EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA TERCEIRA REGIÃO JUDICIÁRIA RENATO NEVES TONINI, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/RJ sob o nº 46.151, com escritório na Rua México nº 90, grupo 501, Centro, Rio de Janeiro, RJ, com fundamento no artigo 5º, LXIII da Constituição da República e no artigo 647 e seguintes do Código de Processo Penal, vem respeitosamente, a Vossa Excelência impetrar a presente ordem de habeas corpus (com pedido de liminar) em favor de SERGIO FRANCISCO DE AGUIAR TOSTES, brasileiro, casado, advogado inscrito na OAB/RJ sob o nº 14.954, com inscrição suplementar na OAB/SP sob o nº 113.089, com escritório na Rua da Assembléia nº 77, 21º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ e na Av. Paulista nº 777, 4º andar, Centro, São Paulo, SP, apontando como autoridade coatora, por imperativo legal, o Juízo da Sexta Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Dinheiro na cidade de São Paulo, e como atos caracterizadores do constrangimento ilegal a determinação de interceptação da linha telefônica utilizada profissionalmente pelo paciente e as quatro prorrogações subseqüentes da interceptação da mesma linha telefônica, todas proferidas nos autos do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7, mas desprovidas de fundamento capaz de ensejar a adoção de medidas probatórias tão extremas e, acima de tudo, constituindo nítida violação à liberdade de defesa e ao sigilo profissional das comunicações telefônicas entre advogado e seus clientes, assegurados pelo artigo 133 da Constituição da República, pelo inciso II e pelo § 6º, ambos do artigo 7º da Lei 8.906/1994, Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil, dispositivo normativo cuja constitucionalidade foi consagrada pelo Supremo Tribunal Federal. Do cabimento do writ A presente impetração propugna o reconhecimento da ilicitude da interceptação da linha telefônica utilizada pelo paciente, medida determinada pelo magistrado de primeiro grau, assim como das sucessivas prorrogações daquele meio de prova ordenadas pela autoridade coatora, ante a ausência de fundamentação válida para sua implantação e por consistirem evidente violação ao sigilo das comunicações telefônicas mantidas entre o cliente e o seu advogado. Como conseqüência da afirmação da inadmissibilidade da quebra do sigilo dessa espécie de comunicação telefônica, esta ação mandamental objetiva o desentranhamento da prova ilicitamente produzida e a sua subseqüente inutilização, tudo na forma do § 3º e do caput do artigo 157 do Código de Processo Penal em vigor. Por fim, o remédio heróico submetido à análise de Vossas Excelências também pretende impedir que o Juízo impetrado volte a afastar o sigilo das comunicações telefônicas mantidas entre o paciente e o seu cliente, determinando a renovação da interceptação das linhas telefônicas por ele utilizadas, sem que estejam presentes indícios de autoria ou de participação e da materialidade da prática de crime, como prescreve o inciso I do artigo 2º da Lei 9.296/96, combinado com o § 6º do artigo 7º da Lei 8.906/94, com a redação dada pela recente Lei 11.767/08. Assim, embora não esteja presente ameaça frontal ao direito de ir e vir, o constrangimento ilegal sofrido pelo paciente está evidenciado, ante a ilicitude da medida adotada pela autoridade coatora no âmbito de procedimento criminal instaurado sob sua presidência, sendo certo que o presente writ também almeja prevenir que novas interceptações sejam ilegalmente determinadas pela autoridade coatora, as quais poderiam resultar na instauração de outro inquérito policial, de procedimento criminal diverso ou mesmo na deflagração de ação penal, todos fundados em prova inadmissível no processo. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal admite expressamente o manejo desta espécie de remédio heróico quando se pretende inibir a produção ou o acolhimento de prova ilícita no processo penal ou no inquérito policial. Vejamos: “EMENTA: I. Habeas corpus: admissibilidade: decisão judicial que, no curso do inquérito policial, autoriza quebra de sigilo bancário. Se se trata de processo penal ou mesmo de inquérito policial, a jurisprudência do STF admite o habeas corpus, dado que de um ou outro possa advir condenação a pena privativa de liberdade, ainda que não iminente, cuja aplicação poderia vir a ser viciada pela ilegalidade contra o qual se volta a impetração da ordem. Nessa linha, não é de recusar a idoneidade do habeas corpus, seja contra o indeferimento de prova de interesse do réu ou indiciado, seja, o deferimento de prova ilícita ou o deferimento inválido de prova lícita: nessa última hipótese, enquadra-se o pedido de habeas corpus contra a decisão - alegadamente não fundamentada ou carente de justa causa - que autoriza a quebra do sigilo bancário do paciente. II. Habeas corpus: decisão equivocada do relator declaratória da incompetência do Tribunal, não gerando preclusão no processo de habeas corpus, pode nele ser retificada de ofício.” (Habeas Corpus nº 79.191/SP, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, publicada no DJ de 08/10/1999, voto unânime). Merece ainda ser salientado que, do modo como ocorreu nos episódios aqui retratados, a pessoa que figurou como paciente no acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal também não era diretamente investigada no procedimento criminal questionado, porém o magistrado a quo decidiu afastar o seu sigilo bancário em desacordo com as normas legais, fato considerado inadmissível pela Corte Constitucional. Esse entendimento restou consolidado em outra decisão da Corte Excelsa, quando foi consagrada a tese da viabilidade do habeas corpus para afastar do processo a prova produzida de modo ilícito, conforme se vê na ementa parcialmente transcrita do acórdão paradigmático: “EMENTA: I. Habeas corpus: cabimento: prova ilícita. 1. Admissibilidade, em tese, do habeas corpus para impugnar a inserção de provas ilícitas em procedimento penal e postular o seu desentranhamento: sempre que, da imputação, possa advir condenação a pena privativa de liberdade: precedentes do Supremo Tribunal.”(Habeas Corpus n° 80.949/RJ, relator Ministro Sepúlveda Pertence, Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, publicada em 14/12/2002, voto unânime. O tema já foi abordado por esse Tribunal Regional Federal da Terceira Região, conforme se verifica no Habeas Corpus nº 95.03.076063-1, decidido por sua Primeira Turma, ocasião em que o órgão julgador dessa corte regional concedeu a ordem para afastar do processo a prova ilicitamente produzida. Como se vê, é inteiramente viável a impetração ora deduzida, eis que se pretende o desentranhamento e a inutilização de prova ilícita já colhida e, pelas mesmas razões, obstar que novas interceptações sejam ilicitamente determinadas para afastar o sigilo das conversas telefônicas mantidas entre o advogado Sergio Tostes e seu cliente Naji Robert Najas, motivos suficientes para ensejar o conhecimento do writ. Considerações iniciais O advogado Sergio Francisco de Aguiar Tostes exerce sua profissão desde 1967, ocasião em que foi admitido na Seccional do antigo Estado da Guanabara da Ordem dos Advogados do Brasil, da qual recebeu a inscrição de nº 14.954. O paciente, mais conhecido no mundo jurídico como Sergio Tostes, graduou-se como mestre em Jurisprudência Comparada pela Universidade de Nova Iorque e em Direito pela Harvard Law School. No início de suas atividades profissionais, foi sócio de um dos principais escritórios brasileiros, assim como foi associado estrangeiro de uma das mais renomadas bancas norte-americanas com sede em Washington, Capital dos Estados Unidos da América. Em abril de 1973, os advogados Sergio Tostes e Edmundo Lins Neto constituíram, na cidade do Rio de Janeiro, uma sociedade civil voltada à prestação de serviços jurídicos. A intenção de associar a expertise internacional desenvolvida pelo paciente com a vasta experiência de Edmundo Lins Neto na advocacia contenciosa resultou na formação de um escritório capacitado para atuar com igual desenvoltura no assessoramento legal a clientes e na representação perante o Judiciário. O escritório adotou a denominação de TOSTES E ASSOCIADOS ADVOGADOS após a aposentadoria de Edmundo Lins Neto e o ingresso do Dr. Olavo Tostes Filho, que exerceu cargos relevantes no Poder Judiciário fluminense tais como desembargador, Corregedor-Geral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e Presidente do Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Rio de Janeiro. A sociedade é hoje gerenciada por Sergio Tostes que, conciliando sua atuação como advogado, ocupou diversos cargos de direção na seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, dentre os quais a Presidência do Tribunal de Ética e Disciplina, órgão máximo da classe cuja finalidade é julgar o comportamento ético dos profissionais da Advocacia. Dos fatos Em virtude de sua qualificação profissional e do renome angariado ao longo do contínuo exercício da advocacia nos últimos quarenta anos, o paciente foi procurado como advogado, em meados de 2007, por Naji Robert Nahas. O objetivo pretendido era que Sergio Tostes analisasse a viabilidade da propositura de demanda cível junto ao Poder Judiciário, no sentido de buscar a reparação econômica e moral decorrentes dos atos ilícitos praticados pela Bolsa de Valores do Rio de Janeiro – BVRJ - e pela Bolsa de Valores de São Paulo – BOVESPA -, fatos ocorridos durante o episódio que marcou o noticiário brasileiro no mês de junho de 1989 e culminou na eclosão de uma grave crise no mercado de ações do Brasil. A conclusão profissional do paciente a respeito da situação fática apresentada por Naji Nahas resultou na confirmação de que, realmente, o consulente havia sido fortemente prejudicado com as ilícitas medidas adotadas pelos dois organismos bursáteis brasileiros, redundando na venda desautorizada de ações pertencentes a Naji Nahas e a outras empresas nas quais esse último é acionista. Segundo a análise realizada pelo paciente, a medida preconizada para reparação da lesão experimentada por Naji Nahas consistia no ajuizamento de ação ordinária de indenização por danos materiais e morais contra a BVRJ e a BOVESPA, a ser movida na justiça estadual do Estado do Rio de Janeiro. O diagnóstico realizado por Sergio Tostes e a estratégia por ele traçada para enfrentar o problema foram acolhidas por seu cliente, de modo que, em 13 de setembro de 2007, Naji Nahas outorgou procuração ao paciente e a outros membros de seu escritório (doc. nº 02) para que propusessem a demanda cível contra os dois órgãos do mercado mobiliário. A petição inicial da ação cível (doc. nº 01) foi instruída com inúmeros documentos, dentre os quais merece especial relevância, pelos motivos que adiante serão conhecidos, os de número 8 e 9 da exordial, que consistem nas páginas 56 e 344 do livro denominado “BM&F – A História do Mercado Futuro no Brasil”, da autoria de Alcides Ferreira e de Nilton Horita, publicado pela Cultura Editores (docs. nº 03 e 04). Assim, a peça inaugural foi distribuída em 02 de outubro do ano passado, dando-se à causa o valor estimado de R$ 10.000.000,00 (dez bilhões de reais), cabendo a análise judicial do feito ao Juízo da Segunda Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, sob o nº 2007.001.167.284-8. A simples propositura da lide causou bastante alarde na mídia, pois inúmeros órgãos da imprensa noticiaram, com grande destaque, a instauração da demanda contra as duas bolsas de valores. Assim, no dia seguinte à distribuição da inicial, aos três de outubro de 2007, a coluna diária mantida pelo jornalista Ancelmo Góis, no jornal O Globo, deu conta da existência da “disputa bilionária” deflagrada por Naji Nahas (doc. nº 05). No dia 04 de outubro de 2007, outros jornais impressos deram grande evidência à inauguração da demanda, como o respeitado Jornal do Commercio, editado na cidade do Rio de Janeiro. Esse órgão publicou extensa reportagem sobre a questão judicial, entrevistando Sergio Tostes como advogado de Naji Nahas e ilustrando a matéria com uma foto do paciente (doc. nº 06). O assunto foi objeto da pauta de diversos outros jornais diários e revistas semanais, dentre eles o Jornal Valor (doc. nº 07), a Gazeta Mercantil (doc. nº 08), o O Globo (doc. nº 09), a Tribuna da Imprensa, a revista Exame (doc. nº 10 ) e a revista Dinheiro (doc. nº 11). O expressivo valor da demanda levou a BOVESPA a incluí-la no seu prospecto de oferta pública de ações como um dos fatores de risco que pairam sobre a entidade, fato também noticiado pelo jornal O Globo (doc. nº 12). A demanda foi aceita pelo Juízo da Segunda Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro, sendo determinada a citação das rés para que contestassem a inicial. Apresentada a contestação, foi designada a audiência de conciliação para o dia 09 de julho de 2008. Contudo, a audiência não se realizou, pois, na manhã de 08 de julho de 2008, o cliente do paciente, Naji Nahas, foi preso por policiais federais que cumpriram o mandado de prisão temporária expedido pela mesma autoridade aqui apontada como coatora. Após ser colocado em liberdade por ordem do Supremo Tribunal Federal e tomar conhecimento de que fora objeto de interceptação telefônica por vários meses, Naji Nahas entrou em contato com seu advogado Sergio Tostes e lhe informou, em 28 de julho de 2008, que as comunicações telefônicas mantidas entre ambos haviam sido interceptadas pelos agentes policiais e que o próprio paciente também se transformara em alvo da investigação criminal por expressa determinação do juízo impetrado. Indignado com a informação dada por seu cliente, Sergio Tostes solicitou cópias do procedimento criminal a Naji Nahas, tendo esse último atendido a sua solicitação, fornecendo as cópias que instruem esta inicial, através da qual se procura dar cobro ao inadmissível meio de prova realizado naqueles autos, desentranhar e inutilizar as provas obtidas ilicitamente, e prevenir que novas interceptações sejam autorizadas pela autoridade coatora em desconformidade com a lei e a Constituição da República. Essa é a necessária síntese dos fatos que interessam à presente impetração. Do constrangimento ilegal Em data ainda desconhecida pelo impetrante e pelo paciente, a autoridade impetrada, provavelmente acolhendo representação formulada pela autoridade policial, determinou que se procedesse à interceptação dos telefones utilizados por Naji Robert Nahas, com a finalidade de apurar eventuais práticas criminosas que teriam sido perpetradas pelos investigados. Deste modo, a interceptação implementada nas linhas telefônicas de Naji Nahas vinha sendo realizada há algum tempo quando, em 14 de setembro de 2007, foi gravada uma conversação telefônica mantida entre a secretária do paciente, Marina, com a assistente de Naji Nahas, Maria do Carmo. O conteúdo dessa conversa gravada foi sintetizado pelo escrivão de polícia responsável pela elaboração do relatório analítico de interceptação telefônica nº 03/2007-STG. No resumo produzido pelo servidor público deve ser destacado o fato de que o investigador reconheceu expressamente a condição profissional do paciente como advogado: “Em 14/09/07, às 18:04:24hs, MARINA secretária de SÉRGIO TOSTES (advogado SÉRGIO FRANCISCO DE AGUIAR TOSTES), liga do Rio de Janeiro e fala com MARIA DO CARMO, secretária de NAJI NAHAS e pede para que este mantenha contato telefônico, pelo seu celular habilitado em Paris, para o celular de SÉRGIO TOSTES (21_8215_2442). MARINA enfatiza que NAJI R. NAHAS deverá ligar num momento de bastante tranqüilidade pois precisam acertar vários detalhes. Respeitando-se o direito a privacidade, transcrevemos abaixo o trecho do diálogo que correspondem a indícios de infração penal:” (fls. 146/147 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada, sublinhado nosso). A interlocução havida entre elas e considerada como algo correspondente a indícios de infração penal foi transcrita da seguinte maneira pelo mesmo escrivão policial encarregado de proceder à análise das interceptações: “MARINA: Tudo bem MARIA DO CARMO? ... você já está de saída .... DO CARMO: estou sim ... MARINA: É do DR. SÉRGIO ... que pediu por gentileza que o DR. NAJI entre em contato com ele pelo celular TIM que eu vou passar. DO CARMO: Quando??? MARINA: Assim que possível ... mas precisaria no momento em que estivesse bastante tranqüilo ... aí, por gentileza para ele ligar do celular de Paris. DO CARMO: É hoje? MARINA: Não ... não, é assim que ele estiver bem calmo ... para conversar com tranqüilidade ... DO CARMO: É o DR. SÉRGIO TOSTES? MARINA: É...” (fls. 146/147 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). O impetrante não consegue inferir como se pôde extrair dessa conversa a conclusão a que chegou o escrivão policial para detectar a presença de indícios de infração penal. Ora, não há nada de errado em querer preservar o conteúdo de conversas telefônicas, principalmente em um país como o Brasil, onde impera a indústria do “grampo telefônico”, fato público e notório que assaca as atividades empresariais aqui realizadas, a ponto de motivar a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara dos Deputados e ser matéria de capa da revista VEJA desta semana. Ademais, a reserva, o segredo e o sigilo são valores essenciais na realização dos negócios e na celebração de contratos em qualquer país do mundo e em todas as áreas da atividade econômica, daí ter sido concebido o conhecido aforismo: o segredo é a alma dos negócios. Na realidade, o que merece ser salientado a respeito do diálogo acima transcrito é que o mesmo ocorreu exatamente no dia seguinte ao da assinatura do instrumento de mandato firmado por Naji Nahas em favor de Sergio Tostes e dos demais advogados de seu escritório (doc. nº 02), ou seja, a procuração foi outorgada no dia 13 de setembro e a conversa foi gravada no dia 14 de setembro de 2007, quando, indiscutivelmente, encontrava-se estabelecida a relação profissional entre o paciente e Naji Nahas. Alguns dias depois, em 17 de setembro de 2007, outro diálogo foi interceptado pelos policiais federais, desta vez entre Sergio Tostes e seu cliente Naji Nahas. Utilizando a mesma metodologia, o escrivão de polícia, novamente ressaltando uma fabulosa existência de indícios de infração penal, assim resumiu a conversa havida entre o advogado e seu cliente: “Em 17/09/07, às 19:13:36hs, SERGIO TOSTES liga para NAJI R. NAHAS e diz que está de posse de uma cópia do livro da BMF e de acordo com a primeira leitura, deverão mudar de estratégia vez que há confissões de que a intenção da BOVESPA era acabar com a Bolsa do Rio. NAJI sugere um encontro para tratar do assunto em um restaurante chamado PORCÃO, perto do aeroporto Santos Dumont, onde poderão conversar. Respeitando-se o direito a privacidade, transcrevemos abaixo o trecho do diálogo que correspondem a indícios de infração penal:” (fls. 153/154 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). O diálogo acima referido foi transcrito da seguinte forma pelo mesmo escrivão policial: “NAJI: Fala Dr. Sérgio.. SÉRGIO TOSTES: Você tá bem NAJI? NAJI: Tudo bem... SÉRGIO TOSTES: Olha... eu estou na sala ... sozinho ... com o DR. ANDRÉ no viva-voz ... eu consegui o livro da BMF ... estava esgotado ... e você vai estar no rio a que horas? NAJI: Eu devo aterrissar à uma hora ... SÉRGIO TOSTES: Ta bem... NAJI: Espero que a gente possa almoçar ... vamos almoçar ali perto do aeroporto... SÉRGIO TOSTES: OK .. eu acho que a leitura do livro da BMF ... eu acho que nós vamos mudar um pouco a estratégia... NAJI: Por que? SÉRGIO TOSTES: Porque o interesse da BOVESPA era acabar com a bolsa do Rio ... isto eles falam expressamente ... tá? NAJI: Eu te falei ... SÉRGIO TOSTES: Pois é ... e fala ... já uma transcrição aqui que usa a seguinte expressão: “nós vamos fuder” a bolsa do Rio NAJI: Você reserva lá? ... SÉRGIO TOSTES: Reservo ... às 13:00 horas eu te espero lá ...” (fls. 153/154 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Ante o conteúdo do diálogo onde o paciente foi apenas referido e daquele em que ele efetivamente participou, a conclusão do relatório analítico de interceptação telefônica de nº 03/2007-STG elaborado pelo policial e datado de 28 de setembro de 2007, no que interessa a esta impetração, considerou necessária a quebra do sigilo telefônico do advogado Sergio Tostes, pois: “Em análise da interceptação da linha 11_3034_1462, observamos que o investigado NAJI R. NAHAS estabeleceu mecanismo de manutenção de diálogos, aparentemente ilícitos, com o uso no Brasil de aparelho cadastrado em Paris/França, tentando burlar qualquer tentativa de investigação contra eventuais ilícitos cometidos pela sua pessoa, se realmente os atos praticados fossem lícitos, não haveria a preocupação de um advogado especialista em contratos internacionais e imobiliários fazer questão de dialogar com NAJI em um celular cadastrado em outro país. Assim, considero necessária a quebra de sigilo telefônico do celular utilizado por SÉRGIO FRANCISCO DE AGUIAR TOSTES ( 21_8215_2442), para melhor apuração dos fatos negociados.” (fls. 158 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Estranhamente, no dia anterior, ou seja, em 27 de setembro de 2007, a sugestão preconizada pelo escrivão de polícia já havia sido encampada pelo delegado federal, pois esse último direcionou o pleito à autoridade coatora através da representação de interceptação telefônica lançada nos seguintes termos: “O Delegado de Polícia Federal, que ora subscreve a presente, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, para, com fundamento na Lei Federal 9.296/96, representar pela interceptação telefônica em desfavor de Sérgio Francisco de Aguiar Tostes, Daniela Maluf, Dorio Ferman, pessoas possivelmente vinculadas com Naji Nahas, e prorrogação da interceptação de Fabrício Vendichetis Martins, Naji Nahas, ROFER Adm. E Contr. Ltda, medida excepcional, porém indispensável para identificar uma eventual organização criminosa, liderada, em tese, por Daniel Valente Dantas, associado a outros envolvidos, do Grup Opportunity, que possivelmente estariam usando o sistema bancário e financeiro nacional e internacional para a prática de lavagem de capitais, evasão de divisas, tráfico de influência e fraudes variadas”. (fls. 141 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Como o delegado federal coordenador da investigação, Protógenes Queiroz, se encontrava ausente do país, a representação de interceptação só veio a ser apreciada pelo Juízo impetrado quando o referido policial retornou ao Brasil. Assim, em 26 de outubro de 2007, aquela autoridade policial renovou o pleito investigatório, utilizando a mesma redação apresentada por seu colega (fls. 180). O pedido do delegado federal mereceu o apoio do Ministério Público Federal e, em seguida, aos 31 de outubro de 2007, a autoridade coatora proferiu sua decisão. Ao procurar explicitar o desiderato da pretensão policial, Sua Excelência, o juiz Fausto Martins de Sanctis, disse que: “Já nos presentes autos objetiva-se a interceptação de comunicações telefônicas de “alvos” que, em tese, teriam relação profissional com o GRUPO OPPORTUNITY. Tal grupo estaria infiltrado em diversos setores econômicos do país, especialmente nos de privatizações, empresas de telefonia, fundos de pensão, portos, mercados de capitais, mercado bancário, mineração, agropecuário e de mineração, utilizando-se de pessoas influentes no meio político. Tais fatos revelariam que o GRUPO OPPORTUNITY contaria com o apoio ostensivo de diversas pessoas influentes nos entes federativos do país. (fls. 204 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Não obstante a imprensa já ter publicado inúmeras reportagens (doc. nº 05 a nº 12) sobre a ação ordinária movida por Naji Nahas, na qual ele foi representado judicialmente por Sergio Tostes, e malgrado a entrevista concedida pelo paciente ao Jornal do Commercio (doc. nº 06) onde afirmou sua condição de advogado de Naji Nahas na demanda por ele movida contra a BVRJ e a BOVESPA, no tocante ao pedido de quebra do sigilo telefônico do paciente, à guisa de fundamentação de sua decisão, Sua Excelência arremedou: “Em outra oportunidade, em diálogo travado com SÉRGIO TOSTES, NAJI NAHAS estaria de posse de uma cópia do livro da BM&F, sugerindo mudança de estratégia (áudio nº 1161219999 20070917191336 1 5990510, pág. 193, referente ao diálogo de 17.09.2007, às 19:13:36hs).” (fls. 205 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Com esse único argumento, a autoridade coatora acolheu integralmente a representação formulada pelo delegado federal e determinou a interceptação da linha telefônica nº (021) 8215-2442 utilizada pelo paciente, o qual passou a ser identificado, nos autos do procedimento criminal, sob a alcunha de “JAGUATIRICA 1”. Contudo, ao menos no que se referiu ao paciente, a decisão monocrática não atendeu ao disposto no inciso I do artigo 2º da Lei 9.296/96, pois o fato apontado pelo magistrado como capaz de permitir a interceptação telefônica do paciente, ou seja, estar Naji Nahas na posse de uma cópia do livro da BM&F e a mudança de estratégia sugerida pelo conteúdo do referido livro, jamais poderia ser encarado como indício de que Sergio Tostes estaria participando de qualquer infração penal. E o absurdo se agigantou ainda mais quando se percebe que o livro mencionado no diálogo interceptado, denominado “BM&F – A História do Mercado de Futuro do Brasil”, cuja posse foi considerada como algo suspeito, tem sua autoria determinada, pois foi escrito por Alcides Ferreira e Nilton Horita, e foi editado pela Cultura Editores. Além disso, conforme se vê nas páginas 10 e 11 da petição inicial da ação cível proposta por Sergio Tostes (doc. nº 01), alguns trechos desse livro foram realmente utilizados para desenvolver as razões de pedir contidas naquela peça e a menção aos excertos daquela publicação, de fato, implicaram na mudança da estratégia inicialmente concebida para a redação do texto da exordial cível assinada pelo paciente. Como se percebe claramente, a mudança de estratégia mencionada no diálogo havido entre Sergio Tostes e seu cliente Naji Nahas, dizia respeito ao modo como a petição inicial deveria ser redigida, para nela serem inseridas as informações colhidas no livro publicado que abordou a história da BM&F. Assim, a par da completa ausência de fundamentação idônea, não cuidou a autoridade coatora de observar que a interceptação por ela determinada tinha como “alvo” o advogado de Naji Nahas, devendo ser digno de nota que essa condição profissional de Sergio Tostes havia sido expressamente declarada pelo policial que havia interceptado o diálogo das secretárias já transcrito neste pedido (fls. 146 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Porém, o desmazelo com o manejo das garantias constitucionais não se restringiu à inadmissível quebra do sigilo das comunicações, pois a avidez de bisbilhotar as conversas telefônicas chegou às raias da irresponsabilidade ao se verificar o modo pelo qual foi prorrogada a interceptação da linha telefônica utilizada pelo paciente. Vejamos. Ao término da quinzena inicial da interceptação telefônica, em 14 de novembro de 2007, foi elaborado mais um relatório analítico de interceptação telefônica, também da lavra do mesmo agente policial, recebendo o nº 04/2007-STG. Nesse documento, o seu autor procurou fazer uma síntese dos diálogos interceptados e, no que é pertinente a Sergio Tostes, o policial assim se manifestou: “Logo após, segundo diálogo entre NAHAS e SÉRGIO TOSTES (em 05/11/07, às 12:51:22 hs, acima resumido), DANTAS teria obtido ajuda de um italiano de nome IGLESIAS para (possivelmente com o fornecimento de cópia do depoimento do próprio DANTAS), fazer publicar uma longa matéria em revista italiana de nome PANORAMA. Matéria essa que tem como fonte os dados fornecidos pelo próprio DANIEL V. DANTAS.” (fls. 244 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Em razão desse fato, o escrivão policial entendeu que deveria ser prorrogada a interceptação da linha telefônica utilizada por Sergio Tostes, porém, ao ultimar sua justificativa, o autor do relatório afirmou expressamente que, durante os quinze dias da interceptação, não havia sido gravado qualquer “áudio” merecedor do interesse da investigação. A completa contradição entre o pedido de prorrogação e a afirmação de que nada de interessante fora captado dos diálogos realizados na linha telefônica de Sergio Tostes, restou estampada da seguinte forma: “VII. 21_8215_2442 – (nome do alvo: JAGUATIRICA 1), somos pela continuidade da interceptação do número que está sendo utilizado por SÉRGIO FRANCISCO AGUIAR TOSTES, pessoa vinculada ao Grupo OPPORTUNITY e que mantém contato com o celular europeu de NAJI ROBERT NAHAS (33_6_32_37_80_60). Não houve na quinzena, por enquanto, áudio de interesse da investigação.” (fls. 242, do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada, grifo nosso). Não obstante a ausência de interesse para a investigação, o delegado federal representou, aos 14 de novembro do ano passado, pela continuidade da interceptação telefônica do “alvo” denominado JAGUATIRICA 1, isto é, da prorrogação da quebra do sigilo da comunicação telefônica de Sergio Tostes (fls. 231 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada), contando com o integral endosso do representante do Parquet Federal. Logo em seguida, em 19 de novembro de 2007, o juiz federal substituto, Márcio Rached Millani, determinou a prorrogação da interceptação telefônica do paciente por mais quinze dias (fls. 252), sem que o nome de Sergio Tostes fosse mencionado na decisão, não aduzindo qualquer argumento ou justificativa para violar as conversas telefônicas do advogado e, tampouco, sem se dar conta de que o próprio agente policial havia afirmado que, na quinzena anterior, nada de interesse para a investigação havia sido detectado na interceptação da linha telefônica de Sergio Tostes. Alguns dias depois, em três de dezembro de 2007, foi apresentado novo relatório analítico de interceptação telefônica, desta vez registrado sob o nº 05/2007-STG, também da lavra do escrivão policial. Desta feita, a análise “empreendida” pelo agente policial reiterou expressamente os termos do relatório anterior, afirmando, mais uma vez, que: “No relatório de análise nº 04/2007-STG, fica demonstrado, segundo diálogo entre NAHAS e SÉRGIO TOSTES (em 05/11/07, às 12:51:22 hs, acima resumido), Que DANTAS teria obtido ajuda de um italiano de nome IGLESIAS para (possivelmente com o fornecimento de cópia do depoimento do próprio DANTAS), fazer publicar uma longa matéria em revista italiana de nome PANORAMA. Matéria essa que tem como fonte os dados fornecidos pelo próprio DANIEL V. DANTAS.” (fls. 295 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada grifo nosso). Mesmo assim, o policial subscritor do relatório de análise insistiu na prorrogação da interceptação da linha telefônica de Sergio Tostes, repetindo exatamente o mesmo texto com o qual lograra a primeira prorrogação, pretendendo dar continuidade à violação do sigilo, mesmo reconhecendo o fato de que, na quinzena, nada de interessante havia advindo daquela interceptação. Eis o texto: “VII. 21_8215_2442 – (nome do alvo: JAGUATIRICA 1), somos pela continuidade da interceptação do número que está sendo utilizado por SÉRGIO FRANCISCO AGUIAR TOSTES, pessoa vinculada ao Grupo OPPORTUNITY e que mantém contato com o celular europeu de NAJI ROBERT NAHAS (33_6_32_37_80_60). Não houve na quinzena, por enquanto, áudio de interesse da investigação.” (fls. 293 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada, grifo nosso). E mais uma vez, a autoridade policial concordou com a proposição do agente policial e, novamente, representou pela prorrogação da interceptação telefônica de Sergio Tostes (fls. 282). Contudo, a intenção manifestada pela autoridade policial encontrou a oposição da representante do Ministério Público Federal que então oficiava junto à autoridade coatora, pois a procuradora da República Adriana Scordamaglia, em 10 de dezembro de 2007, se manifestou contrariamente ao objetivo do delegado federal, dizendo que: “Por isso mesmo, em sendo o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL o titular da ação penal, com exclusividade, cabia à D. Autoridade Policial, ao menos, trazer aos autos o real motivo da necessidade da continuidade das investigações envolvendo as pessoas citadas, já que dos autos não consta nada de concreto que sequer sugira a prática de crime por quem quer que seja.” (fls. 313, do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Entretanto, com a assunção de outro membro do Ministério Público Federal no processo e ante a formulação de idêntica representação formulada pela autoridade policial, o pedido de prorrogação da interceptação telefônica foi submetido à apreciação judicial, contando com parecer favorável do Parquet que então oficiou naqueles autos. Deste modo, em 28 de janeiro de 2008, o juiz federal substituto, Márcio Rached Millani, determinou a prorrogação da interceptação telefônica do paciente por mais quinze dias (fls. 321), sem que seu nome fosse mencionado na decisão, não sendo aduzido qualquer argumento ou justificativa para violar as conversas telefônicas do advogado e, tampouco, sem que seu prolator se sensibilizasse com a seguida afirmação do agente policial de que, na quinzena anterior, nada de interessante para a investigação havia sido detectado na interceptação da linha telefônica de Sergio Tostes. E essa mesma rotina foi cumprida por mais duas vezes naqueles autos: o agente policial repetiu a mesma ladainha em seus relatórios analíticos, sempre defendendo a necessidade da prorrogação da interceptação da linha telefônica de Sergio Tostes, mas afirmando não ter ocorrido nada de interessante para a investigação durante as respectivas quinzenas (fls. 378 e fls. 467 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). O juiz federal Fausto Martin de Sanctis, por sua vez, cumprindo à risca a obrigação legal de decidir o pedido de interceptação em vinte e quatro horas, mas olvidando-se de seu dever de observar as garantias constitucionais aplicáveis tais como a necessidade de fundamentação, a inviolabilidade da conversa do advogado com seu cliente, a liberdade da defesa, dentre outras, deferiu as duas prorrogações sucessivamente apresentadas, sempre sem mencionar o nome do paciente Sergio Tostes e, muito menos, sem apresentar qualquer fundamento, idôneo ou não, que amparasse as violações das comunicações telefônicas por ele determinadas (fls. 412 e 479 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Finalmente, em 31 de março de 2008, o escrivão de polícia autor do relatório analítico nº 03/2008-STG “decide” propor o cancelamento da interceptação da linha telefônica utilizada pelo paciente Sergio Tostes, não sem voltar a afirmar, como um mantra perverso, que “não houve na quinzena, por enquanto, áudio de interesse da investigação” (fls. 526 do procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7 em curso perante a autoridade impetrada). Em 02 de abril do corrente ano, às fls. 550, o juiz federal substituto, Márcio Rached Millani, também sem aludir ao nome do paciente e, tampouco, declinar as suas razões de decidir, determinou o cancelamento da interceptação da linha telefônica pertencente à JAGUATIRICA 1 (fls. 558), isto é, do telefone utilizado pelo advogado Sergio Tostes. Do direito Ao tempo em que estava sendo redigida esta impetração, veio a lume a Lei 11.767, publicada em 08 de agosto de 2008, que deu nova redação ao inciso II e ao § 6º ambos do artigo 7º do Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil. O novel diploma normativo, na verdade, nada inovou no tratamento que a legislação anterior dava ao tema que interessa à presente impetração, ou seja, o tocante à inviolabilidade das comunicações telefônicas havidas entre o advogado e seu cliente. Segundo os novos dispositivos, é inviolável a correspondência telefônica do advogado no exercício de seu múnus, somente sendo permitida a quebra dessa inviolabilidade se presentes indícios de autoria e de materialidade de infração penal cometida pelo próprio advogado. Na forma da disciplina anterior, a inviolabilidade do sigilo profissional das comunicações telefônicas do advogado só seria superada nas hipóteses previstas no inciso I do artigo 2º da Lei 9.296/96 – existência de indícios razoáveis de autoria ou de participação em infração penal – de resto aplicáveis a todas as pessoas indistintamente, não havendo disposição especial dirigida aos advogados. Portanto, tanto agora como antes, para que haja a possibilidade de violação do sigilo das comunicações telefônicas do advogado se faz necessária a presença de indícios de autoria ou participação e de materialidade de infração penal cometida pelo causídico. Deste modo, os ensinamentos da doutrina e da jurisprudência proferidas sob a égide da legislação anterior estão em perfeita consonância com os dispositivos legais que entraram em vigor recentemente. Muito bem. O advogado, segundo estabelece o artigo 133 da Constituição da República, é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei. A advocacia é também função essencial à justiça, não se podendo conceber a atividade jurisdicional sem a sua participação. A atividade advocatícia, portanto, segundo o preceito constitucional acima referido, deve ser realizada de modo livre, sem medo, com a utilização de todos os meios legalmente admitidos, pois o advogado não postula direito próprio e sim representa os interesses de outrem, consistindo a franca prática desse mister em uma das mais relevantes expressões da democracia. Desse modo, quando se fala em prerrogativa do advogado, o que está em discussão, na verdade, são os direitos de qualquer pessoa do povo, na capacidade que cada um tem de postular pelo que é seu, ou de contrariar a vontade alheia, seja ela de natureza privada ou pública. O requisito fundamental para o livre exercício da advocacia é a garantia do sigilo profissional entre o advogado e seu cliente. Sem esse sigilo, não se pode conceber o exercício da defesa de quem quer que seja. Do contrário, para lograr a condenação de alguém, bastaria exigir de seu advogado que expusesse o conteúdo de suas conversas com seu cliente, fato que representaria a completa negação do direito de defesa e a cabal derrocada da democracia. O sigilo também consiste em dever exigido dos advogados e sua infração constitui crime, assim como o seu descumprimento resulta em falta funcional, a ser apurada por seu órgão de classe. Em verdade, como bem destacou o conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcus Vinicius Furtado Coelho, em parecer proferido nos autos do procedimento nº 2007.19.02235-01, processado perante aquela entidade de classe: “A conversa do advogado e seu cliente é o momento solene e impar da relação profissional, albergado sobremaneira pelo postulado constitucional da inviolabilidade. O sigilo deste diálogo é instrumental do direito de defesa, constituindo na mais simbólica e presente expressão do exercício da advocacia. As estratégias de defesa e, até mesmo as confissões decorrentes desses diálogos, não podem ser utilizadas como prova. Tal decorre, por igual, dos princípios da não obrigação do réu à produção de provas contra si e da sua prerrogativa contra a auto-incriminação.” (Processo 2007.19.02235-01 do Conselho Federal da OAB, relator Marcus Vinicius Furtado Coelho, publicado no site Consultor Jurídico em 31/07/2007, grifo nosso). Por estas razões, a Constituição da República assegurou a inviolabilidade do exercício da advocacia, deixando para a legislação ordinária a tarefa de explicitar a maneira pela qual essa garantia deveria ser estabelecida. Com a edição da Lei 8.906/94, o preceito constitucional foi regulamentado, através do inciso II do artigo 7º do referido diploma legal. Através dessa norma, ficou consagrado, dentre outras reservas, que o sigilo das comunicações telefônicas mantidas entre o advogado e seu cliente é verdadeiramente inviolável e insuscetível de qualquer invasão. Através de texto no qual antevia as alterações legislativas que viriam a ser implementadas, o advogado Paulo Lôbo afirmou: “Em nenhuma hipótese pode haver interceptação telefônica do local de trabalho do advogado, ainda que autorizada pelo magistrado, por motivo de exercício profissional. A hipótese prevista no inciso XII do art. 5º da Constituição (ser admitida, por ordem judicial, para fins de investigação criminal ou instrução processual penal) aplica-se apenas à própria pessoa do advogado, por ilícitos penais por ele cometidos, mas nunca em razão de atividade profissional.” LÔBO, Paulo Luiz Netto. Comentários ao estatuto da advocacia e da OAB, 4ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 67. Do mesmo modo se posicionaram Raúl Cervini e Luís Flávio Gomes quando analisaram a Lei 9.296/96, ocasião em que afirmaram ser verdadeiramente impossível a interceptação telefônica da comunicação entre cliente e advogado, aludindo aos ensinamentos do Ministro Vicente Cernicchiaro. In verbis: “Quanto às comunicações entre o investigado e seu Advogado nos alinhamos ao lado dos que proclamam a impossibilidade de interceptação, em princípio. Quem bem enfocou essa questão foi o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, cuja lição merece transcrição: “Evidente, a interceptação não pode colher conversa do indiciado ou do réu, com seu advogado. Vou além. De qualquer pessoa que procure o profissional a fim de aconselhar-se porque praticara uma infração penal. Será contraditório o Estado obrigar o Advogado a guardar segredo profissional e imiscuir-se na conversa e dela valer-se para punir o cliente. O Direito não admite contradição lógica!... A propósito lembre-se o Código de Processo Penal de Portugal, no art. 187.3 – É proibida a interceptação e a gravação de conversa ou comunicações entre o argüido e o seu defensor, salvo se o Juiz tiver fundadas razões para crer que elas constituem objeto ou elementos do crime”. Entenda-se, porém, como interpretam os comentadores portugueses: se houver sérios indícios de o defensor haver participado da atividade criminosa. Nesse caso, não atua como profissional, mas como qualquer outro delinqüente. Conclusão, aliás, resultante da interpretação lógico-sistemática.” (CERVINI, Raúl; GOMES Luis Flávio. Interceptação telefônica, Lei 9.296, de 24.07.06. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997, p. 191). Com efeito. Como vimos no capítulo no qual foi descrito o constrangimento ilegal perpetrado contra Sergio Tostes, as comunicações telefônicas havidas entre o paciente e Naji Nahas tinham como escopo tratar de questões que diziam respeito à atividade profissional exercida pelo advogado em favor de seu cliente. Naquelas conversas, foi abordado o modo pelo qual deveriam ser enfrentados determinados pontos da demanda que estava em vias de ser ajuizada e naquele diálogo estava refletida a preocupação de Sergio Tostes em adequar a nova estratégia a ser estabelecida, ante o conteúdo de um livro publicado no qual estavam registradas determinadas afirmações que foram muito úteis na elaboração da petição inicial da demanda cível patrocinada pelo paciente. Desde que foram realizadas as primeiras conversas interceptadas envolvendo o nome do paciente, em 14 e 17 de setembro de 2007, as autoridades que manejaram os autos do procedimento de interceptação telefônica já sabiam que Sergio Tostes era o advogado de Naji Nahas e que ele e os demais integrantes de seu escritório estavam elaborando a peça que inauguraria a lide movida por Naji Nahas contra a BVRJ e a BOVESPA. Evidentemente, não havia indício ou notícia do cometimento de qualquer espécie de infração criminal nas conversas gravadas pelos agentes policiais, como bem ressaltou a procuradora da República, Adriana Scordamaglia, às fls. 312 daqueles autos. Mesmo assim, a autoridade coatora não teve qualquer pejo em decretar a violação do sigilo da relação profissional existente entre o paciente e Naji Nahas, pois preferiu buscar, varejar, perquirir, prospectar e invadir a privacidade de um advogado e a de todos os seus clientes que com ele mantiveram comunicação naquele período através da linha telefônica interceptada, demonstrando uma volúpia probatória raramente vista na messe forense. Em realidade, a interceptação telefônica determinada pela autoridade coatora consistiu em decisão que afrontou o disposto no artigo 133 da Constituição da República, bem como o inciso II do artigo 7º da Lei 8.906/94, tendo em vista que decretou o afastamento do sigilo da comunicação telefônica do advogado, sem que houvesse quaisquer indícios de que Sergio Tostes tivesse participado de alguma infração penal. E mais. Ainda que o paciente não tivesse sido interceptado no exercício do mister de advogado e mesmo que não ostentasse essa condição profissional, a decisão que decretou a interceptação telefônica seria inteiramente nula, pois desprovida dos requisitos necessários à admissão dessa prova, eis que não evidenciado qualquer envolvimento do paciente na prática de crime, como exige o inciso I do artigo 2º da Lei 9.296/94. No referente às prorrogações, a balda tomou um vulto ainda maior, pois todas aquelas decisões foram decretadas de modo leviano, sem apresentar qualquer espécie de fundamento, ainda que insuficiente ou mentiroso, concretizando um modo de julgar em total desacordo com o inciso IX do artigo 93 da Carta Magna. Porém, a pretensão deduzida neste writ não objetiva, apenas, a declaração da nulidade das decisões que redundaram na interceptação da linha telefônica de Sergio Tostes e das sucessivas prorrogações, embora somente este propósito já fosse suficiente para dar sustentação à impetração do presente mandamus. A proteção pleiteada neste requerimento também diz respeito ao destino que se dará ao resultado da prova colhida em desconformidade com as normas constitucionais e legais aplicáveis, pretendendo a adoção das medidas preconizadas na legislação processual penal que entrou em vigor em 10 de agosto de 2008. Segundo prescreve o atual caput do artigo 157 do Código de Processo Penal, as provas obtidas com a violação de dispositivos constitucionais e legais deverão ser desentranhadas dos autos do processo, devendo ser posteriormente inutilizadas com o acompanhamento das partes, conforme determina o § 3º do mesmo texto legal. E este é o segundo pedido contido nesta impetração. Assim, uma vez reconhecida a inadmissibilidade da quebra do sigilo das comunicações telefônicas, assim como das sucessivas prorrogações da interceptação, esta impetração requer seja determinado o desentranhamento de todas as comunicações telefônicas mantidas entre o paciente e seu cliente Naji Nahas e de todas as demais conversas telefônicas captadas através do telefone utilizado pelo paciente. Ora, a interceptação durou setenta e cinco dias e, embora não tenha captado nada de interessante para a investigação, como expressamente admitiu o policial-ouvidor, certamente devem ter sido captados inúmeros diálogos telefônicos mantidos pelo paciente com outras pessoas e também com outros clientes seus. Pergunta-se: o que foi feito desse material? Qual foi o destino dado a essas conversas? Os áudios contendo setenta e cinco dias de gravações telefônicas do paciente estão nas mãos de quem? São esses os questionamentos cuja resposta só será dada com a concessão deste writ. Assim, o requerimento contido nesta impetração é no sentido de que seja determinado à autoridade coatora o desentranhamento e a inutilização de todas as gravações telefônicas captadas através da abusiva interceptação decretada pelo juízo impetrado. Como já vimos, por conta da relação profissional advocatícia existente entre Sergio Tostes e Naji Nahas, a linha telefônica do paciente foi objeto de longa interceptação telefônica. Conforme a exposição já realizada, ao determinar a quebra do sigilo da comunicação telefônica do advogado com seu cliente, a autoridade coatora vulnerou preceitos constitucionais, assim como normas legais, tornando inadmissível a prova colhida de modo tão vicioso. A autoridade impetrada já demonstrou ser capaz de ignorar ditames maiores, de desprezar a Constituição da República e de fazer pouco caso da lei. Portanto, é bastante plausível o receio do paciente em ter suas comunicações telefônicas novamente vulneradas pelo juízo impetrado, voltando a ser alvo de interceptação telefônica determinada de modo ilícito, violando-se o sigilo profissional consagrado pela Carta Magna e pela legislação infraconstitucional. Em razão dessa concreta possibilidade, este remédio heróico também assume, além do caráter curativo já exposto, efeitos preventivos no sentido de impedir que novas interceptações desprovidas de sustentação legal sejam determinadas pela autoridade impetrada. Assim, o impetrante requer seja concedida a ordem nos exatos termos desta inicial, pelos fundamentos e razões já expostos. Da liminar Como se viu ao longo desta impetração, a fumaça do bom direito é inconteste, tendo em vista as infundadas razões pelas quais a autoridade coatora determinou a interceptação da linha telefônica utilizada pelo paciente, ou seja, o fato de Naji Nahas estar na posse de um livro publicado sobre a BM&F e de ter sido imprimida uma mudança de estratégia em decorrência do conteúdo daquele texto publicado. O perigo na demora da apreciação judicial do presente pedido consiste no fato de que, a cada dia que passa, mais e mais pessoas vêm tendo acesso ao conteúdo dos autos da investigação e ao acervo probatório colhido em função das interceptações telefônicas. Ora, segundo quer acreditar o paciente, no início apenas os policiais, os serventuários, os membros do Ministério Público Federal e os magistrados aqui apontados como autores do constrangimento ilegal tomaram conhecimento do imenso acervo probatório resultante das interceptações telefônicas, somatório que, por si só, representa uma quantidade muita elevada de pessoas. Contudo, neste momento, os inúmeros investigados e seus diversos advogados também conheceram, licitamente, os dados colhidos durante as interceptações, sendo certo que muitos desses causídicos são adversários do paciente em várias outras demandas e estão aptos a tomar conhecimento de todas as conversas que Sergio Tostes manteve ao longo de setenta e cinco dias de interceptação telefônica. Ademais, ao contrário do que afirmou o policial que transcreveu os diálogos interceptados, o paciente jamais foi vinculado ao Grupo Opportunity e, muito menos, a Daniel Dantas. Na verdade, o paciente representou judicialmente interesses contrários a esse grupo e a seu controlador, fato que acentua e recomenda, ainda mais, a necessidade da medida ora pleiteada. Deste modo, o paciente requer a concessão de liminar no sentido de vedar o acesso às transcrições e aos áudios gravados realizados durante o período em que o paciente foi alvo de interceptação telefônica a qualquer outra pessoa, senão a própria autoridade coatora, impedindo que os segredos profissionais de Sergio Tostes sejam levados ao conhecimento de um número indeterminado de pessoas. É o requerimento. Do pedido Sem dúvida nenhuma, a simples exposição dos fatos contidos no procedimento criminal nº 2007.61.81.010208-7, no que pertinem ao paciente, revela a nítida ofensa ao seu sigilo profissional e ao de todos os seus clientes. Todavia, o abuso perpetrado não se esgota nos lindes da atividade advocatícia de Sergio Tostes, pois a forma como a autoridade coatora procedeu para determinar a interceptação telefônica, e as subseqüentes prorrogações, condensa evidente agressão não só ao paciente, mas a toda classe dos advogados brasileiros. O juízo impetrado, mesmo ciente de que o “alvo” da interceptação se tratava de um advogado e de que ele representava judicialmente um dos investigados, determinou a quebra do sigilo sem qualquer cautela, sequer fazendo ou ordenando que fosse feita consulta processual aos sítios de acompanhamento processual da justiça estadual ou federal no Estado do Rio de Janeiro para averiguar a relação existente entre Sergio Tostes e Naji Nahas. Como se vê, a autoridade coatora descumpriu todas as cautelas impostas pela Lei 9.296/96 para permitir o afastamento da garantia constitucional, como revela a ligeireza com que a medida invasiva foi determinada. Na verdade, a maneira como agiu a autoridade impetrada mais se assemelha ao comportamento de alguém comprometido com o estado policial e não com o Estado Democrático de Direito. Assim, a presente impetração propugna o reconhecimento da ilicitude da interceptação da linha telefônica utilizada pelo paciente, bem como das sucessivas prorrogações daquele meio de prova, todas ordenadas pela autoridade coatora, ante a ausência de fundamentação válida para sua implantação e por consistirem evidente violação ao sigilo das comunicações telefônicas mantidas entre o cliente e o seu advogado. Como conseqüência da afirmação da inadmissibilidade da quebra do sigilo de comunicação telefônica, esta ação mandamental pede o desentranhamento da prova ilicitamente produzida e a sua subseqüente inutilização, tudo na forma do § 3º e do caput do artigo 157 do Código de Processo Penal em vigor. O remédio heróico submetido à análise de Vossas Excelências também requer que o juízo impetrado se abstenha de novamente afastar o sigilo das comunicações telefônicas mantidas entre o paciente e seu cliente, determinando a renovação da interceptação das linhas telefônicas por ele utilizadas, sem que estejam presentes indícios de autoria ou de participação e da materialidade da prática de crime, como prescrevem o inciso I do artigo 2º da Lei 9.296/96, combinado com o § 6º do artigo 7º da Lei 8.906/94, com a redação dada pela recente Lei 11.767/08. Em virtude do nítido abuso de autoridade verificado no proceder dos dois magistrados mencionados nesta petição, o impetrante pede que sejam extraídas cópias deste requerimento e dos documentos que o acompanham para encaminhamento ao Ministério Público Federal e à Corregedoria desse Tribunal Regional Federal da Terceira Região para que sejam adotadas as medidas cabíveis para a respectiva apuração criminal e funcional dos fatos imputados. Deste modo, requer seja deferida a liminar e, ao final, seja concedida a ordem, ocasião em que Vossas Excelências estarão fazendo a habitual J U S T I Ç A! Do Rio de Janeiro para São Paulo, 11 de agosto de 2008 RENATO NEVES TONINI SERGIO TOSTES OAB/RJ 46.151 OAB/RJ 14.954