Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Resumo Práticas de lazer vivenciadas na Praça do Carmo: da visibilidade turística à invisibilidade cotidiana A pesquisa tem como objetivo identificar e analisar, para além do olhar turístico, as práticas de lazer vivenciadas na Praça do Carmo, buscando evidenciar as práticas dos moradores locais e a importância da praça para este fim. Justifica-se por tratar de um tema que tem como referência a reflexão do cotidiano de um lugar visto hegemonicamente como ponto turístico, mas que possui parte do entorno residencial composto por pessoas de classes populares, de modo que os usos da praça revelam práticas que muitas vezes o turismo tende a querer invisibilizar. O estudo se define enquanto uma pesquisa qualitativa, tendo principalmente como suporte teórico Marcellino (2002); Melo (2003) e Mascarenhas (2003), de modo que teorias e dados empíricos auxiliam na compreensão dos fenômenos pela sua descrição e análise interpretativa. Os instrumentos utilizados para coleta de dados foram: observação participante, diário de campo e entrevista semiestruturada (MINAYO, 2004; TEIXEIRA, 2010). Percebemos que em relação aos grandes eventos que ocorrem na praça os moradores locais ficam à margem do processo, entretanto, o lazer em seu dia a dia é representado principalmente pela diversidade nas práticas das crianças e adolescentes do local e o convívio na diferença com as práticas dos moradores de outros bairros. Palavras-chave: Lazer. Praça do Carmo. Espaço público. Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Introdução Objetivos A Praça do Carmo encontra-se localizada no bairro da Cidade Velha em Belém (PA), onde está presente o Centro Histórico da cidade. Por esse motivo este espaço tende a ser valorizado enquanto espaço turístico. Percebemos haver uma supervalorização desse aspecto, o qual se sobrepõe ao sentido de lugar enquanto espaço para socialização dos moradores locais. E é nessa perspectiva que surgem as expressões “visibilidade turística” e “invisibilidade cotidiana”. Objetivo Geral: Identificar e analisar, para além do olhar turístico, as práticas de lazer vivenciadas na Praça do Carmo, buscando evidenciar as práticas dos moradores locais e a importância do espaço para este fim. Nesse sentido, direcionar o olhar para as práticas de lazer no cotidiano da Praça do Carmo justifica-se por este ser um espaço frequentado por pessoas de várias idades, em todos os dias da semana, e ainda assim, ser conhecida pelas pessoas de outros bairros como uma “praça deserta”. bito do lazer na Praça do Carmo e analisar as consequências resultantes desse processo. Acredita-se que a resposta a essa contradição pode estar relacionada ao fato de grande parte das pessoas a enxergarem somente como praça de eventos.1 Como se nessa só existisse vida em dias de grandes eventos organizados por instituições públicas e/ou privadas. Dessa forma, revelar o cotidiano das vivências lúdicas presentes no lazer dos moradores que frequentam a praça no dia a dia significa tornar visível a anima/a alma do lugar. Em geral os espaços ou equipamentos, aos quais são atribuídos valores turísticos, acabam por receber atenção especial da iniciativa privada e do poder público, pois visam o lucro que o espaço pode gerar. Assim também ocorre em alguns lugares da Cidade Velha, no entanto, é algo que não acontece na Praça do Carmo; há muitos anos não acontecem reformas no local e por esse motivo ela apresenta vários problemas em seu paisagismo e equipamentos. No entanto, apesar de toda a precarização, é um pedaço valorizado pelos visitantes (principalmente em períodos festivos) e pelos moradores locais (no cotidiano). O reflexo desta valorização é a constante utilização da mesma para vivências de práticas variadas de lazer. Apresenta-se também, enquanto problemática, a pouca participação dos moradores nos eventos2 que são feitos na praça. Estes se queixam de não serem convidados ou consultados sobre as programações. Objetivos Específicos: Analisar, por meio das práticas de lazer vivenciadas no dia a dia na praça, o posicionamento dos moradores com relação aos eventos que lá são realizados e identificar como as políticas vêm se desenvolvendo no âm- Procedimentos metodológicos A referida pesquisa trata-se de uma pesquisa qualitativa, a qual, segundo Teixeira (2010), tem as seguintes características: O pesquisador observa os fatos sob a óptica de alguém interno à organização; a pesquisa busca uma profunda compreensão do contexto da situação; a pesquisa enfatiza o processo dos acontecimentos, isto é, a sequência dos fatos ao longo do tempo; o enfoque da pesquisa é mais desestruturado, não há hipóteses fortes no início da pesquisa. Isso confere à pesquisa bastante flexibilidade; A pesquisa geralmente emprega mais de uma fonte de dados (TEIXEIRA, 2010, p. 137-138). Inicialmente foi realizado o levantamento bibliográfico para constituir a fundamentação teórica da pesquisa, o qual possibilitou suporte às categorias analisadas e método utilizado. Esse levantamento foi feito através da internet e bibliotecas da Universidade Federal do Pará. Realizou-se o estudo em campo de cunho exploratório que subsidiou o conhecimento mais minucioso do local, o que lá acontecia, em quais horários, quais os frequentadores, quais as faixas etárias etc. A pesquisa de campo decorreu-se nos meses de janeiro e fevereiro de 2013, em todos os horários do dia e dias da semana, dentro das possibilidades. Neste momento, foi utilizado como instrumento o diário de campo (VIANNA, 2003). Realizaram-se também entrevistas e para o melhor desenvolvimento destas foram utilizados gravadores, com o consentimento dos entrevistados. O roteiro de entrevista foi semiestruturado (MINAYO, 2004). Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Para melhor entender as práticas de lazer vivenciadas no dia a dia da praça e o posicionamento dos moradores locais em relação aos eventos que acontecem na mesma, realizou-se entrevistas com os moradores próximos, os quais dividimos em moradores do entorno (que moram ao redor da praça) e os moradores do Beco (que moram na Passagem do Carmo). Para identificar e analisar como as políticas vêm se desenvolvendo no âmbito do lazer na praça do Carmo e como estas agregam os moradores locais, foram realizadas entrevistas com o organizador de um bloco que acontece há 19 anos na praça e fez-se uma busca na Fundação Cultural do Município de Belém (Fumbel), que é o órgão responsável pela liberação e/ou acompanhamento da maioria dos eventos festivos que são realizados na praça. Fundamentação teórica Para Melo (2003) o lazer: É um fenômeno moderno, surgido com a artificialização do tempo de trabalho, típica do modelo de produção fabril desenvolvido a partir da Revolução Industrial. Lembremos também que, desde as origens, o lazer tem-se mostrado um campo de tensões, já que um tempo livre maior surge não como concessão dos donos dos meios de produção, mas sim como conquista das organizações das classes trabalhadoras (MELO, 2003, p. 29). Mascarenhas (2003) reforça essa perspectiva ao afirmar que o lazer é um fenômeno social moderno, como processo e produto da cultura, está envolvido na trama das relações e contradições sociais, pois é resultante das tensões entre capital e trabalho, que se materializa como um tempo e espaço de vivências lúdicas, lugar de organização da cultura, perpassando por relações de hegemonia. Sobre essa ótica Marcellino (2002) também faz sua contribuição: A admissão da importância do lazer na vida moderna significa considerá-lo um tempo privilegiado para a vivência de valores que contribuam para mudanças de ordem moral e cultural. [...] O lazer não pode ser entendido como simples assimilador de tensões ou alguma coisa boa que ajude a conviver com as injustiças sociais (MARCELLINO, 2002, p. 15-16). Melo (2003) acrescenta ainda alguns elementos a essa definição: As atividades de lazer são atividades culturais, em seu sentido mais amplo, englobando os diversos interesses humanos, suas diversas linguagens e mani- festações; As atividades de lazer podem ser efetuadas no tempo livre das obrigações, profissionais, domésticas, religiosas, e das necessidades físicas; As atividades de lazer são buscadas tendo em vista o prazer que possibilitam, embora nem sempre isso ocorra e embora o prazer não deva ser compreendido como exclusividade de tais atividades (MELO, 2003, p. 32). Entende-se também o lazer como uma categoria analítica que cada vez mais se fortalece como um dos maiores fenômenos da esfera da cultura responsável pela potencialização de redes de sociabilidade, nas quais grupos se organizam com certa liberdade de escolha em torno de vivências prazerosas, ressignificando seu fazer cotidiano e enriquecendo suas experiências pessoais e coletivas (MATOS, 2001). Como contribui Marcellino (1987): Só tem sentido falar em aspectos educativos do lazer, se esse for considerado, conforme já dissemos anteriormente, como um dos possíveis canais de atuação no plano cultural, tendo em vista contribuir para uma nova ordem moral e intelectual, favorecedora de mudanças no plano social. Em outras palavras: só tem sentido falar em aspectos educativos do lazer, ao considerá-lo como um dos campos possíveis de contra-hegemonia (MARCELLINO, 1987, p. 63-64). Dessa maneira, o lazer se configura como um fenômeno social que ultrapassa as demarcações físicas estipuladas pelas suas próprias práticas. Ou seja, é importante entender que a função social do lazer está para além do prazer proporcionado (ou não), muito mais além de se caracterizar como um momento de descanso ou recuperação para a volta à rotina de trabalho. O lazer entendido como elemento histórico cultural representa uma possibilidade, um meio através do qual as pessoas possam se articular e constituir-se enquanto transformadores e produtores da cultura. É também a partir da problemática que envolve a privatização dos espaços públicos que surgiu a motivação para a realização desta pesquisa: a forma como os espaços públicos, disponíveis para o lazer, são vistos pelo Estado como um meio de investimento puramente para obtenção de lucro financeiro. Os principais espaços que recebem este tipo de incentivo são os localizados nas áreas centrais, com o intuito de atrair festas de cunho turístico. Sobre o turismo, Carlos, Yázigi, Cruz (2002, p. 26) afirmam: A indústria do turismo transforma tudo o que toca em artificial, cria um mundo fictício e mistifico de lazer, ilusório, onde o espaço se transforma em cenário para o “espetáculo” para uma multidão amorfa mediante a criação de uma séSesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer rie de atividades que conduzem a passividade, produzindo apenas a ilusão da evasão, e, desse modo, o real é metamorfoseado, transfigurado, para seduzir e fascinar. [...] Esses dois processos apontam para o fato de que ao vender-se o espaço, produz-se a não identidade e, com isso, o não lugar [...]. Mesmo não contendo todos os aspectos que abrangem um espaço turístico, a praça do Carmo apresenta elementos que demonstram a tendência para que isso ocorra. Um exemplo disto são as constantes visitas de pessoas de fora, as quais sempre têm em mãos uma característica muito própria da visitação turística: a máquina fotográfica e o que esta representa neste cenário. O poder da fotografia consiste na possibilidade de apoderar-se de uma realidade e transcrevê-la de forma muito fiel, porém, este tipo de arte apenas aparentemente não mente, afinal, segundo Urry (2001), pode ser montada de acordo com o desejo do fotógrafo, apresentando assim, o seu olhar particular. Ou seja, representa uma realidade fragmentada e pessoal do todo, aspecto prejudicial à compreensão do espaço. Resultados e discussões Nesta pesquisa, destacam-se dois grupos de moradores próximos da praça do Carmo, os quais foram chamados de Moradores do Entorno e Moradores do Beco, sendo estes primeiros os que residem ao redor da praça, e os últimos os que residem na Passagem do Carmo. Através de observação, conversas e entrevistas, identificou-se que os moradores do entorno, apesar de morarem em frente à praça, pouco a frequentam para prática de lazer. Ausência justificada principalmente pelo incômodo em relação ao comportamento das pessoas que vêm de outros bairros para os eventos que lá são promovidos, e também em relação às práticas de lazer vivenciadas pelos moradores do Beco do Carmo. Nesse sentido constata-se que no espaço há um movimento de imposição do que deve ou não ser feito na praça, pautado principalmente nas diferenças econômicas, onde as classes populares são postas às margens das programações culturais. No entanto, vale ressaltar que essa população também compõe a histórica e representa a identidade desse espaço, sendo, portanto, independente dos conflitos, parte da “paisagem”. Ao contrário da pouca frequência e quase ausência dos Moradores do Entorno da Praça, os Moradores do Beco do Carmo, em especial as crianças, são os principais frequentadores da praça. As práticas de lazer mais observadas no cotidiano da praça foram: futebol, tacobol, queimada, cinco cortes, “lutas”, “escorrega bunda”, peteca, bate papo, namoro, piras, passeios com bicicleta e patins. Dentre as diversas práticas, descrevem-se algumas, como o futebol, que costuma ser praticado todos os dias. Em geral, é jogado por meninos, dentre os quais foram visualizados praticantes do sexo masculino, com aparência entre 6 a 18 anos. Uma brincadeira um tanto inusitada, que em uns pode gerar risos, mas na maioria das pessoas causa revolta por ser taxada como vandalismo, foi verificada em uma noite de observação, em que os meninos do beco pulavam em cima dos banheiros químicos, saltando de um em um. Por vezes uns entravam em um dos banheiros e os outros ficavam empurrando e chutando do lado de fora. Os tetos dos banheiros ficaram totalmente amassados! Os meninos estavam em um número de 12 a 15 e tinham idades entre 8 e 17 anos, aproximadamente. Outra brincadeira observada em várias idas a campo foi a utilização das escadas do anfiteatro para “escorregar bunda”, geralmente praticada pelas crianças menores, com idades mais ou menos de 4 a 10 anos. Não se sabe de que forma, mas estes sempre achavam papelões e com esses escorregam nas escadas. Assim como os papelões encontrados, as crianças sempre encontravam também pedaços de paus, os quais utilizavam para simular lutas, como, por exemplo, a esgrima. Além destas, presenciamos também algumas “piras”, como a pira-pega, que pode ser jogada por um número ilimitado de jogadores e possui inúmeras variantes. Vale ressaltar que a frequência da utilização da praça para essas atividades é diária e constante, variando somente na quantidade de indivíduos e na escolha da brincadeira do dia. Fica evidenciado que, no uso cotidiano da praça, a escolha pelas diversas práticas de lazer está relacionada ao interesse físico-esportivo, que segundo Melo (2003, p. 40), trata-se de: “[...] atividades físicas, incluindo os esportes, estão entre as manifestações culturais mais procuradas e mais difundidas pelos meios de comunicação, estando mesmo diretamente ligadas a diversos estilos de vida”. Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Neste sentido, deve-se frisar a importância do acesso aos mais diversificados conteúdos do lazer, pois através da maior variabilidade de experiências, o indivíduo pode adquirir e ampliar seus conhecimentos nessa esfera, podendo, através dessas vivências, optar com maior convicção pelas práticas que lhe são mais prazerosas e estimulantes. Aspecto tal que não tem sido alvo de investimentos do poder público. Dentre as observações feitas em relação às atividades desenvolvidas na praça, destacam-se algumas, como exemplo, o potencial criativo que há em meio à forma como surgem as brincadeiras e jogos. Durante uma das observações em campo, em uma noite, chamou atenção as crianças (possivelmente da Passagem do Carmo) que brincavam com folhas de isopor sobre uma enorme poça de água que se formou no anfiteatro em decorrência da chuva que caíra à tarde. A brincadeira foi chamada pelos participantes de “surf”, e a todo o momento eles falavam: “Vamos surfar!”; “Olha como eu ‘to’ surfando!”. Essa situação foi extremamente engraçada, pois durante o surf o isopor não permanecia inteiro por muito tempo e com a quebra da folha de isopor, as crianças caíam, mas logo retornavam para ficar em cima do que restava dele, até que nada sobrava. Então se iniciava uma busca por outros pedaços maiores e quando não havia sucesso na busca o jeito era partir para a disputa com outras crianças.3 Esse exemplo remete a um aspecto abordado por Marcellino (2006), quando fala sobre os espaços de lazer: Um dos fatores mais importantes, ainda que não único, para o crescimento do lazer mercadoria, em detrimento do lazer de criação e participação culturais, é a falta de espaços vazios urbanizados. [...] A carência de espaços, aliada a outros fatores, vem contribuindo para a substituição quase maciça da produção cultural da criança pela produção cultural para a criança, que, por melhor que seja, não tem condições de substituí-la (MARCELLINO, 2006, p. 58). E isso leva à reflexão, por exemplo, sobre os parquinhos de diversão. Não se afirma aqui que não devam existir, mas é inevitável constatar que a presença de um playground atrai e limita as crianças às atividades pré-organizadas pelo equipamento, restringindo, em parte, seu momento de lazer no espaço da praça. Como neste trabalho objetivava-se enfatizar para além do olhar turístico as práticas de lazer vivenciadas no cotidiano da praça por seus moradores locais, abre-se uma discussão para verificar como essas pessoas que moram em um centro histórico enxergam os eventos e acontecimentos neste espaço. E mais, de que forma essas pessoas participam e são inseridas nas programações de lazer que têm como palco o “pátio” de suas casas. É evidenciado, através das entrevistas, que as opiniões dos moradores divergem quanto a essa questão. Verificou-se que há moradores que visam o aspecto econômico das festas, o que ela pode gerar em termos de possibilidades de trabalho e geração de renda, pois o evento gera possibilidades para venda de produtos, tais como, cervejas, refrigerantes, batata frita, churrasquinho, entre outros. Entende-se a situação na qual vive grande parte dos trabalhadores atualmente, necessitando fazer “bicos” para completar a renda familiar que, na maioria das vezes, não é suficiente para o sustento do lar. Em contrapartida, essas pessoas são excluídas de muitos dos eventos de lazer. Por isso, temos a obrigação de refletir e considerar a forma como o capital se impõe e corrompe as pessoas a idolatrarem o trabalho. Segundo Melo (2003, p. 31): Deveríamos lutar por uma concepção de trabalho como desenvolvimento humano, e não somente como instrumento que possibilita o pagamento das contas mensais – o que, aliás, está cada vez mais difícil, em função dos arrochos salariais advindos da desordem econômica reinante. Durante um evento de carnaval viu-se poucas pessoas do Beco do Carmo ou do entorno da praça, a maioria dos foliões é de outros bairros. Foi o que se verificou através de uma enquete realizada no local. Perguntamos qual o bairro em que moravam exatas 158 pessoas, das quais apenas quatro representavam o bairro da Cidade Velha e as 154 restantes se dividiam em 34 bairros da cidade de Belém e Região Metropolitana. Situação que é nutrida, por exemplo, pelo entrevistado organizador do bloco de carnaval, que reforça a importância do trabalho para os indivíduos do beco, afirmando que é disso que estes precisam. Na fala de outro entrevistado percebe-se a ênfase dada à importância dos eventos acontecerem na Praça do Carmo com exceção do carnaval, pois este evento concentra um aglomerado de pessoas, que segundo a maioria dos moradores locais e observação realizada, efetuam práticas prejudiciais ao lugar e, consequentemente, a quem mora no mesmo, como, por exemplo: urinar nas paredes das casas e na praça, jogar lixos no local, entre outros. Esta pesquisa nada tem contra a diversificação dos frequentadores da praça, no entanto, parece contraditório os próprios moradores não agregarem ao evento. Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer Para tanto, encontrou-se algo que pode responder em parte essa questão. Durante as entrevistas, foi perguntado aos moradores locais de que forma estes eram inseridos nos eventos, se participavam das organizações, se eram consultados sobre as programações etc. Através das respostas constatou-se que os mesmos nem ao menos são informados sobre os eventos. Dessa forma, como contribuem Carlos, Yázigi e Cruz (2002, p. 32): “Fragmentamse os lugares, exclui-se o feio, afasta-se o turista do pobre, do usual [...].” Reforçando que, o processo de gentrificação e do turismo só não se apresentam completamente no Largo do Carmo porque a área da Praça do Carmo ainda não se constituiu como um lugar de revitalização urbana. Por fim, destaca-se um terceiro posicionamento, o qual é convictamente contra os eventos que acontecem na praça. Entende-se que o discurso do morador está pautado na preservação do Patrimônio Histórico que, segundo este, não é respeitado na organização e realização dos eventos. O posicionamento do morador condiz com o que afirma Urry (2001) sobre os impactos do turismo, principalmente no que tange ao número de visitantes (excessivo) em relação ao pequeno número de moradores locais. Causando em determinados períodos uma sobrecarga às instalações do bairro, com a qual o mesmo não tem estrutura adequada para suportar. Nesse sentido, há um alerta para o cuidado, pois para que os centros históricos atendam essa demanda, é necessário que o poder público faça o movimento de adequação para possibilitar o acesso das pessoas sem causar riscos ao patrimônio. É crível a possibilidade de direcionar a população para o centro, por meio de uma política de conscientização quanto ao uso da praça de forma a preservá-la, tornando acessível ao maior número de pessoas o conhecimento sobre a história, no entanto, isso deve ser feito com consciência e preparo, pois da forma como está posto, como radicalmente afirma Urry (2001), o turismo explora os locais de beleza e tranquilidade transformando-os, ao longo do tempo, em locais destruídos pelas multidões. Considerações finais Foi identificada uma extensa lista de vivências de lazer no cotidiano da Praça do Carmo, o que por si só, dá conta de demonstrar a anima e vitalidade do lugar. Além da variabilidade de práticas, percebeu-se também constante frequência destas no dia a dia, mais ainda, juntos esses aspectos têm consigo a marca da diversidade dentre os sujeitos. Assim, afirmar que este espaço se caracteriza por ser deserto e sem vida, como aparece em algumas falas das pessoas que frequentam a praça apenas em dias de eventos, não tem fundamento, considerando a perspectiva analisada. A Praça do Carmo, por estar inserida em meio a prédios e instalações tombados como patrimônio histórico, tem sido alvo de discussões e conflitos que demonstram indicativos do processo de gentrificação. Isto pode ser constatado, através do inconformismo de alguns moradores do entorno – os quais apresentam certo poder aquisitivo – em relação às práticas de lazer vivenciadas pelos moradores da Passagem do Carmo, os quais aparentam claramente serem pessoas humildes. De forma geral, verificou-se que as práticas desenvolvidas na praça falam muito sobre a realidade vivida por ela. Trata-se de um espaço público, no qual não foram realizadas grandes reformas nos últimos anos, não apresentando dessa forma equipamentos bem conservados, iluminação adequada e menos ainda policiamento fixo no local. A realidade acima descrita, de certa forma, faz com que as pessoas sintam-se mais livres e à vontade no espaço, podendo, por exemplo, deitar nos bancos da praça, fazer os degraus do anfiteatro de obstáculos para prática do skate, comer as mangas que caem das mangueiras, utilizar toda a delimitação da praça para correr e brincar, entre outros. No sentido mais abrangente, entende-se que as políticas públicas de incentivo às manifestações culturais deveriam, por obrigação, dar as condições adequadas para a manutenção da cultura e o acesso das pessoas advindas de todos os lugares, para a realização destes eventos com responsabilidade e consciência. As manifestações culturais e eventos devem receber incentivos, pois, não há coerência em efetuar os tombamentos dos prédios visando somente a preservação Sesc | Serviço Social do Comércio Anais do Encontro Nacional de Recreação e Lazer e “sacralização” dos mesmos. A riqueza dessa história só pode ter vida através das pessoas. E para isso, a população precisa fazer parte desse processo. Não somente parte da população, mas toda ela, por isso, os projetos devem envolver a todos, devendo estar pautados em uma gestão participativa, na qual os moradores locais sejam minimamente ouvidos e incluídos nos processos de planejamento, organização e avaliação. Mesmo sem muitos incentivos e investimentos, a Praça do Carmo ainda se apresenta enquanto ponto de referência para as mais diversas vivências de lazer. O seu atrativo consiste na história que a representa, na relação que as pessoas – tanto as moradoras do bairro, quanto as de outros bairros – já estabeleceram com o local. MELO, Victor Andrade. Introdução ao estudo do lazer. São Paulo, Manole, 2003. MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. 8. ed. São Paulo: Hucitec, 2004. TEIXEIRA, Elizabeth. As três metodologias: acadêmica, da ciência e da pesquisa. 7. Ed. Petrópolis: Vozes, 2010. URRY, John. O olhar do turista: lazer e viagem nas sociedades contemporâneas. Tradução: Carlos Eugênio Marcondes de Moura. a. eo. São Paulo: Studio Nobel, Sesc, 2001. VIANNA, Heraldo Marelim. Pesquisa em educação: a observação. Brasília: Plano Ed., 2003. v. 5. Notas 1 “A função de praça de evento vem se concentrando no espaço desde a década de 1980 e foi consolidada com a inserção do anfiteatro. Como sua proposta previa, este serve de palco para diversos eventos já fixos no calendário da cidade” (LEÃO, 2011, p. 9). 2 Arrastão do Pavulagem, Auto do Círio, Festas Carnavalescas etc. 3 Informações contidas no Diário de Campo, em 9 de janeiro de 2013. Referências CARLOS, Ana Fani Alessandri; YÁZIGI, Eduardo; CRUZ, Rita de Cássia Ariza da (Org.). Turismo: espaço, paisagem e cultura. 3. ed. São Paulo: Hucitec, 2002. LEÃO, Monique Machado. O largo do Carmo em Belém/PA: cultura, lazer e conflitos no espaço público. In: ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, 14, 2011, Niterói. Trabalhos aceitos... Niterói: UFF: Anpur, 2011. Disponível em: <http://www.anpur.org.br/site/anais/ ena14/index.swf>. Acesso em: 13 mar. 2012. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Lazer e educação. Campinas: Papirus, 1987. MARCELLINO, Nelson Carvalho. Estudos do lazer: uma introdução. 3. ed. Campinas: Autores Associados, 2002. MASCARENHAS, Fernando. Lazer como prática da liberdade. Uma proposta educativa para a juventude. Goiânia: Eda UFG, 2003. MATOS, Lucília da Silva. Belém: do direito ao lazer ao direito a cidade. In: MARCELLINO, Nelson Carvalh. (Org.). Lazer & esporte: políticas públicas. Campinas, Autores Associados, 2001. Sesc | Serviço Social do Comércio