Painel: Desafios do lado da despesa e possíveis alternativas O financiamento da política pública de saúde Sérgio Francisco Piola 9º Congresso de Gestão Pública do Rio Grande do Norte Natal, 13 de agosto de 2015. O financiamento da política pública de saúde A ideia é falar do financiamento do setor saúde no Brasil, com ênfase nos problemas de financiamento do seu segmento público – Sistema Único de Saúde (SUS). O sistema de saúde do Brasil ( público e privado) é bastante singular: (1) o caso da repartição do financiamento O gasto é predominantemente privado, apesar da existência de um sistema público universal de atendimento integral – Sistema Único de Saúde( SUS), desde 1988; A participação do setor público no gasto total é baixa, quando comparada a outros países de renda similar, embora venha aumentando: era de 44% em 2000 e em 2012 foi de 47,5%. Como percentual do PIB o gasto com saúde do Brasil não é baixo. Gasto total em 2012 – 9,5% do PIB: 4,5% Publico e 5,0% Privado (WHO/WHS, 2015) 9,5% do PIB não é pouco. O que difere é a participação pública. (1) participação pública – 47,5% do gasto total; (2) gasto privado – 52,5% do gasto total. Em 2012 a participação do gasto público no gasto total foi de 71,7% na Espanha; 64% em Portugal, e de 84% no Reino Unido. Nos países de renda média alta foi, em média, de 56,2%. (WHO, WHS, 2015) Financiamento Público no gasto total, por grupo de países, por faixa de renda (Brasil esta no grupo renda média alta) O sistema de saúde do Brasil é bastante singular: (2) o caso da renúncia fiscal Apesar de serem inferiores aos recursos privados, os recursos públicos não se destinam somente ao SUS, a que todos os brasileiros têm direito. Por meio da renúncia fiscal acabam beneficiando os usuários do segmento privado. É a possibilidade de abater os gastos com saúde do valor tributável pelo Imposto de Renda; Como dito, o financiamento público perpassa todos os segmentos que compõem o sistema nacional via renúncia fiscal O gasto público não se direciona só para o SUS A renúncia fiscal estimada na área de saúde em 2015 é de R$ 25 bilhões; em todas as áreas supera do R$ 200bi Do total de R$ 25 bi: R$ 16 bilhões são derivados de abatimentos de empresas com assistência médica, odontológica a empregados (R$ 4,2 bilhões) e R$ 11,8 bilhões são abatimentos de despesas médicas de pessoas físicas; (R$ 16,0 bilhões) O restante é renúncia derivada de isenções para entidades sem fins lucrativos (R$ 3,4 bilhões), Medicamentos (R$ 4,4 bilhões) e Produtos Químicos e Farmacêuticos (0,9 bilhão); A renúncia fiscal na assistência médica é criticável do ponto de vista distributivo. Mas nem todos percebem isso como um problema. O sistema de saúde do Brasil é bastante singular: (3) participação elevada do gasto privado direto O gasto privado direto das famílias ainda é muito elevado: cerca de 30% do gasto total; (restante: planos privados, 21,4% e publico, 47%) No gasto direto das famílias: Entre os mais pobres, a maior parcela do gasto é com medicamentos; Nas faixas com renda mais elevada: maiores gastos com planos de saúde, medicamentos e tratamento odontológico. Gasto da Famílias com saúde: POF 95/96; 2002/03; 2008/09. Fonte: Garcia, Leila et al. (Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 1, Jan. 2013) A saga do financiamento do SUS O SUS vem em busca de financiamento adequado as suas responsabilidades constitucionais, desde sua criação em 1988. Muitas foram as tentativas de garantir um volume mais adequado de recursos para o SUS: vincular 30% do OSS foi a primeira tentativa; criação da CPMF em 1997; Emenda Constitucional 29/2000; A saga do financiamento do SUS Por outro lado, diversas situações e medidas contribuíram para o (des)financiamento do SUS: Não observância da destinação de 30% do OSS; Retirada dos recursos da Previdência (1993); Desvinculação de receitas FSE/FEF/DRU (atingiu a seguridade social); Demora na regulamentação da EC 29/2000; Artifícios para reduzir base da vinculação (alguns estados); Incentivos à assistência médica privada (renúncia fiscal IR); EC 86/2015 – do Orçamento Impositivo, sobre a qual falaremos mais adiante. Os resultados (positivos) da EC 29/2000 O gasto com ações e serviços públicos de saúde passou de 2,95% do PIB em 2000 4,5% em 2014; (mais de 1% do PIB); A participação de Estados e Municípios no financiamento do SUS passou de 40,2% do gasto total em 2000 para 57% em 2014; Mas a EC 29 poderia ter tido melhores resultados, se a regulamentação não tivesse demorado tanto (mais de 10 anos) e se o Governo Federal não tivesse transformado o que deveria ser piso teto de sua participação. O debate por mais recursos para o SUS O debate em torno de mais recursos para o SUS foi reativado em 2007 (após a extinção da CPMF) e em 2012 por ocasião da regulamentação da EC 2000 (LC 141/2012); Na regulamentação a regra de vinculação dos recursos da União não foi alterada, como se era desejado. Movimentos para indexar a participação federal à 10% Receita Corrente Bruta (Saúde + 10) ou à equivalente da Receita Corrente Líquida (RCL) não tiveram sucesso; Mas por que a pressão é por mais recursos federais para o SUS? Porque a participação da União no financiamento já foi maior; Porque, apesar das três esferas terem feito esforço similar em termos quantitativos no período 2000 a 2011, o gasto federal com saúde estagnou como proporção do PIB; (ficou em torno de 1,8% do indicador) Como % da Receita Corrente Bruta da União o gasto federal diminuiu desde 2001; (ficava em torno de 8%, baixou para 7%) Porque Estados e Municípios (a grande maioria) já aplica mais do que o piso previsto. (12% da receita própria estados e 15% da receita própria, municípios). No RN em 2014, Estado quase 14%, municípios 60% mais de 20%) Gastos federais com ações e serviços públicos de saúde (SUS) diminuem como percentual da Receita Corrente Bruta da União - em torno de 8% em 1999/2000 para 7% 10,00% 9,64% 9,50% 9,00% 8,82% 8,42% 8,50% 8,06% 8,17% 7,91% 8,00% 7,61% 7,51% 7,41% 7,50% 7,33% 7,07% 7,06% 7,00% 6,98% 6,95% 6,82% 6,66% 6,50% 6,00% 1995 1996 1997 1998 1999 2000 Fonte: SPO/MS e STN Nota: Os valores de 2010 ref erem-se à previsão atualizada de receita e despesa. 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 % Despesa ASPS (com FCEP) / RCB 2008 2009 2010 A EC 86/2015 – modificação recente na regra de vinculação de recurso da União para o SUS Com a EC 86/2015: o piso das aplicações federais no SUS serão percentuais crescentes da Receita Corrente Líquida (RCL), ao longo de 5 anos (13,2% em 2016 até 15% em 2020); O problema maior é que, com a retração da RCL, o SUS poderá ter em 2016, 2017... piso federal inferior ao que teria pela regra anterior; Em 2016, com crescimentos nominais de 7,% e 6,5% do PIB em 2014 e 2015, 13,2% da RCL daria R$ 96 bi, pela regra anterior seriam R$ 105 bi (nova regra menos R$ 9 bilhões – Estimativas de Funcia – Assessor do CNS, São Paulo, em 26/06/2015) A EC 86/2015 – modificação na regra de vinculação de recurso da União para o SUS • A aprovação da EC 86/2015 trouxe outros efeitos adversos: • A nova regra está na CF e exige quórum qualificado (de 3/5) para qualquer alteração; antes alterações poderiam ser feitas por Lei Complementar (que exige maioria simples) • Com a nova regra perderam-se os recursos adicionais (royalties da exploração de gás natural e petróleo); pelo EC 86 serão incluídos no piso. • As Emendas individuais de parlamentares passaram a ser impositivas (1,2% da RCL do ano anterior, sendo 50% para a saúde); Mais recursos para o saúde? Reflexão necessária Mais recursos depende de reformas na área tributária e institucional que favoreçam o desenvolvimento do país; Depende da imagem que a sociedade (população, políticos, etc) projetar para o SUS: para todos ou só para os mais pobres. É necessário discutir, de forma transparente, o bolo orçamentário total, não só a chamada despesa discricionária. É possível diminuir o pagamento de juros e encargos da dívida? Existe espaço para novas fontes? (Imposto sobre heranças, grandes fortunas, etc) Como ser mais seletivo na renúncia fiscal? O que fazer para melhorar a gestão micro e macro sistêmica do SUS? (não adianta mais dinheiro, para fazer o mesmo) O que parece ruim, ainda pode piorar – proposta do documento Agenda_Brasil - Senado Avaliar possibilidade de cobrança diferenciada de procedimentos do SUS por faixa de renda. Considerar as faixas de renda do IRPF; (comentário: não serve para moderar demanda, nem para trazer recursos adicionais) Aperfeiçoar o marco jurídico e o modelo de financiamento da saúde. Avaliar a proibição de liminares judiciais que determinam o tratamento com procedimentos experimentais onerosos ou não homologados pelo SUS. (comentário: não se tem informações sobre quais seriam os aperfeiçoamentos, mas a questão da judicialização é certamente importante); Para finalizar... deve-se lembrar Saúde não é só assistência médica; Fazer saúde é atuar sobre seus determinantes (renda, trabalho, educação) e seus condicionantes (saneamento, nutrição, violência, serviços de saúde); Com relação aos serviços, sistemas orientados para atenção primária, com integração de serviços, produzem melhores resultados, a custos menores, conforme mostra a experiência de diversos países. Obrigado! Sérgio Francisco Piola, médico, especialista em saúde pública, pesquisador do NESP/UNB e sóciofundador da Associação Brasileira de Economia da Saúde – ABrES [email protected]