FINANCIAMENTO DA SAÚDE: O QUE MUDOU COM A CPMF1 Sérgio Francisco Piola José Aparecido Carlos Ribeiro Carlos Octávio Ocké Reis Novembro, 1999 1 Texto elaborado por solicitação da Associação Brasileira de Economia da Saúde (ABRES) para o Encontro Nacional de Economia da Saúde realizado em Salvador, Bahia, em 30 de novembro de 1999. Financiamento da Saúde: O que mudou com a CPMF Sérgio Francisco Piola* José Aparecido Carlos Ribeiro Carlos Octávio Ocké Reis Apresentação Conferir estabilidade ao financiamento da saúde tem sido uma das principais preocupações do legislativo e dos gestores do Sistema Único de Saúde – SUS. Esta preocupação manifestou-se desde a elaboração do texto Constitucional, concretizando-se no artigo 55 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), que estabelece que “até que seja aprovada a lei de diretrizes orçamentárias, trinta por cento, no mínimo, do orçamento da seguridade social, excluído o seguro-desemprego, serão destinados ao setor saúde”. Ao atribuir transitoriedade a essa vinculação, o legislador constituinte estaria se posicionando contra uma vinculação específica e permanente, confiando que, a cada ano, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) normalizaria o volume mais adequado. O dispositivo mostrou-se ineficaz e deu-se continuidade ao embate para definir constitucionalmente um piso mínimo, permanente, de recursos públicos a serem aplicados na manutenção dos serviços do Sistema Único de Saúde. A crise de 19932, decorrente do progressivo aumento dos gastos previdenciários com a conseqüente retirada dos recursos originários da Contribuição de Empregadores e Trabalhadores sobre a Folha de Salário do financiamento da saúde, aguçou a crise setorial e estimulou a apresentação, a partir de então, de diversas propostas de emenda constitucional para solucionar o problema. A criação da CPMF, em 1996 3, foi a solução – transitória – encontrada para suprir as necessidades do financiamento setorial. Este texto discute o comportamento do financiamento federal da saúde no período 1993-1998, analisando as participações das diferentes fontes, a evolução dos gastos por categoria econômica de despesa, subprograma e os resultados da criação da CPMF. Igualmente, tenta demonstrar que, ao contrário do normalmente aceito, não foi a criação dessa contribuição que possibilitou o alcance de um novo patamar nas despesas federais com saúde. Ao contrário, antes de sua criação, as despesas federais com saúde já tinham tido uma primeira elevação. Por fim discute a PEC 82-C, em processo de votação pelo Congresso Nacional, identificando seus aspectos mais importantes e possíveis problemas. * Técnicos de Pesquisa e Planejamento da Diretoria de Estudos Sociais (DISOC) do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). 2 Entre 1990 e 1993, as despesas com benefícios apresentaram um crescimento de 47%, enquanto no mesmo período, as transferências totais (Tesouro e INSS) para o Ministério da Saúde tiveram um crescimento inferior a 3%. A participação dos gastos previdenciários nas transferências de recursos de contribuições sociais vinculadas ao Orçamento da Seguridade Social cresce 61,5% em 1991 para 65,3% em 1992. Barros, M. E, Piola, S. F e Vianna, S.M. Política de Saúde no Brasil: Diagnóstico e Perspectivas, Ipea, TD nº 401, fevereiro de 1996. 3 Até 1998 a CPMF destinava-se exclusivamente ao financiamento da saúde. Quando de sua re-aprovação em 1999, a alíquota de contribuição passou de 0,20% para 0,38%, ficando 0,20% para a saúde e 0,18% para a previdência. 1. Gasto Total do Ministério da Saúde no período 1993-98 O gasto total do Ministério da Saúde4 apresentou comportamento irregular ao longo do período 1993-1998: cresce 45% entre 1993 e 1995 ao passar de um montante de R$ 12,8 bilhões, para R$ 18,6 bilhões; apresenta importante queda em 1996 (decréscimo de 13,2% em relação ao ano de 1995); eleva-se novamente em 1997, quando atinge o valor de R$ 19,3 bilhões e torna a cair em 1998, quando situa-se em R$ 17,6 bilhões. Como percentual do PIB, o maior índice foi alcançado em 1995 ( 2,31%) e em valores per capita os dispêndios situaram-se entre R$ 85,00 em 1993 e 121,8 em 1997 (Tabela I). Tabela I - Ministério da Saúde: gasto total, per capita e como proporção do PIB, 1993-1998 Ano 1993 1994 1995 1996 1997 1998(2) R$ milhões Correntes R$ milhões(1) Constantes Dez/98 Índices 297 7.498 14.937 14.376 18.569 17.541 12.822 13.021 18.614 16.154 19.394 17.665 100 102 145 126 151 138 Per capita R$ de Dez/98 85,0 85,2 120,1 102,8 121,8 109,5 % PIB 2,11 2,15 2,31 1,85 2,14 1,94 Fonte: Siafi/Sidor. Elaboração Ipea/Disoc 1) Valores deflacionados mês a mês pelo IGP/DI da FGV 2) Não incluído valor de R$ 1.782 milhões correspondente a dívida do Ministério da Saúde, amortizada diretamente pela Secretaria do Tesouro Nacional Algumas observações, no entanto, devem ser feitas para melhor análise do dados apresentados na tabela anterior: • O critério utilizado para a contabilização, ano a ano, das despesas é o de empenho liquidado, que se aproxima do critério de fluxo de caixa. As flutuações anuais se apresentam mais discretas quando adotado o critério de competência da despesa, onde estas são contabilizadas no ano em que orçamentariamente se referem (vide Box 1); • A execução de 1998 seria praticamente idêntica à de 1997 se nela for incluído o valor de R$ 1,7 bilhão, correspondente à divida do Ministério da Saúde amortizada diretamente pela Secretaria do Tesouro Nacional; • A passagem para um nível mais elevado de dispêndio por parte do Ministério da Saúde ocorreu já em 1995, antes, portanto, da criação da CPMF. O orçamento do Ministério da Saúde é pressionado pela amortização de dívidas contraídas principalmente junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador – FAT 5 e pelo pagamento encargos previdenciários da União – EPU (encargos com inativos), de forma que 4 Além de todos as unidades orçamentárias do órgão 36000 – Ministério da Saúde, estão computados aqui os valores da Unidade Orçamentária 72136 – EPU – Recursos sob Responsabilidade do Ministério da Saúde, já expurgada a dupla contagem. 5 Em 1993, 1995 e 1996 o Ministério da Saúde tomou empréstimos junto ao Fundo de Amparo ao Tabalhador – FAT para pagamento da assistência médica. os recursos efetivamente disponíveis para o custeio das ações e serviços de saúde é, por vezes, significativamente menor. Box 1 – O Gasto do Ministério da Saúde, sob a ótica do Regime de Competência A cada ano, parcela das despesas devidas às ações do governo têm o seu pagamento postergado para o exercício seguinte, se constituindo nos chamados “restos a pagar”. Estas despesas, ao serem efetivamente liquidadas, são classificadas então sob a rubrica "despesas de exercícios anteriores". Então, para converter os valores encontrados na execução orçamentária federal, do regime de "empenho liquidado" para o regime de "competência", podemos realizar um exercício, a título de aproximação. O quadro a seguir apresenta, em cada ano, as despesas de exercícios anteriores (coluna A). Na coluna seguinte (B), as despesas restantes liquidadas no exercício, já “líquidas”, isto é, sem os gastos classificados como “despesas de exercícios anteriores” Somando estas duas colunas, de um mesmo ano, temos o regime "liquidado", que é o utilizado neste trabalho. Somando as "líquidas" de um ano com as "despesas anteriores" do ano seguinte, estimamos o regime de "competência", ou seja, retiramos de um exercício a carga de pagamentos referentes a exercícios anteriores, considerando então apenas as despesas “líquidas”, para a seguir buscar as despesas realizadas neste mesmo exercício, mas que foram liquidadas apenas no ano seguinte. Percebe-se que a execução orçamentária sob o regime de competência fica mais perene - a queda de 1996 se torna menos pronunciada -, demonstrando que as oscilações pós95 nos gastos do MS são eminentemente financeiras, e não resultantes de quedas concretas na atuação do MS. GASTO MINISTÉRIO DA SAÚDE 93-98 Estimativa para o Regime de Competência Em R$ mil Dez/98 Despesas de Exercícios Anteriores (a) 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1.353.854 224.763 1.045.711 1.078.453 2.447.811 414.573 Despesas Líquidas do Exercício (b) 11.468.538 12.796.588 17.568.699 15.075.159 16.946.452 17.250.557 Empenho Liquidado 12.822.392 13.021.351 18.614.409 16.153.612 19.394.263 17.665.130 Regime de Competência* 11.693.301 13.842.298 18.647.151 17.522.970 17.361.025 - Tal forma de calcular o gasto sob o regime de competência, entretanto, é apenas uma aproximação, pois o volume de dispêndios classificados sob a rubrica “despesas de exercícios anteriores” não se refere necessariamente ao exercício imediatamente anterior. A tabela II mostra que os recursos efetivamente disponíveis para a execução de serviços de saúde, excluídos os recursos destinados à amortização de dívidas e ao pagamento de inativos corresponderam a percentuais que variaram entre um mínimo de 82% (em 1995 e e um máximo de 92% em 1993. Tabela II – Ministério da Saúde: Disponibilidade líquida (em percentual) para a execução de serviços de saúde, 1993-1998 Em R$ milhões de dez/98 Ano Gasto Total EPU Dívida Disp. Líquida Disp. Líquida Valor Valor Valor Valor % do G. Total 1993 1994 1995 1996 1997 1998 12.822 13.021 18.614 16.154 19.394 17.665 940 926 1.641 1.657 1.620 1.758 60 370 1.674 557 1.641 557 11.822 11.725 15.299 13.940 16.133 15.350 92 90 82 86 83 87 Fonte: Siafi/Sidor. Elaboração: Ipea/Disoc O significativo aumento das despesas com Encargos Previdenciários da União – EPU a partir de 1995 é explicado pelo fato de que desse ano em diante foram transferidos para o orçamento do Ministério parte das despesas com inativos do Ministério que antes eram contabilizadas na conta geral da União. O gasto do Ministério da Saúde não é desprezível, se comparado a outros agregados da despesa da federal. A tabela III traz essa comparação. Tabela III – Gasto Total do Ministério da Saúde em comparação a outros agregados da despesa do Governo Federal, 1994 e 1998 Em R$ milhões correntes Especificação 1994 1998 Desp. Efetiva do Gov. Federal(1) Despesa Financeira (2) Desp. Não Financeira (3) Gasto Social Federal (4) Gasto do Min. Da Saúde % MS/Desp. Efetiva % MS/Desp. Finan. % MS/Desp.Não Finan % Gasto Social Federal 140.486 70.999 69.487 42.174 7.498 5,3 10,6 10,8 17,8 497.916 315.115 182.801 113.905 17.665 3,5 5,6 9,7 15,5 Fonte: Siafi/Sidor. Elaboração Ipea/Disoc (1)Despesa total, menos transferências intergovernamentais (2) Despesas com juros e amortizações das dívidas interna e externa. (3) Despesa efetiva, menos despesa financeira (4) Gasto mensurado segundo o conceito de Área de Atuação Social (metodologia Ipea/Disoc). 2- Fontes dos Recursos do Ministério da Saúde Ao contrário do que ocorre em outros países que adotam sistemas universais de atenção à saúde, no Brasil a participação de impostos gerais no financiamento do setor é residual. Assim ocorreu antes da Constituição de 88, quando mais de 80% do financiamento federal da saúde era proveniente da Contribuição de Empregadores e Empregados para a Previdência Social e assim continuou acontecendo depois de 1988, agora com o concurso das contribuições sociais vinculadas ao orçamento da seguridade social. No período analisado, apenas em 1993 e 1998, coincidentemente o inicial e final da série, os Recursos Ordinários do Tesouro tiveram um participação mais significativa no financiamento do Ministério da Saúde, 8,9% e 10,8%, respectivamente. As contribuições sociais, por seu lado, no seu conjunto tiveram a maior participação relativa em 1997 (73,0%) e a menor em 1994 (54,5 %) (Tabelas IV e V). Tabela IV - Ministério da Saúde: Distribuição do gasto, segundo a fonte dos recursos, 1993-1998 Em R$ milhões de dez/98 Recursos Ordinários Títulos Resp. Tesouro Nacional Operações Crédito Internas – Moeda Operações Crédito Externas – Moeda Recursos Diretamente Arrecadados Contribuições Sociais Contrib. Social Lucro PJ Contrib. Social p/Financ. Segurid. Social Contrib. Empr. e Trab. p/Segurid. Social Contrib. Prov. s/Mov. Financeira FINSOCIAL- Recup. Dep. Judiciais Fundo de Estabilização Fiscal Demais Fontes TOTAL 1993 1994 1.147,0 1.933,4 334,7 59,4 129,1 8.648,6 1.370,3 3.224,0 4.054,3 570,2 130,1 210,0 0 156,1 277,8 7.093,3 1.678,2 4.431,0 984,0 4.788,6 365,5 1995 586,1 489,5 1.420,2 198,0 452,2 12.889,3 3.753,1 9.136,1 2.221,2 358,0 1996 1997 31,9 197,7 540,2 540,2 1.332,0 137,8 96,6 403,6 467,3 10.224,5 14.155,4 3.352,1 3.743,6 6.872,4 5.021,9 - 5.389,9 2.852,7 3.776,1 631,0 160,9 1998 1.904,6 82,0 186,3 457,0 12.537,3 1.408,7 4.584,8 6.543,8 2.345,2 152,7 12.822,4 13.021,4 18.614,4 16.153,6 19.394,3 17.665,1 Tabela V - Ministério da Saúde: Distribuição percentual das fontes de financiamento, 1993-1998 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Recursos Ordinários Títulos Resp. Tesouro Nacional Operações Crédito Internas – Moeda Operações Crédito Externas – Moeda Recursos Diretamente Arrecadados Contribuições Sociais Contrib. Social Lucro PJ Contrib. Social p/Financ. Segurid. Social Contrib. Empr. e Trab. p/Segurid. Social Contrib. Prov. s/Mov. Financeira FINSOCIAL- Recup. Dep. Judiciais Fundo de Estabilização Fiscal Demais Fontes TOTAL Fonte: Siafi/Sidor 8,9 15,1 2,6 0,5 1,0 67,4 10,7 25,1 31,6 0,0 0,0 0,0 4,4 0,0 100,0 1,0 1,6 0,0 1,2 2,1 54,5 12,9 34,0 0,0 0,0 7,6 36,8 2,8 0,0 100,0 3,1 2,6 7,6 1,1 2,4 69,2 20,2 49,1 0,0 0,0 0,0 11,9 1,9 0,0 100,0 0,2 3,3 8,2 0,9 2,5 63,3 20,8 42,5 0,0 0,0 0,0 17,7 3,9 0,0 100,0 1,0 2,8 0,0 0,5 2,4 73,0 19,3 25,9 0,0 27,8 0,0 19,5 0,8 0,0 100,0 10,8 0,5 0,0 1,1 2,6 71,0 8,0 26,0 0,0 37,0 0,0 13,3 0,9 0,0 100,0 A rigor, as participações relativas das diferentes fontes no financiamento das despesas do Ministério da Saúde não apresentam um padrão mais estável. A cada ano, essas participações são bastantes diferentes. Em 1993, por exemplo, quando ainda contava com recursos repassados pela Previdência Social, o Ministério da Saúde teve na Contribuição de Empregadores e Trabalhadores a sua principal fonte de financiamento, sendo que esta fonte atendeu a 31,6% de seus dispêndios. Importantes também foram as participações da Cofins (25,1%) e de Títulos sob a Responsabilidade do Tesouro Nacional (15,1%). Na esteira da criação do Fundo Social de Emergência em 1994, mais tarde rebatizado como Fundo de Estabilização Fiscal - FEF, que teve como um de seus objetivos aumentar o volume de recursos desvinculados no orçamento federal6, verifica-se nesse ano uma importante participação desse novo fundo no financiamento do Ministério da Saúde. Quase 37% dos gastos desse ano tiveram como fonte o atual FEF. A Cofins teve sua participação aumentada para 34%, como forma de contrabalançar a ausência de repasses da Previdência Social. Em 1995 e 1996 a Cofins foi a principal fonte de financiamento do Ministério da Saúde. Nesses anos a participação relativa dessa fonte na estrutura de despesas do Ministério da Saúde foi de 49,1% e 42,5%, respectivamente. Nesses anos também quase duplicou a participação relativa dos recursos provenientes da Contribuição sobre o Lucro Líquido de Empresas – CSLL, que foi superior a 20%. Cai, por seu turno, a participação relativa de recursos do Fundo de Estabilização Fiscal e é significativa a participação de recursos oriundos de Operações de Crédito Internas para custear os dispêndios: 7,6% em 1995 e 8,2% em 1996. Gráfico 1 Evolução das Fontes de Financiamento - Ministério da Saúde 20,00 18,00 Em R$ Bilhões de Dez/98 16,00 14,00 12,00 10,00 8,00 6,00 4,00 2,00 1.993 6 1.994 1.995 1.996 1.997 Contrib. Social p/Financ. Segurid. Social Contrib. Social Lucro PJ Fundo de Estabilização Fiscal Contrib. Prov. s/Mov. Financeira Outros Contrib. Empr. e Trab. p/Segurid. Social Operações de Crédito 1.998 Outros objetivos foram diminuir os repasses obrigatórios da União para Estados e Municípios e, no âmbito do Orçamento da Seguridade Social, acabar com a obrigatoriedade prevista na Lei 8.212/91 (Lei de Financiamento e Custeio da Seguridade Social), que previa percentuais decrescentes de utilização de recursos de contribuições sociais para o pagamento de encargos previdenciários da União. Em 1997 e 1998, a Contribuição Provisória sobre a Movimentação Financeira – CPMF passa a ser a principal fonte de financiamento federal da saúde. Em 1997 essa fonte foi responsável pelo custeio de quase 28% das despesas do Ministério da Saúde e em 1998 por 37%. A contribuição da Cofins situou-se em torno de 26%, nos dois anos, enquanto o FEF participou com 19,5% das despesas em 1997 e 13,3% em 1998. O que explica esta verdadeira “dança” das fontes? A participação das fontes de financiamento é definida na Lei Orçamentária. Nem sempre a execução financeira, em termos de fontes, segue o definido na Lei Orçamentária e, geralmente, não é feita a redefinição final de fontes. Portanto, essa variação anual da participação relativa das fontes reflete as diferentes leis orçamentárias. Parece que há um receio que a utilização sistemática de determinada fonte para determinado órgão crie uma expectativa de uma espécie de vinculação, daí talvez essas contínuas alterações anuais. O temor de que a criação de uma nova fonte de recursos vinculados à saúde levasse a uma retração de recursos das fontes que tradicionalmente financiam o Ministério da Saúde foi logo confirmada. Apesar de ter sido alocada integralmente ao Ministério da Saúde, a CPMF não proporcionou o incremento de recursos, pelo menos na dimensão esperada, em decorrência da redução da participação de outras fontes (Gráfico 2). Se conservados os montantes que as outras fontes aportavam em 1996, o Ministério da Saúde teria a sua disposição R$ 21,4 bilhões em 1997 e R$ 22,6 bilhões em 1998. Nesses dois anos, o gasto do referido Ministério foi de R$ 19,4 bilhões em 1997 e de R$ 17,6 bilhões em 1998 ou R$ 19,3 bilhões se acrescido da dívida amortizada pelo MF/STN. Gráfico 2 Participação de CPMF e FEF nos Gastos do Ministério da Saúde 25,00 R$ Bilhões de Dez/98 20,00 15,00 10,00 5,00 1.993 Fontes Tradicionais 1.994 Operações de Crédito 1.995 1.996 Fundo de Estabilização Fiscal 1.997 1.998 Contrib. Prov. s/Mov. Financeira 3- Evolução do Gasto segundo a Categoria Econômica da Despesa A análise da evolução do gasto do Ministério da Saúde segundo a categoria econômica da despesa permite a verificação de algumas tendências importantes (Tabelas VI e VII) Tabela VI - Ministério da Saúde: Gasto segundo categoria econômica da despesa, 1993-1998 Em R$ Mil Dez/98 1993 1994 1995 1996 1997 1998 Pessoal Outras Despesas Correntes Investimentos Amortiz., Juros e Encargos Dívida Inativos e Pensionistas Transf. Estados e DF Transf. Municípios Outros 2.266,7 7.478,4 139,1 556,8 1.757,2 575,0 4.242,4 649,7 TOTAL 2.289,4 8.273,2 96,5 59,8 939,9 694,1 214,4 255,1 2.835,2 3.078,6 7.773,8 10.187,6 188,9 251,9 370,0 1.674,1 967,3 1.641,3 319,0 482,1 293,9 979,6 273,4 319,2 2.670,1 2.553,2 8.955,7 10.134,1 101,6 155,0 556,7 1.640,8 1.656,6 1.617,9 206,3 413,0 1.715,6 2.491,7 290,9 388,6 12.822,4 13.021,4 18.614,4 16.153,6 19.394,3 17.665,1 Fonte: Siafi/Sidor. Elaboração: Ipea/Disoc O inegável avanço no processo de descentralização da gestão dos recursos setoriais está claramente caracterizado. O percentual de recursos descentralizados para gestão de estados e municípios subiu de 7,1% em 1993, para 28,3% em 1998. Esse percentual se torna ainda mais significativo, quando se retira despesas não descentralizáveis como pessoal, inativos e pensionistas, e amortização, juros e encargos da dívida. Nesse caso, cerca de 32% dos recursos disponíveis pelo Ministério da Saúde em 1998 tiveram sua gestão descentralizada. Tabela VII – Ministério da Saúde: Distribuição percentual dos gastos por categoria econômica, 1993-1998 1993 Pessoal Outras Despesas Correntes Investimentos Amortiz., Juros e Encargos Dívida Inativos e Pensionistas Transf. Estados e DF Transf. Municípios Outros TOTAL 1994 1995 1996 1997 1998 17,86 64,52 0,75 0,47 7,33 5,41 1,67 1,99 21,77 59,70 1,45 2,84 7,43 2,45 2,26 2,10 16,54 54,73 1,35 8,99 8,82 2,59 5,26 1,71 16,53 55,44 0,63 3,45 10,26 1,28 10,62 1,80 13,16 52,25 0,80 8,46 8,34 2,13 12,85 2,00 12,83 42,33 0,79 3,15 9,95 3,26 24,02 3,68 100 100 100 100 100 100 Em termos absolutos, o montante de recursos descentralizados para os municípios aumentaram quase vinte vezes ao passar de R$ 255 milhões em 1993, para R$ 4.242 milhões em 1998. Gráfico 3 Ministério da Saúde - Gastos por natureza de despesa 20,00 18,00 Em R$ Bilhões de Dez/98. 16,00 14,00 12,00 10,00 8,00 6,00 4,00 2,00 1.993 Outras Despesas Correntes Inativos e Pensionistas 1.994 1.995 Pessoal Transf. Municipios 1.996 1.997 1.998 Amortização, Juros e Encargos Dívida Outros Apesar da importância da importância da Norma Operacional Básica do SUS 01/93 (Nob 01/93)7 para a demarragem do processo de descentralização, foi indubitavelmente a aprovação da NOB 01/96 que intensificou o processo descentralizador, sobretudo através dos repasses do Piso da Atenção Básica – PAB 8, que possibilitou que um grande número de municípios se habilitassem à condição de gestores da atenção básica9. Em 1996 foram repassados R$ 1,7 bilhão para a gestão municipal, em 1997 cerca de R$ 2,5 bilhão e R$ 4,2 bilhões em 1998. O repasse de recursos para a gestão estadual teve comportamento mais estável e modesto, sendo que em 1998 alcançaram a cifra de R$ 575 milhões, o que se explica pela tendência municipalista do processo de descentralização na área da saúde e pelo fato de que os estados, pelo menos até 1998, estavam mais reticentes na assunção das responsabilidades inerentes à gestão descentralizada10. 7 Até janeiro de 1997, 3.127 municípios, representando 62,9% do total, haviam se habilitado a alguma das formas de gestão estabelecidas pela NOB 01/93. Desses 3.127 municípios, 2.367 foram habilitados à gestão incipiente (75,7% dos habilitados, 616 (19,7%) à gestão parcial e 144 (4,6%) à gestão semiplena (MS/SAS/SPS, Análise de alguns aspectos do processo de descentralização no Sistema Único de Saúde, mimeo, 1999). 8 Com o PAB passaram a ser repassados mensalmente recursos equivalentes a 1/12 avos do montante de R$ 10,00 por habitante/ano para o custeio da atenção básica (parte fixa do PAB). 9 Apesar de publicada em novembro de 1996, a NOB 01/96 so começou a ser implementada a partir de janeiro de 1998. De janeiro de 1998 a abril de 1999, 5.222 municípios (quase 95% do total) estavam habilitados em alguma das duas novas formas de gestão descentralizada: 4.752 (86,3% do total estavam habilitados como gestores da atenção básica e 470 (8,5% do total) habilitados como gestores plenos do sistema municipal de saúde (MS/SAS/SPS, Análise de alguns aspectos do processo de descentralização no Sistema Único de Saúde, mimeo, 1999). 10 Até abril de 1999, apenas seis estados estavam habilitados nas novas condições de gestão estabelecidas pela NOB 01/96: Alagoas habilitado na gestão plena do sistema e Distrito Federal, Minas Gerais, São Paulo, Rio Os gastos com pessoal ativo, ascendentes até 1995, apresentam tendência declinante desde então, reflexo da política governamental de contenção dos gastos com pessoal. Em contrapartida, os gastos com inativos e pensionistas alcançam um novo patamar a partir de 1995, quando atingem o patamar de R$ 1,6 bilhão. Em 1998, esse gasto foi de R$ 1,7 bilhão11. As despesas com investimentos diretos do Ministério são pouco significativas, apenas em dois anos, 1994 e 1995, ficam em torno de 1,5% do dispêndio total da instituição. As despesas com amortização, juros e encargos de dívidas tem participação elevada em alguns anos: os valores despendidos em 1995 e 1997 foram superiores a R$ 1,6 bilhão e representaram cerca de 9% e 8,5% do gasto total do Ministério. Independente desses anos atípicos, aparentemente houve uma mudança de patamar nessa categoria de despesa, dos R$ 59,8 milhões encontrados no ano 1993 até o nível pouco acima dos R$ 500 milhões, em 1996 e 1998. 4. Dispêndios por Subprogramas A maior parte dos dispêndios do Ministério da Saúde tem sido realizada através do subprograma Assistência Médica e Sanitária, que inclui os recursos destinados ao custeio da assistência ambulatorial e hospitalar. Da forma que estão apresentados os dados financeiros não permitem a visualização de importantes alterações na política assistencial que nos últimos anos tem privilegiado o atendimento ambulatorial, a expansão de programas estratégicos como o de Agentes Comunitários de Saúde e o de Saúde da Família e, no âmbito dos “prestadores”, as Secretarias Municipais de Saúde. Tabela VIII - Ministério da Saúde: Gasto por subprograma, 1993-1998 Em R$ Milhões de Dez/98 Subprogramas Assistência Médica e Sanitária Controle Doenças Transmissíveis Vigilância Sanitária Profiláticos e Terapêuticos EPU Dívida Interna e Externa Saneamento Alimentação e Nutrição Administração Outros 1.993 1.994 1.995 1.996 1.997 1.998 9.239,5 542,4 8,4 538,2 940,1 59,8 41,0 36,4 1.065,0 351,6 7.729,7 299,9 2,3 388,6 926,1 370,0 69,9 57,3 2.860,6 317,0 10.404,1 332,5 4,7 660,4 1.641,5 1.674,1 73,8 159,8 3.318,4 345,1 9.988,2 160,8 5,2 382,2 1.656,8 556,7 64,3 38,7 2.987,7 313,0 11.537,2 494,1 20,9 735,1 1.619,9 1.640,8 163,3 106,5 2.796,3 280,1 11.089,3 442,9 49,7 716,9 1.758,0 556,8 253,6 61,3 2.489,1 247,6 TOTAL 12.822,4 Fonte: Siafi/Sidor. Elaboração: Ipea/Disoc 13.021,4 18.614,4 16.153,6 19.394,3 17.665,1 Grande do Sul e Bahia na condição de gestão avançada do sistema estadual. O Rio Grande do Sul estava solicitando a mudança da gestão avançada para plena e Paraná, Santa Catarina e Pará, solicitando a habilitação na gestão plena (MS/SAS/SPS, Análise de alguns aspectos do processo de descentralização no Sistema Único de Saúde, mimeo, 1999). 11 Como explicado anteriormente, este súbito aumento dos gastos do MS com inativos e pensionistas deveu-se à transferência para a conta do Ministério das despesas que antes eram contabilizadas na conta geral de EPU da União. Não obstante, verifica-se, desde logo, que o abono de 25% concedido a partir de junho de 1996 sobre a tabela de procedimentos ambulatoriais e hospitalares não repercutiu na mesma intensidade sobre os gastos à conta do subprograma. Isto pode ser explicado pela política de estabelecimento de tetos físicos e financeiros para o atendimento ambulatorial e hospitalar o que, provavelmente, fez que o “ajuste” tenha sido feito na produção de serviços. É importante, também, a constatação de que nos anos em que a disponibilidade financeira é menor, como ocorreu em 1996, um dos subprogramas mais atingidos é o de Controle de Doenças Transmissíveis. Esse subprograma apresentou importante redução dos gastos em 1996, contudo, em 1997 e 1998 apresenta sensível recuperação (Tabelas VIII e IX) Tabela IX - Ministério da Saúde: Distribuição percentual do gasto por subprograma, 1993-1998 Subprogramas Assistência Médica e Sanitária Controle Doenças Transmissíveis Vigilância Sanitária Profiláticos e Terapêuticos EPU Dívida Saneamento Alimentação e Nutrição Administração Outros 1.993 72,06 4,23 0,07 4,20 7,33 0,47 0,32 0,28 8,31 2,74 TOTAL 100 Fonte: Siafi/Sidor. Elaboração: Ipea/Disoc 1.994 59,36 2,30 0,02 2,98 7,11 2,84 0,54 0,44 21,97 2,43 100 1.995 55,89 1,79 0,03 3,55 8,82 8,99 0,40 0,86 17,83 1,85 100 1.996 61,83 1,00 0,03 2,37 10,26 3,45 0,40 0,24 18,50 1,94 100 1.997 59,49 2,55 0,11 3,79 8,35 8,46 0,84 0,55 14,42 1,44 100 1.998 62,78 2,51 0,28 4,06 9,95 3,15 1,44 0,35 14,09 1,40 100 5. Perpectivas para o financiamento da saúde Como viu-se anteriormente, a discussão sobre vinculação de recursos para o custeio do sistema único de saúde – SUS – é antiga. A primeira proposta de vinculação de recursos está no próprio texto constitucional (ADCT). O fracasso daquele dispositivo, que tinha a limitação de referir-se apenas aos recursos federais, foi constatado em sucessivas LDOs. Nesse contexto, começaram a ser apresentadas propostas de emenda constitucional propondo a vinculação de recursos ao setor. A primeira, que emergiu como resposta ao afastamento dos recursos previdenciários do financiamento da saúde foi a PEC 169-A, de autoria dos deputados Eduardo Jorge e Waldir Pires. Por essa PEC, o artigo 198 da Constituição Federal, passaria a ter a seguinte redação: “A União aplicará anualmente, na implementação do Sistema Único de Saúde, nunca menos de trinta por cento (30%) das receitas de contribuições sociais que compõem o Orçamento da Seguridade Social e dez por cento (10%) da receita de impostos”; e “Os Estados e o Distrito Federal e os Municípios aplicarão anualmente, na implementação do Sistema Único de Saúde, nunca menos de 10% das receitas resultantes de impostos”. A proposta procurava definir uma subvinculação de recursos no âmbito da Seguridade Social para a saúde, da mesma forma que garantir a aplicação de um patamar mínimo de recursos por parte de Estados, Distrito Federal e Municípios. O relator da proposta, o deputado Darcísio Perondi, alterou a vinculação para 30% do orçamento da seguridade social, e não somente das contribuições sociais que o compõem, mas rejeitou a obrigatoriedade da União de aplicar 10% da receita de impostos. Além da PEC 169 merecem destaque as propostas apresentadas pelos deputados José Pinotti e pelo deputado Carlos Mosconi. A primeira propõe que o setor público de saúde seja financiado com recursos equivalentes a 5% do PIB do ano anterior. A Segunda (PEC 82/95), propõe a vinculação de recursos de recursos da Cofins e da CSLL para a saúde12. Em 1998, Comissão Especial encarregada de dar parecer à PEC 82-A, tendo como relator o deputado Ursicino Queiroz, elabora substitutivo que procura compatibilizar aspectos das propostas dos deputados Carlos Mosconi, Eduardo Jorge e outros. Após intensas negociações foi aprovada, pela Câmara, em votação de dois turnos a PEC nº 82-C13 Os principais pontos do dispositivo aprovado são os seguintes: a) acrescenta, nos artigos 34 e 35 da Constituição Federal, nova hipótese de intervenção da União nos Estados, Distrito Federal e Municípios e do Estado em seus municípios, no caso de não ser cumprida a aplicação do mínimo previsto de suas receitas em ações e serviços públicos de saúde; b) acrescenta dispositivo ao parágrafo primeiro do art. 156 da Constituição permitindo aos municípios estabelecer progressividade na cobrança do IPTU em função do valor do imóvel e ter alíquotas diferenciadas de acordo com a localização e uso do imóvel; c) condiciona, no art. 160 da CF, a entrega dos recursos transferidos pela União e pelos Estados ao atendimento da vinculação pretendida pela Emenda; d) Admite, no art. 167 da CF, a vinculação de receita de impostos às ações e serviços de saúde14; e) Determina, como regra permanente, no art. 198 da CF, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios aplicarão, anualmente, em ações e serviços públicos de saúde recursos mínimos. No caso dos Estados. Distrito Federal e dos Municípios15 percentuais calculados sobre o produto da arrecadação de impostos e transferências constitucionais. No caso da União, na forma definida nos termos de Lei Complementar; f) Prevê Lei Complementar que será reavaliada pelo menos a cada cinco anos, para estabelecer os percentuais mínimos de aplicação e defina critérios de rateio dos recursos da União vinculados à saúde destinados aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios e dos Estados destinados a seus Municípios, objetivando a progressiva 12 Para maiores detalhes sobre as diferentes PECs, inclusive sobre estimativas de receitas, consultar Marques, Rosa Maria “O Financiamento do sistema público brasileiro” Cepal, Série Financiamento del desarrollo, nº 82, Santiago do Chile, agosto de 1999 e Jaeger, M.L e Carvalho, G, A questão do financiamento suficiente e definitivo para a saúde: As PECs e o ano de 1998, Brasília, mimeo, julho de 1998. 13 No Senado foi transformada na PEC Aglutinativa 186-A e já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça. 14 O texto Constitucional vigente permite apenas a vinculação para a área de educação – para a manutenção de desenvolvimento do ensino. 15 No caso dos Estados e do Distrito Federal, os produto da arrecadação dos impostos a que se refere o art. 155 e dos recursos que tratam os arts. 157 e 159, Inciso I, “a”, e II da CF, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos respectivos municípios. No caso dos Municípios e do Distrito Federal, o produto da arrecadação de impostos a que se refere o art. 156 e dos recursos de que tratam os arts. 158 e 159, inciso I, “b” e parágrafo 3º da CF. redução das disparidades regionais, as normas de fiscalização, avaliação e controle das despesas com saúde nas esferas federal, estadual, distrital e municipal e as normas de cálculo do montante a ser aplicado pela União; g) Insere novo artigo (art. 75) no ADCT, de forma a estabelecer todas as regras para a aplicação dos dispositivos da Emenda enquanto não entrar em vigor a lei complementar que definirá os percentuais de vinculação; h) Define (art. 75, I) que no caso da União, no ano 2000, o total de recursos mínimos aplicado em ações e serviços de saúde será equivalente ao montante empenhado no exercício financeiro de 1999 acrescido de, no mínimo, cinco por cento; do ano 2001 ao ano 2004, o valor apurado no ano anterior, corrigido pela variação nominal do produto interno bruto – PIB; no caso dos Estados e do Distrito Federal os recursos mínimos serão equivalentes a doze porcento do produto da arrecadação de impostos e da transferências constitucionais, deduzidas as parcelas que forem transferidas aos municípios; e no caso dos Municípios os recursos mínimos deverão ser equivalentes a quinze por cento da arrecadação de impostos e dos recursos de transferências constitucionais; i) Estabelece que os Estados, Distrito Federal e Municípios que apliquem menos do que os percentuais previstos, deverão elevá-los progressivamente, até 2004, à razão de pelo menos um quinto por ano; j) Define que a partir de 2000 as aplicações de Estados, Distrito Federal e Municípios serão de pelo menos sete por cento; k) Cria regra que destina para a aplicação nos municípios, em ações e serviços básicos de saúde, no mínimo quinze por cento dos recursos federais vinculados ao setor. A lei disporá sobre o assunto, incluindo o rateio desses recursos segundo o critério populacional; l) Determina que os recursos das três esferas de governo sejam aplicados por meio de Fundo de Saúde que será acompanhado e fiscalizado por Conselho de Saúde; m) Mantém as regras do art. 75 (ADCT), a partir de 2005, caso não seja criada a lei complementar referida no art. 198, parágrafo 3º. Como se vê, a PEC 82-C, ao contrário de propostas anteriores, não propõe a vinculação de fontes ou percentual do orçamento da seguridade social à área da saúde. Estabelece um patamar mínimo, variável no tempo, com base na variação nominal do PIB. Essa mudança foi determinada pela perspectiva de aprovação de proposta de reforma tributária que extingue a maior parte das contribuições sociais que hoje integram o orçamento da Seguridade Social e mantém apenas a vinculação da Contribuição de Empregadores e Trabalhadores sobre Folha de Salários para a previdência social16 Um dos problemas iniciais da PEC 82-A é que não define – o que necessariamente deve ser feito na Lei Complementar – o que se entende por ações e serviços públicos de 16 A proposta aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados vem recebendo severas críticas do Ministério da Fazenda, do Presidente do Senado e de setores empresariais, supondo-se que dificilmente será aprovada em sua atual formulação e até mesmo que a reforma será postergada. saúde. A questão parece ser trivial, mas não é. Por exemplo, no caso da União, qual o critério para se estabelecer o montante de recursos empenhados em 1999, que servirá de base para o cálculo do valor para o ano 2000? O valor do empenho liquidado do Ministério da Saúde? Se incluiriam outros dispêndios em saúde realizados pelo Governo Federal, como os dos Hospitais Universitários e de Ensino mantidos pelo Ministério da Educação, as transferências federais para a manutenção dos serviços de saúde do Distrito Federal, as despesas dos Hospitais Militares, etc? O mesmo problema se apresentará para a definição e acompanhamento das despesas que devem ser feitas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Serão consideradas as despesas feitas na manutenção dos serviços de saúde das previdências estaduais e municipais, com serviços de saúde das Polícias Militares ou somente com serviços de clientela universalizada? Estas definições são importantes, pois no caso de alguns estados, estes gastos são bastante significativos. Ademais, serão computados os gastos com inativos e pensionistas da área da saúde. Poder-se-ia evitar pelo menos em parte essa polêmica, se a PEC tivesse definido que a vinculação era para o custeio dos serviços do sistema único de saúde – SUS. Todas essas indagações levam à necessidade de uma definição do que se entende por ações e serviços públicos de saúde e à criação de um sistema mais adequado de levantamento das despesas setoriais. Como se sabe, apenas as despesas realizadas com recursos do Governo Federal recebem um acompanhamento mais sistemático. A mais recente consolidação do gasto público total em saúde, refere-se ao ano de 1995, e foi elaborada pelo IPEA em 1998 17. Nesse estudo, o gasto público total em saúde foi estimado em R$ 21,7 bilhões, sendo que 63% dos recursos são originários de fontes administradas pelo Governo Federal. A PEC 82-C também tem pontos obscuros. Determina (art. 198, parágrafo 3º, II) que a alocação dos recursos da União para Estados, Distrito Federal e Municípios e dos Estados destinados aos Municípios, obedecerá a critérios de rateio que objetivem a progressiva redução das disparidades regionais. Mas que tipo de disparidade se quer corrigir? Na distribuição dos recursos públicos? Na utilização de serviços? Nas condições de saúde? Logicamente, a depender do resultado que se queira corrigir os parâmetros a serem utilizados serão diferentes. 6. Considerações Finais O debate sobre o financiamento e gasto público em saúde tem privilegiado o debate sobre o volume e a regularidade dos recursos setoriais, principalmente do aporte da União. Mais recentemente começam a entrar em cena questões relacionadas ao financiamento compartilhado do sistema único de saúde, ou seja, a participação efetiva das três instâncias de governo, conferindo uma alocação mais eqüitativa aos recursos públicos. Menos explorada tem sido, contudo, a questão das diferentes formas de financiamento dos serviços no âmbito local, questão mais diretamente relacionada a uma utilização mais eficiente dos recursos. Acredita-se, contudo, que encaminhadas alternativas relacionadas ao macro-financiamento do setor, a discussão sobre o financiamento local ganhará a relevância que deve ter. 17 Fernandes, M.A e outros, Gasto Social das Três Esferas de Governo – 1995, IPEA, TD nº 598, outubro de 1998. 7. Bibliografia Consultada Barros, M. E, Piola, S.F e Vianna, S. M, “Política de Saúde no Brasil: Diagnóstico e Perspectivas”, IPEA, TD 401, fev. 1996. Fernandes, M. A e outros, “Dimensionamento do Gasto Social Federal”, IPEA, TD 547, junho de 1998. __________, “Gasto Social das Três Esferas de Governo – 1995”, IPEA, TD 598, outubro de 1998. Jaegger, M. L e Carvalho, Gilson, “A questão do financiamento suficiente e definitivo para a saúde: As PECs e o ano de 1998”, Brasília, Conselho Nacional de Saúde, mimeo, junho de 1998. Marques, R. M, “O financiamento do sistema público de saúde brasileiro”, Cepal, Série Financiamento del Desarollo, nº 82, Santiago do Chile, agosto de 1999. MS/SAS/SPS, “Análise de alguns aspectos do processo de descentralização do Sistema Único de Saúde”, mimeo, 1999. Câmara dos Deputados, “Proposta de Emenda à Constituição nº 82-C de 1995”, Brasília, novembro de 1999.