Tal como Godard, Rogério Sganzerla foi um artista que criou uma nova cinematografia sobre o alicerce da sua própria escritura; seus filmes eram como se fossem livros dinâmicos, audiovisuais, estruturados a partir de pesquisas de linguagem que realizava na máquina de escrever (nos últimos anos ele utilizou o computador). Esse processo de pesquisa pode ser comum a muitos cineastas mas, no caso de Rogério, o material resultante reveste-se também de alto valor literário e compõe uma obra vasta, de escritor prolífico, dotado de um talento extraordinário. É que, muitos não sabem disso, o gênio de Rogério revelou-se primeiro como escritor e jornalista. O cinema surgiu para ele como uma evolução da linguagem literária, que começou a praticar desde a infância com muita audácia, ao dar à impressão os seus precoces Novos Contos. Pouco tempo depois já tínhamos nele o jornalista, o crítico inovador, ousado estudioso do cinema moderno, publicando regularmente em jornais de grande circulação. Daí em diante nunca interrompeu o exercício da escritura, que praticou, cotidianamente, até o fim de seus dias. Escrevia muito e compulsivamente - e era dos seus escritos que se filtravam as soluções audiovisuais imortalizadas em magistrais realizações cinematográficas, muitas das quais se tornaram ícones e referências normativas de um novo cinema que, além de influenciar e balizar a vanguarda de seus melhores contemporâneos, vem agora crescendo em interesse, se expandindo e penetrando as instâncias mais promissoras das novas gerações com um alcance que já vence as fronteiras nacionais e percute nas vanguardas do cinema mundial. Como escritor, Rogério atuou em quase todos os gêneros, desde a poesia, a prosa de ficção (romances, inclusive) até o jornalismo de polêmica e a ensaística. O conjunto revelase como uma segunda e poderosa vertente da prolífica contribuição do artista, ainda quase toda em potencial, mas que já desperta sensível interesse dos estudiosos de cinema e de cultura brasileira. Neste livro, publica-se uma amostragem do grande potencial que temos a desvendar. Apesar de pequena em relação ao universo de obras deixadas pelo artista, é demonstrativa da qualidade e do alto valor literário que armazena o legado de Rogério. O objetivo da publicação deste livro é, pois, o de alimentar o interesse de todos os que possam contribuir para que a obra de Rogério Sganzerla, nas duas vertentes em que se exprimiu, a cinematográfica e a literária, possa cumprir o seu importante papel histórico e transformador da cultura nacional. Para que isto ocorra, seus herdeiros se empenham na viabilização e execução do Projeto Rogério Sganzerla. Mario Drumond (texto de orelhas da 1ª edição de Tudo é Brasil, pela editora Letra d’Água, Joinville, SC, 2005)