Crescimento e Flutuações (FEUC)/2002-2003
Lição 1 – Breve História da moderna teoria do crescimento económico
Adelaide Duarte
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Crescimento e Flutuações
1º Lição
1 – Breve história da moderna teoria do crescimento económico
1.1 – Período dos finais dos anos 40 aos anos 70
1.1.1 – Objecto e Método
1.1.2 – Método
1.2 – Período posterior a 1983
1.2.1 – Objecto
1.2.2 – Método
2 – Crescimento exógeno
2.1 – Breve caracterização
2.1.1 – Escolha das variáveis endógenas e exógenas
2.1.2 – Os factos estilizados de Kaldor
2.1.3 – Os estados de equilíbrio de longo-prazo
1- Iniciamos hoje o nosso curso de crescimento e flutuações económicas e fazêmo-lo
analisando de forma sucinta a história moderna da teoria do crescimento económico.
A periodização utilizada baseia-se nos seguintes critérios: o início da teoria do
crescimento como ramo autónomo do saber da ciência económica moderna remonta a
Domar e a Harrod que fazem a primeira tentativa de aplicação da teoria keynesiana
ao longo-prazo. O ressurgimento da teoria do crescimento em meados da década de
80 com a publicação dos artigos de Romer (1986) e Lucas (1988) sobre crescimento
endógeno.
2 – A nossa perspectiva sobre esta história é a seguinte, devemos interpretá-la à luz do
objecto e do método e deveremos tirar ilações acerca da evolução deste ramo da
ciência económica em conformidade. Defendemos a tese que o objecto do
crescimento económico tem vindo a sofrer alterações mínimas, mesmo se
remontarmos a nossa análise ao início da fundação da Ciência Económica no século
XVIII. O contrário se passa com o método que tem vindo a sofrer modificações
constantes e que, quanto a nós, estão na base da evolução positiva da teoria do
crescimento.
3 – Já os autores Clássicos, Smith, Ricardo e Marx tinham uma idéia precisa do
objecto da teoria do crescimento económico. O estudo da riqueza das Nações, quer se
trate da explicação das causas e sua evolução no quadro de uma Nação ou a nível
Mundial, quer se trate da explicação das diferenças de riqueza entre Nações, constitui
já, para aqueles autores o objecto da teoria do Crescimento Económico.
4 – A teoria moderna do crescimento económico é também fortemente condicionada
pela situação histórico-económica que se vivia na Europa após a II Guerra Mundial.
Trata-se de um período de reconstrução económica e os economistas estavam
interessados em deduzir as condições segundo as quais uma economia poderia
apresentar um regime de crescimento de pleno-emprego. As primeiras tentativas de
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resposta a esta questão são elaboradas no quadro da análise keynesiana por Domar e
Harrod (separadamente). E se a existência de equilíbrio é provada, já a estabilidade do
equilíbrio o não é, por inexistência, a nível dos respectivos modelos, de mecanismos
económicos de ajustamento ao equilíbrio. É no final da década de 50 (56 e 57) que
surg em os primeiros modelos que incorporam mecanismos de ajustamento ao
equilíbrio. Podem ser considerados dois conjuntos de modelos se tomarmos como
critério de classificação o mecanismo de ajustamento conducente ao equilíbrio de
longo-prazo.
Um conjunto de modelos cuja origem remonta ao modelo de crescimento de
Robert Solow (1956) considera que é a flexibilidade do coeficiente capital produto
exprimindo a adaptação das condições técnicas de produção à raridade relativa dos
factores de produção, supondo fixada a taxa de poupança que constitui o mecanismo
conducente ao equilíbrio de longo-prazo. Este mecanismo é perfilhado pela teoria do
crescimento neoclássico.
Um outro conjunto de modelos, cuja origem remonta ao modelo de Nicholas
Kaldor de 1956 supõe para técnica e para proporção do investimento no rendimento
fixadas que é a flexibilidade da propensão à poupança em consequência das variações
da repartição de rendimentos que constitui o mecanismo conducente ao equilíbrio de
longo-prazo. Este mecanismo é perfilhado por economistas pós-keynesianos.
4 - Pode-se dizer que os anos 50 e 60 foram anos de ouro da teoria do crescimento,
quer do ponto de vista da análise teórica quer do ponto de vista da análise empírica.
Do ponto de vista da análise teórica não só são desenvolvidos os modelos
canónicos de base às duas correntes principais como se assiste também à elaboração
de modelos mais gerais englobando hipóteses diversas acerca do capital (homogéneo,
heterogéneo, gerações), acerca da diferenciação dos bens produzidos (modelos
unisectoriais, modelos bi-sectoriais, multisectoriais), consideração da moeda, modelos
de economia aberta. Trata-se de modelos que estudam regimes de crescimento em que
a estrutura da produção não se altera, os denominados regimes permanentes ou quasipermanentes como por vezes são designados. Esta é uma característica comum dos
modelos elaborados nesta década.
Na década de 60 é também elaborada a teoria do crescimento óptimo que
constitui um dos prolongamentos mais importantes da teoria neoclássica e que vai ter
uma importância muito grande a partir dos anos 80 devido ao relevo indiscutível da
macroeconomia dos novos-clássicos e importância inegável dos seus efeitos de
contaminação ao crescimento económico.
A modelação proposta no âmbito da teoria do crescimento conduzirá ao
estudo, na maior parte dos casos, das seguintes questões: o problema da existência do
equilíbrio, a questão da sua plausibilidade e o problema da estabilidade. Tal ficará a
dever-se quer aos instrumentos de análise disponíveis na época, por ex: tratamento do
progresso técnico em modelos multisectoriais de crescimento, quer às hipóteses
retidas por ex: a hipótese de rendimentos decrescentes dos factores que fará com que a
variação das variáveis per capita, ou do coeficiente de capital seja transitória.
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5 - A década de 70 é uma década em que a importância da disciplina diminui,
provavelmente porque o mundo se vê mergulhado numa crise devido ao choque
petrolífero de 1973. Os modelos desenvolvidos são modelos que em geral se baseiam
na teoria do desequilíbrio (teoria do equilíbrio com racionamento). Teoria que se
desenvolveu a partir dos finais dos anos 60 com os trabalhos de Clower (1965) e de
Leijonhufvud (1967,1968) de da macroeconomia monetária. A escola francesa do
desequilíbrio, cujos principais expoentes são Malinvaud (1977), Benassy (1976),
Grandmont (1997), desenvolveu uma linha de pesquisa importante de modelos de
crescimento. São modelos que estudam regimes de crescimento em que persistem
desequilíbrios - caracterizados pelo tipo de desequilíbrio (no mercado de bens ou no
mercado de trabalho), pelo tipo de dinâmica estudada (dinâmica de investimento e/ou
dinâmica de preços e de salários). Os regimes caracterizam-se pelo tipo de
desequilíbrio de curto
prazo (desemprego keynesiano, desemprego clássico, inflação contida).
6 – No quadro do crescimento neoclássico, o motor do crescimento será a acumulação
de capital já que o progresso técnico exógeno não é uma variável controlada pelos
decisores públicos. Ou seja, em situação de equilíbrio de longo prazo, a riqueza de
cada Nação medida pelo rendimento real per capita crescerá à taxa do progresso
técnico. Taxas de investimento mais elevadas provocarão efeitos de crescimento
temporários até se ter atingido a nova situação de equilíbrio de longo-prazo.
7 – Pode-se dizer que os principais contributos à teoria do crescimento neste
período se inserem no quadro de análise de regimes quase permanentes com
crescimento exógeno. O objecto da teoria do crescimento é precisado, na medida a
análise das causas e diferenças da riqueza das Nações supõe o estudo dos
determinantes do rendimento de equilíbrio de longo prazo e mecanismos de
ajustamento.
Do ponto de vista da análise empírica é desenvolvida de forma sistemática e
continuada a metodologia da contabilidade dos factores de crescimento. Esta
metodologia remonta aos trabalhos pioneiros de Solow, Denison, Jorgenson e consiste
na determinação do contributo de cada factor de crescimento para o produto. O
contributo da produtividade total dos factores é determinado de forma residual.
8 – Podemos dizer que os instrumentos de análise utilizados neste primeiro período
são fundamentalmente os modelos matemáticos e que as dinâmicas consideradas são
em geral dinâmicas lineares ou quase lineares.
Os economistas não têm ainda à sua disposição bases de dados internacionais
que permitam estudos interespaciais entre um número elevado de países. Lembremos
que as Penn World Tables só estão disponíveis no início dos anos 90. O computador
pessoal só está disponível no início dos anos 80, o que significa também que os
estudos empíricos de crescimento anteriores eram extremamente caros e impossíveis
de levar a cabo por um único economista.
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9 – O ressurgimento da teoria do crescimento dá-se em meados dos anos 80 com P.
Romer (1986) e Lucas (1988) que estão na base da investigação do crescimento
endógeno. A tentativa de endogeneização do progresso técnico vai passar
necessariamente pela tomada em linha de conta de todo o tipo de actividade que
contribua para o aumento do progresso técnico e que tome o progresso técnico como
uma variável endógena do modelo. A primeira distinção a fazer é entre uma
actividade de produção de conhecimentos intencional destinada directa ou
indirectamente à produção de novas tecnologias, ou seja, uma actividade de I&D que
é uma actividade privada que visa uma renda e a produção de novas conhecimentos
que é apenas a produção conjunta, não intencional, da acumulação de capital físico, a
chamada aprendizagem pela experiência (learning by doing) e que dada a sua origem
pode ser designada por aprendizagem pelo investimento (learning by investment). A
acumulação de capital físico sob a forma de provisão de infra-estruturas pelo governo
pode ter um efeito semelhante ao da acumulação privada do capital físico ao originar
crescimento endógeno. De igual modo, a acumulação de capital humano através de
um processo de aprendizagem pelo estudo (learning-by-studying) pode gerar
crescimento endógeno, quer se considere a variante em que a acumulação do capital
humano é apenas função do capital humano quer se considere a variante em que o
capital humano é uma função da acumulação do capital físico e do capital humano.
Os factores anteriormente referidos como estando na origem do crescimento
endógeno resultam afinal de contas de um processo de acumulação de capital e o
crescimento endógeno é obtido, pela violação da hipótese de rendimentos
decrescentes dos factores acumuláveis, pelo menos, assimptoticamente, mas o tipo de
mercado considerado é o da concorrência pura e perfeita.
A consideração de um sector de actividade de I&D que produz progresso
técnico, quer sob a forma de novas variedades de bens intermédios quer sob a forma
de novas variedades de bens de consumo, quer ainda sob a forma de uma melhoria na
qualidade dos novos bens intermédios que substituem os antigos supõe uma
representação da economia em que não só é abandonada a hipótese de rendimentos
decrescentes dos factores acumuláveis como o tipo de mercado considerado não é de
concorrência pura e perfeita.
Se utilizarmos a classificação consagrada dos modelos de crescimento, (Jones
1995), Barro&Sala-I-Martin (1995) e Durlauf&Quah (1998), baseada no abandono da
hipótese de rendimentos decrescentes dos factores acumuláveis e na hipótese de
concorrência perfeita, podemos considerar os modelos de crescimento endógeno sem
e com sector de I&D.
No primeiro grupo podemos incorporar os modelos tipo AK ou AH, com ou
sem dinâmica de ajustamento, os modelos pioneiros do crescimento endógeno, o
modelo de Paul Romer (1986) de aprendizagem pela experiência, o modelo de Lucas
de aprendizagem pelo estudo (1988), o modelo de provisão de bens públicos de Barro
(1990), o modelo de Rebelo do sector de educação (1991).
No segundo grupo, modelos de crescimento endógeno com sector de I&D,
podemos considerar dois tipos de modelos, os modelos de diferenciação horizontal e
os modelos de diferenciação vertical.
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Quanto aos primeiros considera-se que o progresso técnico assume a forma de
novas variedades de bens, quer de consumo quer de capital, neste caso estamos a
supor que o progresso técnico é resultante de uma inovação que implicou o
aparecimento de um novo ramo da produção, falamos por isso de modelos I&D com
diferenciação horizontal. O modelo de Romer (1990) insere-se neste grupo e a nova
variedade de bens é de capital, já o modelo de Grossman e Helpman (1991) supõe que
a nova variedade de bens é de bens de consumo.
Mas o progresso técnico pode tomar a forma de uma melhoria na qualidade da
variedade de bens produzidos, nomeadamente na melhoria dos bens intermédios que
são utilizados na produção dos bens finais. Trata-se de modelar as melhorias do
processo de produção a nível de um sector, considerando que existe obsolescência
tecnológica, na linha do processo de criação destruidora de Schumpeter. O modelo de
Aghion e Howitt (1992) é um modelo deste tipo, de diferenciação vertical.
10 – No que se refere às novas metodologias à disposição da economia do
crescimento, há que salientar, antes de mais, a existência de bases de dados
internacionais de crescimento disponibilizadas nos anos 90. Os melhores economistas
de crescimento à escala planetária puderam fazer análises empíricas a partir de dados
comuns o que naturalmente teve um impacto extremamente positivo sobre as
metodologias de análise econométrica, sobre a análise teórica e sobre o
aperfeiçoamento dos métodos estatísticos usados na construção das séries porque se
assistiu a uma plétora de estudos empíricos de crescimento.
Exemplificando, um dos temas caros da análise empírica do crescimento, “a
convergência”, tem vindo a ser desenvolvida utilizando quer dados seccionais, quer
quer dados cronológicos quer ainda dados de painel.
11 – Quanto à análise teórica, os modelos de crescimento são mais refinados, o que
não significa que as modelações escolhidas sejam as melhores, a maior parte das
modelações é desenvolvida no quadro da teoria do crescimento óptimo. As
modelações mais interessantes são desenvolvidas no âmbito da abordagem
evolucionista do crescimento e num contexto de incerteza.
Os factos estilizados de Kaldor foram regularidades estatísticas observadas por
Kaldor na década de 60 relativamente ao comportamento de variáveis económicas no
longo-prazo e que serviram de base à modelação do crescimento económico de
economias capitalistas (sobretudo desenvolvidas). Este conjunto de factos estilizados
sustenta a modelação de modelos de crescimento exógeno e explica em parte o facto
da teoria do crescimento exógeno ser fundamentalmente uma teoria de estados quase
permanentes.
Os factos estilizados de Kaldor:
1 – O produto por trabalhador cresce a uma taxa mais ou menos constante durante
períodos de tempo muito longos. A constância daquela taxa é compatível com
flutuações de curto-prazo.
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O input de trabalho corrigido pela taxa de utilização da capacidade e pelo número
de horas trabalhadas cresce a uma taxa constante, assim o output agregado crescerá a
uma taxa constante.
2 - O stock de capital real cresce a uma taxa mais ou menos constante que é superior à
taxa de crescimento do input de trabalho. Pode-se dizer que o capital cresce a uma
taxa, mais ou menos constante, que é ainda compatível com irregularidades de curtoprazo e rupturas de tendência.
3 – As taxas de crescimento do output real e do stock de capital tendem a crescer à
mesma taxa. Por essa razão, o stock de capital por unidade de output não apresenta
uma tendência sistemática.
Este facto estilizado é mais controverso por várias razões, algumas que se
prendem com a sua medição, outras que se prendem com as hipóteses
verdadeiramente leoninas que o sustentam, se considerarmos o capital como uma
reserva de valor.
4 - A taxa de lucro é constante excepto quando se dão modificações violentas
marcadas por modificações da procura efectiva.
5 – A taxa de crescimento do output per capita pode variar bastante entre países.
6 – Economias com uma participação muito elevada dos lucros no rendimento tendem
a ter um rácio mais elevado do investimento no output.
Quando tomamos em linha de conta os factos estilizados 3 e 4 daí decorre que
a participação dos lucros no rendimento é também constante.
Quando tomamos em linha de conta os factos estilizados 1 e 3, daí decorre que
o rácio investimento/capital é constante.
Uma teoria dos estados de equilíbrio:
Uma economia que apresente os três primeiros ou quatro factos estilizados é uma
economia que se encontra num regime de equilíbrio de longo-prazo (steady state). Ou
seja, o output, o emprego e o stock de capital crescem a taxa constante e o coeficiente
de capital é constante.
Solow redefine o regime de equilíbrio de longo-prazo da seguinte forma: o
output e o emprego crescem a taxas constantes e a poupança e o investimento líquidos
são fracções constantes do output. Por isso, o investimento líquido crescerá à mesma
taxa que o output bem como o stock de capital. Daí decorre que o coeficiente de
capital se manterá constante. Será correcto?
Seria incorrecto se os factos estilizados não fossem objecto de uma confirmação
empírica. Não é o caso. Podem pois constituir um ponto de partida importante e
frutuoso para a compreensão do fenómeno do crescimento económico. Como diz
Solow deverá ser um ponto de partida, não um ponto de chegada. E porquê? Se
queremos modelar o progresso técnico no quadro de modelos de crescimento, os
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regimes de equilíbrio de longo-prazo a taxa constante não serão os mais aconselhados.
Na realidade, como lembra Solow (2000, p.99), crescimento exponencial do progresso
técnico não será um resultado unânime de todas as possíveis teorias da inovação.
Variavéis endógenas e exogénas dos modelos de crescimento económico
Nos chamados modelos de crescimento exógeno, o progresso técnico é
tomado como uma variável exógena do modelo. Nos modelos de crescimento
endógeno é tomado como uma variável endógena. A única questão que deve ser
colocada é a seguinte: - a endogeneização do progresso técnico no quadro de regimes
de equilíbrio de longo prazo a taxa constante é pertinente? Por outras palavras, quais
são as teorias da inovação que sustentam o crescimento exponencial do nível
tecnológico? Esta será uma questão que iremos retomar quando estudarmos modelos
de crescimento endógeno.
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