OS SENTIMENTOS DO ENFERMEIRO NO CUIDADO A PACIENTES "FORA DE POSSIBILIDADES TERAPÊUTICAS” FREITAS, Francielle Paula de SANTOS, Lais Lisboa BRASIL, Virginia Visconde INTRODUÇÃO O ser humano é dotado em sua essência de sentimentos e emoções, o que o torna sensível ao sofrimento alheio. E o “ser enfermeiro” sente-se ainda mais desafiado, porque é ele que estará no papel de cuidador da pessoa que sofre. O ato de cuidar do outro envolve atenção, responsabilidade, respeito, limite e até mesmo o medo; é a compreensão do outro em sua totalidade. Mas antes de cuidar do paciente, os enfermeiros necessitam compreender a si próprios e suas necessidades. Para Silva (2000) “cuidar é, na verdade, espargir amor, esbanjar carinho e felicidade a quem precisa”. O cuidar envolve desafios que abordam parâmetros pessoais, profissionais e institucionais. Enfrentá-los significa envolver-se e importar-se com os resultados das ações realizadas. Quando o cuidado tem por constante a possibilidade da morte próxima requer do profissional um suporte que necessita ser desenvolvido. Em especial, lidar com indivíduos considerados “fora de possibilidades terapêuticas” (FPT) é um desafio ainda maior, pois eles se encontram com sua perspectiva de vida alterada e sem solução prevista. A definição de um paciente FPT não é algo simples, pois envolve fatores clínicos, éticos e pessoais (do profissional e do paciente), inclusive porque, muitas vezes, a equipe que o atende, o vê com um prognóstico favorável, mas ele próprio sente-se incapacitado para “lutar” e se entrega à morte. Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version Para Gutierrez (2001) um paciente é considerado FPT “quando se esgotam as possibilidades de resgate das condições de saúde ... e a possibilidade de morte próxima parece inevitável e previsível”. A definição de Kipper (1999) considera um paciente FPT como sendo aquele “cuja condição é irreversível, independentemente de ser tratado ou não, e que apresenta uma alta probabilidade de morrer num período relativamente curto de tempo”. Uma abordagem diferente é apresentada por Gelain, citado por Ferreira & Camponogara (2001) ao especificar que FPT “é o estado em que a pessoa doente está com iminência da morte”. Tais definições apresentam intrinsecamente fatores clínicos destes pacientes que são irreversíveis, ou seja, todo o seu organismo está em fase terminal, não havendo medicamentos, cirurgias ou qualquer outra forma de tratamento que restabeleça sua saúde, tendo apenas como apoio, cuidados físicos, psicológicos e espirituais, por parte da equipe de enfermagem, na tentativa de amenizar seus sofrimentos. A consideração pelo paciente holisticamente, sem desumanizá-lo, pode ser considerado uma ordem ética. Assim, a ética da vida (bioética), segundo Boemer et al. (1997) “tem sido descrita enquanto o estudo sistemático da conduta humana na área das ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que essa conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais”. Diante dos pacientes FPT, a bioética é bastante atuante, pois ela engloba questões desde o início ao término da nossa vida. É nesta ótica que devemos considerar a situação destes pacientes e respeitar a “trindade da bioética”. Para Boemer et al. 1997 “a beneficência é fazer o bem ...”; “a autonomia é a troca mútua, o respeito do outro enquanto cidadão e pessoa humana ...” e “a justiça é a distribuição justa, eqüitativa e universal dos benefícios dos serviços de saúde”. Os assuntos relacionados à fase terminal da vida têm gerado discussões muitas vezes polêmicas e paradoxais, por envolverem um tema “tabu” em nossa sociedade – a morte. Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version A morte é abordada por Fernandes et al. (1984) como parte da evolução humana. Ele considera que “o homem como um ser em constante evolução, procura se adaptar às alterações conseqüentes à mutação temporal. Entretanto, independente da época, ao deparar com a morte, ele sente medo e isto é reconhecido universalmente”. Mesmo que a morte e o morrer sejam temas discutidos nas escolas e inteiramente ligados ao paciente FPT e ao profissional que o atende, “é impossível interagir com o paciente sem participar com ele de seus sofrimentos” (Travelbee, citado por Ferreira & Camponogara, 2001). Em alguns momentos, inconscientemente, o enfermeiro tende a associar a morte do paciente com o seu próprio fracasso ou com a sua própria morte ou de um ente querido. Como afirma Gauderer (1991) “o ser humano, pela própria natureza finita de sua existência, tem um natural e instintivo fascínio e medo da morte. Sempre existiu e vai continuar a existir um poder para manipular, modificar, alterar, influir e tentar subtrair a morte. O próprio conceito de vida implica a existência da morte, mas é exatamente isso que nós “mortais” tentamos negar, inclusive quando usamos a palavra “mortal”. Diante da morte, muitos profissionais temem o insucesso, e terminam por adotar “um comportamento de evitação” (Pimentel et al., 1978) do paciente, distanciando-se dele, na busca, muitas vezes, de defenderem a si mesmos, com atitudes que os levam a estarem mais fragilizados e menos atuantes. Remen (1993) vem reafirmar esta reflexão ao dizer que “para cuidar da pessoa inteira, é preciso estar presente como uma pessoa inteira; do contrário, a capacidade para compreender, responder e se relacionar torna-se limitada”. Para ajudar o paciente FPT e seus familiares, o enfermeiro deve examinar seus próprios sentimentos sobre a morte e experiências próprias, para adquirir uma atitude profissional essencialmente humana, de maneira a oferecer um final de vida menos penoso para o enfermo e sua família. Não se deve esquecer que a morte faz parte do ciclo vital, ou seja, não se trata apenas de um “acidente biológico evitável” (Fischer & Silva, 2003). Considerando que a enfermagem se responsabiliza pelo atendimento das necessidades humanas básicas de forma holística, entende-se que, para concretizar tais Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version ações, o enfermeiro necessita estar preparado também para enfrentar os sentimentos gerados pelo sofrimento do paciente. Isso significa que para desempenhar bem o seu papel de cuidador o enfermeiro precisa estar bem emocionalmente. Diante de tal questionamento, justificou-se a necessidade de investigar quais sentimentos do enfermeiro estão presentes diante do paciente FPT. A percepção sobre a maneira como cada um lida com essa situação, pode desencadear a reflexão entre os profissionais sobre como lidar com os próprios sentimentos para que não interfiram no atendimento ao indivíduo. Além disso, pode servir como indicador para a academia, ao elaborar os objetivos dos cursos de enfermagem. OBJETIVOS Tivemos como objetivos neste trabalho: Identificar os sentimentos relatados por enfermeiros, ao cuidar de pacientes considerados “fora de possibilidades terapêuticas” e verificar se os enfermeiros se consideram preparados para lidar com pacientes FPT. METODOLOGIA Tipologia e Local do Estudo: tratou-se de um estudo descritivo com abordagem qualitativa, que foi realizado no Hospital de Doenças Tropicais da cidade de Goiânia – GO. A escolha deste local para a realização de nosso estudo foi pela conveniência de encontrar ali uma população adequada para o nosso objetivo, tendo em vista que esta instituição assiste um número considerável de pacientes “fora de possibilidades terapêuticas”. População: os sujeitos da pesquisa foram os enfermeiros do Hospital de Doenças Tropicais, que concordaram em participar do estudo. Coleta de dados: a coleta de dados foi realizada pelas autoras do trabalho, no período de abril a maio de 2004, no local e horário estabelecidos pelos voluntários da pesquisa. Aplicou-se um formulário que foi preenchido pelos sujeitos da pesquisa respondendo às seguintes questões: “Quais são seus sentimentos ao cuidar de um paciente FPT?”; ”Você se considera um profissional emocionalmente preparado para cuidar de um paciente FPT? Justifique sua resposta” e “O que você acha que poderia Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version ser feito para lhe ajudar com relação aos seus sentimentos ao cuidar deste paciente?”. Os dados foram agrupados por similaridade. ANÁLISE DOS DADOS Questionados sobre quais são os sentimentos ao cuidar de uma paciente "fora de possibilidades terapêuticas" as respostas encontradas foram: impotência, solidariedade, questionamento, perda, pesar e fragilidade. Quando questionados sobre seu preparo emocional para cuidar de um paciente FPT, todos afirmaram estar preparados, mas apesar disso, não deixam de sofrer; "embora o paciente esteja com seu prognóstico fechado, os cuidados de enfermagem básicos devem ser mantidos até o fim, tais como: higiene pessoal, conforto e bem estar, mesmo que o paciente não tenha parâmetros para RCP". "Em nossa profissão deparamo-nos com situações que abalam muito nosso emocional, tenho conseguido trabalhar bem este lado, buscando equilíbrio pois, normalmente o enfermeiro é o ponto de apoio da equipe ...". E uma outra questão, foi o que eles achavam que poderia ser feito para lhes ajudar com relação aos seus sentimentos ao cuidar destes pacientes. Alguns afirmaram necessitar de acompanhamento psicológico e maior interação com familiares; outro afirma que nada pode ser feito ... " não existe nenhum tratamento para pessoas fazerem suas obrigações com amor e dedicação, infelizmente, hoje em dia, muitas pessoas estão entrando na área da enfermagem pela facilidade de emprego e não pela necessidade de cuidar, isto não é uma questão de sentimento". CONCLUSÃO Concluímos que para oferecer um apoio ao paciente FPT e seus familiares, o enfermeiro, mesmo preparado, deve contar com um suporte emocional durante e após a graduação; ele deve examinar seus próprios sentimentos e em relação a morte, para adquirir uma atitude humanizada, oferecendo um final de vida menos doloroso ao paciente e sua família, e possibilitando-o repousar a morte como seqüência da vida. Create PDF with PDF4U. If you wish to remove this line, please click here to purchase the full version REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICA BOEMER, M. R.; SAMPAIO, M. A.. O exercício da enfermagem em sua dimensão bioética. Revista latino-americana de enfermagem. v. 5, n. 2, p. 33 – 38, abr, 1997. BRASIL. Ministério da Saúde. 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