Portugueses do Brasil:
a questão identitária na poesia dos inconfidentes mineiros
Martha Victor Vieira
Fundação Universidade Federal do Tocantins
Ao analisarem os conflitos ocorridos entre os colonos e a metrópole na América
portuguesa, vários historiadores buscaram compreender/explicar essas manifestações sediciosas,
atribuindo aos atores envolvidos um “sentimento nativista”, que teria sido desencadeado mediante
a experiência de “viver em colônias”. No entanto, podemos observar, nas novas interpretações
historiográficas, que a utilização do conceito de nativismo, como chave explicativa dos
movimentos insurrecionais, tende, cada vez mais, a ser substituído pelo conceito de identidade.
A utilização do conceito de identidade, compreendido, como um fenômeno mutável e
heterogêneo, nos parece particularmente pertinente para entender as conjurações setecentistas,
na medida em que permite discutir a diversidade de projetos e opiniões existente neste contexto.
É nesse sentido que este paper pretende trazer uma contribuição, desenvolvendo algumas
idéias sobre a questão identitária na poesia dos inconfidentes mineiros. Para isso procuraremos
trabalhar com quatro hipóteses, a saber: 1) as identidades são construções históricas e
relacionais; 2) é possível definir nos poemas a existência de várias identidades políticas, ou uma
“identidade mista” 1; 3) as identidades são afirmadas sem negar a fidelidade à monarquia
portuguesa que é parte constitutiva dessa mesma identidade dos poetas; 4) a afirmação das
identidades
políticas,
nos
poemas,
ocorrem
concomitantemente
a
um
questionamento/reivindicação dos termos do pacto, soberano/súdito. Pacto esse estabelecido,
dentro das possibilidades e consciência possível do antigo regime português.
Em síntese, é como se os poetas dissessem: Eu pertenço ao Império Lusitano. Sou um fiel
vassalo real. O povo Luso é o meu povo. Vivo na América portuguesa, independente de ter aqui
nascido ao não, na porção do território conhecido como Brasil. Moro e trabalho na capitania de
Minas Gerais. Respeito e defendo as Leis da monarquia que é soberana. Porém, os meus direitos
devem ser assegurados.
A representação poética da identidade
O caráter identitário aparece de forma diferenciada nos textos poéticos de Cláudio Manoel
da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, contudo acreditamos ser possível
analisá-los, de forma encadeada, em virtude de alguns tópicos semelhantes em suas obras que
nos possibilitam compreender as representações que tais intelectuais fizeram das relações de
poder existente no contexto vivido.
Em Cláudio Manoel da Costa a questão da identidade se desvela na medida em que
floresce o sentimento pela pátria, ou seja, pelo lugar de naturalidade do autor, pois o poeta em
vários versos demonstra as saudades que tinha de Portugal e como se sentia deslocado na
colónia 2.
1
O conceito de identidade aqui utilizado é baseado nos estudos de Denys Cuche, segundo o qual a
identidade possui um “caráter multidimensional e dinâmico”, sendo passível de variações “a identidade se
constrói, se desconstrói e se reconstrói, segundo as situações.” Ver: «Cultura e Identidade», in Denys
CUCHE, A Noção de Cultura nas Ciências Sociais, Bauru, EDUSC, 2002, p. 198.
2
Sérgio Buarque de Holanda, fazendo referência a Cláudio Manoel da Costa, Alvarenga Peixoto e Silva
Alvarenga diz que a princípio esses poetas não se manifestaram favoravelmente ao meio americano, mas
que posteriormente, com a difusão das poesias heróicas, tal postura se modificou e “a mesma Arcádia, que
Comunicações
Essa idéia aparece quando o eu lírico faz menção ao seu “pátrio ribeirão”. Referência ao
Ribeirão do Carmo, localizado em Mariana. Pátrio ribeirão que o inspirava, embora não o pudesse
comparar aos rios do Mondego e Tejo, tema presente na Écloga de sua obra O Parnaso
Obsequioso e Obras Poéticas:
Tudo delícias vejo
No Ribeirão ditoso;
Só triste, do meu Tejo
Ele comigo chorará saudoso3
A pátria de naturalidade do autor, a região de Minas, porém, é parte constitutiva de uma
“Nobre porção do lusitano Império.”4 Logo o autor também se reconhece como súdito de uma
Pátria maior, Portugal, como veremos adiante.
O poema Vila Rica, é bastante ilustrativo para pensarmos a questão identitária. Nele o
autor diz que pretende louvar aos paulistas, que foram os descobridores das minas. O que nos
chamou, particularmente, atenção é que na parte denominada “Fundamento Histórico” encontrase expresso o seguinte raciocínio: “Os naturais da cidade de São Paulo, (...) são os que nesta
América têm dado ao Mundo as maiores provas de obediência, fidelidade e zelo pelo seu Rei,
pela sua Pátria e pelo seu Reino.”5
Podemos notar neste fragmento que as expressões Rei, Pátria e Reino revelam que os
naturais de São Paulo possuem uma identidade mista e complementar, pois, são paulistas e
pertencem ao reino lusitano, mas antes de tudo são fiéis ao seu rei6.
O sentimento de pertença em relação a Portugal reaparece nesse “Fundamento Histórico”
em outra passagem, quando o autor comenta a disputa pelas minas entre os naturais da Vila de
São Paulo e os naturais de Taboaté. Disputa que é vista como tendo um certo “um semblante de
fanatismo, por serem todos da mesma Pátria, posto que de diferentes distritos” que contribuíram
para “produzir a grande utilidade de se desentranharem em toda a sua extensão as minas do
nosso Portugal”7.
Todavia, o sentimento de fidelidade à monarquia convive no poema Vila Rica com um
outro que está mais ligado a pátria de nascimento do poeta, ou seja, a história dos feitos dos
paulista que desbravando os sertões descobriram as minas. Para cantar “aos imortais Paulistas”
menciona o clássico camoniano:
Embora vós Ninfas do Tejo, embora
Cante do Lusitano a voz sonora
Dos claros feitos do seu grande Gama,
Dos meus Paulistas louvarei a fama.8
Estudioso das obras de Cláudio Manoel da Costa, Sérgio Alcides diz que o Vila Rica “traz
um impulso de favorecimento à colônia mais nítido”, na medida em que nele a “terra americana e
de início se mostrara tão esquiva e relutante às solicitações do mundo americano, parece enfim reconciliarse com ele”. Ver: Sérgio Buarque de HOLANDA, Capítulos de História Colonial, São Paulo, Brasiliense, 2000,
p. 117.
3
Cláudio Manoel COSTA, «O Parnaso Obsequioso e Obras Poéticas», in Domício PROENÇA FILHO (Org.),
A Poesia dos Inconfidentes: poesia completa de Cláudio Manoel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga e
Alvarenga Peixoto, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1996, p. 329.
4
Idem, Ibidem, p. 100.
5
Idem, Ibidem, p. 360.
6
Sobre a questão da diversidade das identidades coletivas, existentes entre final do século XVIII e início
do XIX, é importante destacar os estudos de István Jancsó e João Paulo Garrido Pimenta, os quais
apontam que é possível encontrar nesse contexto três diferenças identitárias básicas: “ A primeira é aquela
que distinguia um português da América (por exemplo, um baiense) de todos que não fossem portugueses
(holandeses, franceses, espanhóis). A segunda, simultânea com a anterior, é a que lhe permitia distinguirse, ao baiense, de outros portugueses (por exemplo, do reinol, do paulista). Finalmente, uma terceira
diferença é a que distingue, entre os portugueses, aqueles que são americanos dos que não partilham
dessa condição.” Ver: István JANCSÓ e João Paulo Garrido PIMENTA, «Peças de um Mosaico (ou
apontamentos para o estudo da emergência da identidade nacional brasileira)», in Carlos Guilherme Motta
(Org), Viagem Incompleta: a experiência brasileira (1500-2000), São Paulo, Senac/Sesc, Vol. I, 2000. pp.
136-137.
7
Cláudio Manoel COSTA, «O Parnaso Obsequioso…» cit., pp. 363-364.
8
Idem, Ibidem, p. 408.
2
Martha Victor Vieira
Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades
seus filhos adquirem dignidade suficiente para serem louvadas”, o que confere aos “americanos e
europeus um estatuto de paridade” 9.
No nosso entender, nos versos traçados acima quando o poeta compara a exaltação feita
a Vasco da Gama, aos feitos dos “meus paulistas”, marca, não só a idéia de paridade, mas de
uma alteridade em relação aos lusitanos. A existência da alteridade não prescinde, porém, do
amor e respeito ao Rei, que é constante.
A representação do Rei como revestido de uma aura divina, marca das relações de poder
existente do Antigo Regime, propicia a obediência e a reverência do súdito em relação ao
soberano. Esse modo de ver o mundo está presente na Ode em que se fala no atentado contra a
vida de Pombal:
Mostra-nos que a bastarda, ímpia doutrina,
Que arma a súdita mão contra a divina
Face do Rei, só é do orgulho feio
(...)
Sobre o cetro, e a coroa
Vela só Deus: é Deus quem o pregoa 10
A persona do rei é importante na medida em que corrobora para a manutenção dos
vínculos que unem os portugueses do Brasil aos portugueses da Europa.
Segundo Maria Fernanda Bicalho, as prerrogativas reais de poder fornecer cargos e
mercês, como forma de retribuição aos serviços prestados, “reforçava (...) o sentimento de
fidelidade e os laços de sujeição dos mesmos vassalos em relação ao reino e a si próprios”. Para
essa autora, no entendimento dos vassalos, obter privilégios (cargos, liberdades, títulos,
honrarias) implicava, de certa forma, numa condição de cidadania nos termos do Antigo Regime11.
Daí a importância em se reiterar à fidelidade a Monarquia.
Além da fidelidade à Coroa, o apreço pelas leis aparece em diversos momentos lembrando
o compromisso do “fiel vassalo” para com o pacto firmado, vejamos:
Nós juramos da Lei a observância
e do primeiro pacto não devemos
apartar-nos, pois nele nos prendemos 12
O compromisso com as leis, no entanto, nos parece muito mais evidente nos versos
traçados por Tomás Antônio Gonzaga, o qual ao escrever Marília de Dirceu, faz a sua própria
defesa, questiona a legitimidade da sua prisão e culpa a Fortuna pela sua situação:
a quem fere, a quem roube, a infame deixa
Que atrás do vício em liberdade corra;
Eu honro as leis do Império ela me oprime
Nesta vil masmorra 13
Nas Cartas Chilenas o poeta chama também atenção para a necessidade de se obedecer
as leis 14, a qual não é devidamente observada pelo “Fanfarrão Minésio”, referência ao governador
Luis da Cunha Meneses (1783-1788), que desconsiderava o Senado e gastava para fins privados
o dinheiro público:
9
Sérgio ALCIDES, Estes Penhascos: Cláudio Manoel da Costa e a paisagem das Minas, 1753-1773, São
Paulo, Hucitec, 2003, pp. 185-237 (Coleção Estudos Históricos, 49).
10
Cláudio Manoel COSTA, «O Parnaso Obsequioso…» cit., p. 514.
11
Maria Fernanda BICALHO, «O que significava ser cidadão nos tempos coloniais», in Martha ABREU e
Rachel SOIHET (Orgs), Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia, Rio de Janeiro, Casa da
Palavra, 2003, p. 141.
12
Cláudio Manoel COSTA, «O Parnaso Obsequioso…» cit., p. 439.
13
Tomás Antônio GONZAGA, «Marília de Dirceu», in Domício PROENÇA FILHO (Org.), A Poesia dos
Inconfidentes… cit., p. 661.
14
A questão das Leis no Império português, no entanto, envolvia uma certa flexibilidade, que garantia as
autoridades coloniais uma relativa autonomia, para legislar em assuntos locais. António Manoel HESPANHA,
«A constituição do Império português: revisão de alguns enviesamentos correntes», in João FRAGOSO et al
(Orgs), O antigo Regime nos Trópicos: a diNâmica imperial portuguesa, Rio de Janeiro, Civilização
Brasileira, 2001, p. 172, passim.
Portugueses do Brasil: a questão identitária na poesia dos inconfidentes mineiros
3
Comunicações
Já viste, Doroteu, que o grande chefe,
o defensor das leis , o mesmo seja
que insulte, que ameace o bom vassalo
que intenta obedecer a seu monarca? 15
Uma outra menção importante nos escritos de Gonzaga é que ele lembra que o Monarca
também tem suas obrigações para com seus súditos. Essa idéia é importante para entender as
relações de poder na América portuguesa, na medida em nos mostra que tanto Gonzaga quanto
Cláudio Manoel da Costa, estão procurando reivindicar o cumprimento do pacto político. Tal
pensamento podemos verificar nos versos que tratam da “Congratualação com o povo português
na feliz aclamação da muito alta e muito poderosa soberana D. Maria I, nossa senhora”:
Um rei sábio, um rei justo, um rei prudente,
que com mão desvelada e providente
a seus fiéis vassalos assegura
o sossego, as riquezas e a fartura;
que, sustendo o equilíbrio da balança,
que Astréia lhe confia, reto alcança
com prêmios e castigos regulados,
animar justos, enfrear culpados; 16
O rei deve zelar pelo equilíbrio da balança, ou seja, zelar pela justiça, aqui representada
por Astréia, conferindo benefícios aos vassalos, mas também, caso fosse necessário, impingir
castigos 17.
Por outro lado, os súditos virtuosos, na capitania mineira, segundo as denúncias feitas nas
Cartas Chilenas, teriam seus direitos constrangidos por um representante do monarca, enquanto
os injustiçados estariam impedidos de reagir contra tais desmandos:
Eis aqui Doroteu o que nos nega
uma heróica virtude. Um louco chefe
o poder exercita do monarca
e os súditos não devem fugir-lhe
nem tirar-lhe da mão a injusta espada 18.
A situação do povo que sofre nas mãos do tirano é agravada segundo o autor devido a
distância da metrópole. Já que as reclamações dificilmente chegam até o rei, e quando chegam,
não há providências. É o que se pode inferir quando o poeta assim se manifesta:
Infeliz, Doroteu, de quem habita
Conquistas do seu dono tão remotas!
Aqui o povo geme, e os seus gemidos
Não podem Doroteu chegar ao trono.
E se chegam, sucede quase sempre
O mesmo que sucede nas tormentas,
Aonde o leve barco se soçobra,
Aonde a grande nau resiste ao vento 19
15
Idem, Ibidem, p. 831.
Idem, Ibidem, p. 711.
17
A percepção dos direitos por parte dos colonos condiz com os estudos de Carla M. Junho Anastásia e
Flávio Morais da Silva sobre os conflitos ocorridos no setecentos. Segundo esses autores, havia estratégias
para conter a violência coletiva em Minas. Tais estratégias eram baseadas em acordos implícitos, por meio
dos quais os colonos colocavam limites “ao exercício do poder metropolitano”, sendo que se “ esses limites,
colocados a partir de uma determinada noção de direitos internalizada pelos colonos, eram desrespeitados
rompiam-se as formas acomodativas com o conseqüente levantamento dos povos”. Ver: Carla M. Junho
ANASTÁSIA e Flávio Morais da SILVA, «Levantamentos Setecentistas Mineiros: violência coletiva e
acomodação», in Júnia Ferreira FURTADO (Orgs), Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as novas abordagens
para uma história do Império ultramarino, Belo Horizonte, UFMG, 2001, p. 311, passim.
18
Idem, Ibidem, p. 876.
19
Idem, Ibidem, p. 831.
16
4
Martha Victor Vieira
Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades
O povo citado por Gonzaga é certamente o americano, conforme se pode confirmar
quando o poeta reclama a Deusa Astréia sobre a injustiça que lhe impunham ao acusarem-no de
conspirar contra o Império, quando em seu favor “conspirava a prova”. O povo americano é aqui
representado como fiel a sua majestade, logo seria incapaz de cometer tal atentando:
Qual povo, qual povo dize
Que comigo concorre no atentado?
Americano Povo!
O povo mais fiel e mais honrado! 20
Notamos aqui o reconhecimento do eu lírico da existência de um povo americano, que em
outro verso se coadunará com um outro: o brasileiro. Esse não tão evidente, nem tão recorrente
quanto o primeiro, mas que ao ser mencionado demonstra que a consciência política desse
intelectual não se restringe às Minas, mas que se estende por outras porções do território:
Eu vejo nas histórias
Rendido Pernambuco aos Holandeses;
Vejo saqueada
Esta ilustre cidade dos Franceses,
Lá se derrama o sangue brasileiro,
Aqui não basta, supre
Das roubadas famílias o dinheiro... 21
Todavia, na Congratulação ao povo Português com a ascensão de D. Maria I, já citado, há
também constante referência aos lusos de forma a entender que o poeta também se considera
parte constitutiva desse povo:
apesar luso, apesar do Fado.
Desde hoje as nossas frotas e as armadas,
Cortando as crespas ondas afastadas 22
Gonzaga, como natural de Portugal, tinha raízes na pátria metropolitana. No entanto, como
membro da alta burocracia, ao entrar contato com os colonos parece ter-se identificado com os
interesses dos que residiam nas Minas. Além disso, em sua função, tudo indica, que se indispôs
com outras autoridades reais sobre as formas como se deviam gerenciar os assuntos da Colônia,
e ainda, sobre a quem se deveria conceder determinados privilégios. A afinidade intelectual
parece tê-lo aproximado não só de Cláudio Manoel mas também de outro mineiro, o ouvidor
Alvarenga Peixoto.
No poeta Alvarenga Peixoto a questão identidária aparece de forma semelhante aos seus
outros dois companheiros. O sentimento pátrio refere-se a terra americana, que se opõe à Europa:
Isto que a Europa barbaria chama
(...)
Quão diferente é para quem ama
Os ternos laços de seu pátrio berço! 23
Nesse poema, o apreço pela terra onde nasceu é notório. Assim como é notório, um certo
ressentimento pelas referências pejorativas que se faziam em relação à América. Terra essa que
era a principal fonte de recursos da metrópole e de onde advinha a riqueza que embevecia a
Europa e fazia com que Portugal fosse respeitado no mundo inteiro:
E Lisboa, da Europa maravilha,
Cuja riqueza todo o mundo assusta,
Estas terras a fazem respeitada,
Bárbara terra, mas abençoada 24
20
Tomás Antônio GONZAGA, «Marília de Dirceu» cit., p. 676.
Idem, Ibidem. p. 677.
22
Idem, Ibidem, p. 715.
23
Alvarenga PEIXOTO, «Poesias», in Domício PROENÇA FILHO (Org.), A Poesia dos Inconfidentes… cit., p.
976.
24
Idem, Ibidem. p. 977.
21
Portugueses do Brasil: a questão identitária na poesia dos inconfidentes mineiros
5
Comunicações
Além de posicionar-se em defesa da sua naturalidade, Alvarenga faz referência, a exemplo
dos outros poetas inconfidentes, à lealdade. Conforme pode-se verificar numa poesia onde há um
relato de um sonho, no qual um gentil índio americano assim se manifesta:
Sou vassalo, sou leal
Como tal
Fiel constante
Sirvo a glória da imperante
Sirvo a grandeza real 25
A menção da fidelidade ao Rei é freqüente e, novamente, aparece na poesia em
homenagem a D. Maria, a qual o autor diz ser dona dos dois hemisférios. Nesse trecho abaixo, há
alusão à expressão Brasil e América, marcando uma equivalência entre as duas denominações:
Vinde real Senhora
(...)
Vinde ver o Brasil que vos adora
(...)
Vinde a ser coroada
Sobre a América toda, que protesta
Jurar nas vossas mãos as leis sagradas 26
Contudo, em Alvarenga observa-se uma prevalência da identidade americana. Tanto que
numa outra poesia o autor se auto-identifica como sendo americano:
A fé real nos peitos lusitanos
São do primeiro Afonso conhecidos
A nós americanos
Toca levar pela razão mais justa
Ao trono a fé aos derradeiros anos 27
Ao analisarmos as poesias dos inconfidentes, notamos que os versos expressam variadas
identidades políticas (mineiros, brasileiros, americanos, lusitanos), cujas fronteiras ainda não
estavam inteiramente demarcadas e se complementam. Nesse sentido, poderíamos dizer que
essas identidades estão em construção. Construção essa que envolve, por um lado, uma
atividade intelectual de auto-representação, e por outro uma atividade relacionada a prática, a
vivência, dos atores diante das circunstâncias históricas que lhes são dadas.
Assim, ao mesmo tempo em que os poetas se identificam, em relação ao espaço e posição
que ocupam, demonstram ter uma consciência de que o fato de serem fiéis servidores reais, e
afirmarem isso discursivamente, é importante para adquirir, manter e reivindicar os privilégios dos
quais se consideram merecedores.
A partir das leituras dos versos traçados pelos poetas mineiros, no nosso entender, o que
se pode inferir não é um desejo de quebra do pacto súdito/soberano, mas um questionamento dos
termos do pacto, ou melhor, uma defesa do seu cumprimento por parte do monarca.
É do questionamento dos vínculos tradicionais, contudo, que novos vínculos, novas
identificações foram se construindo/consolidando, criando-se um ambiente fértil para se cogitar a
implantação de projetos alternativos de organização do poder. Projetos esses que embora não,
necessariamente, prescindissem da monarquia, implicavam numa ampliação da capacidade de
negociação a fim de que os interesses de um determinado grupo prevalecesse.
Referências Bibliográficas
ALCIDES, Sérgio, Estes Penhascos: Cláudio Manoel da Costa e a paisagem de Minas, 1753-1773, São
Paulo, Hucitec, 2003 (Coleção Estudos Históricos, 49).
ANASTASIA, Carla M. Junho; SILVA, Flávio Morais da, «Levantamentos setecentistas mineiros: violência
coletiva e acomodação», in FURTADO, Júnia Ferreira (Orgs), Diálogos Oceânicos: Minas Gerais e as
25
Idem, Ibidem, p. 983.
Idem, Ibidem, p. 985.
27
Idem, Ibidem, p. 984.
26
6
Martha Victor Vieira
Actas do Congresso Internacional Espaço Atlântico de Antigo Regime: poderes e sociedades
novas abordagens para uma história do Império ultramarino, Belo Horizonte, UFMG, 2001, pp. 307332.
BICALHO, Maria Fernanda, «O que significava ser cidadão nos tempos coloniais», inABREU, Martha;
RACHEL, Soihet (Orgs), Ensino de História: conceitos, temáticas e metodologia, Rio de Janeiro, Casa
da Palavra, 2003.
CUCHE, Denys, «Cultura e identidade», in ____ A Noção de Cultura nas Ciências Sociais, Bauru, EDUC,
2002, pp. 175-203.
HESPANHA, António Manuel, «A Constituição do império português: o Antigo Regime em perspectiva
atlântica», in FRAGOSO, João. et al (Orgs), O Antigo Regime nos Trópicos, Rio de Janeiro,
Civilização Brasiliseira, 2001, pp. 163-188.
HOLANDA, Sérgio B., Capítulos de Literatura Colonial, São Paulo, Brasiliense, 2000.
JANCSÓ, Stván; PIMENTA, João Paulo G., «Peças de um Mosaico (ou apontamentos para o estudo da
emergência da identidade nacional brasileira)», in MOTA, Carlos G., Viagem Incompleta: a
experiência brasileira, São Paulo, Senac/Sesc, Vol. I, 2000, pp. 129-175.
PROENÇA FILHO, Domício, A Poesia dos Inconfidentes: poesia completa de Cláudio Manoel da Costa,
Tomás Antônio Gonzaga e Alvarenga Peixoto, Rio de Janeiro, Nova Aguilar, 1996.
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