Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 ABASTECIMENTO, CARESTIA E FOME NO BRASIL NO SÉCULO XIX Mirna Galesco Dias Faculdade de História CCHSA [email protected] RESUMO: A formação do mercado interno nacional de abastecimento no Brasil vista através da grande carestia de alimentos ocorrida na segunda metade do século XIX, permite-nos uma reflexão acerca do ritmo de desenvolvimento do mercado interno brasileiro, especialmente a partir de 1850, marcado pela promulgação da Lei de Terras e a cessação do tráfico de africanos. Ao realizar a operação historiográfica, cotejando a obras historiográficas com as fontes primárias, concluímos que o mercado de abastecimento da época era regional, basicamente agrário, baseada numa economia mercantil urbanizada. A grande carestia de alimentos, ocorrida em 1850, foi reflexo tanto da cessação do trafico de escravos africanos para o Brasil, como o resultado da ação de agentes econômicos, caracterizados por monopólios e cartéis que se formaram. Estes cartéis e monopólios receberam aporte de capital proveniente dos mercadores negreiros. Palavras Chave: Carestia, Fome, Mercado Interno Área do Conhecimento: História do Brasil – Sub-área: História Regional INTRODUÇÃO A Inglaterra, grande traficante de escravos até 1807, depois disto passou a pressionar o Brasil a acabar com o tráfico, por meio, entre outras práticas, de sobretaxar os produtos agrícolas brasileiros oriundos do braço escravo no mercado inglês, o que dificultou a participação do Brasil no mercado internacional. Tal interesse britânico, não necessariamente humanitário, tinha por objetivo atingir tanto o mercado brasileiro quanto o seu projeto de colonizar parte da África negra. O capital antes utilizado para compra de cativos foi reconvertido especialmente na praça comercial do Rio de Janeiro e investido em outras atividades, tornando o Rio de Janeiro um movimentado centro financeiro. Agindo como uma força Prof. Dr. Artur José Renda Vitorino Grupo de Pesquisa/Politica e Fundamentos da Educação [email protected] centrípeta, para o Rio de Janeiro convergiram todos os negócios e grande parte da produção das províncias, abastecendo a capital da Corte e atendendo as demandas de exportação. A transição da economia colonial para uma economia mercantil escravista cafeeira nacional foi sentida principalmente nos grandes centros urbanos do Brasil em meados do século XIX. Era preciso criar um mercado interno de abastecimento que atendesse as necessidades da população, e das exportações. O comércio, porem, dependia de consumidores com recursos para consumir. O Estado brasileiro, ao promulgar a Lei de Terras (1850) garantiu os latifúndios, impedindo o acesso do pequeno produtor aos meios de produção, obrigando-o a vender sua força de trabalho. Havia, ainda, internamente, o tráfico interregional de escravos, que, remanejados de uma lavoura à outra, eram também, ocasionalmente, direcionados para a construção de obras públicas, juntamente com o trabalhador livre pobre. Outra ocorrência relevante foi a chegada de imigrantes europeus que haviam sido expropriados em seu país. Desse modo, iniciase a “conformação” do mercado de trabalho, sendo possível a observação e a constatação de um descompasso no desenvolvimento dos setores brasileiros, desenvolvimento este agravado por diversos fatores estruturais. Um dos fatores agravantes da situação foi a especulação e a manipulação do abastecimento interno, gerida por cartéis e monopólios. Ao realizarmos a operação historiográfica verificamos a atuação de diversos agentes econômicos, que provocaram entraves ao crescimento econômico do Brasil. Esta verificação foi possível ao buscarmos informações veiculadas pela imprensa da época, sobre a carestia que fortemente se abateu sobre as regiões brasileiras, causada pela cessação do trafico de escravos, e, portanto, pela falta de braços para o trabalho. Este argumento, porem, não se sustentava ao ser confrontado com registros e as estatísticas referentes à época. Esses registros demonstravam o crescimento da produção ano a ano, e comprovavam a influência de outros fatores mais que o fim do trafico de escravos Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 propriamente dito. Cada região foi atingida pela carestia de modo peculiar, algumas devido ao aumento demográfico, causado pelas populações flutuantes que se deslocavam para outras localidades em busca de trabalho; outras pelo remanejamento de mão de obra da lavoura para a construção de obras públicas, tais como estradas e ferrovias. O transporte terrestre do gado e as navegações de cabotagem, na costa brasileira, intensificaram o comércio deste gênero, sendo a maior parte de seu consumo verificado na cidade do Rio de Janeiro. O comércio de carne verde (carne fresca não salgada) e o charque tornaram-se um lucrativo negócio para os investidores, propiciando a acumulação de verdadeiras fortunas. O Rio de Janeiro encontrava-se inserido no circuito mundial do comércio, tornando-se uma grande cidade, propiciando o seu desenvolvimento urbano. Ao consultarmos as fontes primarias e secundárias, nosso olhar parte do Rio de Janeiro, buscando perceber as realidades vivenciadas pelas populações e suas regiões. A produção historiográfica utilizada na elaboração desse trabalho, ao serem confrontadas, mostra-nos que a imprensa estava equivocada, ao considerar o fim do trafico de escravos da África par ao Brasil como a principal causa da carestia urbana, desconsiderando outros fatores. Foi a especulação de atravessadores contribuiu mais fortemente para o agravamento da situação. O comércio regionalizado e cartelizado, controlado por monopolistas, atendia especificamente a interesses pessoais dos mais ricos. Aos menos favorecidos faltavam, inclusive, produtos de primeira necessidade. Não havia mercado de trabalho nem trabalhadores assalariados em larga escala, um grande obstáculo a ser superado para a formação do sistema. Em nossas plagas. O Rio de Janeiro foi anfitrião de um novo tempo no Brasil, pois nele foi configurado o cenário de grandes acontecimentos e decisões que deram os primeiros contornos regionais do que viria se tornar a grande nação brasileira. que tivessem acesso aos bens de consumo, gêneros produzidos no Brasil e também importados. As bases capitalistas foram lançadas. O novo ritmo, ditado pelo comércio mundial, e os arranjos necessários foram sendo adaptados conforme as necessidades surgiam. O modelo de desenvolvimento brasileiro seguiu de acordo com as possibilidades, necessidades e dificuldades inerentes à formação da nova nação, onde os ponteiros do relógio marcavam, de maneira especifica, um outro tempo, um outro modo de vida na nova nação chamada Brasil, com relação ao sistema capitalista vigente. AGRADECIMENTOS Agradeço a FAPIC/Reitoria pela oportunidade de participar deste trabalho e, sobretudo, ao Prof. Dr. Artur José Renda Vitorino, pelo encorajamento e apoio irrestrito à minha Iniciação Científica, me orientando no sentido de realizar um bom trabalho, e a ter consciência da importância da pesquisa acadêmica. REFERÊNCIAS LEAL, Antônio Henriques. Locubrações. Lisboa: Typographia Castro Irmão, 1874. MARCONDES, Renato Leite; Formação da rede regional de abastecimento do Rio de Janeiro: presença dos negociantes de gado (1801-1811) Topoi, Rio de Janeiro, mar. 2001, pp. 41-71). SOARES, Sebastião Ferreira. Notas Estatísticas sobre a Produção Agrícola e a Carestia dos Gêneros Alimentícios no Império do Brasil. Rio de Janeiro, Typ. Imp. e Const. de J. Villeneuve e Comp. 1860. _______________________. CONCLUSÃO Concluímos ter sido a carestia de alimentos, observada nesse período, como o resultado da ação de diversos agentes econômicos, que na busca de atender seus interesses e acumular cada vez mais capital, geraram miséria em grandes proporções. O atraso no desenvolvimento econômico do Brasil pode ser atribuído a essas ações, que visaram a acumulação pessoal, e não nacional. O mercado interno vai aos poucos se configurando, e o mercado de trabalho é criado, no intuito de gerar renda aos trabalhadores para Esboço, ou primeiros traços da crise commercial da cidade do Rio de Janeiro em 10 de setembro de 1864. Rio de Janeiro, E. & H. Laemmert, 1865. _______________________. da companhia industrial da Histórico estrada de Mangaratiba e analyse critica e econômica dos negócios desta companhia. Rio de Janeiro, Typographia Nacional, 1864. SOUZA, Juliana Teixeira. Autoridade Anais do XVII Encontro de Iniciação Científica – ISSN 1982-0178 Anais do II Encontro de Iniciação em Desenvolvimento Tecnológico e Inovação – ISSN 2237-0420 25 e 26 de setembro de 2012 municipal na Corte imperial: enfrentamentos e VITORINO, Artur José Renda; negociações na regulação do comércio de Cercamento à brasileira: conformação do gêneros (1840-1889). Campinas, Tese de mercado de trabalho livre na Corte das décadas doutoramento, Faculdade de História da de 1850 a 1880 . Campinas, de doutoramento, Unicamp (SP,): 2007. Faculdade de História da Unicamp (SP), 2002.