. No final da rua Dr. Laerte Setúbal encontra-se a Avenida Giovanni Gronchi, e neste entroncamento estão situados os prédios gêmeos, emblemáticos do bairro. 75 A Avenida Giovanni Gronchi é o principal limite do assentamento, que além de representar um claro limite de expansão, é a mais importante avenida do bairro, sempre movimentada, com intenso tráfego de automóveis e pedestres. Abriga tanto edifícios residenciais como escolas, locais de comércio e serviços, além do famoso estádio de futebol do Morumbi, sede do São Paulo Futebol Clube. À direita, sentido oeste, encontra-se a rua Dr. Francisco Tomás de Cravalho27, que duas quadras adiante muda de nome para rua Dr. Flávio Américo Mourano, principal acesso ao assentamento de quem vem pela Avenida Morumbi. Indicando um limite no extremo norte do assentamento, faz a ligação entre as Avenida Giovanni Gronchi e Avenida Morumbi. Os limites da favela também podem ser percebidos internamente, uma via obstruída por condições precárias de acessibilidade, um córrego a céu aberto ou uma construção podem representar limites internos do assentamento. Imagem 27: Córrego do Antoníco representa um limite de ocupação 27 Esta via é tanto um limite do assentamento quanto um divisor legal entre a região da Subprefeitura do Campo Limpo e a da Subprefeitura do Butantã. 76 Imagem 28: Limite entre a favela de Paraisópolis e o bairro do Morumbi Imagem 29: Acesso ao Grotinho obstruido por entulho 77 3.2. Bairros Os bairros são as regiões médias ou grandes de uma cidade, concebidos como dotados de extensão bidimensional. O observador neles “penetra” mentalmente, e eles são reconhecíveis por possuírem características comuns que os identificam. Sempre identificáveis a partir do lado interno, são também usados para referencia externa quando visíveis de fora. Até certo ponto, muitos estruturam sua cidade dessa maneira, com diferenças individuais em suas respostas às quais são os elementos dominantes, as vias ou os bairros. Isso não parece depender apenas do indivíduo, mas também da cidade. (LYNCH, 1997, p. 52) Imagem 30: Setores da favela de Paraisópolis 78 A favela de Paraisópolis, com seus 60.000 habitantes, configura uma comunidade muito distinta quando comparada com a comunidade moradora da cidade regular, tanto em relação à sua forma, como em relação as suas condições legais e sociais. Possui interesses internos comuns e um grau de interrelacionamento altíssimo, de forma que não pode ser considerada da mesma forma como o bairro que a abriga28. Dessa forma Paraisópolis será tratada como um bairro dentro de outro bairro29. Paraisópolis possui cinco setores muito distintos entre si, e que podem ser adotados como espécies de bairros internos. Sua denominação é derivada dos córregos internos a estes setores. São eles; Antoníco, Brejo, Grotinho, Grotão e Centro, sendo que o último tem esta denominação não devido a algum córrego, mas por sua localização e condições urbanas. A heterogeneidade existente na favela, conforme já mencionado no capítulo 1, pode ser verificada no caso de Paraisópolis entre estes cinco setores diversos, pelas diferenças de condições urbanas, tanto de infra-estrutura, como qualidade das edificações, poder aquisitivo dos moradores, etc.. 28 O zoneamento da favela é distinto do zoneamento do bairro do Morumbi, configurando uma ZEIS 1– Zona Especial de Interesse Social, enquanto que o bairro em seu entorno configura zoneamento misto de alta, baixa e média densidade e zona exclusivamente residencial de baixa densidade. 29 Com os esforços da prefeitura atual no sentido de urbanizar e regularizar a favela de Paraisópolis, cada dia a favela está um passo na frente de se constituir formalmente como um bairro da cidade de São Paulo. 79 Imagem 31: Setor Centro O centro, setor com condições menos precárias de habitabilidade, é o mais antigo e, portanto, mais consolidado do assentamento. Localizado em área plana, com declividades de 5% a 17%30, a maioria de suas edificações são construídas de alvenaria e apresentam mais de um pavimento, possuem ligações de água e energia oficiais, e, por se localizarem entre as vias ortogonais pioneiras do loteamento, apresentam condições de acessibilidade favoráveis. 30 Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagonal Urbana. Diagnóstico Urbanístico Ambiental. São Paulo, maio de 2002. Acrobat Reader. 80 Ali se encontram comércios e serviços dos mais variados tipos, desde grandes galpões de materiais de construção a pequenos cabeleireiros, bares, entre outros. É neste setor onde está localizada a União dos Moradores da Favela de Paraisópolis, cujo presidente é atual vereador da cidade de São Paulo, morador da favela, e proprietário de uma pequena loja de materiais de construção. Os moradores deste setor são os de mais alto poder aquisitivo do assentamento. Imagem 32: Loja de materiais para construção no setor do Centro em Paraisópolis. 81 Imagem 33: Setor Grotinho e Grotão O Grotinho e Grotão são os setores mais precários do assentamento, com os maiores índices de densidade habitacional. Verifica-se maior precariedade no bairro do Grotão. Ambos localizam-se em área com declividades acentuadas, de 7% a 100%31, apresentam ocupações de encostas e de fundo de vale, com altos riscos geotécnicos, tanto de desmoronamento, quanto inundação, sendo ainda vulneráveis à contaminação pelas águas insalubres. O traçado original se perdeu, dando lugar a vias precárias, construídas pelos próprios moradores, que em muitos casos são perpendiculares às curvas de nível com altas declividades e que não comportam o fluxo existente. A porcentagem de edificações com ligações de água e esgoto é muito baixa. Apresentam grande quantidade de edificações feitas de madeira e papelão. Estes setores contam hoje com um programa de urbanização desenvolvido pela prefeitura. 31 Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagonal Urbana. Diagnóstico Urbanístico Ambiental. São Paulo, maio de 2002. Acrobat Reader. 82 Imagem 34: Grotinho, edificações precárias construídas em madeira. Imagem 35: Grotão, barracos construídos em madeira 83 Imagem 36: Setor Antoníco Imagem 37: Setor Brejo Os setores do Antoníco e Brejo, por sua localização privilegiada, junto às principais portas de entrada do assentamento (Avenidas Giovanni Gronchi e Laerte Setúbal, no setor Antoníco, e as ruas Itapanhaú, Silveira Sampaio e Flavio Américo Mourano, no setor Brejo), mantiveram em grande parte o traçado ortogonal original. Embora apresentem riscos geotécnicos e de insalubridade altos, são menos degradados do que as Grotas. Imagem 38: Setor do Brejo, obras de urbanização 84 Imagem 39: Setor do Antonico, córrego Imagem 40: Setor Antonico, implantação de áreas de lazer e melhorias de acessibilidade 85 3.3. Vias/Ruas As vias são os canais de circulação ao longo dos quais o observador se locomove de modo habitual, ocasional ou potencial. Podem ser ruas, alamedas, linhas de transito, canais, ferrovias. Para muitas pessoas são estes os elementos predominantes em sua imagem. Os habitantes de uma cidade observam-na à medida que se locomovem por ela, e, ao longo dessas vias, os outros elementos ambientais se organizam e se relacionam. (LYNCH, 1997, p. 52) Imagem 41: Rede de percursos 86 Há em Paraisópolis dois tipos distintos de vias. O viário ortogonal estruturante, herança do traçado original do loteamento, e os becos e vielas que configuram espaços residuais deixados entre as edificações, construídas sem planejamento. As primeiras possuem grande importância na configuração dos espaços da favela. Em primeiro lugar, são devido a elas que se pode ter uma legibilidade mais clara do ambiente. Elas são lógicas por seu paralelismo e continuidade (na maioria dos casos), de forma que se pode entrar e sair do território apenas cruzando uma delas. São confiáveis devido à facilidade de orientação, propiciando um sentimento de segurança ao cidadão que as percorre. Por serem vias projetadas, têm características muito similares às vias da cidade regular, são pavimentadas e com dimensões razoavelmente favoráveis ao transporte tanto de pedestres quanto de veiculos. São nestas vias que se dá a maior parte do acesso veicular da favela, incluindo micro ônibus, ambulâncias, entre outros. Por estes fatores, essas vias são responsáveis por propiciar maior permeabilidade ao assentamento, garantindo o acesso dentro e fora dele. É na margem deste viário ortogonal que se encontra a maior parte do comércio e serviços da favela, são bares, salões de beleza, lojas de materiais de construção, mercados, vendinhas, entre outros. As edificações lindeiras a estas vias possuem, em sua imensa maioria, ligações oficiais de água e luz. Mesmo com as importantes funções de permeabilidade e acessibilidade, em muitos casos a caixa de via não comporta o fluxo existente, ocasionando conflitos entre veículos e pedestres. Algumas de suas calçadas foram invadidas por edificações, tanto comerciais como residenciais, fazendo com que o caminhar por elas seja sempre interrompido ou por uma edificação ou pelo trânsito de veículos. 87 Imagem 42: Rua Pasquale Gallupi Imagem 43: Rua Melchior Giola Imagem 44: Rua Ernest Renan, conflito entre veículos e transeuntes. 88 Imagem 45: Rua Ernest Renan, instalações comerciais invadindo a calçada Imagem 46: Rua Melchior Giola, edificações invadindo a calçada. Imagem 47: Rua Laerte Setúbal, edificações invadindo a calçada 89 O segundo tipo de via existente em Paraisópolis são os becos e vielas. São vias que não contaram com nenhum tipo de planejamento, sendo constituídas em espaços residuais de circulação entre os barracos existentes. Estão em permanente transformação, como a maioria dos espaços da favela. Destaca-se que 57% das vias de pedestre do assentamento não comportam o fluxo existente, com caixa de via inferior a 1,20m e declividades superiores a 18%32. Devido ao aspecto de não serem planejadas e representarem espaços residuais, não possuem nomes oficiais, sendo nomeadas pelos próprios moradores, que normalmente se referem a algum marco ou referência local, como é o caso do Beco Rui da foto a seguir: Imagem 48: Beco Rui – travessa da rua Melchior Giola 32 PREFEITURA DO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO E SECRETARIA DA HABITAÇÃO E DO DESENVOLVIMENTO URBANO. Diagonal Urbana. Diagnóstico Urbanístico Ambiental. São Paulo, maio de 2002. Acrobat Reader. 90 É difícil conceber o urbano sem o elemento da rua, por ser um dos logradouros públicos essenciais da forma urbana. Prova disso é a dificuldade de se tentar imaginar uma cidade sem vislumbrar ruas. Sua importância pode ser percebida pela constatação da quantidade de atividades e significados para os quais servem de apoio (SANTOS, 1985, p. 142). Nesse sentido, não é um espaço simplesmente destinado à locomoção e passagem, é um universo diversificado de eventos e relações. À parte dos caminhos, é o lugar do encontro, onde a vida social acontece, em que a sociedade se faz visível, o espaço da diversidade. Na favela de Paraisópolis, as ruas e demais vias descritas cumprem esta função de serem também os espaços de sociabilização de seus moradores, o lugar de lazer e ócio de seus habitantes. Tanto nas vias originais do loteamento como nos becos e vielas constituídos pelos próprios moradores, é nelas onde se pode perceber mais claramente a apropriação dos espaços pelos moradores. Mais do que isso, esta apropriação da rua como lugar de encontro, lazer e ócio pode servir como um indicador da qualidade do espaço. É comum, ao caminhar por Paraisópolis, principalmente aos finais de semana, encontrar um grande contingente de pessoas andando pelas ruas do assentamento, os bares, mercados e cabeleireiros estão cheios, há sempre pessoas na porta fitando o movimento. O campo de futebol está sempre em atividade, ou por crianças, aspirantes a jogadores profissionais, ou por integrantes de times locais, com seus uniformes e platéias ao redor. O exercício da contemplação é intenso tanto nas calçadas, quanto nas janelas das casas, de onde as pessoas vislumbram o ir e vir da vizinhança. Neste ir e vir as pessoas se encontram, são seus vizinhos, é a mãe do colega de seu filho na escolha, amigo de um amigo seu, alguém que já lhe prestou um serviço, um colega de trabalho do seu marido. E assim, as redes sociais se ampliam, tecendo uma teia complexa cujo palco é a rua e os protagonistas seus moradores. 91 Imagem 49: Na rua Manoel Antonio Pinto, um exemplo de utilização da rua como espaço de lazer e ócio. 92 3.4. Pontos Nodais Os pontos nodais são pontos, lugares estratégicos de uma cidade através dos quais o observador pode entrar, são os focos intensivos para os quais ou a partir dos quais ele se locomove. Podem ser basicamente junções, locais de interrupção do transporte, um cruzamento ou uma convergência de vias, momentos de passagem de uma estrutura a outra. Ou podem ser meras concentrações que adquirem importância por serem a condensação de algum uso ou de alguma característica física, como um ponto de encontro de uma esquina ou uma praça fechada. Alguns desses pontos nodais de concentração são o foco e a síntese de um bairro, sobre a qual sua influencia se irradia e do qual são um símbolo. […] (LYNCH, 1997, p. 52) Imagem 50: Campo do Palmeirinha, importante ponto nodal de Paraisópolis 93 Acima de tudo, os pontos nodais são pontos de encontro, de concentração de pessoas, atividades e, portanto, diversidade, de forma que são a representação máxima da apropriação espacial. São os locais criados e produzidos pela comunidade, e que servem como espaços de troca. Pode-se identificar alguns pontos com tais características na favela de Paraisópolis. São áreas de lazer, espaços coletivos, estabelecimentos comerciais e religiosos que funcionam como pontos de encontro. O campo do Palmeirinha, por exemplo, principal local de ação esportiva do assentamento, está sempre em atividade. Representa um ponto nodal por congregar a comunidade em torno dele, principalmente aos finais de semana, quando os moradores se reúnem à sua volta para assistirem aos campeonatos comunitários locais. É significante notar a importância do campo do Palmeirinha para a população de Paraisópolis. As edificações a seu redor respeitam os limites do campo e jamais o invadem, em hipótese alguma. Há inclusive uma viela (viela Palmeirinha) respeitada entre o campo e as edificações para acesso e platéia. Há algumas edificações que compartem seu muro com o campo. Os bares constituem também importantes pontos nodais na favela de Paraisópolis, neste caso principalmente do público masculino. Reúnem-se em torno de balcões e mesas de bilhar e passam horas de suas manhãs e tardes de domingo jogando baralho e sinuca. As crianças também compartilham deste ambiente, entram e saem e observam os mais velhos. Os cabeleireiros e barbearias são também pontos nodais significativos do assentamento. Numerosos e sempre cheios, nestes espaços a população passa grande pare de seu tempo. Por fim, numerosas, as igrejas são expressivos pontos de encontro da população. Aos domingos, no cair da tarde, freqüentadores se arrumam para este importante evento, e a favela fica repleta de música e canções de cunho religioso. 94 É importante notar como estes pontos nodais, embora particulares, mantêm uma relação direta com a rua, estando sempre expostos e em permanente troca. Os espaços misturam-se, a rua entra nos estabelecimentos e vice versa, e isso é possibilitado pelas calçadas e o estar permanente nelas. Há sempre um morador parado entre estes estabelecimentos e a calçada fazendo a ponte entre os ambientes interno e externo. Imagem 51: Campo de Futebol Palmeirinha importante ponto de encontro da comunidade. Imagem 52: Igreja Mundial do Poder de Deus 95 3.5. Marcos Os marcos são outro tipo de referência, mas nesse caso, o observador não entra neles: são externos. Em geral são um objeto físico definido de maneira muito simples: edifício, sinal, loja ou montanha. [...] Alguns marcos são distantes, tipicamente vistos de muitos ângulos e distâncias, acima do ponto mais alto de elementos menores e usados como referências radiais. Podem estar dentro da cidade ou a uma distncia tal que, para todos os fins práticos, simbolizam uma direção constante. [...] São geralmente usados como indicadores de identidade, ou até de estrutura, e parecem tornar-se mais confiáveis à medida que um trajeto vai ficando cada vez mais conhecido. (LYNCH, 1997, p. 53) Imagem 53: Edifícios gêmeos da avenida Gionanni Gronchi 96 Simbólico, o marco mais imponente da favela de Paraisópolis são os chamados edifícios gêmeos da avenida Giovanni Gronchi, entre as ruas Afonso do Santos e Laerte Setúbal. Estes edifícios de alto padrão, emblemáticos do bairro do Morumbi, dividem seu muro com a favela. Sempre fotografados como ícone do contraste entre as diferenças sócio-econômicas, representam um marco tanto para a favela de Paraisópolis como para o bairro do Morumbi. Além de serem a principal referência da favela de Paraisópolis para os não moradores do assentamento. Imagens 54 e 55: Edifícios gêmeos da avenida Gionanni Gronchi 97 Outro marco importante na favela de Paraisópolis é a casa, ou “castelo” (como conhecido pelos moradores locais) do Estevão. É popular também fora da favela pela sua criatividade construtiva, que dizem se assemelhar esteticamente às obras do famoso arquiteto Catalão Gaudi. Seu construtor, o Estevão, foi denominado pela mídia nacional como o “Gaudi Brasileiro”. Sua fachada é singela, porém facilmente reconhecível, com arcos enfeitados com seixos, é convidativa e contrastante quando comparada às fachadas de seu entorno. Não é um marco como aqueles descritos por Kevin Lynch, que seriam imponentes, altos, e facilmente identificáveis quando vistos de longe. Este marco é singelo, mas, por ser famoso e conhecido por todos, representa um marco local. Quando não se sabe uma direção na favela e se pede uma informação, o Castelo do Estevão geralmente serve como um marco referencial. Imagem 56: Castelo do Estevão 98 É importante lembrar que estes cincos elementos se inter-relacionam e não existem separadamente. Uma rua pode ser também um limite, e uma praça pode ser tanto um marco quanto um ponto nodal. Basicamente, “os bairros são estruturados com pontos nodais, definidos por limites, atravessados por vias, e salpicados por marcos.” (LYNCH, 1997, p. 54). Após a análise dos aspectos formais da favela de Paraisópolis utilizando conceitos da cidade regular, passaremos agora para uma análise de outros aspectos utilizando conceitos específicos para o entendimento da forma das favelas. Para isso serão utilizados três conceitos desenvolvidos por Paola Berenstein Jacques (2001): o fragmento, o labirinto e o rizoma. Avançando através de uma mudança de escalas, “passamos do corpo (físico) à arquitetura, no Fragmento; da arquitetura ao urbano, no Labirinto; e do urbano ao território, no Rizoma.” (JACQUES, 2001, p. 16). 99 3.6. Fragmento “Os primeiros barracos das favelas são construídos com fragmentos de materiais heteróclitos, recolhidos pelo próprio construtor. Esse construtor, no mais das vezes, é o favelado, que recebe ajuda de sua família e de seus vizinhos, e seu objetivo inicial é construir um teto para abrigar os seus. Esse primeiro abrigo, extremamente precário, é a base de uma futura evolução” (JACQUES, 2001, p.23) Imagem 57: Castelo do Estevão 100 O conceito de fragmento, proposto por Paola Berenstein Jacques, está ligado à idéia do abrigo, ou melhor, à forma fragmentária com que são construídos os abrigos nas favelas. Esta idéia traz consigo a noção de temporalidade, uma vez que “as construções numa favela – e consequentemente a própria favela – jamais ficam de todo concluídas” (JACQUES, 2001, p. 24), e isto devido à possibilidade de sempre se agregar uma coisa nova, daí a idéia do fragmento. Na construção dos abrigos nas favelas não há projeto preliminar, normalmente o próprio morador do abrigo é seu construtor, com a ajuda de amigos e familiares, também moradores da favela. Os barracos são erguidos rapidamente e com os precários materiais de que dispõem. O construtor coleta na cidade restos de materiais que possam ser usados na construção de seu abrigo. Pedaços de madeira, papelão, ou qualquer outro item que julgar adequado. Ele nunca para de construir seu barraco, segue na busca constante de fragmentos para substituir os antigos. O construtor “deve provar dispor de grande capacidade de adaptação e de imaginação construtiva: o jeitinho é a condição sine qua non para se constituir um barraco numa favela” (JACQUES, 2001, p. 23): “`A medida que o abrigo vai evoluindo, os pedaços menores vão sendo substituídos por outros maiores, e o aspecto fragmentado da construção vai ficando cada vez mais evidente. O último estágio da evolução de um abrigo precário – a casa de alvenaria, sólida – já não é formalmente tão fragmentado, muito embora não deixe de ser fragmentário: a casa continua evoluindo. Os barracos são fragmentários porque se transformam continuamente.” (JACQUES, 2001, p. 23). O fragmento pode constituir um indicador de consolidação de uma favela, ou seja, o material usado em sua construção e “grau” de fragmentação pode apontar o quão consolidado está um assentamento. O material que indica maior grau de consolidação em uma favela é a alvenaria, o tijolo baiano ou bloco de concreto, enquanto que os materiais mais precários, e, portanto, fragmentados ou “remendados”, como a madeira e o papelão, indicam menor grau de consolidação. Nas imágens a seguir, a continua transformação dos espaços da favela. 101 Imagem 58: Rua Laerte Setúbal. Agosto de 2006 Imagem 59: Rua Laerte Setúbal. Março de 2007 Imagem 60: Rua Laerte Setúbal. Abril de 2007 102 Jacques (2001) fala de uma outra técnica construtiva, que não a arquitetura, que pode ser perfeitamente aplicada às práticas construtivas nas favelas, a bricolagem. A técnica da bricolagem é definida sobretudo por sua instrumentalidade, utiliza materiais coletados ao acaso, normalmente de segunda mão, como restos que já foram utilizados para outras finalidades, ou até que foram recusados pela construção civil regular. A composição destes elementos possui uma forma diferente daquela de que provêm. Seu resultado é inesperado e intermediário, uma vez que nunca está acabado. (JACQUES, 2001, p. 25). O acaso é parte integrante da idéia de bricolagem; é o incidente, ou seja, o pequeno incidente imprevisto, o “micro-evento”, que está na origem do movimento. Bricolar é, então, ricochetear, enviesar, zigue-zaguear, contornar. O bricoleur, ao contrário do homem de artes (no caso, o arquiteto), jamais vai diretamente a um objetivo ou em direção à totalidade: ele age segundo uma prática fragmentária, dando voltas e contornos, numa atividade não planificada e empírica. A construção com pedaços de todas as providências, a bricolagem, será, portanto, uma arquitetura do acaso, do lance de dados, uma arquitetura sem projetos. (JACQUES, 2001, p. 24). Um exemplo muito emblemático de edificação construída de forma fragmentária na favela de Paraisópolis é o “Castelo” do Estevão, já mencionado anteriormente. Sua técnica construtiva não é muito arrojada, o material utilizado tão pouco, seu morador/construtor se vale de “cimento cola” e todo e qualquer objeto que encontrar na rua e julgar adequado para enfeitar sua casa, desde conchas, pedrinhas, botões, cacos de vidro, cerâmica, e até pequenos brinquedos infantis, como aqueles que são ofertados como brindes de lanchonetes. Cada dia leva algum elemento novo para sua casa e segue cotidianamente ornando sua moradia. 103 Com a junção do “cimento cola” e alguns vergalhões de ferro, ele constrói estruturas suspensas que conduzem a um jardim elevado, em um nível superior aos comuns telhados da favela, onde se pode apreciar a vista, que, diga-se de passagem, é privilegiada, quase como um clarão, um respiro em meio àquela massa construída. Pode-se usar as cadeiras, que estão fixas na estrutura de “cimento cola” e ferro, em meio a vasos, também fabricados por ele para compor o visual. Este exemplo constitui paradoxalmente uma construção fragmentada, porém consolidada do assentamento. Imagem 61: Ambiente interno do Castelo do Estevão 104 Imagem 62: Construções fragmentadas no setor do Grotinho Imagem 63: Construções fragmentadas no setor do Antoníco Imagem 64: Construções fragmentadas no setor do Antoníco 105 Os moradores da favela utilizam esta técnica da bricolagem não só na construção do seu abrigo, mas também na forma com que se apropria dele. A casa, neste aspecto, torna-se mais do que um mero abrigo, torna-se um lar. O toque pessoal, nesse sentido, é muito importante na configuração das moradias nas favelas. Um latão de tinta usado se torna um vaso de plantas, as luzinhas que enfeitam a casa na época do natal permanecem o ano inteiro, plantas são sempre vistas até nos lugares mais degradados do assentamento, a pintura da fachada dá uma forte sensação de permanência a moradia. Imagem 65: Sensação de permanência 106 3.7. Labirinto “Nos discursos sobre as favelas, a figura do labirinto constantemente aparece, sobretudo quando se trata da experiência de penetrar numa delas e percorrer seus meandros”. (JACQUES, 2001, p. 65) Imagem 66: Imagem labiríntica do espaço de Paraisópolis 107 A idéia do labirinto está ligada à própria forma urbana. Não mais se refere à escala do abrigo, mas à aglomeração destes abrigos e o espaço deixado entre eles, que criam os becos e vielas do assentamento. O emaranhado destes becos e vielas, extremamente estreitos, gera esta forma urbana aparentemente desconexa e confusa que poderia ser comparada ao labirinto. O labirinto forma-se sem autor definido, sem a ajuda de arquitetos e não possui mapas precisos, sendo impossível traçar o desenho de um mapa definitivo. Assim, a melhor forma de entendê-lo é através de uma vista aérea, uma foto por exemplo, porém, nunca se terá uma imagem precisa de sua realidade espacial uma vez que a favela está em permanente mutação. Quando se está dentro dela, não se tem a visão do todo, apenas imagens fragmentadas. A idéia do labirinto está ligada também à idéia do percurso e de sua experiência no espaço urbano. Para Jacques, ao subir uma favela, se pode experimentar uma percepção espacial única, que se reflete na própria postura do indivíduo: “À medida que se vai passando pelas primeiras quebradas, vai se descobrindo um ritmo de caminhar diferente, imposto pelo percurso das vielas. É o que chamamos de ginga”. (JACQUES, 2001, p.66). A sensação de gingado apontada se explica porque a favela é maleável e flexível, ao contrário da planificação urbana tradicional, que determina o traçado. Na favela, as ruas são determinadas exclusivamente pelos usos, é o percurso que determina os caminhos. Na “favela – labirinto”, os favelados nunca se perdem, enquanto que as pessoas de fora se perdem facilmente, e para conhecê-la é necessário um morador para guiá-lo. Quem nunca entrou no labirinto não sabe o que é estar ali, sem rumo, num estado labiríntico que, “é o estado de quem vaga, um estado errático” (JACQUES, 2001, p. 86). Este estado errático é muito comum nas favelas, a idéia de “ir ali”, vagar, andar sem rumo, e, durante a caminhada, encontrar pessoas, ver gente, se comunicar, trocar, numa constante convivência. 108 3.8. Rizoma “Algumas favelas têm nomes de árvores, como a Mangueira, e o próprio termo favela vem do nome de um arbusto, cientificamente conhecido com Jathpha phyllacantha. As favelas, no entanto, se desenvolvem mais como o mato que brota nos terrenos baldios. Os abrigos das favelas ocupam um terreno vazio da mesma forma que o mato que nasce discretamente nas bordas e logo acaba ocupando a totalidade do terreno.” (JACQUES, 2001, p. 105) 109 A idéia do rizoma associa-se ao modo de desenvolvimento e crescimento das favelas e de sua ocupação do terreno. Paola Berenstein Jacques33 faz uma análise desta ocupação a partir da constatação de que o crescimento das favelas assemelha-se ao do mato que cresce nos terrenos baldios das cidades. A ocupação das favelas se dá de modo natural, normalmente em comunidade, os barracos são erguidos do dia para a noite, geralmente em terrenos baldios abandonados, que ou estão à espera de valorização imobiliária, ou estão em terrenos de difícil ocupação, como pirambeiras ou áreas alagadiças, ou ainda em áreas de litígio: “Os abrigos surgiam em meio à cidade, entre os bairros convencionais, exatamente como o mato que cresce entre as pedras do calçamento ou no meio do asfalto, formando enclaves, ou seja, micro territórios no interior de outros maiores. A invasão de um terreno vago e sua ocupação por abrigos forma um novo território na cidade”. (JACQUES, 2001, p. 105). Esta comparação entre a ocupação das favelas e o mato está ligada à idéia de que as favelas, assim como o mato, são decorrências de um processo natural e desordenado de formação. Desse modo, o mato, assim como as favelas, nasce sem projeto, onde não se espera, é um elemento surpresa, um processo natural. Pode-se fazer uma analogia também entre o paisagista, ou jardineiro, e o urbanista, que tenta “dominar”, ou conter artificialmente os fluxos naturais. O que foge do projeto inicial deve ser cortado, podado, retirado. Para poder lidar com o mato, ou com a favela, é necessário um tanto de disposição para conviver com a desordem e a ausência de projeto. 33 JACQUES, Paola Berenstein. A Estética da ginga: arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2001. 110 “A ocupação das favelas se faz, portanto, em três níveis: a ocupação propriamente dita de terrenos vagos na cidade; deslocamento de favelas nas cidades; relação dos favelados com a cidade formal. Estes três níveis de ocupação e de desenvolvimento seguem a lógica do mato, em oposição à lógica da árvore e do arbusto das cidades convencionais” (JACQUES, 2001, p. 106). A autora Paola Berenstein Jacques, em seu livro denominado “Estética da ginga: A arquitetura das favelas através da obra de Hélio Oiticica”, faz uma comparação entre a estrutura das favelas e as cidades analisadas na obra de Christopher Alexander, em seu texto “A City is not a Tree”34, onde o autor reflete sobre duas estruturas de planejamento das cidades, denominadas por ele, de “Estruturas em Árvore” e “Estruturas em Semi-treliça”. A primeira faz referência às cidades planejadas, ou artificiais, referindose às cidades modernistas, já a segunda, às cidades naturais, ou vernáculas, ou seja, não projetadas. Para Jacques, as favelas são ainda mais complexas que as cidades ditas “naturais”, uma vez que estão em constante mutação, e nunca acabam de ser construídas, e, sobretudo, não são fixas como as cidades regulares, artificiais ou naturais. Em Paraisópolis, é possível analisar estes três níveis de ocupação propostos por Paola B. Jacques. O primeiro, “a ocupação propriamente dita de terrenos vagos na cidade”, foi mencionada no capítulo 1, quando se abordou o processo de ocupação da fazenda do Morumbi em 1921. O segundo, “deslocamento de favelas nas cidades”, também pode ser verificado em Paraisópolis, bastando analisar seu crescimento, na década de 1970, quando houve um grande desfavelamento na área da avenida Água Espraiada, atual avenida Roberto Marinho, para a construção da mesma. Devido à proximidade geográfica desta avenida com a favela de Paraisópolis, muitos dos moradores que foram removidos naquela ocasião migraram para lá. 34 ALEXANDER, Christopher. “Uma cidade não é uma árvore”. Architectural Fórum, vol. 122, 1965. 27p. Disponível em: <http://www.vivercidades.org.br> Acesso em 16 abril 2007. 111 O terceiro nível mencionado por Jacques, “relação dos favelados com a cidade formal”, também pode ser verificado claramente em Paraisópolis. Sua localização estratégica, no meio do bairro do Morumbi, possibilita aos moradores da favela o acesso ao mercado de trabalho, principalmente como empregadas domésticas, porteiros e seguranças nos prédios de alto padrão do bairro. Existe, portanto, uma relação muito íntima entre o bairro do Morumbi e a favela de Paraisópolis. Imagem 68: Proximidade entre a favela de Paraisópolis e o bairro do Morumbi 112 113 4. Espacialidades do convívio, interface entre os habitantes e a estrutura de Paraisópolis 4.1. Considerações sobre o espaço público “Para nós, aqui o problema maior é o de primeiramente nos interrogarmos sobre a possível relação existente entre a condição cidadã e a configuração espacial”. (GOMES, 2002, p.129) O fato do espaço na favela ter sido gerido irregularmente e construído pelos próprios moradores gera em seus habitantes uma sensação de pertencimento ao espaço, resultando em um ambiente espontâneo e diversificado onde a rua é o palco das atividades de socialização da comunidade que a vivencia. Segundo Jane Jacobs (1962) a diversidade é um ponto essencial para o funcionamento adequado da vida urbana, pois garante a preservação e o desenvolvimento da sociedade e da civilização. Para entender a importância da rua para a cidade e o cidadão, se faz necessário conceituar seu significado. Tratamos da rua como o espaço público por excelência, não simplesmente um lugar de circulação de pedestres e automóveis, 114 espaço onde o acaso acontece, lugar do inesperado, criativo e principalmente do povo. Conforme Carlos Nelson Ferreira dos Santos: Uma rua é um universo de múltiplos eventos e relações. A expressão “alma da rua” significa um conjunto de veículos, transeuntes, encontros, trabalhos, jogos, festas e devoções. Ruas têm caráter e podem ser agitadas, tranqüilas, sedes de turmas, pontos e territórios. A par de caminhos, são locais onde a vida social acontece ao ritmo do fluxo constante que mistura tudo. Um “microcosmo real” que tem a ver com repouso e movimento, com dentro e fora, com intimidade e exposição e assim por diante. Que serve para referenciar bons e maus lugares. (SANTOS, 1985, p.24) Um conceito de vital importância para o entendimento da cidade é o de espaço público. Tratar o público como tudo aquilo que não é privado, não nos parece muito apropriado, atribuímos ao espaço público uma relação direta com a vida pública. Tão pouco não nos parece adequado tratar do público apenas como um espaço aberto a todos, e, portanto de acessibilidade irrestrita. Tratamos aqui do espaço público no âmbito do urbano, não apenas enquanto forma (ruas, praças e parques), mas adicionando significados, não o espaço residual entre vias e edifícios, ou meros espaços de circulação, tão pouco é o espaço vazio considerado público por razões jurídicas, ou aqueles lugares que se vai a fim de apreciar um espetáculo, ou fazer compras ou visitar um museu. É o lugar em que a sociedade se faz visível, “espaço principal do urbanismo, da cultura urbana e da cidadania. É um espaço físico, simbólico e político”. (BORJA e MUXI, 2003, p.16). “Reafirma-se o urbano como importante lugar da ação social, não só econômica, mas, sobretudo, política e cultural.” (QUEIROGA, 2006, p.131) A utilização dos espaços públicos é indicador de qualidade na cidade, pois indica a qualidade de vida de seus habitantes. Os espaços públicos considerados como sistema são instrumentos da política urbanística para qualificar, manter 115 e renovar, propondo-se novos espaços, dando vida a espaços degradados, refazendo tecidos urbanos e agregando valor cidadão às infra-estruturas. Jordi Borja e Zaida Muxi em seu livro denominado “El espacio Público Ciudad y Ciudadania”, falam do conceito de espaço cidadão, que o urbanista Sérgio Luiz Abrahão explica: Espaço cidadão: o espaço urbanístico, cultural e político, cuja configuração espacial, considerava de fundamental relevância para a forma da cidade. Espaço urbanístico porque, a seu ver, o espaço público devia ser capaz de organizar um território, dar suporte diversos usos e funções e criar lugares; espaço cultural porque devia ser monumental, de modo a expressar e cumprir diversas funções, ser referencia urbanística, símbolo de identidade coletiva, manifestação da história e da vontade do poder; e, finalmente, espaço político porque além de espaço de expressão coletiva da vida comunitária, da visibilidade dos diferentes grupos sociais, dos encontros cotidianos, devia ser também o espaço da afirmação ou da confrontação, o espaço das grandes manifestações cidadãs ou sociais. (ABRAHÃO, 2005, p. 26) Entendendo a importância do espaço cidadão para os habitantes de uma cidade, é de grande valor ressaltar a questão da apropriação dos espaços no processo de urbanização, principalmente quando se pensa em estudar para fundamentar políticas urbanas destinadas às favelas. Há nas favelas uma riqueza nos modos de apropriação espacial, sempre criativa e espontânea, que está extremamente relacionada ao modo de vida de seus moradores, criando redes sociais intimamente ligadas à vida urbana. Esta forma de apropriação das favelas se contrapõe ao que vem ocorrendo na cidade oficial, e que diversos autores, entre eles Jordi Borja e Zaida Muxi, vão nomear de “morte da cidade”. Neste processo, o urbano vai ao longo dos anos perdendo seu caráter, as desigualdades sociais aumentam, pessoas vão se segregando e cria-se um abismo entre as classes sociais. 116 A valorização do automóvel e dos transportes individuais em detrimento dos transportes coletivos, como o ônibus e o metrô nas grandes cidades, onde enormes distâncias impossibilitam as caminhadas e o uso das bicicletas, está vinculada à força dos interesses de quem vende a qualidade de vida baseada na segurança dos muros e das ruas privadas dentro de condomínios particulares e o contato com a natureza longe dos centros urbanos. Vão aos poucos esvaziando as funções primordiais do espaço público, reforçando uma realidade de desigualdade social e agravando o crime. “O espaço público não provoca nem gera os perigos, é o lugar onde se evidenciam os problemas de injustiça social, econômica e política. E a sua debilidade aumenta o medo de uns e a marginalização do outros, e a violência urbana sofrida por todos.” (BORJA e MUXI, 2003, p. 40). Caldeira atribui aos “enclaves fortificados” (forma com que ela denomina os condomínios fechados e, portanto, murados) as mudanças no estilo de vida das classes média e alta, transformando assim o panorama nas cidades e com isso as mudanças no caráter do espaço público e das interações sociais entre classes. (CALDEIRA, 2000, p.258) “Finalmente, os enclaves tendem a ser ambientes totalmente homogêneos. Aqueles que escolhem habitar esses espaços valorizam viver entre pessoas seletas (ou seja, do mesmo grupo social) e longe das interações indesejadas, movimento, heterogeneidade, perigo e imprevisibilidade das ruas. Os enclaves privados e fortificados cultivam um relacionamento de negação e ruptura com o resto da cidade e com o que pode ser chamado de um estilo moderno de espaço público aberto à livre circulação. Eles estão transformando a natureza dos espaços públicos e a qualidade das intervenções públicas na cidade, que estão se tornando cada vez mais marcadas por suspeita e restrição.” (CALDEIRA, 2000, p.259). 117 As funções de socialização e troca, características da rua como espaço público por excelência, acabam se esvaziando e reduzindo, transformandoa em mero lugar de circulação. Neste movimento, “a rua vai ao longo dos séculos, em especial no século XX, perdendo sua concretude como espaço de apropriação nos meios técnicos e de planejamento e transforma-se em uma linha abstrata que comporta funções, com ênfase para o viário e o transporte” (COELHO, 2006, p.191). Isso torna a simples análise da analogia entre espaço público e privado já não mais suficiente para o estudo das relações espaciais nas cidades modernas. Para Eugênio Queiroga (2006), “a realidade humana mais complexa cria situações em que as velhas categorias de espaço público e privado, entendidas em sua forma mais estrita, não são mais eficientes para análise dos fenômenos espaciais35”. Porém, para ele, não se pode utilizar o conceito de espaço coletivo para superar a suposta crise do espaço público. Para a reflexão dos processos e práticas espaciais urbanas da atualidade, três conceitos devem ser analisados: paisagem, espaço e espacialidade. A paisagem é diferente do espaço. A primeira é a materialização de um instante da sociedade. Seria, numa comparação ousada, a realidade de homens fixos, parados como numa fotografia. O espaço resulta do casamento da sociedade com a paisagem. O espaço contém movimento. Por isso paisagem e espaço são um par dialético. Complementam-se e se opõem. Um esforço analítico impõe que os separemos como categorias diferentes, se não queremos correr o risco de não reconhecer o movimento da sociedade. (SANTOS, 1994, p.72) O espaço coloca-se como totalidade, como instância social, e participa dialeticamente com as demais instâncias (economia, cultura e política). 35 QUEIROGA, Eugênio Fernandes. “Espacialidades da Esfera Pública na Urbanização Contemporânea: O Caso da Megalópole do Sudeste”. In KAHTOUNI, Saide; MAGNOLI, Miranda Martinelli; TOMINAGA, Yasuko (Orgs.). Discutindo a Paisagem. São Carlos: Rima, 2006. p. 132. 118 O espaço é igual à paisagem mais a vida nela existente; é a sociedade encaixada na paisagem, a vida que palpita conjuntamente com a materialidade. A espacialidade seria um momento das relações sociais geografizadas, o momento da incidência da sociedade sobre um determinado arranjo social. (SANTOS, 1994, 73) “A espacialização não é o resultado do movimento da sociedade apenas, porque depende do espaço para se realizar36.” A espacialização é o resultado da ação participando do espaço, é a dimensão viva deste. É o momento presente já em transformação. Queiroga (2006, p.134) propõe uma análise em categorias, sendo elas: espaço, propriedade, espacialidade e esferas de vida pública, privada e social. Onde “nem todo espaço de propriedade pública apresenta apropriação pública e nem toda propriedade privada apresenta uso privado37”, sendo assim, lança-se mão da categoria de espacialidade, visto que nas propriedades públicas estabelecemse ações de esfera privada, estas podem ser denominadas de espacialidade privada, e assim sucessivamente com as ações de esfera pública. Um exemplo pode ser uma área pública utilizada para fins habitacionais, como o que ocorre em algumas favelas. É comum nestes casos, que uma área pública sem uso por questões diversas, tanto legais, como geográficas, uma região alagadiça, ou com difícil acesso, ou em terreno com declividade acentuada, seja invadida por uma população carente de moradia e a ocupe para este fim. Desta forma ocorre a apropriação de uma área pública onde se estabelecem ações de esfera privada. Da mesma forma, as propriedades privadas utilizadas por grupos sociais muito específicos caracterizam ações da esfera social, e podem ser denominadas espacialidades sociais. É o caso de shopping centers, ruas em 36 SANTOS, Milton. Metamorfoses do espaço habitado. São Paulo: Hucitec, 1994. p.74. 37 QUEIROGA, Eugênio Fernandes. “Espacialidades da Esfera Pública na Urbanização Contemporânea: O Caso da Megalópole do Sudeste”. In KAHTOUNI, Saide; MAGNOLI, Miranda Martinelli; TOMINAGA, Yasuko (Orgs.). Discutindo a Paisagem. São Carlos: Rima, 2006. p. 134. 119 condomínios fechados, etc. Esse tipo de propriedade privada utilizada para fins coletivos, costuma enfatizar o que é privado e restrito e a desvalorizar o que é público e acessível na cidade. Esta forma de análise permite uma reflexão baseada nos movimentos espaciais contemporâneos. Dá um passo além no entendimento dessas novas relações, tendo como alicerce o espaço como resultado da paisagem se relacionando com a sociedade, e entendendo que não se pode mais analisar a relação existente entre público e privado nos moldes em que eram propostos anteriormente. De forma que “estas categorias propostas permitem distinguir as práticas espaciais e perceber a existência de redes e sistemas de ações que conectam as diferentes esferas de vida (pública, social e privada)38”. 38 QUEIROGA, Eugênio Fernandes. “Espacialidades da Esfera Pública na Urbanização Contemporânea: O Caso da Megalópole do Sudeste”. In KAHTOUNI, Saide; MAGNOLI, Miranda Martinelli; TOMINAGA, Yasuko (Orgs.). Discutindo a Paisagem. São Carlos: Rima, 2006, p. 134. 120 4.2. Espacialidades do convívio e do intercâmbio social É importante ressaltar que o caso da favela de Paraisópolis não se enquadra perfeitamente na categoria de propriedade pública onde se estabelecem relações de espacialidade privada, devido ao fato de não ser uma área pública no momento de sua ocupação. A região onde está localizada a favela de Paraisópolis era uma área privada, cuja posse pertencia a diversos investidores que adquiriam as terras à espera de retorno financeiro em função da valorização imobiliária com o passar dos anos, de forma que a área não foi ocupada pelos efetivos donos das terras. Por sua subutilização, uma população advinda de diversas regiões do país aos poucos se apropriou dela, e relações acabaram por estabelecerem-se. O papel do poder público no sentido de sua legalização é o de primeiramente tornar públicas estas áreas para, então, assegurar a titularidade destas terras a seus atuais moradores. É muito difícil nas favelas determinar o limite existente entre o público e o privado, essas duas categorias se misturam devido à grande utilização da rua e sua relação com as moradias, sempre abertas para o lado de fora. Paola Berenstein Jacques explica esta relação no trecho abaixo: “Uma diferença fundamental com a cidade planejada diz respeito à relação entre espaços públicos e privados: na favela estes espaços também estão inextricavelmente ligados. Durante o dia as ruelas se tornam a continuação das casas, espaços semiprivados, enquanto a maiorias das casas, com suas portas abertas, se transformam em espaços semipúblicos. A idéia da favela como grande casa coletiva é freqüente entre os moradores. As ruelas e becos são quase sempre extremamente estreitos e intrincados, o que aumenta a sensação labiríntica e provoca uma grande proximidade física.” (JACQUES, 2002, p. 54). 121 4.2.1. Exterior x Interior As portas e janelas das moradias são os elementos de ligação entre o interior e o exterior, entre o privado e o público, são elas as principais possibilitadoras desta característica das favelas de grande “casa coletiva”. Quanto mais portas e janelas se abrem para fora, mais possibilidades de apropriação da rua pela casa haverá. As janelas estão sempre abertas para fora, não apenas para iluminação e ventilação, mas principalmente para fazerem a ligação entre o interior e o exterior. É muito comum encontrar homens e mulheres à janela olhando o movimento, conversando com pessoas na rua, vigiando seus filhos enquanto brincam. Elas são colocadas em uma altura tal que podem ser apoiadas tornando mais confortável e duradoura a experiência, podem servir até como um balcão para apoiar coisas. A vigia é uma função muito importante possibilitada pelas janelas, e quando dispostas em pavimentos superiores, revelam uma vista panorâmica cumprindo com excelência esta função. Imagem 70: Setor centro Homem na janela 122 Imagem 71: Setor centro Moça na varanda Imagem 72: Grotão Jovem na varanda 123 Por sua vez, as portas também possuem funções além do simples acesso a casa. A porta e principalmente a soleira representam um importante elemento que possibilita a permanência de pessoas, o que é muito comum em bairros populares, e também na favela de Paraisópolis. A soleira é utilizada como assento para reunião, para olhar a rua, para conversar, é aí que o espaço público extravasa seu limite. Imagem 73: Mulheres conversando na soleira As casas muitas vezes ultrapassam seu próprio limite, invadem o espaço da rua e puxadinhos são construídos nas calçadas. Esta invasão do espaço público é possível pela inexistência de titularidade das terras e pela falta de planejamento. Ação muito característica na configuração espacial das favelas representa a transformação do espaço e a apropriação do mesmo pelos moradores. 124 “A oposição Casa x Rua vem acompanhada da idéia de gradação [...]. A rua como o domínio oposto ao da casa, tenderia a identificar-se como público, o formal, o visível e o masculino. A casa, como sua contrapartida, estaria vinculada, em princípio, ao privado, ao informal, ao invisível e ao feminino. Estes, no entanto, são apenas pólos de um eixo para compreensão do universo social.” (SANTOS, 1988, p. 50). Imagem 74: Roupas deixadas para secar do lado de fora da casa A rua como vimos, abarca distintas funções, e o lazer como “atividade fundamental para a socialização39”, encontra nela seu principal lugar para o desenvolvimento da ação comunicativa. É a apropriação criativa de espaços inusitados que possibilita o desenvolvimento do lazer na rua, já que o espaço é 39 SANTOS, Carlos Nelson Ferreira dos. Instituto Brasileiro de Administração Municipal. Quando a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. Rio de Janeiro: IBAM / FINEP, 1985. p.130. 125 flexível e oferece infinitas possibilidades de uso. Na imaginação de uma criança, um banco, além da função de assento, pode virar uma pista de corrida para carrinhos de plástico, pode ser uma montanha, um estacionamento em frente a uma loja de artigos para construção pode virar um campo de futebol. Essa criação dos espaços de lazer alternativos, para antigas e novas formas de entretenimento e encontro, garante uma rede mínima social. Atividades que, mesmo que alguém possa considerá-las simples diante da sofisticação das últimas novidades da indústria do lazer, estão profundamente vinculadas ao modo de vida dessa população e revelam uma vitalidade na transformação em recurso do que se lhes oferece como carência. Deste modo, as ruas e vielas ganham destaque, por sua pracialidade (emprestando conceito proposto por Queiroga), em íntima relação com a casa. Ao contrário dos bairros de classe média alta, onde a rua sofreu um esvaziamento no seu sentido de lugar e a antiga relação aberta entre casa e rua inexiste (Carlos 2004, Caldeira 2000), aqui a rua, a escadaria muitas vezes de terra, escavada no morro, a viela, a laje, constituem os espaços possíveis de lazer e encontro. Têm como freqüentadores uma vizinhança que possui vínculos construídos no dia-a-dia do bairro estabelecendo hábitos e modos de vida semelhantes, construindo e fortalecendo as redes sociais. Estamos diante de transformações no sentido que usualmente se atribui na diferenciação entre o espaço público e o privado, pois a casa e a rua (ou viela, por vezes espaços pouco delimitados nesse sentido) abremse para a vida coletiva, diluindo as fronteiras pretendidas tradicionais e revelando uma relação mais fluida e integrada entre o que é pessoal e o que é coletivo. (SANDEVILLE e ANGILELI, 2006, p.5) As regiões mais periféricas das cidades brasileiras, e também as favelas, apresentam poucos espaços destinados ao lazer, tanto de adultos como de crianças, levando-os a uma apropriação de certos espaços para suprir tais necessidades. Em Paraisópolis esta apropriação se dá principalmente nos espaços 126 de uso coletivo, como becos e vielas, lajes das casas em construção, porções de terra vazia esperando o momento de serem utilizadas, beiras de córregos, áreas de deposito de lixo, ou atualmente, em pequenos espaços remodelados pela Prefeitura no programa de urbanização da favela destinados a este fim. Imagem 75: Menino brincando nos escombros Imagem 76: Meninas pulando corda na rua 127 4.2.2. Centralidades Imagem 77: Centralidades Analisando a estrutura da favela de Paraisópolis, há de se admitir a existência de centralidades. Ela ocorre principalmente no viário ortogonal, único elemento planejado do assentamento, e mais claramente em torno das ruas: Rudolf Lotze, Herbert Spenser, Melchior Giola, Pasquale Gallupi, Ernest Renan e Itatinga. Esta constatação advém da observação de ali há uma maior concentração de comércio e serviços nas imediações destas áreas, o trânsito de pessoas é mais intenso, e se nota a presença de mais crianças brincando na rua. O mesmo fato ocorre com os automóveis, que encontram melhores condições para trafegar nestas áreas. Em contrapartida, nas regiões fora da zona de centralidade, principalmente 128 nas grotas, onde se encontram mais becos e vielas em péssimas condições de habitabilidade, quase não há comércio e serviços, e diminui muito a intensidade de pessoas, ainda que se encontre mais que nas ruas da cidade planejada, pois como já foi dito, a socialização existente na favela é uma de suas principais características. Nestas regiões, a relação entre o público e o privado se mistura ainda mais. As portas costumam estar abertas, encontram-se inclusive portas de banheiro abertas para a rua e pode-se escutar o morador tomando banho. Nestas áreas as casas parecem estar mais amontoadas e também a proximidade entre as pessoas é maior. Pode-se observar a existência de centralidades, ainda que de menor importância, na região das Grotas. São caminhos não planejados do assentamento que acompanham as curvas de níveis do terreno, onde se pode cruzar toda a região da Grota quase que linearmente. O principal atributo que a caracteriza como centralidade é o fluxo de pedestres e sua função de acessibilidade, portanto, estes percursos representam centralidades quando analisados no nível do setor que estão contidos, ou seja, não representam uma grande centralidade para o assentamento como um todo, mas sim, para os moradores que residem dentro do setor. Por isso são consideradas centralidades menores. 4.2.3. Percursos Para a leitura da utilização dos espaços coletivos na favela de Paraisópolis foi estabelecido um percurso ao longo do qual alguns lugares foram registrados a fim de ilustrar a apropriação dos espaços pelos moradores e assim entender sua relação com o espaço construído. O registro destes lugares se relaciona com os espaços coletivos destinados formal ou informalmente ao lazer na favela em questão. Nas favelas são os percursos que determinam os caminhos, ou seja, nenhum caminho é determinado sem um propósito, tudo na favela tem um porque de ser. Os percursos são trajetos feitos de um ponto específico a um destino conhecido, e são estes deslocamentos que determinam os caminhos formais de uma favela, seus becos e vielas. É através da adoção de um percurso traçado que desvendamos uma rede de espaços coletivos utilizados para fins de lazer. 129 O campo do palmeirinha: A Pelada é a matriz do futebol Sul Americano e, hoje em dia, mais nitidamente do africano. É praticada, como se sabe, por moleques de pés descalços, no meio da rua, em pirambeira, na linha de trem, dentro do ônibus, no mangue, na areia fofa, em qualquer terreno pouco confiável, em suma, pelada é uma espécie de futebol que se joga a partir do chão. Nesse esporte descampado, todas as linhas são imaginárias, ou flutuantes, como a linha da água no futebol de praia, e o próprio gol é coisa abstrata, o que conta mesmo é a bola e o moleque, o moleque e a bola, e por bola pode-se entender um pouco como uma laranja ou um ovo, pois já vi fazerem embaixada com um ovo. Daí quando o moleque encara uma bola de coro, mata a redonda no peito e faz a embaixada com o pé nas costas, e quando ele corre com testa erguida no gramado liso feito o mármore com a passagem de quem salta poças com o extinto, é uma elegância. Mas se a bola de futebol pode ser considerada sublimação do corpo ou a reabilitação do ovo, ou uma laranja em êxtase, para o peladeiro, o campo oficial às vezes não passa de um retângulo chato. Por isso mesmo, nas horas de folga nossos profissionais correm atrás dos rachas do futevôlei, como Garrincha largava as chuteiras do Maracanã para bater bola e pau grande, é a bola do moleque. (Chico Buarque de Holanda) Imagem 78: Fachada dos vestiários do campo de futebol do Palmeirinha. 130 O futebol tem grande importância no dia-a-dia do cidadão brasileiro e, portanto, faz parte de sua cultura. O equipamento do campo de futebol está presente em todas as favelas, e em muitos casos, e no caso de Paraisópolis, representa o único espaço especificamente destinado ao lazer dos moradores. É por isso que o campo de futebol do Palmeirinha representa o símbolo máximo da apropriação espacial em Paraisópolis. Visto de cima, o campo do Palmeirinha é uma extensa área livre em meio a um emaranhado de edificações em uma área amplamente adensada. Visto a partir do nível do pedestre, pessoas transitam pelo espaço e se interagem com ele, inúmeros elementos simbólicos atuam neste espaço. O Palmeirinha é simplesmente um retângulo de areia de 60,00 x 85,00m altamente respeitado por todos os moradores da comunidade de Paraisópolis. À sua volta, vielas estreitas acompanham as linhas retas do campo, e um emaranhado de edificações definem seu limite. Atualmente, juntamente com outras obras de urbanização na favela, o campo do Palmeirinha ganhou uma remodelação em seu entorno adequando o espaço a seu uso. Um alambrado cerca a área do campo para proteger os espectadores de serem atingidos pela bola; um de seus lados, a face norte, ganhou um banco para os reservas do time; fora do campo, na região da face sul, foi construída uma arquibancada em cinco níveis que é acessada por uma praça. Na região desta praça foi construído um vestiário para os jogadores. Na extensão da face leste, uma outra praça foi construída e dotada de equipamentos de lazer para as crianças. O campo do Palmeirinha e seu entorno é um território masculino, à sua volta homens desfilam com suas motos, na região da praça há sempre um carro com as portas abertas e pode-se escutar o som alto do rap saindo dos altofalantes, é uma região dotada de muitos bares com mesas de sinuca, churrascos do lado de fora dos estabelecimentos são freqüentes, e principalmente aos finais de semana, em dia de jogo oficial. 131 Imagem 79: Campo de futebol do Palmeirinha Imagem 80: Campo de futebol do Palmeirinha Imagem 81: Arquibancada do campo do Palmeirinha 132 Imagem 82: Entorno do campo do Palmeirinha Imagem 83: Praça do campo do Palmeirinha Imagem 84: Praça do campo do Palmeirinha 133 A pracinha: Localizada na rua Herbert Spenser, entre as ruas Ernest Renan e Iratinga, a pracinha (como denominada pelos moradores) é constituída por alguns bancos de concreto enfileirados entremeados por uma série de figueiras dispostas lado a lado. Construída pela iniciativa privada, a pracinha é um dos poucos lugares planejados da favela para fins de uso contemplativo. Mesmo assim, é um espaço flexível que possibilita uma infinita gama de formas de apropriação por seus usuários. É impossível passar pelo local duas vezes e encontrar a mesma cena. Os bancos enfileirados são utilizados de diversas maneiras, sempre criativas, e mesmo a simples função de assento nem sempre é apropriada da forma mais tradicional, sendo o encosto dos bancos também utilizado para sentar. Imagem 85: Pracinha 134 Imagem 86: Pracinha Imagem 87: Pracinha Imagem 88: Pracinha 135 O campinho: Situado nas imediações da rua Silveira Sampaio, a área do campinho (como denominada pelos moradores) não está exatamente contida dentro do perímetro da favela de Paraisópolis, porém é intensamente utilizado por seus moradores. Com uma vista privilegiada do assentamento, localiza-se em terreno elevado, com livre acesso a qualquer cidadão da cidade. Utilizado por “moleques de pés descalços”40, é o campo de futebol não oficial do assentamento. Enquanto no campo do Palmeirinha jogam times organizados e devidamente uniformizados, o futebol jogado no campinho é destinado ao lazer informal das horas vagas de seus usuários. A faixa etária dos jogares é mais baixa e parecem ser aspirantes a um dia se tornarem jogadores oficiais do campo do Palmeirinha. Imagem 89: Campinho 40 Chico Buarque de Holanda 136 Lazer na rua: Neste percurso, identificamos a rua como um importante lugar de lazer dos moradores da favela de Paraisópolis, que se apropriam dela e tornam os espaços mais inusitados excelentes recintos para brincadeiras, rocas de idéias e afins. A seguir uma série de imagens mostra a ação criativa dos moradores de Paraisópolis: Imagem 90: Meninos jogando bola em frente a uma loja de materiais de construção Imagem 91: Meninos brincando em frente a um estabelecimento fechado 137 A escadaria do Antoníco: Implantada pelo Projeto de Urbanização do Complexo Paraisópolis, a escadaria do Antoníco localiza-se no setor de mesmo nome, no final da rua Manoel Antonio Pinto. A extremidade da escadaria dá acesso à avenida Giovanni Gronchi na altura dos prédios gêmeos denominados “Twin Towers”. Altamente apropriado pelos moradores do assentamento, a escadaria possui patamares propícios para a permanência de pessoas, e é comum ver os moradores desfrutando deste espaço. Imagem 92: Escadaria do Antoníco 138 4.2.4. Bricolagem O espaço lúdico da bricolagem poderia ser considerado como a extravasão do lazer, que está presente na constituição da imagem da favela, principalmente na forma com que as casas são construídas. Há dois aspectos que caracterizam a bricolagem, e por conseqüência o bricoleur. É a ausência de projeto e, portanto presença do acaso, e sua instrumentalidade. Segundo Lévi-Strauss, “uma forma de atividade que, no plano técnico, nos permite compreender muito bem o que no plano da especulação, podia ter sido uma ciência que preferimos chamar de “primeira”, em vez de “primitiva”. É o que se costuma chamar de bricolagem”41. O termo “bricolagem” foi desenvolvido por Lévi-Strauss para designar um movimento acidental, não planejado, conforme citação abaixo: Em seu sentido antigo, o verbo bricoler se aplicava ao jogo de bola e do bilhar, à caça e à equitação, mas sempre para evocar um movimento incidental: o da bola que ricocheteia, do cão que corre ao acaso, do cavalo que desvia da linha reta para evitar um obstáculo. E, em nosso tempo, o bricoleur ainda é uma pessoa que trabalha com as mãos, usando meios divergentes em comparação com os do artesão. (LÉVI-STARUSS, 1969, citado por ROWE; KOETTER, 2006, p. 309) A bricolagem está ligada ao acaso, à ausência de projeto, à falta de ordem lógica no processo criativo/construtivo. O bricoleur nunca vai diretamente a um objetivo, não vai em busca da totalidade da obra, ele da voltas em torno dela, é um processo disperso e fragmentário. Outra característica da bricolagem, e por conseqüência do bricoleur, é questão de sua instrumentalidade. 41 LÉVI-STARUSS, 1969, citado por ROWE; KOETTER, 2006, p. 309. 139 O bricoleur é capaz de executar grande número de tarefas diversificadas, mas ao contrário do engenheiro, ele não subordina cada uma delas à obtenção de matérias-primas e ferramentas concebidas e arranjadas sob medida de seu projeto. Seu universo de instrumentos é fechado e as regras do seu jogo sempre implicam arranjar-se com o que estiver “`a mão”, isto é, com um conjunto de ferramentas e materiais que é sempre finito e também heterogêneo, porque a composição do conjunto não tem nenhuma relação com o projeto do momento, nem sequer com qualquer projeto em especial, mas é o resultado contingente de todas as ocasiões que se apresentam para renovar ou enriquecer o estoque, ou para conservar-lhe os resíduos de construções ou de destruições anteriores. Portanto, o conjunto de meios do bricoleur não pode ser definido por um projeto (o que pressuporia, ademais, como no caso do engenheiro, que houvesse tantos conjuntos instrumentais quantos fossem os tipos de projetos, pelo menos em tese). Só podemos defini-lo por sua instrumentalidade [...] porque os elementos são colhidos ou guardados devido ao principio de que “sempre podem servir para alguma coisa”. Esses elementos são de certo modo especializados, apenas o suficiente para que o bricoleur não necessite de equipamento e do conhecimento de todos os ofícios e profissões, mas não o suficiente para que cada um deles se restrinja a um uso definido e predeterminado. Cada elemento representa um conjunto de relações concretas e possíveis; são “operadores”, mas utilizáveis em quaisquer operações do mesmo tipo. (LÉVI-STARUSS, 1969, citado por ROWE; KOETTER, 2006, p. 309-310) O bricoleur utiliza diversos materiais colhidos aleatoriamente para a construção de seu objeto, ele nunca para de coletar, são materiais de segunda mão, na maioria dos casos já utilizados em outras arquiteturas, e o resultado alcançado da composição destes materiais é sempre diferente do que se tinha anteriormente, como define Jacques: “A bricolagem é uma reciclagem arquitetural sobretudo aleatória, que nasce da fragmentação de antigas arquiteturas”. (JACQUES, 2001, p.25) 140 Considerando-se a falta de projeto e o desconhecimento dos materiais que o bricoleur terá a mão, a bricolagem está diretamente ligada ao acaso, e o resultado final é sempre inesperado, tem o teor da incompletude, podendo estar sempre em transformação. A técnica da bricolagem está presente na favela de Paraisópolis em diversos âmbitos, principalmente na forma com que constróem seus abrigos sempre fragmentados, nunca concluídos, em constante transformação. A seguir, apresentamos uma série de imagens que mostram elementos construídos por bricoleurs na favela de Paraisópolis: Imagem 93: Rua Herbert Spenser - Bricoleur expõe objetos na fachada 141 Imagem 94: Rua Herbert Spenser Bricoleur expõe objetos na fachada Imagem 95: Castelo do Estevão, exemplo de bricolagem em Paraisópolis Imagem 96: Castelo do Estevão, exemplo de bricolagem em Paraisópolis 142 Conclusão A primeira dificuldade encontrada no desenvolvimento deste trabalho foi o desafio de fazer um trabalho no campo da arquitetura e urbanismo tendo por objeto o resultado espacial da ação espontânea e criativa do homem, ou seja, as formas de apropriação do espaço, como ponto de partida da pesquisa realizada. Deste modo, o aspecto que a norteou foi o reconhecimento e a busca da compreensão das formas criadas a partir da intervenção de seus moradores/construtores, a configuração espacial daquele espaço. A configuração da favela de Paraisópolis é o resultado de suas espacialidades42 , que por sua vez são as conseqüências das apropriações espaciais de seus moradores. Nestas formas de apropriação não se incluem apenas as funcionais, mas também as formas de expressão que podem ser lidas, vistas. São formas de vida e comunicação de seus moradores/construtores que determinam configurações, nunca estáticas, sempre em movimento, gerando um espaço diferenciado e rico, determinado exatamente por sua singularidade. É a alma da favela. Isto que denominamos de “alma da favela” é o que ela tem de mais rico, mais singular em relação a outros lugares da cidade, é a riqueza nas formas de apropriação dos espaços coletivos, e a intensidade com que convivem nele, o que deve ser preservado quando se propõem intervenções urbanas, e o que deve servir de exemplo para a configuração espacial da cidade regular. 42 Conceito discutido com a orientadora a partir da leitura de “Espacialidades da Esfera Pública na Urbanização Contemporânea: O Caso da Megalópole do Sudeste” de Eugenio Queiroga. 143 Bibliografia ABRAHÃO, Sérgio Luis. “O processo de significação do espaço público urbano como espaço público político”. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas) – FAUUSP, São Paulo, 2005. ALEXANDER, Christopher. “Uma cidade não é uma árvore”. Architectural Fórum, vol. 122, 1965. 27p. Disponível em: <http://www.vivercidades.org.br> Acesso em 16 abril 2007. ARANTES, Otília Beatriz Fiori; VAINER, Carlos; MARICATO, Ermínia. 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Fonte: Departamento de Rendas Imobiliárias – PMSP – SEHAB / HABI3...........................................................................41 Imagem 07: Planta de sobreposição: Loteamento original x barracos existentes Fonte: Secretaria de Planejamento - SEMPLA.........................................42 Imagem 08: Grotão - Fonte: Autora................................................................................44 Imagem 09: Sara Brasil década de 1930 - Fonte: Sara Brasil Arquivo Municipal da Cidade de São Paulo..............................................48 149 Imagem 10: Localização da atual Favela de Paraisópolis sobre carta base de 1950 Fonte: Coleção Vasp - Arquivo Municipal da Cidade de São Paulo..........49 Imagem 11: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea de 1962 Fonte: Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo – Instituto Agronômico – 3919...................................................................................50 Imagem 12: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea de 1972 Fonte: Base aerofotogrametria e projetos SA...........................................51 Imagem 13: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea 1994 Fonte: Base aerofotogrametria e projetos SA – faixa 9ª no 31.................52 Imagem 14: Localização de Paraisópolis e seu entorno sobre foto aérea 2007 Fonte: Satélite Ikonos................................................................................53 Imagem 15: Estruturas espaciais de algumas áreas metropolitanas segundo o modelo de Hoyt - Fonte: Villaça, 2001, p. 115.......................................55 Imagem 16: Obras de urbanização. 23/03/2007 - Fonte: Nicolau Piratininga...............58 Imagem 17: Morfologia do sitio. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano, Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002.....................................................................60 Imagem 18: Malha viária estrutural do assentamento de Paraisópolis Fonte: Satélite Ikonos................................................................................62 Imagem 19: Rede de água. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano, Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002.................................................63 Imagem 20: Rede de esgoto. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano, Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002.................................................64 Imagem 21: Espaços privados – Usos. Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano, Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002....................................66 150 Imagem 22: Rua Manoel Antonio Pinto - cruza a favela, no sentido leste-oeste 12/01/07. Fonte – Autora...........................................................................70 Imagem 23: Limites da favela de Paraisópolis - Fonte: Google Map............................72 Imagem 24: Acesso à favela de Paraisópolis pela Avenida Giovanni Gronchi 12/01/2007 - Fonte: Autora........................................................................73 Imagem 25: Rua Dep. Laércio Corte. 12/01/2007 - Fonte: Autora................................74 Imagem 26: Detalhe da calçada da rua Deputado Laércio Corte. 12/01/2007 - Fonte: Autora........................................................................75 Imagem 27: Córrego do Antoníco representa um limite de ocupação. 23/03/2007 - Fonte: Autora........................................................................76 Imagem 28: Limite entre a favela de Paraisópolis e o bairro do Morumbi. 16/05/2003 - Fonte: Autora.......................................................................77 Imagem 29: Acesso ao Grotinho obstruído por entulho. 25/03/2007 - Fonte: Autora........................................................................77 Imagem 30: Setores da favela de Paraisópolis - Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002....................................78 Imagem 31: Setor Centro - Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002.................................................80 Imagem 32: Loja de materiais para construção no setor do Centro em Paraisópolis. 23/03/2007 - Fonte – Autora......................................................................81 Imagem 33: Setor Grotinho e Grotão - Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002....................................82 Imagem 34: Grotinho, edificações precárias construídas em madeira. 25/03/2007 – Fonte: Autora.......................................................................83 151 Imagem 35: Grotão, barracos contruídos em madeira. 11/11/2007 – Fonte: Autora........................................................................83 Imagem 36: Setor Antoníco - Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002.................................................84 Imagem 37: Setor Brejo - Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002.................................................84 Imagem 38: Setor do Brejo - obras de urbanização. 23/03/2007 – Fonte: Autora........84 Imagem 39: Setor do Antoníco, córrego. 23/03/2007 – Fonte: Autora...........................85 Imagem 40: Setor Antoníco – obras de urbanização – implantação de áreas de lazer e melhora na acessibilidade - Fonte – Autora...................85 Imagem 41: Rede de Percursos - Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002.................................................86 Imagem 42: Rua Pasquale Gallupi. 12/01/2007 – Fonte: Autora...................................88 Imagem 43: Rua Melchior Giola. 23/03/2007 - Fonte: Autora........................................88 Imagem 44: Rua Ernest Renan, conflito entre veículos e transeuntes. 23/03/2007 - Fonte: Autora........................................................................88 Imagem 45: Rua Ernest Renan - Instalações comerciais invadindo a calçada. 23/03/2007 – Fonte: Autora............................................................................................89 Imagem 46: Rua Melchior Giola - Edificações invadindo a calçada. 23/03/2007 – Fonte: Autora.......................................................................89 Imagem 47: Rua Laerte Setúbal - Edificações invadindo a calçada. 23/03/2007 – Fonte: Autora.......................................................................89 Imagem 48: Beco Rui – travessa da rua Melchior Giola. 23/03/2007 - Fonte: Autora........................................................................90 152 Imagem 49: Na rua Manoel Antonio Pinto, um exemplo de utilização da rua como espaço de lazer e ócio. 25/03/2007 - Fonte: Autora..................92 Imagem 50: Campo do Palmeirinha, importante ponto nodal de Paraisópolis. 26/08/2007 - Fonte: Autora........................................................................93 Imagem 51: Campo de Futebol Palmeirinha – importante ponto de encontro da comunidade. 23/03/2007 - Fonte Nicolau Piratininga...........................95 Imagem 52: Igreja Mundial do Poder de Deus. 25/03/2007 – Fonte: Autora.................95 Imagem 53: Edifícios Gêmeos da Avenida Giovanni Gronchi Fonte: Revista Piauí no 5, fevereiro, 2007................................................96 Imagem 54: Edifícios Gêmeos da Avenida Giovanni Gronchi Fonte: MARICATO, Ermínia. Habitação e Cidade: Coordenação Wanderley Loconde. São Paulo: Atual, 1997.....................97 Imagem 55: Edifícios Gêmeos da Avenida Giovanni Gronchi - Fonte: Autora..............97 Imagem 56: Castelo do Estevão - Fonte Nicolau Piratininga.........................................98 Imagem 57: Castelo do Estevão. 13/09/2007 – Fonte Autora.....................................100 Imagem 58: Rua Laerte Setúbal. Agosto 2006 – Fonte Autora....................................102 Imagem 59: Rua Laerte Setúbal. Março 2007 – Fonte Autora.....................................102 Imagem 60: Rua Laerte Setúbal. Abril 2007 – Fonte Autora........................................102 Imagem 61: Ambiente interno do Castelo do Estevão. 2003. – Fonte Autora.............104 Imagem 62: Construções fragmentadas no setor do Grotinho 25/03/2007 – Fonte: Autora.....................................................................105 Imagem 63: Construções fragmentadas no setor do Antoníco 25/03/2007 – Fonte: Autora.....................................................................105 Imagem 64: Construções fragmentadas no setor do Antoníco 25/03/2007 – Fonte: Autora.....................................................................105 Imagem 65: Sensação de permanência - Fonte: Autora..............................................106 153 Imagem 66: Imagem labiríntica do espaço de Paraisópolis. 12/01/2007 - Fonte: Autora......................................................................107 Imagem 67: 23/03/2007 - Fonte: Autora.......................................................................109 Imagem 68: Proximidade entre a favela de Paraisópolis e o Bairro do Morumbi. 2003 - Fonte: Autora.................................................................................112 Imagem 69: 11/11/2007 - Fonte: Autora.......................................................................109 Imagem 70: Setor centro – Homem na janela. 11/11/2007 – Fonte: Autora................122 Imagem 71: Setor centro – Moça na varanda. 11/11/2007 – Fonte: Autora................123 Imagem 72: Grotão – Jovem na varanda. 11/11/2007 – Fonte: Autora.......................123 Imagem 73: Mulheres conversando na soleira. 11/11/2007 – Fonte: Autora..............124 Imagem 74: Roupas deixadas para secar do lado de fora da casa. 11/11/2007 – Fonte: Autora......................................................................124 Imagem 75: Menino brincando nos escombros. 23/03/07 – Fonte: Autora.................127 Imagem 76: Meninas pulando corda na rua. 26/08/07 – Fonte: Autora.......................127 Imagem 77: Centralidades – Fonte: Fonte: Prefeitura do Município de São Paulo e Secretaria da Habitação e do Desenvolvimento Urbano. Diagnóstico Urbanístico Ambiental, 2002..................................128 Imagem 78: Fachada dos vestiários do campo de futebol do Palmeirinha. 26/08/07 – Fonte: Autora.........................................................................130 Imagem 79: Campo de futebol do Palmeirinha. 15/05/2003 – Fonte Autora………….132 Imagem 80: Campo de futebol do Palmeirinha. 26/08/2007 – Fonte Autora…………132 Imagem 81: Arquibancada do campo de futebol do Palmeirinha. 26/08/2007 – Fonte Autora..........................................................................…………....132 Imagem 82: Entorno do campo do Palmeirinha. 11/11/2007 – Fonte Autora..............133 Imagem 83: Praça do campo do Palmeirinha. 26/08/2007 – Fonte Autora.................132 Imagem 84: Praça do campo do Palmeirinha. 26/08/2007 – Fonte Autora.................132 Imagem 85: Pracinha. 11/11/2007 – Fonte Autora...................................................…134 154 Imagem 86: Pracinha. 13/09/2007 – Fonte Autora...................................................…135 Imagem 87: Pracinha. 13/09/2007 – Fonte Autora...................................................…135 Imagem 88: Pracinha. 11/11/2007 – Fonte Autora...................................................…135 Imagem 89: Campinho. 11/11/2007 – Fonte Autora.................................................…136 Imagem 90: Meninos jogando bola em frente a uma loja de materiais de construção.11/11/2007 – Fonte Autora............................................…137 Imagem 91: Meninos brincando em frente a um estabelecimento fechado. 11/11/2007- Fonte Autora.........................................................................137 Imagem 92: Escadaria do Antoníco. 23/03/2007 – Fonte Autora.................................138 Imagem 93: Rua Herbert Spenser - Bricoleur expõe objetos na fachada. 11/11/2007 – Fonte Autora.......................................................................141 Imagem 94: Rua Herbert Spenser - Bricoleur expõe objetos na fachada. 11/11/2007 – Fonte Autora.......................................................................142 Imagem 95: Castelo do Estevão, exemplo de bricolagem em Paraisópolis. 2003 - Fonte: Autora................................................................................142 Imagem 96: Castelo do Estevão, exemplo de bricolagem em Paraisópolis. 2003 - Fonte: Autora................................................................................142 155 Índice das tabelas Tabela 01: Favelas do Município de São Paulo: Evolução da infra-estrutura em porcentuais Fonte: Pasternak, 2006, p.193 ....................................................................14 Tabela 02: Favelas do Município de São Paulo: Evolução das condições materiais dos domicílios Fonte: Pasternak, 2006, p.193.....................................................................15 Tabela 03: Favelas do Município de São Paulo: Evolução das condições de ocupação dos domicílios Fonte: Pasternak, 2006, p.193.....................................................................15 Tabela 04: Comparativo sobre bens de consumo individual, Brasil, Sudeste, estado de São Paulo, município de São Paulo, e favelas do município de São Paulo, 2000. Domicílios que possuem o bem, em porcentagem Fonte: Pasternak, 2006, p.196.....................................................................17 Tabela 05: Evolução da população – Cidade de São Paulo e Região Metropolitana, 1872-1996 Fonte: Caldeira, 2000, p. 213.......................................................................23 Tabela 06: Indicadores socioeconômicos, 1980 e 1991 – Periferia e cidade de São Paulo -. Fonte: Caldeira, 2000, p. 237.......................................................................34 156