Excelentíssimo Senhor Presidente da Academia Nacional de Medicina, Prof. Dr. Pietro Novellino; Excelentíssimas Autoridades que compõem a mesa diretora desta sessão; Excelentíssimos Membros desta Academia; Queridos Familiares e Amigos do Acadêmico e Ex-Presidente Augusto Paulino Soares de Souza Netto; Senhoras e Senhores: Espero poder, neste momento, como Orador desta Casa, emprestar minha voz para expressar os sentimentos de carinho e ternura que perpassam os corações de cada um de nós, membros da Academia Nacional de Medicina. Através desta cerimônia sóbria e simples, como tudo o que é nobre deve ser, se torna definitivamente presente a memória de nosso confrade Augusto Paulino Soares de Souza Netto. Despido do corpo mortal, seu espírito se faz perene, perpetuando nesta Casa os valores que marcaram a contribuição mais que centenária dos Paulinos. Para ser fiel ao Netto, não é possível contemplá-lo fora de sua estirpe de médicos, iniciada pelo seu avô, Augusto Paulino Soares de Souza, que se formou em 1899 e foi professor de cirurgia. Seu pai, Augusto Paulino Soares de Souza Filho e seu tio, Fernando Paulino Soares de Souza, formaram-se em 1927 e 1928, respectivamente. Ambos foram, também, professores de cirurgia. Todos foram membros desta Casa, ocupando a mesma Cadeira 39. Augusto Paulino Soares de Souza Netto, nascido no Rio de Janeiro em 1932, formou-se em 1956 pela Faculdade Nacional de Medicina da Universidade do Brasil e como seu pai, avô e tio, também foi professor de cirurgia. Livre-docente em cirurgia pela Universidade Federal Fluminense, foi Professor Titular de cirurgia da Escola Médica de Pós-Graduação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro e Professor Titular de clínica cirúrgica e Chefe do Departamento de Cirurgia da Escola de Medicina Souza Marques. Nos Estados Unidos da América do Norte foi Visiting Professor of Surgery da Mount Sinai School of Medicine (1977), do Departamento de Cirurgia do University of Illinois College of Medicine (1988) e da Page and William Black Post-Graduate School of Medicine of The Mount Sinai School of Medicine (1991). O Acadêmico Augusto Paulino Netto foi Chefe de cirurgia do Hospital Souza Aguiar do Rio de Janeiro e chefe da 13ª Enfermaria da Santa Casa da Misericórdia do Rio de Janeiro. O Acadêmico Augusto Paulino Netto foi Membro Titular e Emérito do Colégio Brasileiro de Cirurgiões; da Sociedade Brasileira de Gastroenterologia; da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia; da Societé Internationale de Chirurgie; da Associação Latino-Americana de Academias de Medicina e do Conselho de Integração Social da Universidade Estácio de Sá. Foi ainda membro fundador do Colégio Internacional e do Colégio Brasileiro de Cirurgia Digestiva e da Sociedade Brasileira do Pâncreas, onde também foi presidente. "Fellow" do American College of Surgeons e do American College of Gastroenterology; Governor para o Brasil dos mesmos Colégios; presidente do Capítulo Brasileiro do Colégio Americano de Cirurgiões. Membro titular da Academia Nacional de Medicina desde 1989, da qual foi vice-presidente (1999-2001) e presidente (2001 e 2003), também foi Membro Honorário da Academia Nacional de Medicina da França, da Academia de Ciências Médicas da Romênia e da Academia de Medicina do Piauí. Augusto Paulino recebeu as medalhas da Ordem do Mérito Médico do Brasil; do Mérito Judiciário Maçônico do Grande Oriente do Rio de Janeiro; da Academia Nacional de Medicina da França e da Academia de Medicina de Portugal, e a medalha Paulo Carneiro da Academia Brasileira de Letras. Foi homenageado pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões, pela Sociedade de Gastroenterologia do Rio de Janeiro e pelo Hospital Municipal Souza Aguiar. Recebeu, também, o Diploma de Honra ao Mérito do Colégio Brasileiro de Cirurgiões. Augusto Paulino Neto, como os outros três membros desse tronco familiar, ao longo de mais de cem anos engrandeceram esta Instituição pela vivência das virtudes da ciência, da compaixão, do civismo, da gentileza e da misericórdia. Todos, nos diferentes momentos da história da medicina que viveram e construíram, não só dominaram pelo estudo o saber vigente, como promoveram seu progresso pela pesquisa. Mais ainda, ultrapassaram a ciência médica que dominavam e a professaram como arte, o que só é alcançado pelo exercício da compaixão, que humaniza a humana arte de curar. Como os de sua gente, Augusto Paulino Soares de Souza Netto não exerceu a medicina como prática solitária. Provido de senso cívico, hipocraticamente foi mestre, formou discípulos, constituiu escola, marcou a história da medicina brasileira pela excelência na cirurgia, da qual foi um expoente nas questões ligadas às doenças pancreáticas. Nesta Academia Nacional de Medicina, que Augusto Paulino Soares de Souza Netto presidiu com tanto brilho, sua imortalidade acadêmica está fixada em seus Anais, onde ficam registradas as marcas que deixa na história da medicina brasileira. Todavia, a figura de Augusto Paulino Netto excede a do cidadão consciente, médico competente e mestre ilustre. Sua fidalguia e gentileza seduziram e tomaram posse do coração de seus amigos. Dessa morada interior fez seu castelo do afeto, onde foi senhor amado, o que explica a presença de cada um dos que aqui vieram para esta cerimônia. Esse amor conquistado é a causa da dor e da alegria que sua partida nos suscita. Dor, pois com a morte de nossos amados perdemos uma parte de nós próprios e ficamos menores. Alegres, pois o encontro de nossas vidas nos fez maiores. Paulino Netto foi um dom de Deus que partilhamos. Augusto Paulino não foi só senhor do castelo de nossos corações pela sua gentileza, mas também foi senhor do Castelo, não do arrasado, mas do construído, indo da Enfermaria 13 à Cadeira 39, conquistadas pela misericórdia que o levou a passar tantas de suas horas na Casa Santa da Rua Santa Luzia e pelo carinho que devotou à Academia Nacional de Medicina, dois grandes amores de sua vida. Seu nome está gravado nos pilares dessas duas Casas, sedes da benemerência e do saber, cujas histórias se entrelaçam. Ambas foram nutridas pelo seu amor e dedicação. Permita-me agora, Senhor Presidente, que extrapole o papel de Orador desta Casa e fale em nome próprio, testemunhando um momento particularmente importante de sua vida. Dois dias antes de sua morte, Mônica me telefonou sugerindo que fosse visitar Paulino no hospital. Fui, e o encontrei lúcido e sereno. Ofereci-lhe o que um sacerdote católico pode oferecer diante da doença: a unção dos enfermos. Ao lado de sua filha, lemos alguns trechos da Sagrada Escritura e rezamos juntos. Creio que este tenha sido um momento importante, pois claramente ele desejou e foi capaz de colocar-se confiantemente nas mãos de Deus. Sabia de seu fim próximo e isso não o assustava. No olhar privilegiado que antecede a partida final, certamente encontrou o sentido global de sua vida, marcada pela sua inteireza coerente. Neste olhar já sem ambições terrenas, encontrou a dimensão maior que tudo suplanta. Sua fala, seus gestos e olhar transmitiam a paz, porto seguro que esperamos todos atingir no limiar da eternidade. Tive, portanto, ao lado de sua filha, o privilégio de presenciar o encontro iluminado pela fé de Paulino com o próprio Criador. Requiescat in pace – descanse em paz – deixa de ser um desejo para ser uma conclusão. Prezada Mônica, querida “esposa querida” de nosso confrade e amigo; filhos e netos desse homem nobre que só pode ser modelo para suas vidas, bem como para a de todos seus amigos e discípulos que aqui vieram: a brevidade desta cerimônia representa o quanto sua vida foi curta para a grandeza de seus projetos, sonhos e anseios, dos quais somos seus herdeiros. Augusto Paulino Netto: sua generosidade e gentileza o fazem imortal em nossos corações. Adeus, Augusto, pois em Deus nos encontraremos!