Coleção Ignatiana — 39 Coleção Ignatiana 1. Vida religiosa na Companhia de Jesus (esg.) 2. Mensagens à Companhia de Jesus (esg.) 3. Orientações para a Companhia de Jesus (esg.) 4. A experiência de Deus na vida religiosa, Pedro Arrupe (esg.) 5. Fome de pão e evangelização, Pedro Arrupe (esg.) 6. A Igreja é a esperança dos homens, Pedro Arrupe (esg.) 7. Diretrizes para a formação, VV.AA., 2ª ed. (esg.) 8. A obra de aculturação, Pedro Arrupe (esg.) 9. Comunidade apostólica, Pedro Arrupe e outros 10. Discernimento comunitário, 2ª ed. (esg.) 11. O nosso modo de proceder, Pedro Arrupe (esg.) 12. Comunidades de vida cristã, Pedro Arrupe e outros 13. Para chegar à CVX, 2ª ed. 14. Inspiração trinitária do carisma inaciano, Pedro Arrupe 15. Colaboração fraterna na obra de evangelização, P. Arrupe (osg.) 16. Nossos colégios: hoje e amanhã, 2ª ed., (esg.) 17 Análise marxista, Pedro Arrupe (esg.) 18. O superior local e a conta de consciência 19. Palavra de Inácio de Loyola a um jesuíta de hoje 20. Discurso do papa João Paulo II aos provinciais 21. Informação sobre a formação 22. Normas para a Companhia de Jesus 23. A vocação do irmão jesuíta, George E. Ganss 24. Lançando sementes de fé e justiça, Robert J. Starratt 25. Companheiros de Jesus enviados ao mundo de hoje 26. Opção preferencial pelos pobres 27. Deliberação que deu origem aos jesuítas 28. Exercícios de discernimento frente à realidade social (esg.) 29. Apostolado universitário na Companhia de Jesus 30. Fé e justiça nos Colégios da Companhia de Jesus (esg.) 31. Cartas, alocuções e homilias, Peter-Hans Kolvenbach 32. Novas cartas, alocuções e homilias 33. Cartas a todos os jesuítas 34. Diretrizes da formação da Companhia de Jesus no Brasil 35. Primeira Congregação dos Provinciais Jesuítas 36. Antigos alunos e a espiritualidade inaciana 37. Princípios gerais da comunidade de vida cristã, CVX 38. Visita do Padre Geral ao Brasil 39. Subsídios para a pedagogia inaciana Subsídios para Pedagogia Inaciana a Edições Loyola Rua 1822, nº 347 — Ipiranga 04216-000 — São Paulo, SP Caixa Postal 42.335 — 04299-970 — São Paulo, SP U (011) 6914-1922 FAX: (011) 63-4275 Home page: www.ecof.org.br/loyola e-mail: [email protected] Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. ISBN: 85-15-01642-7 © Edições loyola, São Paulo, Brasil, 1997. Índice Apresentação ................................................................... 7 Contribuições para a implementação da Pedagogia Inaciana na América Latina Introdução ......................................................................... 11 I. O paradigma pedagógico inaciano ........................... Experimentar..................................................................... Refletir............................................................................... Ação.................................................................................. Avaliação........................................................................... 15 20 21 24 26 II. Os sujeitos do paradigma ........................................ 31 III. O paradigma inaciano em âmbito institucional . Introdução....................................................................... O objetivo externo de nossos colégios ........................ A experiência do contexto . .......................................... A formação das pessoas responsáveis pela mudança. 33 33 34 36 45 Anexo 1: Notas ao paradigma inaciano ..................... 53 1. A partir da perspectiva do carisma inaciano............. 53 2. Fé, justiça e discernimento no paradigma inaciano . 54 3. A partir da antropologia filosófica ............................. 55 “Cartilha do PPI” Apresentação da Cartilha do PPI . ............................ Contextualização (PPI nn. 33-41)................................... Experiência (PPI nn. 42-46)............................................ Reflexão (PPI nn. 47-58)................................................. Ação (PPI nn. 59-62)....................................................... Avaliação (PPI nn. 63-67)............................................... Vantagens do paradigma pedagógico inaciano (PPI)..... Aplicabilidade do paradigma pedagógico inaciano........ Ficha do PPI..................................................................... Traços típicos da pedagogia inaciana............................. 59 60 63 65 66 67 69 70 71 73 O Professor do Colégio Jesuíta como educador da fé O professor do colégio jesuíta como educador da fé ... 1. Introdução, histórico e finalidade do documento...... 2. A educação formal como campo de evangelização... 3. Situação e missão do professor num colégio jesuíta. 4. A educação da fé num colégio jesuíta....................... 5. O sentido da fé que promove a justiça...................... 6. Etapas ou pedagogia da fé.......................................... 7. Os agentes do serviço de Educação da fé................. 8. Meios de exercer a Educação da fé........................... 9. Os exercícios espirituais de Santo Inácio como escola de fé.................................................................. 10. Dificuldades e desafios da educação da fé.............. 11. Formação religiosa do educador da fé..................... 12. Implicações e conseqüências para o colégio jesuíta... 13. Conclusão................................................................... Bibliografia 79 79 80 83 85 86 87 88 89 91 92 93 95 97 . ..................................................................... 99 Explicação de alguns termos usados no documento ... 101 6 Apresentação Após o lançamento do documento Pedagogia inaciana — uma proposta prática, a CONEJ (Comissão Nacional de Educação dos Jesuítas) publica agora uma série de subsídios que muito poderá contribuir para a compreensão e a implementação do paradigma pedagógico inaciano. O primeiro é uma contribuição dos delegados de educação jesuíta da América Latina e enfatiza a necessidade de implantar a pedagogia inaciana, tendo como referência o contexto do nosso continente. O segundo, elaborado pelo Centro Pedagógico Pe. Arrupe, é uma “cartilha”. Como o próprio título sugere, pretende ser algo que facilite uma primeira aproximação ao documento Pedagogia inaciana, mas que não dispense a leitura e o estudo aprofundado do próprio documento. Por último, um texto elaborado por Pe. Martinho Lenz, que nos remete a uma reflexão sobre o papel do professor como educador da fé. Trata-se de um texto de plena atualidade que muito poderá contribuir para aprofundar a missão dos educadores nos colégios, à luz da proposta pedagógica inaciana. Salvador, 10 de setembro de 1997. Pe. Domingos Mianulli, sj Coord. CONEJ 7 Contribuições para a implementação da Pedagogia Inaciana na América Latina 10 Introdução A publicação das Características da educação da Companhia de Jesus (1986) foi recebida muito positivamente por todas as instituições educativas dos jesuítas. Nesse texto fica definida a identidade de tais instituições da Companhia no nosso tempo. Essas diretrizes e orientações foram então especificadas e traduzidas em cada Província, conforme os desafios e necessidades dos contextos locais, nacionais e regionais. Daí surgiram os próprios “Planejamentos apostólicos”, “Projetos educativos”, “Propostas do centro educativo” ou “Carta de princípios”. Mediante tais documentos, promoveu-se a divulgação e a assimilação paulatina das Características nos diversos centros de educação. No processo de sua aplicação concreta, ficou evidenciada, no entanto, a necessidade de uma metodologia mais específica e operativa. Para responder a tal necessidade, o ICAJE, sob a coordenação de Pe. Vincent Duminuco, secretário-geral para o apostolado educativo, elaborou o documento Pedagogia inaciana: uma proposta prática1. Tal documento supõe, naturalmente, que em cada região deverão ser feitas ainda as adaptações culturais pertinentes. Os delegados de educação das Assistências da Companhia de Jesus na América Latina, desejosos de assumir tal responsa1. Publicado por Edições Loyola em outubro de 1993. 11 bilidade e promover esse trabalho em continuidade e coerentemente com tais documentos, oferecem com estas Contribuições as linhas fundamentais para a adaptação e a implementação práticas em nossas instituições educativas. O documento elaborado pelo ICAJE é para todos nós o marco referencial compartilhado com as outras regiões da Companhia de Jesus no mundo. Ao realizar agora um primeiro esforço para adaptá-lo a nosso próprio contexto, assinalamos como elementos específicos na América Latina e como algo que nos deve orientar na aplicação progressiva da pedagogia inaciana os seguintes pontos: • A referência explícita a nosso próprio contexto e o convite a assumi-lo como referência em nossos planejamentos e em nosso trabalho educativo. • O retomar da experiência vivida neste continente durante as últimas décadas: nestes anos tem havido um frutuoso esforço para aprender a descobrir o Senhor nos rostos sofridos do continente. Esta tarefa nos tem levado a unir a análise da realidade com o discernimento apostólico. Neste esforço, descobrimos que o paradigma proposto pela Conferência Episcopal em Medellín (ver-julgar-agir) se enriquece e esclarece mediante as cinco etapas com que resumimos o processo paradigmático dos Exercícios. • A decisão de enquadrar o trabalho de nossas instituições educativas no conjunto do plano apostólico de cada uma de nossas Províncias, dispostos ao apoio mútuo e à colaboração que isso exige com as outras áreas de nosso trabalho. A intenção fundamental das presentes páginas é sugerir caminhos concretos e adaptados à realidade latino-americana, de modo que em nossos colégios e em todas as formas de nosso serviço educativo se obtenham a renovação e as mudanças necessárias na instituição, nas pessoas e na prática educativa. Três são os pressupostos fundamentais deste documento das Contribuições: Primeiro. A finalidade de todo o serviço educativo da Companhia de Jesus, derivada da missão do serviço da fé e da 12 justiça, é promover a formação das pessoas que constituem a comunidade educativa, a fim de que todos possamos cooperar para a transformação de nossa realidade social, na justiça, no amor e na verdade. Segundo. Para nos encaminhar a tal tarefa, o processo pedagógico deve inspirar e dinamizar os quatro elementos que definem toda instituição educativa: seus objetivos e políticas gerais; a formação das pessoas e suas relações interpessoais; a estrutura organizacional; os processos administrativos e as técnicas educativas. Sublinham-se, assim, as orientações e as propostas das Características e da Pedagogia inaciana, que são aplicáveis não só no trabalho acadêmico e na aula, como também em todos os âmbitos compreendidos por um trabalho educativo. Terceiro. Para atingir os objetivos, é necessário utilizar uma metodologia apropriada, que se define em três campos fundamentais: a) a formulação dos objetivos, opções e pressupostos teóricos que o inspiram; b) a explicitação dos caminhos, chamados freqüentemente “paradigmas”, com que se procede para obter tais objetivos; c) a proposição de técnicas, mecanismos e instrumentos que permitam levar à prática o paradigma escolhido. As Características da educação na Companhia de Jesus expõem amplamente os objetivos, opções e pressupostos. O documento Pedagogia inaciana: uma proposta prática sugere, em seus diversos apêndices, algumas técnicas e mecanismos operativos, a título de exemplo. Dedicamos agora especial atenção ao paradigma, porque nele se descobre o processo que pode guiar operativamente toda nossa atividade em cada um dos quatro elementos que definem a instituição educativa. As técnicas e recursos com que se vive cada passo do paradigma podem ser múltiplos, uns mais aptos para umas pessoas ou outras, para um tempo ou outro. Sem a referência unificadora do paradigma, podemos cair em mero mecanicismo repetitivo, impessoal e infrutífero. Com estas Contribuições, propõe-se um caminho, isto é, um paradigma que, a partir do contexto da própria história, 13 procura chegar à ação que o serviço e o seguimento de Jesus exigem nos nossos dias. Elas pretendem assumir a pedagogia que surge da es piritualidade inaciana tal como configurada na vida e nos documentos de Santo Inácio, como a Autobiografia, as Constituições, o Diário espiritual, as cartas e, sobretudo, os Exercícios Espirituais, que inspiram todos os outros escritos. Estas anotações estão destinadas, em primeiro lugar, aos próprios delegados ou secretários de educação das diversas províncias e países da América Latina, aos reitores, responsáveis e colaboradores de cada um dos colégios e instituições de educação formal em que trabalha a Companhia de Jesus e a quantos prestam seu serviço nas obras de educação e promoção social inspiradas na experiência de Santo Inácio. Pensamos que podem ser aplicáveis na organização e realização de eventos de formação de adultos, educadores, funcionários, pais de família e ex-alunos. É certo, como sublinha o documento Paradigma inaciano, que a “pedagogia inaciana está inspirada pela fé. Mas mesmo aqueles que não compartilham esta fé podem encontrar experiências válidas neste documento, porque a pedagogia inspirada por Santo Inácio é profundamente humana e conseqüentemente universal”. Como os documentos anteriores, também este deverá ficar sujeito à adaptação e à avaliação posteriores, baseadas na experiência que recolhermos em sua aplicação concreta. Nisto temos de levar em consideração particularmente, como já dissemos, a Autobiografia de Santo Inácio, as Constituições e os demais documentos, como a Ratio studiorum, com que se desenvolve e expressa a espiritualidade inaciana e o modo de proceder no serviço educativo ao longo da história. 14 O I paradigma pedagógico inaciano A espiritualidade inaciana é essencialmente humanizadora. O padre mestre Inácio concebe o processo de “santificação” vinculado ao processo simultâneo de aperfeiçoamento humano. Pe. Peter Hans Kolvenbach, falando do humanismo cristão de Inácio e da tradição da educação jesuítica desde o século XVI, diz: “Esta forma de entender a relação de Deus com o mundo implica que fé em Deus e afirmação de tudo o que é verdadeiramente humano são inseparáveis uma da outra... Fé e promoção do humano caminham de mãos dadas”. O processo de conversão-santificação e o processo pedagógico aparecem assim unidos. O paradigma (caminho) da pedagogia inaciana é a estratégia que escolhem os educadores e educandos: 1) para redescobrir sua própria realidade pessoal e “ordená-la” (EE n. 1), melhorando-a progressivamente até a plenitude; 2) para ressituar-se na realidade do mundo que os cerca, sendo o “instrumento apto nas mãos de Deus”, e transformá-lo. O paradigma é uma mediação entre os “sujeitos” e o “mundo”, um instrumento para a melhor interpretação da realidade e para a mudança, um processo (psicossocial) que, inspirado na espiritualidade inaciana, a encarna em nossa pedagogia. 15 Este processo do paradigma pedagógico inaciano, cons ciente e dinâmico, realiza-se em cinco etapas, sucessivas e simultâneas, porque cada uma delas se integra com as demais, de tal forma que se afetam e interagem durante todo seu desenvolvimento. Sua aplicação não se refere exclusivamente ao procedimento educativo no âmbito da aula e da relação educador-educando; é necessário aplicá-lo também a todo o conjunto institucional que o sustenta, pois do contrário poderia correr-se o risco de contradizer institucionalmente o que se pretende alcançar. Toda a instituição educa. As cinco etapas ou passos do paradigma são: 1) 2) 3) 4) 5) situar a realidade em seu contexto; experimentar vivencialmente; refletir sobre essa experiência; agir conseqüentemente; avaliar a ação e o processo desenvolvido. Contextualizar a realidade Trata-se de colocar o tema, o fato e seus protagonistas em sua realidade, em suas circunstâncias. A contextualização consiste em situar o sujeito — e aquele aspecto da realidade que se quer experimentar, conhecer, apropriar e transformar — em sua circunstância. O ponto de partida para Santo Inácio é, precisamente, situar-se na vera historia, isto é, enfrentar a realidade. Tal contexto supõe ver os condicionamentos sociais, econômicos, políticos e culturais que podem distorcer a percepção e a compreensão da realidade, o dinamismo da fé e a situação pessoal do indivíduo. 16 A contextualização poder ser feita no local (in situ) ou “a distância”. É evidente que a melhor forma de contextualizar é a ação no local, recompondo os fatos, vendo os protagonistas e circunstanciando o tema. Assim procedem os juízes quando fazem a reconstituição de um acidente ou de um delito, presumível ou real. Isso foi o que fez Santo Inácio quando viajou à Terra Santa, e ali, no próprio lugar, contemplou os fatos e as palavras de Jesus, observando até os mínimos detalhes, por exemplo, como eram e em que direção estavam as pegadas de Jesus. Mas nem sempre se pode contextualizar no mesmo lugar onde aconteceram ou acontecem os fatos, onde atuaram ou atuam os protagonistas. Por isso, Santo Inácio propõe e pede ao exercitante a outra alternativa: contextualizar a distância. A distância física, inclusive a mudança de ambiente e de lugar para fazer os Exercícios (quando estes não são feitos na vida diária), não dispensa o exercitante de contextualizar. Santo Inácio pede, como primeiro passo da contemplação, que se faça “a composição de lugar” e nele se situem os protagonistas, os fatos (o que fazem), suas palavras (o que falam) etc. Se o mestre não leva os alunos aos bairros de periferia, às indústrias, às instituições e lugares cujos protagonistas e fatos nos interessam, pode fazê-lo alternativamente na aula. A composição de lugar, a contextualização será, então, um exercício intencional e consciente que trará realismo e iluminará o sentido original dos fatos, seus protagonistas e seus temas. Trata-se, por conseguinte, de um exercício em que se destacam as linguagens que ativam a imaginação e a capacidade de reconstruir e visualizar o lugar e as circunstâncias em que se produziram ou se produzem os fatos e em que atuaram ou atuam seus protagonistas. 17 Desde o começo, as comunidades cristãs viveram este dinamismo de assumir e interpretar seu próprio contexto histórico e só assim puderam prestar seu serviço. Este é o significado sempre novo da encarnação: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós”. Assim, o seguimento de Jesus é histórico e ocorre numa situação concreta. O contexto latino-americano em que vive atualmente a comunidade pode ser descrito, por exemplo, da seguinte forma: nossas sociedades se defrontam atualmente com um processo pluriforme, complexo, antagônico, pluricultural e secularizante. Perante grupos humanos extraordinariamente ricos, milhões de homens padecem fome, miséria, violência. Apesar do esforço para preservar o direito e a paz, a vida se vê ameaçada porque o homem parece ter-se convertido no maior predador do homem e do planeta. Também se constata, cada vez mais, uma forte despersonalização, na qual o homem já não é mais um ser em si mesmo, mas um número a mais nas grandes sociedades. A Igreja, durante séculos centro dominante de inspiração, é vista atualmente como uma instituição à margem, sua voz, uma a mais entre outras e, por conseguinte, já não mais a única e definitiva. Inácio visualizou um mundo semelhante, mas seu olhar sobre a realidade não o levou à desesperança, senão à descoberta de como Deus atua na história dos homens e dos povos. O processo pedagógico de Santo Inácio começa por enfrentar a realidade, descobrir as causas do mal e da injustiça e deixar-se levar pela força do “Espírito de vida”. Assim também quando se trata do indivíduo: Inácio, antes de começar a acompanhar uma pessoa nos Exercícios Espirituais, percebia o quão importante para ela era estar aberta aos movimentos do Espírito, se queria obter algum fruto do processo que se dispunha a iniciar. 18 Baseado neste conhecimento prévio, Inácio fazia uma idéia sobre a aptidão do exercitante para começar a experiência: tiraria ela proveito dos Exercícios completos ou seria preferível uma experiência abreviada? Da mesma forma, a atenção pessoal, característica distintiva da educação jesuíta, requer que o professor conheça a vida, os sentimentos, as inquietudes, os interesses de seus alunos, o contexto concreto em que se realiza o ensinar e o aprender. Para isso, o docente deve ser capaz de reconhecer os diferentes ritmos e os diversos estilos de aprendizagem de seus estudantes e seus diferentes tipos de inteligência. Deve ser capaz de classificar os tipos de noções propostas no programa de sua matéria ou disciplina, seja por seu grau de complexidade ou abstração, seja por sua posição dentro de determinada taxionomia, ou por sua natureza em si: noções que podem ser descobertas pelo aluno, reveladas, ou que precisam ser ensinadas pelo docente. Situar o aprender e o ensinar em seu contexto também significa que o professor preste atenção e aproveite as diferentes vias de acesso à aprendizagem: a sensação, a emoção, o sentimento, a intuição e a razão. Com esses dados, o docente saberá quais experiências devem ser programadas para se obter um maior proveito acadêmico, tanto quantitativo como qualitativo. Tratando-se da instituição, é preciso contextualizá-la de forma semelhante para, em dado momento, descobrir nela as possíveis influências dos condicionamentos sociais: na sua estruturação, nos estilos de gestão e no tipo e qualidade das relações interpessoais de todos os membros da comunidade educativa; por outro lado, deve-se saber de que maneira a instituição educativa interfere ou pode interferir na realidade social mais ampla. 19 Experimentar Embora esta expressão seja muito rica e, no uso comum, englobe múltiplos significados1, dentro do paradigma assume um sentido preciso que é necessário explicar. Confrontando o próprio contexto — a vera historia —, Santo Inácio convida quem faz os Exercícios (no nosso caso, alunos e professores, toda a comunidade educativa) a “sentir internamente” o que vê, olha, contempla. Isso leva a experimentar, a sentir tristeza, vergonha, confusão diante do mal; ao gozo, impulso para entender onde e por que se experimenta isso; ao desejo de seguir adiante; ao ânimo de encontrar saída para tal situação ou resposta diante de tanto bem recebido. A experiência, neste sentido, é a abertura radical do sujeito a toda a realidade. É toda forma de percepção, tanto interna como externa. A experiência é a notícia informe e prévia, carente ainda de qualquer significado que possa emergir. Deixa de ser experiência no momento em que é entendida, quando a pessoa responde à pergunta que a leva a sentir, a imaginar, a pesquisar. Neste estágio do paradigma, o sujeito está diante de si mesmo enquanto mero receptor de dados, de suas próprias operações sensíveis e afetivas. Estritamente falando, a pessoa não sabe o que significa o que está sentindo, percebendo, registrando. A experiência é conditio sine qua non de todo conhecimento humano. Suas vertentes são as que comumente denominamos “sentidos”: ver, ouvir, cheirar, saborear, tocar, além do próprio sentir interno de si mesmo, surgido dessas mesmas sensações externas, da memória, da imaginação, da afetividade. 1. Usamos a palavra experiência para exprimir sabedoria, familiaridade com determinado campo da vida, anos de trabalho acumulados em um ofício; assim, dizemos: a experiência é a mãe da ciência; a voz da experiência; à luz da experiência; depois de uma longa experiência; com 50 anos de experiência etc. 20 Por conseguinte, a tarefa educativa fundamental neste nível de consciência consiste em desenvolver na pessoa a capacidade de escutar, de estar atento a perceber a realidade e os fenômenos que estão acontecendo. Refletir Este terceiro elemento do paradigma é o que mais apropriadamente recolhe a atividade intelectual. É o lugar em que se dá a apropriação e, por conseguinte, sua humanização. Nos Exercícios, este passo é designado como “refletir”. Com este exercício ou passo, motiva-se o perguntar-se o que se viveu na experiência, qual seu significado, que relação tem com cada uma das dimensões de nossa vida e da própria situação. A psicologia do pensamento e/ou da inteligência oferece, atualmente, muitas teorias sobre a reflexão. O tema está cada dia mais desenvolvido e continua sendo debatido e investigado. A pedagogia, servindo-se da psicologia como ciência auxiliar, já incorporou algumas dessas teorias, com diferentes resultados. Conscientes disso e levando em consideração que Santo Inácio faz o exercitante passar por diversos modos e tipos de reflexão, decidimos referir-nos somente a duas manifestações básicas da reflexão inaciana, para facilitar a compreensão do pa radigma e evitar debates de teorias e correntes psicológicas. Entre os processos de reflexão, distinguimos duas operações fundamentais: entender e julgar. Entender Entender é descobrir o significado da experiência, estabelecer as relações entre os dados vistos, ouvidos, tocados, cheirados etc. É o clarão que ilumina o que se apresentava em penumbra na percepção sensível. 21 Entender é o que permite ao sujeito conceitualizar, formular hipóteses, conjeturas, elaborar teorias, definições, suposições. Partindo da experiência como pressuposto indispensável e impulsionado pelo dinamismo intencional de sua consciência, o sujeito penetra em um nível superior no processo do conhecimento: o da intelecção. Entender é um ponto de chegada para as perguntas que surgem da experiência, mas é um ponto de partida para a reflexão que procura a verificação, a certeza de que se entendeu corretamente. A pessoa entende quando pode responder às perguntas: Que é isto? Por que é assim? A inteligência humana se defronta ativamente com todo conteúdo da experiência por meio da perplexidade, da admiração, do ímpeto, da intenção de decifrá-lo, codificá-lo, entendê-lo. Para vislumbrar de maneira inteligente o que é “entender”, é preciso estar dentro do processo de aprender, ou, pelo menos, é necessário atualizar em si mesmo processos prévios de aprender. O entender requer: a) autenticidade para reconhecer que a pessoa está diante de algo que não entende; b) atenção cuidadosa às ocasiões em que a pessoa mesma entendeu ou não pode entender e c) o uso repetido de experiências pessoais em que, no começo, a pessoa está genuinamente intrigada e em seguida compreende. A tarefa educativa fundamental para utilizar este nível de consciência consiste em assumir os dinamismos de nosso processo intelectivo: aprende-se a ser inteligente. 22 Julgar (verificar) A segunda operação da mente humana contida no termo “refletir” do paradigma é julgar. Emitir um juízo é verificar a adequação entre o entendido e o experimentado, entre a hipótese formulada e os dados apresentados pelos sentidos. Assim como a experiência estimula o inquirir e o inquirir é a inteligência que coloca a si mesma em ação, o conceito em que se formula o significado estimula a reflexão, que é a exigência consciente da racionalidade; ela ordena e avalia, seja para julgar e completar o processo, seja para duvidar e assim renovar o inquirir. Mediante o juízo, a pessoa tem acesso ao âmbito da verdade, da objetividade, dos valores conhecidos como tais. Um juízo verdadeiro oferece à verificação dos outros o conteúdo do que afirma ou nega independentemente do sujeito no qual se gerou esse conhecimento. Com o juízo completa-se o processo do conhecer humano, porque não é suficiente a combinação das operações dos sentidos (experimentar) e do entender. Pelo juízo pode se descobrir e valorizar a distinção entre o fato e a ficção, a lógica e o sofisma; o juízo permite valorizar a contribuição da filosofia e do mito, da história e da lenda para o conhecimento racional ou para o conhecimento simbólico; ele possibilita compreender e diferenciar a astronomia e a astrologia, a química e a alquimia, a medicina profissional e a popular. Com o juízo emerge um nível de consciência superior ao do entender: o da reflexão crítica. O sujeito tem acesso a ele quando pode responder à pergunta: é realmente assim? A resposta, o juízo, exprimese em sua forma mais lacônica pela expressão: sim ou não. Contudo, não se pode colocar o conhecer humano no julgar excluindo o experimentar e o entender. Fazer juízos 23 independentemente de toda experiência é deixar de lado os fatos e esquecer-se do contexto e da realidade. A formação crítica na educação consiste, portanto, em aprender a respeitar as exigências da verificação: zelar pelo cumprimento das condições para que uma intelecção possa se constituir numa realidade afirmada. Ação O processo que descrevemos ficaria limitado se terminasse no entendimento, na verificação e no juízo crítico sobre a matéria ou experiência estudada. A contribuição decisiva da pedagogia inaciana consiste em desafiar a pessoa a dar um passo além: assumir uma postura pessoal diante da verdade descoberta, revelada ou construída e agir coerentemente com ela. A ação é entendida como a manifestação operativa de uma decisão livremente assumida para a transformação da pessoa e da realidade institucional e social em que vive. Dentro do paradigma, esta definição da ação como sua quarta etapa é operacionalizada em dois momentos: A decisão Embora o processo do conhecer humano, ingrediente substancial e constitutivo do paradigma inaciano, fique plenamente realizado com o juízo, o dinamismo da consciência não termina aí. A afirmação ou negação que constitui o juízo como expressão da reflexão crítica é o suporte de um nível posterior de consciência: diante da verdade o sujeito se revela, emerge como pessoa responsável e livre. Revela-se uma criação original. A pessoa é convidada a tomar uma decisão sobre o que fazer com a verdade conquistada durante seu processo pessoal 24 de aprendizagem. Em função disso, pondera diversas alternativas de ação, escolhe o que quer realizar e move sua vontade para afeiçoar-se livremente com aquela alternativa que percebe como a mais apropriada para atingir o fim que pretende. Inacianamente, para decidir com retidão é necessário deliberar, isto é, ponderar as razões a favor ou contra cada uma das alternativas e os movimentos ou moções que se experimentam em cada uma delas. Depois dessa deliberação, aquele que se exercita deve optar e, em seguida, submeter sua escolha à confirmação. As meditações das Duas Bandeiras (nn. 135 ss.), dos Três Binários (nn. 149 ss.), dos Três Graus de Humildade (nn. 164 ss.) e as regras de eleição nos diversos tempos espirituais (nn. 169 ss.) são, neste momento, a referência necessária para compreender a riqueza desta etapa do paradigma. Livremente o sujeito faz de si mesmo o que ele é; nunca nesta vida está terminada sua obra, sempre se encontra em processo, sempre se trata de uma realização precária, da qual se pode escorregar, cair, ficando em pedaços. Neste estágio, o dinamismo da consciência se manifesta não tanto pelo desejo de conhecer, e de conhecer corretamente, mas como o eros do espírito humano que abraça a realidade humana para transformá-la porque a ama. Este é o estágio da decisão autêntica, escopo e fim dos exercícios inacianos. A partir de uma perspectiva humana, o estágio da escolha explicita os imperativos éticos da pessoa, sua dimensão axiológica. Partindo de uma perspectiva cristã, encontramo-nos diante da tarefa de procurar e encontrar a vontade de Deus. Em ambos os casos, trata-se de libertar nossa liberdade para escolher autenticamente; para o cristão, é a vida no Espírito. O discernimento é a metodologia elaborada por Inácio para realizar este projeto. 25 Decidir é transcender a reflexão crítica, a verdade descoberta, pelo bem amado, pelo valor. Decidir é operacionalizar o autêntico ser do homem: “ser para os outros”. Decidir é assumir a visão do mundo que resulta da experiência de ser amado por Deus — Fé —, para transformar a realidade com critérios de justiça, em prol da implantação do Reino. Neste nível, a tarefa educativa fundamental é o desenvolvimento da liberdade e da responsabilidade. A operacionalização Logo depois vem a concretização da escolha, pesquisando e procurando os meios, modos e tempos que permitam efetivamente agir, assumindo valores, atitudes e condutas consistentes e conseqüentes com sua opção, uma vez que “o amor se demonstra mais nas obras do que nas palavras”. Para isso, todas as experiências de aprendizagem propostas pela escola, na sala de aula ou fora dela, devem ser previstas de tal modo que possibilitem, além do gosto por aprender ativa e reflexivamente, canalizar as forças motivacionais que surgem perante a conquista da aprendizagem (a conquista da verdade), elementos básicos que movem o homem para o compromisso e para a ação. Inacianamente falando, o compromisso e a ação desejada, livremente escolhida pelo indivíduo, deve estar orien tada pelo magis: o melhor serviço a Deus e a nossos irmãos. Avaliação Por avaliação se entende uma revisão da totalidade do processo pedagógico seguido ao longo de cada um dos passos do paradigma para verificar e ponderar em que medida se realizaram fiel e eficientemente e em que grau se obtiveram os objetivos perseguidos, em termos de mudança e transformação pessoal, institucional e social. 26 A avaliação, por conseguinte, leva em consideração necessariamente dois aspectos: 1) revisão de processos e 2) ponderação e pertinência dos resultados. Revisão de processos Revisar os processos é voltar a fixar a atenção e focalizar o pensamento nos próprios processos em que se está envolvido, como também nos conteúdos trabalhados, nas atividades realizadas e nos meios utilizados em cada um dos passos do paradigma, para constatar sua idoneidade, sua articulação e sua eficiência, a fim de, conseqüentemente, reforçá-los, melhorálos ou mudá-los. Esta revisão de processos pode, e deveria, ser efetuada de duas formas complementares entre si. Uma é a avaliação que se realiza ao final de um processo, unidades ou subunidades de trabalho, para ver retrospectivamente e ponderar a inter-relação dinâmica de processos, conteúdos e atividades em cada um dos participantes em relação à eficiência e eficácia para atingir os fins e procurar elementos que melhorem esses processos. Outra é essa própria avaliação realizada não em momentos terminais ou quase terminais, mas diacronicamente ao longo de seu desenvolvimento, com a finalidade de poder melhorá-la e readaptá-la, em seu próprio desenvolvimento, às condições do sujeito. Esta avaliação formativa reassume assim vários aspectos: —Processo de diagnóstico: este aspecto assume a dinâmica de identificar, esclarecer, definir e concretizar o ponto de partida do sujeito (pessoa ou instituição) que está no processo do paradigma, para poder ajustar este processo à sua situação específica, tornando-o o mais 27 proveitoso para o fim que se pretende. Este aspecto do diagnóstico, na etapa inicial do paradigma, pode contribuir com muitos dos elementos a ser contemplados e levados em consideração na contextualização; e ao longo do paradigma funciona como o atualizador da contex tualização, além de ajudar a reformular e a organizar os outros passos do paradigma. —Processo de melhoramento: com as contribuições do constante diagnóstico, o processo formativo está sempre em permanente adaptação para responder às necessidades pessoais de cada um, melhorando qualitativamente toda a dinâmica com os ajustes adequados. —Processo de ajuda pessoal: levando em consideração que com o acompanhamento de diagnóstico das poten cialidades e condicionamentos específicos de cada sujeito, sejam individuais, sociais ou institucionais, e podendo adequar o processo do paradigma a cada necessidade específica, o processo se converte em uma dinâmica constante de ajuda pessoal. Ponderação e pertinência dos resultados Além da dinâmica contínua que deve ser promovida na revisão — avaliação dos processos —, é necessário também, periodicamente e em determinados momentos, fazer cortes para analisar o que vai ficando como passado, ponderar os objetivos conseguidos no período que terminou e examinar a pertinência dos resultados. Ponderação dos objetivos alcançados Todo o processo da pedagogia inaciana está orientado para obter determinados objetivos, concretizados e manifestados de alguma forma nas Características. Assim, é importante exami28 nar detidamente se os processos promovem e atingem esses objetivos, que, em última análise, têm de configurar a pessoa comprometida na sua fé com a justiça e o ser para os outros. Além de confirmar a realização dos objetivos, devem ser analisados todos os elementos que contribuíram para isso, para detectar as causas e fatores que se tornaram impedimentos ou limitações, no caso de os objetivos não terem sido atingidos. Se tudo parece positivo, a avaliação reconfirmará e reforçará os processos e elementos que mais contribuíram para alcançar o objetivo; em caso negativo, cria a ocasião de mudanças para corrigir tudo o que se perceber necessário para tal efeito e para introduzir novos elementos destinados a superar os resultados anteriores. Pertinência dos resultados A avaliação tem de analisar e examinar se os objetivos conseguidos respondem ou estão dentro das orientações para os fins últimos pretendidos. Assim, a pertinência não faz referência somente à possibilidade de se ter atingido ou não os objetivos, mas também pode e deve questionar sua validade, tendo como ponto de referência os fins últimos. Em uma sociedade pressionada pelo dinamismo da constante mudança, o tempo transcorrido entre o planejamento e sua realização pode dar-se tanto em âmbito pessoal como institucional ou social. As mudanças de contexto, por exemplo, podem afetar muito profundamente qualquer planejamento, processo ou estratégia. Ações e recursos úteis em determinado contexto podem não o ser em outro. Como se pode compreender, a avaliação questiona todas as etapas do paradigma; mas não fica no mero questionamento. A avaliação examina os resultados do processo, procura as causas e suas possíveis superações ou remédios e, por conseguinte, reabre o caminho para seguir avançando. 29 Hoje em dia a tecnologia educativa deu valiosas contribuições aos enfoques da avaliação. Existe muita coisa que se pode aproveitar, contanto que se faça uso dela com sentido crítico. Indicadores de que o processo e seus resultados estão na linha do que fundamenta e orienta a própria vida e a da instituição educativa são, por exemplo, a paz e a alegria, a audácia e a criatividade, o aumento de esperança, o consenso com que toda a comunidade assume uma decisão. 30 Os II sujeitos do paradigma Nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio, como em sua pedagogia, todos aprendem: exercitantes e diretor, alunos e mestre. Mas para que essa aprendizagem seja possível, são exigidas certas condições de cada um. Em primeiro lugar, são exigidas atitudes fundamentais como: a) Generosidade, abertura e disponibilidade: “Com grande ânimo e liberalidade” (EE 5); continuar “com todas as suas forças” (EE 16). b) Que se procure sinceramente a mudança (“organizar sua vida”) e, se o desejo não for total, ao menos estar com “desejo de desejo”, “movendo-se, empenhando todas as suas forças para agir ao contrário” (agere contra) (cf. anotações 12 e 16). c) Que o mestre e alunos (diretor e exercitantes) mantenham o diálogo como uma atitude recíproca de mútuo respeito e estima, “pressupondo que todo bom cristão há de estar mais disposto a salvar a proposição do próximo do que a condená--la” (EE 22). O mestre deve partir da realidade concreta de cada aluno — educação personalizada (Inácio recomenda ao diretor de Exercícios Espirituais [anotações 6 a 10; 18, 19, 20] que considere 31 a hipótese de situações em que ao começar se pode encontrar o exercitante). E, em cada caso, deve colocar em questão o processo pedagógico conforme sua realidade, segundo suas necessidades e potencialidades (EE 76). O educador inaciano, inspirado no modo como Deus olha os homens e neles aposta (Meditação da Encarnação), tem fé no homem (efeito pigmaleão) e sabe que, apesar das limitações de cada aluna e aluno, todos poderão chegar a níveis progressivos de maturidade e plenitude. A partir da fé nos alunos e em seu potencial de mudança, torna-se um profissional da esperança. O aluno é ator e sujeito da educação. O mestre é facilitador e companhia que respeita o processo de cada um. A pedagogia inaciana é ativa e participativa. Inácio não dá conteúdos que o exercitante tenha de aprender; o exercitante aprende o que descobre e experimenta em seus exercícios. A pedagogia inaciana considera que a ação é constitutiva do conhecimento. Na espiritualidade inaciana, os sujeitos da educação não são só o aluno e o mestre, mas todos os membros da comunidade. A parte dez das Constituições contribui com pautas inspiradoras para a pedagogia quando descreve como a comunidade assume a co-responsabilidade da vida e o crescimento de todos, e o modo como o superior deve animá-los e governá-los. 32 O III paradigma inaciano em âmbito institucional1 Introdução Nesta parte de nosso documento pretende-se aplicar o esquema básico do paradigma inaciano à mudança que queremos conseguir em cada um de nossos colégios. Este propósito é congruente com nossa finalidade apostólica reformulada na Congregação Geral XXXII, nos seus decretos 2º e 4º, e também com os objetivos da estratégia geral para aplicar o paradigma. Para fazer esta aplicação, apoiamo-nos basicamente em dois princípios: 1º)O processo de extensão social do carisma inaciano como aparece nas Constituições da Companhia de Jesus2. 1. Embora neste capítulo apresentemos a aplicação do paradigma especificamente aos colégios, é evidente que o campo de ação desta proposta é muito mais amplo e ela pode ser adaptada a todas as instituições educativas como as universidades, obras de educação popular, escolas técnicas etc. Acreditamos que mesmo a formação dos jesuítas pode aproveitar frutuosamente muito do que aqui se sugere. 2. Vergara A. Jesús. El estilo ignaciano como propulsor de una universidad de inspiración cristiana. Ed. ITESO, Guadalajara, México, 1985. 33 2º)A procura da excelência educativa, como a expressão contemporânea experimentada com êxito do magis inaciano3. Conforme esses dois princípios fundamentais, estruturamos o desenvolvimento do presente capítulo nos seguintes itens: —O fim externo (objetivo) de nossos colégios. —A estratégia da mudança: organizar a transformação dos processos educativos. —A formação das pessoas responsáveis pela mudança. O objetivo externo de nossos colégios Conforme o esquema das Constituições, o primeiro passo para constituir ou transformar uma instituição é estabelecer com a maior clareza o fim último, o objetivo externo de tal instituição. Sem entrar no contexto particular de cada colégio, considerado instituição educativa, o fim último de todo colégio é o da educação: “A atividade educativa não teria sentido se não fosse por seus objetivos em relação à sociedade em que se encontra inscrita. É o objetivo externo da educação o que dá significado a toda instituição educativa”4. Isto, válido para toda empresa que educa, é duplamente válido para nossos colégios, que pretendem formar “homens e mulheres para os demais”. Por isso, o fim último de nossos colégios é o objetivo apostólico da Companhia de Jesus, o que pode parecer evidente. Contudo, na atividade cotidiana de nossos colégios é uma evidência que parece ter sido esquecida. Assim, para alguns, deixando de lado a verdadeira finalidade, parece que importa mais organizar as atividades do colégio 3. Schmelkes Sylvia. Hacia una mejor calidad de nuestras escuelas. Ed. CEE, México, 1993. 4. Id., ibid. 34 de tal forma que os alunos sejam capazes de passar por uma prova, cumprir os pré-requisitos exigidos para passar ao grau ou nível seguinte, cumprir com as normas e os regulamentos da escola ou com a normatividade oficial do governo. Ao agir assim, muitas vezes acontece de educarmos mais para a escola do que para a vida, de servirmos melhor ao esquema educativo oficial do que à sociedade como um todo. Também foi um erro oneroso e repetido em nossos colégios que, ao estabelecer os objetivos da educação, se costume pedir à escola coisas tão ambiciosas e que não dependem dela, que o trabalho educativo resulta sempre deficitário diante de tais pretensões. Por exemplo, pede-se à educação que atinja objetivos como: — Criar identidade nacional. — Propiciar mobilidade social. — Melhorar as oportunidades de emprego para seus formandos. — Formar cidadãos democráticos. — Estender a cultura universal. — Aumentar os níveis de aprovação em vestibulares dos que passam por suas salas de aula. — Oferecer a capacitação exigida pelo esquema de produção à mão-de-obra que este necessita para gerar riqueza etc. Se bem é verdade que a educação é um fato social que promove, por definição, todos esses resultados, também é certo, e muitas vezes isso é esquecido, que a escola não é a única responsável pela realização de todos esses objetivos. Existem contextos em que a escola difícilmente pode conseguir algo diferente do que se transmite de maneira informal no sistema social. 35 É indiscutível, no entanto, que a educação é o ingrediente sem o qual um processo de desenvolvimento carece da qualidade necessária para construir os sujeitos agentes ativos de sua própria transformação e a de seu universo social, político e cultural. Sem entrar no debate sobre a utilidade da escola e as funções da educação, propomos como o objetivo externo da tarefa educativa em nossos colégios: “Promover a formação das pessoas que constituem a comunidade educativa, para que possam contribuir ao melhoramento da qualidade de vida atual e futura de toda a sociedade mediante a transformação da realidade social em justiça, amor e verdade”. Melhorar a qualidade de vida de nossos educandos é contribuir para que cheguem a ser homens e mulheres livres para o serviço dos outros. A experiência do contexto Estratégia da mudança: organizar a transformação dos processos educativos Também nossas instituições (colégios) são sujeitos do paradigma pedagógico inaciano. Por meio dele poderão entrar no processo pedagógico e no de conversão e mudança. O ponto de partida da mudança é o reconhecimento de que existem problemas No desenvolvimento de suas atividades, a organização, como ente social flexível e dinâmico, influenciado pelo meio interno e externo, vai gestando em seu interior diversas situações que criam barreiras ao cumprimento dos objetivos, limitam a realização de certas tarefas, distorcem as metas, ou aparecem novos desafios e projeções que devem ser assumidas. 36 Para enfrentar tais situações, devem ir sendo criadas as condições necessárias para um planejamento permanente e sistemático, que inclui os processos de implementação e avalia ção, tanto da organização em seu conjunto como das diferentes subestruturas e instâncias pedagógicas. Neste sentido, os centros educativos promovem um processo permanente, sistemático e recorrente de diagnóstico-reflexãoação-avaliação, construindo paulatinamente uma estratégia de investigação caracterizada por um processo contínuo de auto-reflexão e auto-ajuda da organização e das estruturas e instâncias pedagógicas e administrativas. A partir da perspectiva da pedagogia inaciana, o ponto de partida do processo é a experiência. Isto, aplicado à situação institucional, nos leva ao reconhecimento dos problemas. O pior inimigo de um processo de transformação de nossos colégios é a autocomplacência. Com freqüência, nossos colégios, no contexto local e nacional, aparecem entre os melhores, se não for o melhor da cidade em que se encontra. E, infelizmente, isso acaba sendo um obstáculo para a procura da mudança e da excelência. Mas se somos sinceros, e se nos deixamos questionar pela experiência do que Deus nos pede, não podemos deixar de reconhecer e enumerar muitos problemas reais de nossos colégios. A mudança implica resolver esses problemas e resolvêlos pela raiz; para isso é necessário encontrar suas causas e combatê-las. E tanto detectar as causas como combatê-las é tarefa de todos os que constituem a comunidade educativa. Por isso, porque se trata de entender as situações de um modo novo e diferente, e de começar a viver valores novos por todos, estamos diante de uma nova cultura, diante de uma mudança cultural. Não é este o momento de enumerar os problemas que são comuns a nossos colégios, mas sim de insistir em que cada 37 colégio deve analisar seus próprios problemas e suas causas. Isso requer informação. Informação sobre si mesmo, sua situa ção na sociedade e sua função real. O colégio deve conceber a si mesmo como gerador de informação e também como usuário dessa mesma informação. Não poucos de nossos colégios iniciaram frutiferamente seu processo de mudança com um diagnóstico, ou autodiagnóstico, que recolhia, sistematizava e compartilhava essa informação. Mas o principal deste primeiro passo é que se trata dos problemas de cada colégio em seu contexto peculiar e concreto, descobertos e reconhecidos pelas pessoas que trabalham neles, que o constituem, e também pela comunidade a que serve. A reflexão — a organização dos processos Embora, no ponto de partida, seja necessária a participação de todos os que formam a comunidade educativa, é ao entrar nesta parte do processo que se torna indispensável explicitar uma questão fundamental: Quem é o sujeito da mudança? Em outras palavras: Quem são os responsáveis pelo processo de transformação? Para responder a essa pergunta, acudimos a um princípio fundamental da procura da excelência humana: os critérios para qualificá-la estão centrados na satisfação do beneficiário. Mas quem são os beneficiários da educação? Congruentemente com o objetivo externo que assumimos para nossa tarefa educativa, e resumindo o máximo possível, os beneficiários da educação, numa gradação de círculos concêntricos do mais imediato para o mediato, são: — — — — 38 o aluno de hoje; esse mesmo aluno, amanhã; o professor atual; o professor que o receberá na série seguinte; — — — — — os pais de família; a pessoa ou empresa que o contrate; a universidade que o receba como membro; a comunidade em que o aluno vive; a sociedade para cuja transformação contribuirá econômica, política e culturalmente. Desta forma, um processo que procura a excelência educativa integral deve estar orientado para servir de forma cada vez melhor a seus destinatários. Para conseguir isso, está demonstrado praticamente que os resultados de uma organização dependem das pessoas que trabalham nela. Se quiserem melhorar estes resultados, todos têm de participar no planejamento e na execução dos processos que os tornem possíveis. Outrossim, a verdadeira participação se dá quando existem comunidades. A comunidade zela pelo objetivo comum, não pelos objetivos individuais. A comunidade complementa-se, forma-se e reforça-se. Suposto este ponto de partida, as comunidades organizadas devem identificar um problema, conhecer suas causas, projetar soluções, acompanhar sua aplicação prática, avaliar, evitar que tornem a se apresentar situações que conduzam ao processo anterior, e procurar novas formas para conseguir níveis de resultados ainda melhores. A excelência humana é induzida e gerada pela equipe docente; contudo, a comunidade educativa não está formada só de mestres. Dela participam os alunos, os pais de família, os funcionários, os administradores e a comunidade como um todo. É necessário incorporar esses membros aos esforços coletivos para melhorar a qualidade. 39 As condições para a qualidade — o papel do reitor: a excelência requer liderança No processo de transformação de nossos colégios, o papel do reitor é fundamental; ele é um elemento-chave no processo de procura da excelência. Se não estiver envolvido e comprometido com o propósito de conseguir a excelência, de transformar o colégio, é muito difícil que este melhore. Mas o papel do reitor em um processo de busca da qualidade é muito diverso do que usualmente se espera dele ao nomeá-lo para esse posto no momento atual. O reitor deve converter-se em um líder que motiva e estimula um processo de melhoramento contínuo. Para ele, as pessoas devem ser o mais importante. Isto significa que deve pensar nas necessidades dos beneficiários e, para satisfazêlas, procurar conseguir que o educador, qualquer que seja sua função no colégio, se sinta orgulhoso de seu trabalho. O reitor deve se certificar de que o processo de procura da excelência seja, ao mesmo tempo, um processo de formação no trabalho e esteja acompanhado dos elementos formativos indispensáveis para conseguir que possam realizar-se as mudanças propostas. Ele tem, no seu papel de animador, duas responsabilidades: a de manutenção e a de melhoramento. A primeira implica estabelecer regras claras e assegurar que se cumpram. A segunda, à qual deve dedicar pelo menos a metade do seu tempo, implica melhorar os níveis dos resultados atingidos. A elaboração de um projeto O processo de transformação de um colégio para melhorar a qualidade parte do reconhecimento de um problema, que deve ser motivo de preocupação para o seu reitor. Esta preocupação pelo problema deve gerar idéias de como resolvê-lo. 40 Estas idéias devem se concentrar em um plano que oriente a procura da excelência, o que implica várias condições: — ser elaborado em equipe; — começar por estabilizar os processos atuais (no início, o reitor deve propiciar que a equipe no seu conjunto reafirme e exprima de forma clara os comportamentos mínimos esperados dos docentes e demais membros da comunidade educativa); — planejar os resultados esperados; — privilegiar os processos que prevêem o problema; — diminuir as variações (um dos preceitos importantes da procura da excelência é reduzir a zero o envio de partes defeituosas ao departamento seguinte. A solução não está em identificar as partes defeituosas e fazer com que voltem ao lugar de origem, mas em evitar produzilas. Na escola, a solução que damos ao atraso escolar é a repetência, recomeçar: reprovamos o aluno; o custo disto — econômico, social e afetivo — é enorme); — minimizar as resistências. O plano global do colégio tem de ser apoiado por programas mais precisos, que surgem de mecanismos como os círculos de qualidade, a formação de equipes interdisciplinares: pequenas equipes de pessoas unidas pela afinidade de áreas de trabalho e interesses, das quais podem participar alunos e pais de família. O passo para a ação Todo o trabalho que foi descrito até aqui resultaria estéril sem a ação. Para Sto. Inácio, o amor está nas obras e não nas palavras. E o paradigma inaciano coloca a ação como o passo decisivo do processo. 41 Esta ação, como um processo pessoal, recolhe os elementos centrais do paradigma (experiência, intelecção e reflexão crítica) e os leva até sua plena realização. A práxis assume a verdade percebida na experiência, formulada como hipótese na intelecção e verificada no juízo, e a faz realidade de maneira livre e responsável. É claro que tanto a pessoa como a instituição podem abdicar desta responsabilidade e deixar de agir ou agir incongruentemente com a verdade afirmada. Esta é a face obscura do processo humano de autoconstrução, do desenvolvimento humano, da história da salvação. Mas aqui falamos da ação que, na procura do bem humano, assume a verdade como valor, a conserva, a eleva a realidade transformada e transformadora, e assim a plenifica. Em nossa mais legítima tradição, esta práxis é a que consegue instaurare omnia in Christo. A participação da comunidade A melhor forma de levar em consideração o destinatário é fazê-lo participar do processo. Se os pais de família e a comunidade são beneficiários do trabalho do colégio, é importante conseguir sua maior participação. Devemos intensificar os vínculos que existem entre o colégio e a comunidade, e entre os docentes e pais de família. A aula pode ser um excelente ponto de partida para começar a propiciar a participação dos pais. O mestre pode fazêlo levando em consideração a realidade comunitária na aula, conseguindo que os pais participem na criação de ambientes mais propícios para a educação e a aprendizagem; dialogando com as famílias dos alunos; encontrando maneiras de a comunidade se tornar mestra. 42 A experiência tem demonstrado que os esforços por conseguir a maior participação dos pais e da comunidade se traduzem em melhores níveis de aprendizagem dos alunos. Ao mesmo tempo que os pais aprendem, os mestres também se enriquecem. Algumas implicações da ação na procura da qualidade A primeira implicação é que temos de aprender a criticar e a fazer sugestões, a nos abrir às críticas dos demais e a intentar pôr em prática as idéias de outros. Outra implicação é que nos enriqueceremos mais quanto mais entendamos que somos diferentes uns dos outros; e respeitemos e aproveitemos essas diferenças. O consenso é pré-requisito de um movimento para a excelência: temos de estar todos de acordo, aquilo que nos propomos fazer é bom e é possível. Não estamos verdadeiramente agindo para conseguir a excelência se não nos preocupamos todos os dias, em cada um de nossos colégios, a partir do trabalho docente, em oferecer aprendizagens relevantes para nossos alunos. Assim se traduz, no caso do trabalho em sala de aula, ter como referência nossos beneficiários. Tampouco estamos agindo para obter a excelência desejada se não nos preocupamos, de forma contínua e cotidiana, em discernir, na experiência de Deus, como estamos promovendo a justiça na aula. Isto significa dar mais aos que menos têm. Nossa meta deve ser que nenhum aluno aprenda menos do que nós colocamos como objetivos. Para isto, devemos crer em nossos alunos. Eles nos darão razão. Por último, temos a obrigação de compartilhar nossos sucessos e nossa forma de atingi-los, não só com outros colégios jesuítas, mas com nossos colegas de outras escolas da cidade e com as autoridades educativas. 43 Bonum est diffusivum sui! A avaliação A avaliação é uma parte constitutiva da ação. Ela tem duas componentes: o seguimento e a própria avaliação. Um dos passos mais importantes na procura da excelência é o seguimento dos processos, o que significa verificar se estes estão mudando. O seguimento também deve ser feito em grupo. Quando já se pode esperar resultados temos de avaliar. Avaliamos, fundamentalmente, para verificar se nossos processos reformulados funcionam. A avaliação, por si só, não pode melhorar a qualidade. São os processos aperfeiçoados que a melhoram. A excelência é assunto para prestar contas A história de nossos colégios na maioria dos países da América Latina, nos últimos 25 anos, nos permite explicar e ainda justificar muitas de nossas deficiências. Em alguns países, o mero fato de mantê-los funcionando com pouco apoio, com a diminuição e o envelhecimento dos jesuítas, bastaria para explicar o sentimento de abandono que prevalece em alguns deles, e sublinha o mérito desse trabalho. Contudo, essa longa crise propiciou também situações injustificáveis: o isolamento dessas instituições, a falta de continuidade dos projetos, a criação de feudos que não prestam contas a ninguém. É necessário, como parte dessa ação transformadora, dar-se conta da necessidade que temos — como sistema educativo latino-americano jesuíta, como rede de colégios em cada um 44 desses países, como colégio em particular e como educadores — de prestar contas, a nossos beneficiários da forma como trabalhamos e dos resultados de nosso trabalho. Especialmente quando somos convocados a renovar o serviço que podemos prestar à educação mediante a pedagogia inaciana, secularmente valiosa para o nosso continente. Nossa obrigação, conforme o objetivo externo que assumimos, é prestar contas dos resultados do nosso trabalho a todos os nossos beneficiários: alunos, pais, empregadores, universidades e à comunidade em geral. Não devemos esperar que nos peçam contas para prestá-las; temos também de educar nossos beneficiários para que as peçam, mais ainda, as exijam. A exigência é o motor principal da excelência. E para nós, jesuítas, que trabalhamos na educação, prestar contas é uma conseqüência fundamental do serviço da fé, cuja exigência natural é a promoção da justiça. A formação das pessoas responsáveis pela mudança Introdução As instituições estão constituídas por pessoas. Nosso compromisso de transformar os colégios de acordo com o fim apostólico da Companhia não será operativo se não dedicarmos o melhor de nosso esforço à tarefa de formar colaboradores no estilo inaciano, entendido como “um modo comum” de agir fundado numa experiência profunda, que é a dos Exercícios Espirituais. Esta proposta não só se inspira nos Exercícios Espirituais, como também pretende ser uma expressão contemporânea e adaptada à nossa cultura das operações e normas metodoló45 gicas que conduzem à experiência fundamental dos Exercícios propostos por Inácio; e pode oferecer uma resposta válida ao desafio que formula o Padre Geral na sua alocução em Villa Cavalleti, em 29 de abril de 1993: “Desvincular a experiência espiritual específica de Inácio de Loyola dos desafios culturais, sociais e religiosos da Europa do Renascimento e da Reforma, para encarná-la no humanismo social que corresponde aos desafios de nossos tempos. Esta proposta de formação não substitui nem elimina a necessária capacitação profissional, nossa e de nossos colaboradores, em todas as modernas ciências da educação: ao contrário, a supõe e a integra.” Trata-se mais de uma metodologia que pode ser incorporada ao trabalho educativo ordinário, que pode estar presente no cotidiano da comunidade educativa, inspirar a partir da base a formulação de critérios e metas na busca da excelência educativa em nossas instituições, a partir da formação de seus recursos humanos. Os cinco passos do estilo inaciano na formação (transformação) de um educador livre Preparar-se e dispor-se A tarefa educativa é exigente. Requer o cumprimento de condições materiais e externas, como tempo, dedicação pes soal, paciência diante dos fracassos ou limitações. E isso não só para quem começa, mas para quem, ano a ano, defronta com um “voltar a começar”. O educador deve enfrentar cotidianamente a necessidade de preparar-se, de descobrir suas próprias ignorâncias, suas noções obsoletas, de enfrentar a si mesmo. E diante de tudo isso, o ativismo nos envolve, o servilismo ao dinheiro evita pagar o preço devido para procurar sensatamente as raízes 46 transcendentes do homem. Não é fácil para o educador aceitarse como educando. Além disso, o educador deve aceitar incondicionalmente os outros — alunos e colegas no ensino —, deve preparar-se e dispor-se para compreender idéias, sentimentos e motivações deles e para estabelecer autêntico diálogo com todos. Para o educador cristão, essa aceitação se torna ainda mais incondicional, porque na fé se sabe que Deus ama aos homens não por serem bons ou por méritos próprios, mas simplesmente porque são homens. A aceitação dos outros não consiste em ignorar seus defeitos ou fingir não vê-los, ou tratar de justificá-los. Quando se negam os defeitos de uma pessoa, então propriamente não se aceita essa pessoa. Confrontar-se e libertar-se... A história humana, desde suas origens, está penetrada do bem e do mal, da verdade e da mentira, da luz e das trevas. No homem existe uma luta irreconciliável entre a tendência para a vida e a tendência para a morte, entre a autenticidade e a inautenticidade, em termos modernos. Santo Inácio distinguiu com genial clareza duas formas diferentes e inconciliáveis de atrair o homem: o bem e o mal. A esta distinção denominou “discernimento espiritual”. As regras que deixou escritas sobre esta matéria nos Exercícios Espirituais representam uma genial contribuição às ciências modernas da introspecção. Representações cotidianas do drama que isto gera são: a inibição e a repressão pessoal, os desvios na procura da verdade, o egoísmo ameaçador diante de qualquer ordem social concreta, a decadência de comunidades, sociedades, civilizações, o fechamento das pessoas, os preconceitos de classe. Tudo isto, na 47 América Latina, se apresenta como marginalização extrema para muitos destituídos do ter, do poder, do saber; como exploração generalizada; como sistemas socioeconômicos profundamente injustos; como estruturas de pecado. Esse drama leva facilmente à dúvida, à incredulidade e ao desespero. A isso se acrescenta um ateísmo não confesso abertamente. Ao negar toda possibilidade de encontro direto com Deus, se destrói a esperança na eficácia do bem — por ser bem — sobre o mal. Chega-se a crer que o mal é vencido com o mal. O cristianismo não pode viver no desespero, ele acredita que a mensagem de Salvação liberta. A libertação se conquista em meio a uma luta constante contra o mal. As bem-aventuranças recobram seu poder real na prática da vida cotidiana. Devemos aprender a viver na luta irredutível entre o bem e o mal. Nesse confronto, temos de fazer um inventário autocrítico não só dos recursos materiais como também das forças espirituais. A experiência imediata da injustiça e do pecado nos levará, por um caminho de autenticidade, a descobrir mais e mais a justiça e o amor, até termos uma experiência de plenitude que nos liberte definitivamente. para ter e assumir uma experiência profunda e transcendente (no encontro com Deus ou na procura da verdade e da justiça) A prática no caminho do bem, da verdade, da justiça não pode perdurar por longo tempo em meio ao conflito e à dificuldade. Somente podemos suportar a carga se chegamos a ter uma grande experiência da força de Deus e desses ideais. Só a aceitação incondicional dos outros, especialmente do pobre por ser pobre, e o amor por eles conduzem a experiências autênticas de justiça e verdade. 48 Cedo ou tarde, Deus se manifesta a quem o procura na oração ou na ação. Quase sempre essa experiência se apresenta de repente, inesperadamente. Sem saber como, a pessoa, confiando em Deus, aceita finalmente o que lhe parecia inconciliável: o sentido da dor, da culpa e da morte, de uma parte e da outra, a experiência de um Deus que nos supera. Na experiência transcendente é estabelecida uma relação imediata de comunhão com Deus. Desse contato, o homem sai fortalecido e plenamente libertado. Supera toda ideologia, toda dificuldade, toda dor, toda culpa e, em último termo, a morte. Desse amor incondicional, sentido no fundo da existência, brota um conhecimento novo e criador que descobre e desfruta cada vez mais a vida, que permite ser mais profundo e real, mais crítico e objetivo. Brota também uma resposta cada vez mais generosa e incondicional a Deus. O homem dos Exercícios Espirituais é totalmente livre dian te de tudo o que não seja o próprio Deus. Sua independência o mantém livre diante do dinheiro, do poder, do prestígio, da competência, do orgulho. Só o amor lhe é suficiente. Pela qual se descobrem as orientações fundamentais que orientam e organizam a vida... Para o educador que não professa a fé em Jesus Cristo, mas que teve uma experiência transcendente, o amor supremo é o do semelhante, ao qual chega pelo reconhecimento concreto dos outros. Esse amor o guia, revela novos conhecimentos e tinerários. O itinerário de vida fica marcado pela aceitação amorosa 49 e incondicional dos outros e se abre a um futuro totalmente novo. O homem livre começa a não dispor mais de si mesmo, mas a servir aos outros. Deus, ao se dar imediatamente aos homens, assinaloulhes suas preferências. O cristão, ao assumir esta experiência, está disposto a abandonar seus próprios planos para seguir os de Deus. A lei da Encarnação cumpre-se no cristão pelo seguimento de Jesus: Deus não vem de cima impondo seus planos. O Verbo torna-se carne para obedecer aqui embaixo a vontade de seu Pai. O mesmo seguimento de Jesus se faz diferente em cada cristão. Para o educador cristão, o amor pelos pobres e a sede de justiça são divinos. O critério para compartir e comungar com os pobres não é propriamente a solidariedade humana, mas o agápe de Deus que se apodera de nossa capacidade de amar. Não se ama a Deus a não ser amando o irmão, mas o homem não ama verdadeiramente seu irmão a não ser que o ame com o amor Daquele que nos amou primeiro. Assim entendemos a opção preferencial pelos oprimidos. para o bem de todos (fazendo a história da Salvação) As orientações fundamentais são canais pelos quais transita a pessoa livre. Mas são as ações, a práxis, que operacionalizam tais orientações, que transformam nossa liberdade potencial em liberdade efetiva. Numa autêntica vocação de educador, a verdade, a justiça, o bem vão se apoderando de todo o homem em todos os 50 domínios de sua atividade. O educador está imerso em seu mundo e nesse subsolo se fixa para produzir frutos. O homem dos Exercícios Espirituais termina fazendo uma petição final: reconhecer tanto bem recebido para poder em tudo amar e servir a Deus; e assim o Senhor se vai apoderando do homem dos Exercícios até invadi-lo em todo seu espaço e enchê-lo de transparência. Deus entra em todo o homem e em todo seu horizonte. O encontro com Deus não se dá somente na contemplação retirada, mas também no coração do mundo, em toda vinculação e ação do homem com seu mundo. O homem dos Exercícios se entrega ao amor e ao Serviço em tudo. Esta é a conclusão, se assim se pode chamá-la, dos Exercícios na Contemplação para Alcançar o Amor; e é, ao mesmo tempo, o fim último da educação inaciana: a formação de homens e mulheres para os outros, pessoas altamente qualificadas, plenamente conscientes e amorosamente comprometidas com o bem de todos. 51 52 Anexo 1 Notas ao paradigma inaciano 1. A partir da perspectiva do carisma inaciano O pressuposto fundamental de Inácio, a convicção central de toda sua vida e de seu projeto apostólico é que Deus age diretamente em sua criatura, na pessoa; e que, por conseguinte, o ser humano é capaz de experimentar diretamente em si mesmo a ação de Deus (cf. Rahner, K., Palavras de Inácio de Loyola a um jesuíta de hoje, e a Anotação 15 dos E). A partir desta convicção, os Exercícios são um instrumento para propiciar, facilitar, conduzir esse encontro da pessoa com Deus (cf. ibid.). A educação, para Inácio, é um instrumento apostólico na medida em que sirva para que o homem se liberte e se entregue à ação do Espírito. Não no sentido de instrumento de manipulação com o qual se submete os educandos a determinado projeto de dominação. A experiência de Deus, do “Deus sempre maior”, é o que dá origem ao magis como característica da espiritualidade e, por conseguinte, da educação inaciana. Magis como a qualidade da resposta do homem livre a um Deus que se revela progressivamente como aquele que nos amou primeiro e a nós 53 se entrega cada vez mais. Não como critério de competência nem de exaltação pessoal entre companheiros. Finalmente, a imitação, o seguimento de Cristo neste processo educativo, é vista como o processo de libertação do mesmo Jesus, enquanto homem, e de seu autêntico desenvolvimento humano (cf. Características, nn. 21, 37, 38, 39). 2. Fé, justiça e discernimento no paradigma inaciano Todo esquema incorre no risco de, ao simplificar excessivamente a realidade e apresentá-la de maneira estática, distorcê--la e privá-la de sua riqueza existencial. Contudo, tem a vantagem de ajudar-nos a entender essa mesma realidade, de colocar-nos no caminho de sua apropriação e, inclusive, de seu dinamismo intrínseco. Com este propósito, são oferecidas as reflexões seguintes sobre a situação e o papel que tem o paradigma na redefinição do próprio fim que propõe a Companhia de Jesus a partir da 32ª Congregação Geral: o serviço da fé e a promoção da justiça que esta fé implica. A fé, antes de ser expressa em conteúdos, verdades afir máveis e afirmadas, se apresenta como um impulso na pessoa. Esse dinamismo irrompe a partir da experiência religiosa fundamental: sentir internamente que somos amados por Deus. Esta é a graça, o presente de Deus a todo ser humano. Dessa experiência, dessa forma inicial de se apaixonar, resulta determinada maneira de ver, de contemplar o mundo, da maneira de Deus: “e Deus viu que tudo era bom”. Ou como o exprime o princípio e fundamento: “e todas as outras coisas sobre a face da terra para ajudá-lo a conseguir seu fim último”. A justiça, como conseqüência da fé, entendida assim, é a vontade de transformar a realidade para que realmente seja o 54 que Deus quer: para restituir a cada pessoa e a cada coisa o que é propriamente seu, sua função salvífica, sua condição de ser meio adequado para atingir o último fim para que o homem viva e viva em plenitude; vistas assim as coisas, entende-se por que a justiça é o mínimo de caridade que pode ser exigido nas relações entre pessoas: menos do que isso é pecado. Mas acima da justiça existe muito ainda por construir. Assim também adquire sua justa dimensão a forma como Inácio entende o amor: está mais nas obras do que nas palavras. Pois bem, o nexo entre a fé (experiência de Deus que ama) e a justiça (minha resposta à pergunta diante do crucificado: “que devo fazer por Cristo?”) passa por uma mediação que nas palavras de Inácio é o discernimento espiritual. É o trabalho da pessoa que quer viver no Espírito: o esforço permanente de vasculhar nas suas moções (movimentos dos espíritos) o que Deus quer dele. É uma tarefa de reflexão na fé para escolher a ação que mais conduz à justiça e à implementação do Reino. Assim, pois, sem querer reduzir indevidamente o dinamismo desses termos, podemos afirmar que, no paradigma inaciano, o lugar privilegiado da fé é a experiência; o da justiça é por excelência a ação; e o lugar próprio do discernimento é a reflexão. 3. A partir da antropologia filosófica Entendemos por antropologia filosófica a reflexão séria e sistemática, conforme o método transcendental, sobre tudo aquilo que está implícito ao se falar de pessoa humana, de ser humano, como estruturas constitutivas de seu agir enquanto homem. E, uma vez que na perspectiva inaciana o foco de atenção é o Homem Cristo Jesus, a quem pedimos em cada meditação “conhecimento interno... para que mais o amemos e sigamos” (EE 104), a antropologia a que nos referimos aqui é uma antropologia filosófica cristã. 55 — A partir dessa antropologia, o constitutivo último da pessoa é sua consciência entendida como presença do sujeito a si mesmo mediante suas operações. — Esta consciência não é ainda conhecimento nem se identifica com o conhecer; o precede e é mais ampla do que as operações cognitivas. — Precisamente enquanto a consciência experiencial nos permite esse contato direto com Deus a que Santo Inácio chama moções e que se dá em nós sem que tenhamos um conceito de Deus. Em conformidade com essa antropologia, a formulação tradicional da filosofia aristotélico-tomista do ser humano como animal racional se substitui por uma nova maneira, dinâmica, sistemática e existencial, de entender o homem. O ser humano está constituído por um conjunto dinâmico de operações intencionais e conscientes estruturadas em quatro níveis: o da experiência, o da intelecção, o do juízo e o da decisão, interrelacionados e recorrentes que produzem resultados cumulativos e progressivos. Esta concepção nos permite explicar e delimitar tecnicamente os elementos centrais do paradigma inaciano. A partir da antropologia filosófica cristã fundamental, podemos sustentar no seu significado próprio e no seu sentido de transcendência plena a finalidade da educação inaciana. Em paralelo com a formulação do propósito fundamental, do fim dos exercícios: “Exercícios espirituais para vencer a si mesmo e ordenar sua vida sem determinar-se por afeição alguma que seja desordenada” (cf. EE n. 21). Expressamos a finalidade última da educação inaciana na sua máxima simplicidade: a educação inaciana procura libertar a pessoa de todo atrelamento (ao ter, ao poder, ao saber, à honra etc.) que limite seu ser autêntico-no-mundo, para que possa exprimir no Espírito sua própria palavra única e irrepetível como projeto pessoal para o serviço dos demais. Com palavras de Pedro Arrupe: “Formar homens e mulheres para os outros”. 56 Cartilha do PPI 57 58 Apresentação da Cartilha do PPI “…vamos perdendo a fé na idéia ingênua de que toda a educação, prescindindo da sua qualidade, empenho ou finalidade, conduz à virtude. …se nossa educação aspira exercer influência ética na sociedade, devemos conseguir que … se desenvolva tanto no plano moral como intelectual” (PPI, nn. 14 e 138). — Pe. Peter--Hans Kolvenbach, SJ, em Villa Cavalletti (Roma, abril de 1993). O Pe. Geral mostrava em sua carta de promulgação do documento: • a renovação prática eficaz deve visar à comunidade educativa, especialmente aos professores; • para serem eficientes, os professores precisariam familia rizar-se com os métodos pedagógicos que animam o projeto de pedagogia inaciana; • o que mais importa, porém, não é o número de leitores a atingir, mas o grau de renovação que a leitura inspire no processo de ensino e aprendizagem na sala de aula; • …o mais firme apoio… para capacitarem os nossos professores na aplicação do paradigma pedagógico inaciano; • …elaborar material suplementar para aplicação do presente documento; 59 • a redação final e definitiva será a que se efetuar quando sua mensagem houver logrado interessar e inspirar nossos professores e alunos. Por isso, a equipe do CPPA elaborou esta Cartilha do PPI que: Pretende ser um guia prático para: • o professor poder preparar mais facilmente aulas, exercícios e avaliações para os alunos. • o educador poder preparar as atividades e dinâmicas com os alunos. Supõe: • a assimilação de “Características da Educação Jesuíta” e do próprio PPI. • o esforço de todos para buscarem novos métodos pedagógicos. • uma futura versão, enriquecida com a experiência de todos. É apresentada seguindo o documento “Pedagogia inaciana. Uma proposta prática”. Rio de Janeiro, junho de 1995 Equipe do Centro Pedagógico Pedro Arrupe Contextualização (PPI nn. 33 a 41) O que se entende por “contextualização” do ensino e da aprendizagem? É a consideração dos diversos fatores que influem no processo de ensino e aprendizagem: • Conhecer o(s) aluno(s) quanto à(ao): • pessoa: temperamento, caráter, gostos, dificuldades 60 • • • • vida, saúde… família ambiente: casa, bairro, nível socioeconômico história educativa: colégios, notas, inclinações, tendências • formação e vivência religiosa • relacionamento com os outros, amizades… • Conhecer a relação do(s) aluno(s) com o tema do estudo: • conhecimento prévio que ele tem sobre o tema da programação • aptidões e disposições do aluno para trabalhar o tema • Situar a programação da disciplina de acordo com a: • programação acadêmica da série • programação vertical da disciplina entre as diversas séries • programação comunitária e pastoral da série • programação mais ampla do colégio • os temas principais ou mais urgentes do debate local, nacional e internacional • Conhecer o clima educativo do colégio: normas, comportamentos etc. • Conhecer a si mesmo ante: • sua própria situação de vida e do educador • os alunos, o processo educativo, o clima escolar, o contexto socioeconômico Por que a “contextualização” é importante para o ensino e a aprendizagem? Porque: • a experiência humana nunca se produz no vazio mas num contexto concreto • permite ao educador elaborar uma programação e instrumentos de trabalho mais adequados ao tipo de aluno que lhe toca acompanhar e não a um aluno qualquer, ideal 61 O que não é a “contextualização” no sentido da pedagogia inaciana? A consideração isolada de um dos aspectos acima descritos, esquecendo-se do seu conjunto. Como se consegue a contextualização? Da vida do aluno, por meio de: • contato direto com o próprio aluno e sua família • dossiê do aluno e do histórico escolar • entrevistas ou reuniões com coordenador de série, ori entador educacional, agentes de pastoral e outros acompanhantes mais próximos • atas dos conselhos de classe Da juventude, por meio de: • estudo das características psicoevolutivas da criança e do adolescente • conhecimento do mundo e das preferências dos jovens: modas, rituais, roupas, músicas, poemas, literaturas, ídolos, linguagem etc. • contato espontâneo com os alunos nas entradas, saídas e recreios Do colégio, por meio de conhecimento de: • Plano Diretor, programação e calendário do colégio • orientações das diversas diretorias e coordenações • comunicados e informativos Da série, por meio de conhecimento e acompanhamento de: • reuniões de equipes de série e de conselhos de classe • programação acadêmica, religiosa e comunitária da série • programação vertical da respectiva disciplina • ambiente e relacionamento geral de alunos, famílias e educadores Da realidade ambiental, por meio do acompanhamento de: • meios de comunicação falada, escrita e televisiva 62 Experiência (PPI nn. 42-46) O que se entende por “experiência” no ensino e aprendizagem? É • “saborear as coisas internamente”, como dizia Santo Inácio • o contato — direto ou mediato — do aluno com o objeto do conhecimento a ser descoberto ou construído envolvendo todo o seu ser por meio de •seus sentidos •imaginação •sentimentos •vontade Por que a “experiência” é importante para o ensino e a aprendizagem? Porque: • é o desenvolvimento do aluno como construtor ou protagonista, e não mero ouvinte, do seu conhecimento • sem ela o aluno não chega à ação comprometida, objetivo final da educação inaciana O que não é a “experiência” no sentido da pedagogia inaciana? Não é: • uma abordagem apenas intelectual do assunto de estudo • levar o aluno apenas à atividade ou ao manuseio de material didático no estudo • uma etapa separável da etapa de “reflexão” Como levar o aluno à “experiência” na aprendizagem? no campo do entendimento: • questionamento e debates com a classe para aguçar sua curiosidade e motivá-la para trabalhar sobre o tema da 63 aprendizagem, objeto do conhecimento a ser descoberto ou construído • perguntas que levem os alunos a dar-se conta do que já conhecem a respeito, confrontando com o que estudaram previamente • guias, fichas, roteiros, recursos audiovisuais etc. que levem à pesquisa de conceitos, fatos, leis, personagens, circunstâncias acerca do tema da aprendizagem no campo dos sentimentos: • levar o aluno a recolher e recordar os dados da própria existência e a selecionar o que será relevante para o objeto do conhecimento a ser procurado • favorecer a experiência ou manipulação direta de fenômenos ou situações referentes ao tema da aprendizagem • roteiro de perguntas e tempo de silêncio que propiciem ao aluno “cair na conta” (identificar) de suas reações afetivas ao tema de aprendizagem • tempo de partilha entre os alunos sobre suas reações afetivas no campo da imaginação: • simulação ou dramatização das situações • exercícios diversos de: •criatividade •projeção de situações •comunicação não verbal •em laboratórios Reflexão (PPI nn. 47-58) O que se entende por “reflexão” no ensino e na aprendizagem? • É o empenho do aluno em indagar o significado, a importância e as implicações do que está trabalhando e experimentando no tema de aprendizagem 64 Por que a “reflexão” é importante para o ensino e a aprendizagem? Porque permite ao aluno: • consolidar e tornar próprio o trabalho realizado sobre o tema de aprendizagem • construir as crenças, os valores, as atitudes e as maneiras de pensar, capacitando-o para a ação • buscar significado do que aprendeu para a vida Como levar o aluno à “reflexão” na aprendizagem? Levando o aluno, com toda a liberdade, a: • desenvolver a imaginação e a exercitar a vontade • formular diversas perguntas (o quê, como, quando, por quê etc.) sobrê o assunto em estudo • decifrar suas reações (interesse, apatia, contentamento perplexidade, temor etc.) diante do tema da aprendizagem • perguntar-se sobre as implicações, influências ou conseqüências do tema sobre ele mesmo e sobre a sociedade, especialmente os pobres O que não é a “reflexão” no sentido da pedagogia inaciana? Não é: • um mero exercício de interpretação do texto • a elaboração “intuitiva” de juízo, sem conhecimento ou estudo prévio • separável das experiências intelectuais, afetivas e das intuições • a manipulação ou a doutrinação do professor querendo impor aos alunos o seu ponto de vista Quando o aluno faz a “reflexão” no processo de aprendizagem? Quando o aluno: • vê com maior clareza a verdade que está estudando • descobre as causas dos sentimentos ou reações que experimenta 65 • penetra mais a fundo nas implicações do que estudou • logra convicções pessoais sobre fatos, opiniões, verdades e compreende quem é e como deve ser em relação aos demais Recursos e subsídios para despertar a “reflexão” do aluno • perguntas, roteiros, guias, fichas do professor • intercâmbio das reflexões individuais da classe • debates, dramatizações, estudos de casos etc. Ação (PPI nn. 59-62) O que se entende por “ação” no ensino e na aprendizagem? É a modificação que o aluno incorpora à sua pessoa, em qualquer das dimensões de sua vida, e se dispõe a oferecer à sociedade, a partir do tema trabalhado na aprendizagem. Por que a “ação” é importante para o ensino e a aprendizagem? Porque: • a prova mais contundente do amor é o que se faz, não o que se diz • a pedagogia inaciana visa formar homens e mulheres de decisão, de ação, de compromisso, de atitudes e não apenas de intelecção e de experiência • a aprendizagem manifesta-se necessariamente na vida do aluno • a aprendizagem não pode ser um mero “passeio” sobre o objeto do conhecimento Como levar o aluno à “ação” na aprendizagem? • possibilitando que o aluno elabore suas próprias conclusões daquilo que experimentou ou sobre o que refletiu • confrontando sua realidade pessoal e social com o aprendido 66 • projetando novos “modelos” para as situações de aprendizagem • perguntando ao aluno sobre: • os valores, convicções e atitudes que o tema aprendido assumirá ou rejeitará em sua vida • o compromisso concreto que assumirá como serviço à sociedade: casa, vizinhança, familiares, escola, igreja, clube etc. O que não é a “ação” no sentido da pedagogia inaciana? Não é apenas: • o crescimento pessoal do aluno • a sua atitude de serviço aos outros Mas • o seu aprimoramento intelectual • e o crescimento nas demais dimensões Avaliação (PPI nn. 63-67) O que se entende por “avaliação” no ensino e na aprendizagem? • É a tomada de consciência dos educadores e dos alunos do progresso que estes realizam na aquisição de conhecimentos • É uma avaliação: integral (de conhecimentos e atitudes) mais diagnóstica que classificatória Por que a “avaliação” é importante para o ensino e a aprendizagem? Porque: • a pedagogia inaciana não quer propiciar a memorização ou assimilação dos conhecimentos, mas quer formar homens e mulheres de serviço aos demais • permite detectar o estágio e o ritmo do aluno na busca dos objetivos propostos para a aprendizagem 67 • permite reforçar ou corrigir os instrumentos de trabalho utilizados • unifica a dimensão acadêmica e todas as outras do processo formativo • favorece a compreensão do acadêmico como experiência de aprendizagem e não mera prestação de provas ou exames Como levar o aluno à “avaliação” na aprendizagem? Tendo em conta a programação estabelecida, por meio de: • contatos diários com os alunos sobre seu processo de aprendizagem • ficha, dossiê ou diário elaborado pelo aluno • auto-avaliação (escrita ou oral) do aluno • verificações (argüições, exercícios, provas), previstas ou não, semanais ou mensais • partilha em grupos ou com toda a classe • reuniões dos educadores (ex.: conselhos de classe) • tomadas de consciência pessoais e comunitárias • instrumentos de auto e heterocontrole O que não é “avaliação” no sentido da pedagogia inaciana? Não é: • um momento terminal do processo de aprendizagem • para medir apenas a assimilação dos conteúdos, deixando de lado as atitudes e o crescimento integral do aluno • um tribunal de cobrança, de prestação de contas nem de mero juízo do trabalho realizado pelo aluno Vantagens do paradigma pedagógico inaciano (PPI) Quais as vantagens do PPI? Vantagens para o aluno, que: 68 • se torna mais pessoal, ativo e crítico no processo de ensino • é valorizado no seu estilo, ritmo e preferência de aprendizagem • relacionar com mais facilidade as matérias que estuda • consegue maior plenitude e riqueza pessoal ao discernir sobre suas experiências antes de passar à ação • se acostuma a não estudar apenas para as provas • descobre o prazer de estudar de modo habitual • é estimulado a permanecer aberto ao crescimento para a vida toda • cresce na dimensão social, respeitando o outro e conhecendo a realidade ambiental • tem maior possibilidade de “ser para os outros” Vantagens para o professor, porque o PPI • é um modelo prático para enriquecer a estrutura e o conteúdo do curso • sugere uma variedade de caminhos para o trabalho pessoal e coletivo • permite conhecer o ritmo e o desempenho pessoal de cada aluno • facilita a condição ou o manejo da classe • enriquece o professor no seu trabalho educativo Vantagens para o colégio, porque: • ultrapassando o aspecto meramente teórico do processo educacional, pode propiciar mudanças no modo de pensar e agir dos alunos • a inter-relação das cinco etapas situa-se no coração da pedagogia e da espiritualidade inacianas • assegura a inter-relação do professor, aluno e matéria • atende aos ideais de formação de modo prático e sistemático • conserva a tradicional inspiração pedagógica inaciana permitindo incorporar as metodologias atuais 69 Aplicabilidade do paradigma pedagógico inaciano É fácil aplicar o PPI? O PPI pode: • ser utilizado por qualquer professor, em disciplinas — teóricas e práticas — de qualquer série do colégio • ser usado também em atividades extraclasse, esportes, programas de serviço social, convivências e outros • ter suas etapas realizadas pelos alunos individualmente ou em grupo • começar a ser aplicado logo que os educadores se exercitem nas novas técnicas de ensino • ter meios e instrumentos típicos para cada etapa ou comuns a várias delas O PPI não: • exige o aumento de disciplinas ou da carga horária do currículo • pode ter sempre suas cinco etapas aplicadas numa única aula Relação educador — aluno Por que o PPI valoriza tanto a relação entre o professor e o aluno? Porque: • é condição sine qua non para uma educação de valores • os professores estão mais próximo dos alunos e podem influenciar mais pelo seu exemplo que pela sua competência e talento oratório Qual deve ser a atitude do professor na pedagogia inaciana? A atitude do professor deve ser: 70 • de atenção pessoal, apreço, respeito, serviço e de verdadeiro companheiro de aprendizagem • não de informar • mas criar condições para ajudar o aluno a progredir rumo à verdade Ficha do PPI Por que foi elaborado o PPI? Porque: • o modelo educativo vigente tem sido deficiente como modelo de ensino da Companhia de Jesus, enquanto é: •mera transmissão de conhecimentos do professor para o aluno •composto de apenas duas fases: experiência e ação •resultante mais da atividade do professor que do aluno •insistente na capacidade de memorização do aluno • a educação hoje oculta os valores humanistas, enquanto é considerada: •de modo muito utilitário •com interesses egoístas •com ênfase no êxito econômico O que inclui o PPI? Inclui • o próprio documento “Paradigma inaciano. Uma proposta prática” • um programa de preparação dos educadores em nível local e regional Quem elaborou o PPI? O Conselho Internacional de Educação Jesuíta, composto por: • Secretário de Educação da Companhia de Jesus • e seis jesuítas representando todas as partes do mundo 71 Como foi elaborado o PPI? • O Conselho fez sete rascunhos, que foram enriquecidos por sugestões de educadores jesuítas representando todas as partes do mundo Como foi promulgado o PPI? • Pelo Superior Geral dos Jesuítas em 31 de julho de 1993 • Após um treinamento de 40 educadores de 26 países, durante 10 dias em Roma, com uma equipe de especialistas O que é, afinal, o PPI? • é uma ampliação e concretização da 10ª parte de “Características” • é apenas parte de um projeto integral de renovação pedagógica • trata de alguns aspectos da pedagogia jesuíta referentes ao ensino e à aprendizagem Para que servirá o PPI? O PPI servirá para: • aplicar uma pedagogia para o serviço da fé e a promoção da justiça, fundamento do humanismo cristão social, núcleo da tarefa educativa jesuíta hoje • ajudar a concretizar os princípios das “Características da Educação Jesuíta” • ajudar os professores a desenvolver um trabalho: •solidamente acadêmico •formador de “homens para os outros” •que trate dos valores inacianos no próprio currículo escolar Quem poderá utilizar o PPI? 72 • os estabelecimentos educativos jesuítas: escolas, colégios e universidades • outros processos educativos que se inspiram na espi ritualidade de Santo Inácio de Loyola Quais as objeções à aplicação do PPI? As objeções decorrem de: • • visão restrita de educação como unicamente: •transmissão de cultura acumulada pela humanidade •preparação para o trabalho busca de soluções simples para os complexos problemas atuais • insegurança em face das instituições humanas essenciais • exigências das administrações públicas às escolas Traços típicos da pedagogia inaciana De onde provém a pedagogia inaciana? • É uma pedagogia inspirada na espiritualidade de Santo Inácio de Loyola, especialmente no seu livro Exercícios Espirituais O que são os Exercícios Espirituais? • a experiência de conversão profunda a Deus pela mudança de mentalidade e de vida que Santo Inácio realizou • não são objeto de especulação intelectual ou de mera devoção • mas um manual bem estruturado para ajudar outros cristãos — não exclusivamente padres ou religiosos — a fazer o mesmo roteiro Para que são os Exercícios Espirituais? • Para ajudar as pessoas a se colocar numa situação tal que possam buscar, discernir (= esclarecer as motivações internas) e encontrar a vontade de Deus na ordenação da 73 própria vida e no serviço aos outros, e assim se realizar plenamente como tais. Qual a metodologia dos Exercícios? O manual dos Exercícios propõe: • pistas para a oração pessoal que comprometem o corpo, a mente, o coração e a alma da pessoa, tais como: •temas de meditação •realidades para a contemplação •cenas para a imaginação •sentimentos para avaliar •possibilidades a serem exploradas •alternativas a ponderar diante de Deus Quais os atores dos Exercícios? A pessoa: • considera na oração o conjunto da sua experiência pessoal • reflete sobre essa experiência • confronta-a com um orientador espiritual para evitar ilusões • elege os meios que favorecerão seu desenvolvimento pleno como pessoa O orientador: • seleciona e adapta os exercícios que melhor ajudem o exercitante • ouve, encoraja, previne o exercitante Quais os temas dos Exercícios Espirituais? Os temas são o conjunto da experiência de vida da pessoa considerada em oração e discernimento à luz da História da Salvação, ou seja: 74 • a criação do mundo e o chamado dirigido por Deus a cada pessoa • a recusa das pessoas aos apelos de Deus • a revelação de Deus na Encarnação de Jesus Cristo • a história de Jesus como modelo de vida humana, sua paixão, morte e ressurreição Qual a dinâmica dos Exercícios? A dinâmica vital é o encontro da pessoa com o Exercício da Verdade. A pessoa: • considera na oração o conjunto da sua experiência pessoal • reflete sobre essa experiência • confronta essa caminhada com um orientador, para evitar ilusões • elege os modos que favorecerão o seu desenvolvimento pleno como pessoa O orientador seleciona e adapta os exercícios que melhor ajudem o exercitante. Então, o que não é a pedagogia inaciana? A pedagogia inaciana • não pode ser: •mera metodologia •um programa de doutrinação que abafe o espírito •curso teórico especulativo, alheio à realidade •não pretende apenas: •acumular quantidades de informação •preparar os alunos para uma profissão O que pretende a pedagogia inaciana? Pretende • incluir a visão de pessoa e de mundo segundo as “Características” 75 • • 76 formar •o desenvolvimento integral da pessoa para a ação •homens e mulheres para os outros •líderes no serviço e imitação de Jesus Cristo •pessoas competentes, conscientes e comprometidas na compaixão levar os alunos a •respeitar a liberdade para as pessoas criarem uma vida diferente •partilhar o que são, mais do que o que têm •perceber que sua maior riqueza é a compreensão dos outros •transformar o modo de verem a si mesmos, os outros, as estruturas sociais •mudar radicalmente o modo de pensar, agir e entender a vida •à excelência, que integra o lado acadêmico e os demais aspectos •ter Jesus Cristo como modelo de vida humana mesmo para os sem fé •promover, por isso, a educação na fé e na justiça O Professor do Colégio Jesuíta como educador da fé 77 78 O professor do colégio jesuíta como educador da fé 1. Introdução, Histórico e finalidade do documento 1. Com a publicação das Características da educação da Companhia de Jesus (Cecj), em 1986, iniciou-se um tempo de estudo e reflexão com vistas à renovação da prática educativa dos colégio jesuítas. Um das dificuldades mais encontradas nesses esforços de renovação refere-se à identidade do educador num colégio da Companhia de Jesus. De acordo com as Características, todos os que trabalham num centro educativo da Companhia — e hoje são mais de 60 mil professores em aproximadamente 700 instituições educativas, nos cinco continentes — participam de uma “missão apostólica da Igreja na construção do Reino de Deus”, razão pela qual “ensinar num colégio da companhia é um ministério” (Cecj, 93). Em diversas reuniões com representantes de colégios jesuítas, constatouse que as dificuldades são tanto teóricas quanto práticas e se referem, sobretudo, à missão plena do professor como colaborador de uma missão apostólica e, mais particularmente, como educador da fé. 2. O objetivo deste documento é esclarecer os propósitos da Companhia de Jesus ao manter colégios; explicar o que se 79 entende por educar na fé; explicitar objetivos, etapas, meios e dificuldades no exercício deste ministério; e indicar a formação necessária para o cumprimento de tal missão, a fim de poder contar com a colaboração eficiente dos leigos no esforço de concretização de seu projeto educativo. 3. Na elaboração do presente documento colaboraram a Conej (Comissão Nacional de Educação dos Jesuítas), os Diretores e Reitores dos colégios jesuítas do Brasil (em suas reuniõesanuais de 1989 e 1990), o Pe. Martinho Lenz, SJ, como redator, além de outras assessorias. Este documento é fruto da colaboração de jesuítas e leigos. Desde 1990, a conej conta com a participação paritária de leigos e jesuítas, num total de oito membros, representando as quatro províncias do Brasil. 4. Este documento é dirigido, em primeiro lugar, aos professores e técnicos em educação de nossos colégios. Mais amplamente, é oferecido a toda a comunidade educativa: jesuítas, funcionários, alunos, pais e antigos alunos. Ele aponta para um ideal elevado, uma utopia que, num colégio da Companhia de Jesus, se constitui ao mesmo tempo meta e desafio. 2. A Educação formal como campo de evangelização 5. A atual compreensão dos fins de um colégio católico recebeu sua definição no Concílio Vaticano II, que projetou nova luz sobre a missão da Igreja no mundo de hoje e, particularmente, sobre a educação. Proclamou o direito inalienável a uma educação cristã, considerou os pais como os primeiros e principais educadores dos próprios filhos e estimulou a participação de toda a comunidade educativa na vida da escola e na sua renovação (Decreto Gravissimum educationis, sobre a Educação Cristã). Em sua exortação apostólica sobre a Vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo (1989), o papa João Paulo II lembra aos leigos sua responsabilidade, na missão da Igreja, 80 decorrente do batismo que os incluiu na Igreja-ministério, e de sua participação na vida da Igreja-comunhão. Essa vocação para o apostolado leigo dá-se por meio de uma variedade de vocações e exige uma formação seria e integral para a vida em comunidade e para o exercício firme e competente na missão. 6. No documento de Medellín (l968), os bispos da América Latina vêem a situação educacional como um drama e um desafio. Após analisar as deficiências quantitativas e qualitativas, propõem a educação libertadora como resposta às nossas necessidades: uma educação que coloque o educando como sujeito do processo educativo e se oriente no sentido de criar um novo homem, numa nova sociedade. Puebla (l979) aprofunda e completa a proposta de educação libertadora com a noção de educação evangelizadora, pois a educação deve contribuir para a conversão do homem total e para sua abertura a Deus e à comunhão fraterna. Pede que a educação católica prepare agentes de transformação permanente e orgânica que a sociedade da América Latina requer. 7. A Igreja no Brasil assumiu essa proposta e lançou um texto intitulado Para uma pastoral da educação, no qual conceitua a pastoral da educação como “a presença e ação da Igreja, proclamando e construindo o Reino no e por meio do mundo da educação” (n. 3.2). 8. Após o Concílio Vaticano II, a Companhia de Jesus lançou-se num processo de profunda renovação. Nas três Congregações Gerais (CG) realizadas a partir daí (1965-1966; 1975 e 1983) definiram-se, também no campo da educação, os rumos da atualização apostólica desejada. Entre os documentos de maior impacto desse período destacam-se o decreto nº 28 sobre o Apostolado da Educação, da 31ª CG (1965-1966), que reafirma a importância deste campo de trabalho e abre os colégios da Companhia de Jesus a uma renovação pedagógica e pastoral; o decreto nº 4, da 32ª CG (1975), que situa todo o apostolado 81 da Companhia de Jesus sob uma nova luz ou opção prioritária, definida como “o serviço da fé e a promoção da justiça”; a alocução do Pe. Pedro Arrupe, então Superior Geral da Companhia, denominada “Nossos Colégios Hoje e Amanhã” (1980), na qual propõe critérios que identificam um colégio Jesuíta, traça o perfil do aluno que queremos formar e da comunidade educativa necessária para essa missão; e, finalmente, o documento Caracteristicas da educação da Companhia de Jesus (1986), novo ordenamento do apostolado educacional da Companhia, visto à luz do carisma espiritual de Santo Inácio de Loyola. 9. Uma constante em todos esses documentos é a afirmação de que hoje, cada vez mais, as mudanças ocorridas nos colégios jesuítas fazem surgir um modelo inteiramente novo de colaboração, participação e responsabilidade conjunta que o Pe. Peter-Hans Kolvenbach, atual superior geral dos jesuítas, assim descreve: “…a atividade educativa das escolas jesuítas de hoje deve ser confiada e desenvolvida por um grupo de homens e mulheres inspirados pela visão inaciana. Eles devem partilhar essa visão, devem desenvolvê-la, concretizá-la e traduzi-la no que se pode chamar de estilo educativo da escola” (alocução a um grupo de representantes de oito escolas jesuítas do norte da Itália, em 13 de dezembro de 1986). 10. A consciência desse novo modelo de colaboração — jesuí tas e leigos — nos colégios da Companhia leva os responsáveis pela orientação a expor claramente a todos os educadores os objetivos da Companhia no que diz respeito à educação dos alunos, para uma fé consciente e assumida, e ao papel do professor/educador nessa missão comum em nossas instituições educativas. A concepção do professor como educador da fé baseia-se no entendimento de que os fiéis leigos “têm por vocação e por missão anunciar o Evangelho: para essa obra foram habilitados e nela empenhados pelos sacramentos da iniciação cristãs e pelos dons do Espírito Santo” (Vocação e missão dos 82 leigos na igreja e no mundo, n. 33). Entende-se também que os leigos têm uma forma própria de realizar seu apostolado e que os sacerdotes e religiosos devem aprender, cada vez mais, a colaborar no apostolado dos leigos. 3. situação e missão do professor num colégio jesuíta 11. O ponto de partida é a consciência de quem somos, de nossa realidade atual e de nossas potencialidades, daquilo que podemos vir a ser se nos dispusermos a abraçar juntos esta missão de educar na fé. 12. A educação enfrenta hoje uma crise mundial. No Brasil, como em grande parte do mundo capitalista, a educação formal sofre o impacto de poderosos meios de comunicação social, sobretudo da televisão comercial, que veicula informações e modela concepções, valores e desejos dos telespectadores, potenciais consumidores das idéias difundidas e dos produtos anunciados. Generaliza-se uma filosofia de vida voltada para o privatismo, o narcisismo e a satisfação egoísta e imediata dos sentidos. A escola interessa aos detentores desses meios e a seus patrocinadores? Que escola interessa? 13. O professor vive a crise da educação e da escola, que tem como reflexo a desvalorização de sua profissão. Muitos trocam sua carreira por outra economicamente mais compensadora; o afluxo de novos professores é reduzido. Os que continuam na escola enfrentam o desafio de manter um bom nível de ensino em meio a muitas dificuldades e lutas por melhores salários e condições de trabalho. As organizações sindicais e profissionais gastam grande parte de suas forças nesta luta por sobrevivência e afirmação profissional. Se, por um lado, cresce a consciência da dignidade profissional, por outro, alonga-se o dia de trabalho em três jornadas, assumidas por necessidade de garantir um padrão de vida aceitável. A preparação das aulas, freqüentemente, ocupa parte do tempo de lazer do professor, 83 diminuindo as horas disponíveis para a família. A existência de problemas familiares pode complicar sua vida e refletir-se em seu desempenho profissional. Apesar da escassez de recursos e de tempo, o professor busca aperfeiçoar sua formação básica, obtida no curso de magistério ou de graduação, por meio de uma pós-graduação realizada simultaneamente ao seu trabalho ou em período de férias. 14. Qual o perfil do professorado dos colégios jesuítas do Brasil? Em muitos aspectos, é semelhante ao perfil do professor das demais escolas, sejam elas privadas, sejam estatais. Muitos, inclusive, fazem parte dos quadros do magistério público, trabalhando numa realidade, em geral, completamente diferente das escolas jesuítas. Quanto ao aspecto religioso, muitos trazem consigo uma formação cristã básica, que freqüentemente ficou numa primeira iniciação, sem aprofundamento. Há os que vivem e expressam conscientemente sua adesão à fé e à Igreja, as quais constituem valores significativos em sua vida. Estes participam, em geral, de atividades pastorais ou de movimentos de Igreja, em que realimentam sua fé e atualizam sua visão religiosa. Outros vivem afastados da prática sacramental e, às vezes, passaram ou passam por uma crise de fé ou mantêm-se indiferentes a assuntos religiosos. há críticas em relação a aspectos institucionais e a pontos da doutrina na Igreja. Todos sofrem, de certa forma, o impacto da secularização presente na sociedade, processo pelo qual se dessacraliza o mundo, reduzse a influência da religião e afirma-se a autonomia das realidades terrestres. 15. Até que ponto o caráter confessional da escola jesuíta terá exercido alguma influência na decisão do professor de ingressar ou permanecer num colégio jesuíta? Não é fácil dizê-lo. De qualquer modo, em algum momento lhe terá surgido esta pergunta: Qual o meu compromisso com a proposta religiosa da escola em que trabalho? Ou, de forma mais positiva: Como posso colaborar com jesuítas e outros professores, meus colegas, para educar na fé nossos alunos, segundo a proposta filosófica da escola? 84 4. A educação da fé num colégio jesuíta 16. A fé é algo muito existencial, mas, ao mesmo tempo, ligado à história e à revelação de Deus de por meio Jesus Cristo. 17. Assim, entendemos por fé o seguimento consciente, alegre e convicto do caminho de Jesus Cristo, e a adesão a Ele dentro de uma comunidade cristã que celebra essa fé e busca crescer junto no compromisso. 18. De acordo com as Características da educação da Companhia de Jesus (CECJ), podemos resumir os vários objetivos visados em um processo de educação da fé nos seguintes itens. 19. a) Levar o aluno à descoberta progressiva de Deus, de Sua presença e ação no mundo, a adquirir um senso de admiração e de mistério ao estudar a criação de Deus (CECJ, 24) e a dar uma resposta de fé a esse Deus que nos ama (CECJ, 34). 20. b) Buscar formas e meios práticos de desmascarar o materialismo e o secularismo da vida moderna e de opor-se ao ateísmo (CECJ, 35). 21. c) Ter Jesus Cristo como modelo de vida humana, buscando orientar a própria vida seguindo a Jesus Cristo e sendo como Ele, partilhando e promovendo Seus valores (CECJ, 62) e procurando ser um homem para os outros (CECJ, 70). 22. d) Desenvolver uma fé que promova a justiça (CECJ, 74) e leve a uma preocupação especial pelos pobres, marginalizados e necessitados (CECJ, 85). 23. e) Cultivar a atitude inaciana de lealdade e serviço à Igreja, vista como Povo de Deus (CECJ, 94), e de fidelidade aos ensinamentos da Igreja, especialmente na formação moral e religiosa (CECJ, 95). 85 24. f) Incentivar e ajudar o estudante a escolher sua vocação de serviço profissional e comunitário como resposta ao chamado pessoal de Deus (CECJ, 66). 25. g) Fomentar a colaboração em atividades ecumênicas com outras Igrejas e o diálogo religioso com outras crenças e com todos os homens e mulheres de boa vontade (CECJ, 100). 26. h) Ajudar o aluno a tornar-se agente multiplicador de uma visão cristã de fé e de serviço (CECJ, 111). 27. Cada um desses elementos está presente, de algum modo, em todo o processo de educação da fé, embora com ênfases distintas e graus de consciência e compromisso diferenciados. A consciência e o compromisso visados são de natureza profundamente pessoal e ao mesmo tempo de caráter grupal e social. 5. O sentido da fé que promove a justiça 28. A proposta é clara: em nome da fé, e com a força que a fé comunica, queremos educar para a justiça. 29. O fundamento é constituído por uma fé autêntica, forte e consciente na pessoa e na mensagem de Jesus de Nazaré, que nos revela um Deus que é Pai e nos ensina a ser irmãos. Essa fé tem como medida de autenticidade a prática da justiça nas relações interpessoais e a ação decisiva por estruturas sociais mais justas. Nem fé intimista, nem luta pela justiça desligada da fé; fé e justiça são vistas como inseparáveis. Mais profundamente, existe a convicção de que o que confere firmeza e garantia de continuidade ao compromisso com a justiça é uma fé profunda e vivencial em Jesus Cristo. 30. Essa fé não apenas leva a uma visão crítica da realidade, com a descoberta progressiva das causas da pobreza e da injustiça, 86 como também busca estabelecer contato real com o mundo da injustiça e realizar ações que eduquem para a justiça e para a caridade, olhando o mundo com o olhar misericordioso de Deus. 31. A fé em Cristo deve nos conduzir a uma preocupação especial, como a dEle, pelos pobres, marginalizados e pelos que são impedidos de viver uma vida plenamente humana. Nossos alunos devem aprender a amar a todos como irmãos e irmãs na sociedade humana, e a dar de si para construir uma sociedade mais justa e melhor. 6. Etapas ou pedagogia da fé 32. A educação da fé tem por objetivo formar para o compromisso cristão na vida adulta. Isto supõe que na escola seja elaborado e executado um projeto de pastoral, dinâmico e evolutivo, destinado a orientar os jovens nas diversas etapas de seu desenvolvimento. Ao falar de opção preferencial pelos jovens, os bispos latino-americanos, em Puebla, ressaltam que “a pastoral da juventude, na linha da evangelização, deve ser um verdadeiro processo de educação na fé, que leva à própria conversão e a um compromisso evangelizador” (n. 1193). 33. Num esquema simplificado, podemos distinguir quatro etapas de evangelização: a sensibilização (pré-evangelização), a conscientização (conversão), o aprofundamento (opção vo cacional) e o apostolado (ação, engajamento pastoral). 34. A sensibilização parte da sociabilidade do jovem e visa despertar-lhe o desejo de realização pessoal e social, colocando-o em disposição de abertura ao Evangelho. Trata-se de realizar uma educação humana básica, de construção pessoal e de crescimento na comunicação interpessoal e de vivência de coleguismo, tendo em vista criar o clima para a descoberta do Reino de Deus. 87 35. Na etapa de conscientização surge, a partir de seu incon formismo, a tomada de consciência de si mesmo e do mundo em que o jovem vive. Busca-se uma conscientização personalizante que leva à conversão, à descoberta de Deus e à consciência das condições estruturais de nossa sociedade. 36. Com o aprofundamento, começa a dinâmica de buscar um “mais”: mais sensibilização, mais conscientização, mais compromisso. O jovem entra em estado de opção em face da vocação e dos serviços distintos, atraído pelo exemplo e pela palavra de Jesus Cristo. 37. Por fim, a etapa do apostolado busca realizar a opção pela ação e pelo engajamento religioso e social. O grupo tem consciência de ser comunidade e sente-se envolvido em uma missão junto a seus irmãos. O jovem sente-se comprometido com uma opção séria por Cristo e por seu projeto de Reino. 38. Nessas etapas se entrelaçam elementos de informação e de formação religiosa. A informação religiosa, certamente necessária, não deve sobrepor-se a uma verdadeira formação. A informação a respeito das várias religiões e das respostas que elas oferecem às questões básicas sobre a vida humana — questões como a vida após a morte e as exigências de uma vida eticamente responsável — deve ajudar a descobrir a originalidade e a novidade da mensagem de Jesus Cristo e a aceitar o desafio de viver o compromisso decorrente dessa descoberta. 39. Ao educador se pede uma atitude pedagógica que parta do respeito profundo a cada pessoa, que use o diálogo como método e que procure fazer do próprio aluno o sujeito do seu crescimento pessoal — também na dimensão da fé. 7. Os AGENTES do SERVIÇO de EDUCação da FÉ 40. A missão de educar na fé é responsabilidade de todo corpo docente de um colégio jesuíta, pois, “qualquer matéria do 88 programa pode ser um meio para chegar a Deus” (CECJ, 34). Quem sente dificuldade em identificar-se com essa missão deve buscar, no mínimo, a adoção de uma atitude de respeito para com as convicções e os sentimentos dos outros e de abertura positiva para os valores da fé e da transcendência. 41. Entretanto, cabe um papel especial ao setor de educação religiosa e formação espiritual, pois a dimensão teológica é “o fator integrativo do processo de descobrir a Deus e compreender o verdadeiro sentido da vida humana” (CECJ, 34). À comunidade jesuíta e a outros religiosos que trabalham no colégio cabe um papel importante e específico de inspiração, estímulo e testemunho de vida (CECJ, 124). Mais amplamente, os pais de alunos (CECJ, 132) e toda a comunidade escolar participam da responsabilidade nessa missão comum (CECJ, 118), pelo exemplo e pelo apoio ao trabalho de educação religiosa realizado no colégio. 8. MEIOS DE EXERCER A EDUCação da fé 42. O exemplo de vida e a disposição de partilhar as próprias experiências constituem meio essencial e insubstituível para a educação. A missão do professor o leva a envolver-se na vida dos alunos, tendo “interesse pessoal no desenvolvimento intelectual, afetivo, moral e espiritual de cada um deles, ajudando-os a desenvolver um senso de auto-estima e a se tornarem pessoas responsáveis dentro da comunidade” (CECJ, 43). É um trabalho de paciência e dedicação, que procura reconhecer as etapas evolutivas do desenvolvimento de cada aluno também no aspecto espiritual (CECJ, 42). 43. No momento oportuno, essa missão incluirá a prática do diálogo entre a fé e a ciência, buscando a compreensão de que cada uma tem sua racionalidade, incluirá também o diálogo entre fé e cultura (CECJ, 38). Esse diálogo pode valer-se da reflexão sobre situações-limite, como a doença e o luto, vitórias ou derrotas de grande significado. 89 44. A educação da fé para os alunos cristãos inclui a iniciação às práticas religiosas, sempre ligadas a situações da vida. Importante é que os alunos encontrem “um amigo e guia na pessoa de Jesus Cristo e que possam experimentá-Lo por meio da Escritura, dos sacramentos, da oração pessoal e comunitária, no lazer, no trabalho e nas demais pessoas” (CECJ, 64). A prática dos Exercícios Espirituais, em suas diferentes formas, é um meio muito eficaz para conhecer, amar e seguir melhor a Jesus Cristo segundo a inspiração inaciana e também para familiarizar-se com essa espiritualidade (CECJ, 65). O uso pedagógico dos símbolos religiosos, explicados de modo compreensível ao aluno, é outro meio para a descoberta e o envolvimento na prática da fé. A celebração da Eucaristia, de modo adequado à idade dos alunos, será fonte de vida e escola de formação cristã. 45. A educação jesuíta procura desenvolver a atenção pessoal para cada aluno a fim de ajudá-lo a responder à descoberta de Deus em sua vida pelo compromisso de servir dentro da comunidade (CECJ, 63). 46. De acordo com uma pedagogia que parte da ação e a ela conduz, também no campo religioso será importante proporcio nar aos estudantes experiências concretas de vida da Igreja e de apostolado dos leigos, para o qual os professores leigos mais engajados têm especial competência (CECJ, 103). 47. O dia-a-dia de uma escola oferece oportunidades freqüentes para que o professor exerça sua missão de educador da fé não só em situações de sala de aula, mas também no trato e convívio informal. As ocasiões surgem, às vezes, de forma inesperada e em disciplinas que aparentemente nada têm a ver com religião. O questionamento de dogmas positivistas no mundo da ciência, a fé em nossa origem em um Deus Criador, a crítica ao relativismo ético, o significado das conquistas técnicas ou o exemplo de fé religiosa de cientistas de renome podem dar ocasião a discussões muito proveitosas. 90 48. Todo o currículo e o conjunto da vida da escola devem ajudar a testemunhar a fé e não servir de contratestemunho à fé anunciada. 49. As atividades extraclasse e os encontros em grupos menores oferecem momentos propícios para aprofundar a educação da fé. Neles a experiência religiosa tem condições de tocar as fibras mais profundas do ser do aluno. Um colégio jesuíta não receia trabalhar com grupos escolhidos de alunos que deram sinais de querer algo mais na vida. Várias experiências estão em andamento, seguindo etapas e dinâmicas próprias: Jornadas de formação, Semana Santa Jovem, Retiros Espirituais, Grupos de Magis, acampamentos, grupos e Comunidades de Vida Cristã (CVX) e outras. A presença de professores com orientadores religiosos nessas formas de convivência informal, bem como a divulgação, a avaliação e o testemunho desses eventos em sala de aula, pode ter um profundo significado pedagógico. Grupos de jovens que têm essas experiências costumam exercer influência positiva sobre seus colegas, contribuindo para a criação de um clima novo no colégio. 9. Os exercícios espirituais de Santo Inácio como escola de fé 50. Os Exercícios Espirituais (EE) de Santo Inácio merecem um destaque especial entre os meios de formação da fé. O livro dos Exercícios Espirituais tem um valor pedagógico permanente porque é fruto da experiência do próprio Inácio e foi escrito para orientar outros na mesma experiência. 51. O objetivo dos Exercícios Espirituais é levar o exercitante a buscar e encontrar os caminhos de Deus para a própria vida e ordená-la de acordo com estes. O exemplo maior de busca da vontade de Deus Pai foi do próprio Jesus Cristo, fiel até a morte. O exercitante aprende a conhecê-Lo e a afeiçoar-se a Ele. 91 52. A visão inaciana de educação também fica mais clara para quem passou pela experiência dos Exercícios, considerados por muitos como o segredo dos jesuítas. 53. “Os Exercícios — dizem as Características — podem ser feitos de vários modos, adaptados ao tempo e às possibilidades de cada pessoa, adultos ou estudantes” (65). Assim, os Exercícios podem ser condensados em poucos dias, por volta de oito ou trinta dias. Quem não pode afastar-se de suas atividades cotidianas como o emprego, a família, ou outro motivo, tem a possibilidade de fazer o “retiro na vida”, dedicando um tempo diário à oração, segundo o método dos Exercícios de Santo Inácio, sob o acompanhamento de uma pessoa experiente. 54. O retiro inaciano tem sido adaptado e dado com proveito a adolescentes e jovens. Muitos encontram, por meio do discernimento praticado durante os Exercícios, grande certeza quanto à própria vocação e profissão a seguir na vida, vista à luz da fé, das circunstâncias da história de cada um e dos desafios de nossa sociedade. 10. dificuldades e desafios da educação da fé 55. Atualmente, não são poucas as dificuldades existentes para um bom desempenho da missão de educar para a fé num colégio da Companhia de Jesus. Essas dificuldades podem ser vistas como desafios a nossa criatividade e a nosso espírito apostólico. 56. Como realidade envolvente, temos o materialismo im perante em nossa sociedade, com a busca do lucro, a prática do consumismo, a procura obsessiva do prazer e do poder como ídolos máximos do nosso mundo capitalista. No campo religio 92 so, temos a proliferação das seitas e a difusão do ocultismo, da astrologia e das várias formas de espiritismo. 57. Quando a família não comunga com uma visão cristã, facilmente surge o conflito entre os valores familiares e os valores propostos e praticados na escola. 58. Acrescem a isso algumas características freqüentemente constatadas em alunos e famílias que procuram nossas escolas: auto-suficiência, escravização à moda e aos modismos, superficialidade, falta de vivência religiosa profunda da família, desajustes conjugais ou familiares, abuso de drogas. 59. O trabalho personalizado com cada aluno torna-se mais difícil, ou parcialmente viável, de acordo com o número de alunos que o professor tem em cada turma e o número de turmas por semestre ou por ano. Às vezes, há professores que dão pouca importância ao trabalho religioso dos colegas, depreciam-no ou até o destroem. 60. A própria situação funcional do professor, sua instabilidade no emprego, problemas salariais, entre outros, reduzem seu potencial de trabalho e sua disponibilidade. Mas há também circunstâncias que podem ser vistas como favoráveis ao trabalho religioso: a tendência de volta à busca do sagrado, a necessidade de encontrar um sentido para a vida num mundo de incertezas e em frustrações, a crise das ideologias, os gestos proféticos ou exemplos de novos mártires no campo da fé e da justiça, os casos negativos de vidas frustradas pelo vazio dos valores. 11. Formação religiosa do educador da fé 61. A situação de grande parte dos docentes dos colégios jesuítas do Brasil, diante das exigências da proposta e das dificuldades reais existentes em seus colégios, é de preparação precária ou insuficiente para a função que deles se espera. 93 62. Há uma questão inicial que é preciso salientar com toda a clareza: o professor de um colégio jesuíta que não sente a questão da fé e dos valores religiosos como uma necessidade para si e para seus alunos, dificilmente conseguirá comungar com a proposta da Companhia. O mínimo que se deve constatar é uma posição de abertura em relação aos valores da fé e de respeito pelo trabalho de colegas e pela posição da escola. 63. Um dos critérios para o ingresso de um professor num colégio da Companhia deveria ser a adesão à proposta filosófica e religiosa da escola e a disposição de contribuir para a sua implementação. 64. Tem-se ainda a questão da formação para a educação da fé. Esta formação abrange dois campos: o teológica e o espiritual (CECJ, 152). Os colégios da Companhia, separadamente ou em conjunto, precisam organizar programas de formação teológica e espiritual para todos os seus docentes, especialmente para os da área de educação religiosa Nesses programas não podem faltar estudos sobre temas como: experiência de Deus, Teologia da Libertação, Teologia da Educação, carisma inaciano e missão do leigo na Igreja. 65. A formação espiritual a ser oferecida a todos deveria ser retomada com novo vigor, com nova expressão e novos métodos, como pede a nova evangelização proposta pelo papa João Paulo II para a América Latina, e com renovado ardor missionário, de acordo com as Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil, aproveitando a experiência dos colégios e valorizando o método dos Exercícios espirituais, tanto em grupo como individualmente (Exercícios na vida). 66. Assim como os leigos necessitam conhecer a espiritualidade inaciana, também os jesuítas “necessitam compreender as experiências vividas, os desafios e as diversas maneiras com que o Espírito de Deus move os leigos” (CECJ, 153), reconhecendo assim a contribuição que estes oferecem à Igreja e ao colégio da Companhia de Jesus. Além dos Exercícios em suas várias 94 formas, os colégios podem oferecer diversas oportunidades de formação religiosa aos colaboradores leigos, como celebrações litúrgicas (eucarísticas e/ou penitenciais), oficinas ou grupos de oração, círculos bíblicos, orientação espiritual fornecida por pessoas competentes, estágios de compromisso social e cursos de teologia. 67. Os Grupos ou Comunidades de Vida Cristã (CVX), com longa experiência, ajudam os leigos a desenvolverem sua vocação e missão no mundo à luz da espiritualidade inaciana. Os colégios jesuítas estimulam os professores a formarem grupos de Vida cristã que possam tornar-se verdadeiras CVX, designando pessoas para seu acompanhamento. 68. Coerentes com sua proposta educativa, os colégios jesuítas empenham-se em garantir aos professores as pessoas adequadas para prestar-lhes a atenção pastoral de que necessitem. 69. Zelar pela própria formação continuada, básica ou avançada, é um compromisso sagrado do professor, tanto no campo de sua especialização profissional como na área da fé. 70. As províncias jesuítas estudam meios de destinar pessoas e buscar recursos para preparar e executar programas de formação teológica e espiritual, além de profissional, para todos os funcionários. 71. Por fim, para a comunidade jesuíta, propõe-se o desafio de sua própria renovação e atualização no campo da fé e do compromisso apostólico, que possa repercutir na animação religiosa de todo o conjunto do colégio, na linha do carisma espiritual de Inácio de Loyola. 12. Implicações e conseqüências para o colégio jesuíta 72. A educação da fé é uma prioridade em um colégio da Companhia de Jesus. Sem uma ação decidida na dimensão pastoral, um colégio jesuíta perde sua razão de ser. A educação, bem 95 entendida, não é fim em si, mas meio para uma vida sempre mais plena (CECJ, 37). Essa vida mais plena só se compreende e promove a partir de uma visão de fé consciente e engajada. 73. Um colégio jesuíta, como dizem as Características, “é um instrumento apostólico a serviço da Igreja, servindo à sociedade humana” (CECJ, 92). Essa visão e tal prioridade impõem exigências sérias para o colégio. 74. A primeira exigência diz respeito à necessidade de adequar as estruturas do colégio ao exercício de sua missão. À medida que o colégio reduz ou elimina suas contradições internas e corrige as deficiências no seu funcionamento, tornando-se mais eficaz, mais justo e humano, maiores são as possibilidades de o próprio colégio dar credibilidade à sua proposta educativa e reforçar o testemunho de seus professores. As necessidades de adequação devem ser detectadas por uma oportuna avaliação de desempenho. 75. A segunda exigência refere-se à necessidade de o colégio definir e observar critérios de admissão e permanência de professores e funcionários. A maior parte dos professores de um colégio jesuíta, escolhidos por tais critérios, deverá ser de boa formação e vivência religiosa, ou estar se preparando para ela. Professores de outras religiões mostrarão interesse em colaborar com o colégio, em virtude de sua consciência, da dignidade e da vocação humana, do compromisso com a comunidade e com a transformação social. 76. Outra exigência de grande alcance é a criação e a execução, pelo colégio, de um plano de formação permanente do seu corpo docente e funcional. Esse plano deverá abranger as áreas de formação humana, profissional, pedagógica, espiritual e sociopolítica. Além de incentivar cada professor ou funcionário ao estudo e à formação, o colégio deverá proporcionar oportunidades de atualização e aperfeiçoamento nas diversas áreas, alocando, quanto possível, recursos humanos e financeiros 96 para sua viabilização. Os programas de formação permanente poderão traduzir-se em projetos não só de cada colégio, mas das províncias, do país ou em níveis ainda mais amplos. 77. Será importante que essas iniciativas de formação permanente e educação da fé se articulem com a pastoral orgânica das dioceses, as diretrizes da CNBB e os planos da Associação de Educação Católica (AEC) e da Conferência dos Religiosos do Brasil (CRB). 78. Por fim, será necessário que a comunidade jesuíta do colégio — padres, irmãos e estudantes — se encontre engajada nesse processo de formação permanente e de animação da fé de toda a comunidade educativa, ocupando o espaço que lhe é próprio. 13. Conclusão 79. O presente documento pretende ser a ajuda a que professores e funcionários de um colégio jesuíta têm direito para que possam avaliar a grandeza do desafio que é trabalhar numa instituição de ensino da Companhia de Jesus, cumprir essa missão e fazer o que estiver ao seu alcance para a realização dessa proposta. 80. O aprofundamento dessa missão aumentará em cada um de nós a consciência do sentido maior do nosso trabalho e de todo nosso viver, para que possamos “em tudo amar e servir” melhor a Deus e aos irmãos. 81. Na bibliografia anexa, encontram-se elementos de fundamentação e maiores explicações sobre os vários enfoques deste texto. Também se encontra anexa uma explicação de alguns termos usados nesta exposição. 97 98 Bibliografia Arrupe, Pe. Pedro. Nossos colégios hoje e amanhã. Coleção Ignatiana, 16, Ed. Loyola, 1980. Celam — Conferência episcopal Latino-americana. A igreja na atual transformação da América Latina à luz do concílio. Conclusões de Medellín (1968). Ed. Vozes, 1977. ——— Evangelização no presente e no futuro da América Latina (Documento de Puebla). Ed. Loyola, 1976. Tema educação nn. 1012-62. Ciaej — Comissão Internacional para o Apostolado da Educação Jesuíta. Características da educação da Companhia de Jesus. Ed. Loyola, 1987. CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. Diretrizes gerais da ação pastoral da igreja no Brasil (1991-1994). Documento da CNBB, 45, Ed. Paulinas, 1991. ——— Educação: exigências cristãs (texto para estudo). Ed. Paulinas, 1990. ——— Para uma pastoral da educação. Estudos da CNBB, 41, Ed. Paulinas, 1986. Codina, Pe. Gabriel. Fé e justiça nos colégios da Companhia de Jesus. Coleção Ignatiana, 30, Ed. Loyola, 1987. Congregação geral, 31ª Decreto 28, sobre o apostolado da educação. edição da Província Portuguesa, Lisboa, 1967. (Das outras 99 congregações gerais, ver: da 32ª CG, decreto 4º “Nossa missão hoje: diaconia da fé e promoção da justiça”; da 33º CG, decreto 1º: “Companheiros de Jesus enviados ao mundo de hoje”, especialmente o nº 44). Papa João Paulo II. Vocação e missão dos leigos na igreja e no mundo. Exortação apostólica Christifideles laici. Ed. Loyola, 1989. Sagrada Congregação para a Educação Católica. O leigo católico testemunha da fé. Cadernos da Aec do Brasil, 16, 1982. Thomas, Joseph. O segredo dos jesuítas: os Exercícios Espirituais. Ed. Loyola, 1990. Vários. Jornada latino-americana sobre as “Características da educação da companhia de Jesus”. Ed. Loyola, 1989. 100 Explicação de alguns termos usados no documento 1. Características da educação da Companhia de Jesus (CECJ): novo ordenamento da educação nas instituições de ensino da Companhia de jesus (especialmente de 1º e 2º graus), que retrata a tradição da Ratio studiorum (ordenamento dos estudos), publicada pela primeira vez em 1586. 2. Congregação Geral (CG): corpo legislativo constituído por representantes de todas as províncias jesuítas do mundo; órgão máximo de governo da Companhia de Jesus, que tem entre suas atribuições escolher o Superior Geral e definir orientações e normas para toda a companhia. 101 3. Igreja-comunhão: dimensão participativa da Igreja, fundamentada na filiação divina e na conseqüente fraternidade de todos em Cristo, e que nos torna comprometidos uns com os outros. 4. Igreja-ministério: a Igreja enquanto serviço ao povo de Deus; tem origem em Cristo, cabeça da Igreja, e destina-se a santificar, ensinar e governar o povo de Deus. 5. Leigo: o cristão fiel, batizado, membro do povo de Deus, que não pertence ao clero. O leigo caracteriza-se pela sua índole secular e pela vocação de levar o reino de Deus às realidades econômicas, sociopolíticas e culturais, concorrendo “para a santificação do mundo a partir de dentro, como fermento” (cf. constituição sobre a Igreja Lumen gentium, Concílio Vaticano II nº 31). 6. Ministério: serviço ou função exercida na Igreja para o bem dos demais. A maior parte dos ministérios não requer 102 uma ordenação especial (como no caso do sacerdócio ministerial), podendo ser exercido por cristãos capacitados e delegados para isto. 7. Pastoral: ação da Igreja tendo em vista a difusão do evangelho entre as pessoas de diversos ambientes e estruturas sociais. 8. Província: circunscrição administrativa da companhia de jesus, que tem à frente um superior Provincial, nomeado pelo superior geral. Há quatro províncias jesuítas no Brasil, com sede respectivamente em Porto alegre (meridional), Rio de Janeiro (centro-leste), Salvador (Bahiense) e Recife (Nordeste). 9. Secularismo: forma radical de secularização, cuja crítica chega a ponto de negar conteúdo real à transcendência (negação de Deus). “Consiste numa visão autonomística do 103 homem e do mundo, a qual prescinde da dimensão do mistério, descuida-se dela e inclusive a nega. Este imanentismo é uma redução da visão integral do mundo” (Sínodo extraordinário de 1985, relação Final, II, A, 1). 10. Secularização: processo histórico pelo qual o homem toma consciência de sua autonomia e pela qual as pessoas, a sociedade e a cultura se libertam da tutela e do controle da magia (dessacralização), do mito (desmitificação) e das formas populares de religiosidade.