ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS
Cadernos de
ratégicos
(Editados desde 2006)
2012/Nº 11
1
Cadernos de Estudos Estratégicos
Cadernos de Estudos
Estratégicos
n. 11 / 2012
Irregular
ISSN 1808-947x
1. Cultura. 2 Relações Internacionais. 3 Modernidade.
4. Axiologia. 5. Praxiologia. 6. Polemologia. 7. Cratologia.
Segurança.
Os Cadernos de Estudos
Estratégicos são publicados de
forma irregular pela ESCOLA
SUPERIOR DE GUERRA, do Rio
de Janeiro. Com tiragem de 1.000
exemplares, circula em âmbito
nacional e internacional.
Co m a n d a n t e e D i r e t or d e E s tudos
Almirante de Esquadra
Eduardo Bacellar Leal Ferreira
Subcomandante e Subdiretor de Estudos
Major-Brigadeiro do Ar
Stefan Egon Gracza
Diretor do Centro de Estudos Estratégicos
General de Brigada R/1
José Eustáquio Nogueira Guimarães
Conselho Editorial
Professor Doutor Jorge Calvario dos Santos
Professora Doutora Maria Célia Barbosa Reis da Silva
Doutorando José Cimar Rodrigues Pinto
Professor Doutor Fernando da Silva Rodrigues
Editor Responsável
Professora Doutoranda Jaqueline Santos Barradas
Professora Doutora Maria Celia Barbosa Reis da Silva
Revisão Editorial
Professora Doutora Maria Célia Barbosa Reis da Silva
Jornalista Maria da Glória Chaves de Melo
Diagramação e Arte Final
Anério Ferreira Matos
Projeto, Produção Gráfica e Impressão
Gráfica da Escola Superior de Guerra
Os artigos publicados pela revista são de exclusiva responsabilidade de seus
autores, não expressam, portanto, o pensamento da Escola Superior de Guerra.
2
SUMÁRIO
EDITORIAL
5
RESPONSABILIDADE AO PROTEGER: UMA ALTERNATIVA BRASILEIRA
ÀS INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS POLÍTICAS?
7
Carlos Chagas Vianna Braga
UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA - UPP: RESISTÊNCIA DOS
JOVENS, UMA QUESTÃO PSICOSSOCIAL RELEVANTE
31
Kátia Magalhães Lage de Aguiar Mariz
INTERVENÇÃO JUDICIAL NA PUNIÇÃO DISCIPLINAR: IMPLICAÇÕES 60
Marcelo de Nardi
OS REFLEXOS DOS PARADIGMAS DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA
PARA EXPORTAÇÃO DE PRODUTOS DE DEFESA NACIONAIS DE 1974 A 2011 80
Gelson De Souza
INFRAESTRUTURA NACIONAL DE DADOS ESPACIAIS: A PRODUÇÃO
DE INFORMAÇÕES GEOESPACIAIS VOLTADA AO DESENVOLVIMENTO,
SEGURANÇA E DEFESA
115
La-Fayette Côrtes Neto
A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL: ENTIDADE PÚBLICA DE ENSINO
DE EXCELÊNCIA
133
Francisco José Leitão dos Santos
Normas para SUBMISSão de Artigos PARA As Revistas
da ESG Cadernos de Estudos Estratégicos
Rio de Janeiro
3
n. 11
p. 1-152
149
jan./dez. 2012
4
EDITORIAL
Os seis artigos que compõem este número dos Cadernos de
Estudos Estratégicos são parte de pesquisa individual, em curto prazo,
realizada pelos estagiários do Curso de Altos Estudos de Política e
Estratégia (CAEPE) no ano letivo de 2012.
O artigo inicial – intitulado Responsabilidade ao proteger: uma
alternativa brasileira às intervenções humanitárias políticas?, de Carlos
Chagas Vianna Braga – aborda o impasse entre as normas legitimadoras
das intervenções humanitárias como o conceito de Responsabilidade de
Proteger, aprovado pela Organização das Nações Unidas, em 2005, e a
interferência dos interesses particulares das potências nas intervenções
humanitárias.
O artigo subsequente – Unidade de Polícia Pacificadora - UPP:
resistência dos jovens, uma questão psicossocial relevante, de Kátia
Magalhães Lage de Aguiar Mariz – explana acerca de assunto em destaque
na mídia do Brasil e, principalmente, na da cidade do Rio de Janeiro:
Unidade de Polícia Pacificadora. A autora enfatiza o comportamento
dos jovens diante da segurança pública, dos valores de cidadania e de
defesa nacional e, também, enfoca a participação efetiva dos jovens,
com propostas e recomendações, direcionadas às políticas educacional
e de segurança.
O terceiro texto – Intervenção judicial na punição disciplinar:
implicações, de Marcelo de Nardi – ratifica o quanto a hierarquia
e a disciplina, presentes no ambiente militar, são essenciais para
o cumprimento da finalidade das Forças Armadas, traduzida,
primordialmente, na atividade de defesa da pátria. Sobre a questão
hierárquica e disciplinar, há um embate entre atos administrativos e a
possível intervenção judicial.
O texto – Os reflexos dos paradigmas da política externa brasileira
para exportação de produtos de defesa nacionais de 1974 a 2011, de
Gelson de Souza – expõe o resultado parcial de um estudo comparativoqualitativo dos reflexos na indústria de defesa, calcados em três diferentes
paradigmas da política externa brasileira, enfatizando o ambiente geral
para as exportações de produtos de defesa. A pesquisa tem como
objetivo comparar os reflexos da política externa brasileira, de tradição
pacifista, sobre as exportações de produtos de defesa.
5
O quinto texto – Infraestrutura nacional de dados espaciais: a
produção de informações geoespaciais voltada ao desenvolvimento,
segurança e defesa, assinado por La-Fayette Côrtes Neto – discorre acerca
da produção e do uso de informações geoespaciais no Brasil voltadas
ao desenvolvimento, à segurança e à defesa, com vistas a demonstrar a
potencial utilização da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais – INDE
no desenvolvimento, na segurança e na defesa nacionais.
O estudo final – A universidade da aviação civil: entidade pública
de ensino de excelência, de autoria de Francisco José Leitão dos Santos
– trata da necessidade de capacitação profissional para a Aviação Civil e
visa identificar o motivo pelo qual há entraves que impedem a formação
de excelência do profissional de aviação no Brasil, que precisa entrar
em sintonia com os modernos recursos tecnológicos que equipam as
aeronaves fabricadas atualmente pela indústria brasileira e mundial.
Temas diversos, mas convergentes no que concerne ao escopo
temático de interesse da Escola Superior de Guerra. Assuntos polêmicos
que hão de suscitar questões em nossos leitores para além das páginas
escritas e encerradas em um artigo. Os assuntos aqui debatidos devem
se prolongar para lá do lido e, quem sabe, instigar novas escritas.
Boa leitura.
6
RESPONSABILIDADE AO PROTEGER:
UMA ALTERNATIVA BRASILEIRA ÀS
INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS POLÍTICAS?
Carlos Chagas Vianna Braga*
RESUMO
Nos últimos anos, principalmente após tragédias, como as ocorridas em
Ruanda e Somália, as intervenções humanitárias ganharam papel de
destaque no campo das relações internacionais. Tal situação levou à busca
de construção de normas universais que legitimassem essas intervenções,
como o conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P), aprovado pela
ONU durante o World Summit de 2005. Entretanto, verifica-se que tais
intervenções, muitas vezes, acabam sendo orientadas por interesses
particulares das grandes potências. A recente intervenção na Líbia, por
exemplo, extrapolou, em muito, as justificativas humanitárias iniciais.
Em setembro de 2011, o Brasil, preocupado com as implicações de tais
intervenções, apresentou na Organização das Nações Unidas (ONU) o
inovador conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP). Assim, o
presente artigo procura avaliar como o conceito de Responsabilidade
ao Proteger pode ser considerado uma alternativa viável para conter e
limitar o avanço do caráter político das intervenções legitimadas pela
R2P.
Palavras-Chave: Intervenções Humanitárias. Guerra. Operações de Paz.
Soberania. Responsabilidade de Proteger (R2P). Responsabilidade ao
Proteger (RwP).
ABSTRACT
During the last years, mainly after great humanitarian tragedies, such as
those occurred in Rwanda and Somalia, humanitarian interventions have
acquired a preeminent role in the field of international relations. This
__________________
* Capitão de Mar e Guerra do Corpo de Fuzileiros Navais da Marinha do Brasil - doutorando em
Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e mestre em Military Studies pela Marine Corps University, EUA. Concluiu o Curso de Altos Estudos de
Política e Estratégia (CAEPE) da Escola Superior de Guerra em 2012.
7
situation resulted in an attempt to construct universal norms to legitimize
those interventions, such as the concept of Responsibility to Protect (R2P),
approved by the UN during the 2005 World Summit. Nevertheless, one
can argue that humanitarian interventions are often determined by the
specific interests of the great powers. The recent intervention in Libya, for
example, has seriously extrapolated its initial humanitarian justifications.
In September 2011, Brazil presented in the United Nations the innovative
concept of Responsibility while Protecting (RwP). Therefore, this paper
intends to evaluate how the concept of Responsibility while Protecting (RwP)
may be considered a viable alternative in order to contain and establish
limits to the political character of some humanitarian interventions which
are legitimized by R2P.
Keywords: Humanitarian Intervention. Guerra. Peacekeeping. Sovereignty.
Responsibility to Protect (R2P). Responsibility while Protecting (RwP).
1 INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, principalmente após o fim da Guerra Fria e
após tragédias humanitárias como as ocorridas em Ruanda e Somália,
as intervenções humanitárias ganharam papel de destaque no campo
das relações internacionais, levando inclusive a certa “relativização”
do conceito vestfaliano de soberania1. Com base em princípios,
pretensamente universais, de proteção de civis, tais intervenções vêm
ocorrendo com frequência, como nos casos do Kosovo, do Iraque e da
Líbia.
Autores construtivistas, como Martha Finnemore (2003),
defendem que uma nova norma de intervenções humanitárias teria
surgido, legitimando tais intervenções. A aprovação do conceito de
Responsabilidade de Proteger (R2P), durante o United Nations World
Summit de 20052, que vem sendo utilizado como justificativa para
algumas das mais recentes intervenções e que será discutido no presente
trabalho, certamente contribui para reforçar tal entendimento.
1 Em 1648, o Tratado de Vestfalia marcou o fim da Guerra dos Trinta Anos e o surgimento de uma
ordem mundial que passou a ser conhecida como ordem vestfaliana. A partir dessa ordem,
soberania passou a representar, para um estado, autoridade legal, política, exclusiva e suprema,
no interior de suas fronteiras.
2 Reunião de Cúpula da Organização das Nações Unidas, realizada em 2005, na qual o conceito de
Responsabilidade de Proteger foi aprovado por todos os países membros.
8
Por outro lado, a análise das intervenções (ou não intervenções)
humanitárias ocorridas nos últimos anos parece apontar para uma
perigosa preponderância de interesses específicos de grandes potências
em relação aos interesses universais de proteção da pessoa humana.
Em 2011, a intervenção na Líbia, por exemplo, extrapolou, em muito,
as justificativas humanitárias iniciais, evidenciando o caráter político de
algumas dessas intervenções e levantando uma série de outras dúvidas,
até mesmo no que se refere à própria eficácia na proteção da população
civil. Ou seja, as intervenções humanitárias acabam sendo norteadas, em
última análise, por interesses específicos e políticos, negando, portanto,
uma pretensa universalidade de princípios. Por que intervir na Líbia e
não intervir em Darfur?
Em setembro de 2011, o Brasil, preocupado com as implicações
políticas e humanitárias de tais intervenções, apresentou na Organização
das Nações Unidas (ONU) o conceito de Responsabilidade ao Proteger
(RwP). Tal conceito pode ser interpretado como um aperfeiçoamento
do conceito de Responsabilidade de Proteger, que vem sendo utilizado
como justificativa para as intervenções mais recentes, uma vez que busca
assegurar maior transparência e controle na condução das intervenções,
ao mesmo tempo em que se preocupa, primordialmente, com os
resultados específicos no que se refere à possibilidade real de sucesso
na proteção dos civis sob ameaça, quando comparada à possibilidade de
agravamento da situação.
Assim, este artigo se propõe a discutir como o conceito de
Responsabilidade ao Proteger, proposto pelo Brasil, pode ser considerado
uma alternativa viável para conter e limitar o avanço do caráter político
das intervenções humanitárias legitimadas pela R2P.
Este artigo, valendo-se de extensa pesquisa documental
e bibliográfica, está estruturado em quatro partes principais.
Primeiramente, apresenta uma discussão sobre as intervenções
humanitárias e o surgimento do conceito de Responsabilidade de
Proteger (R2P). Em seguida, uma abordagem clausewitziam (2007)
permite realizar uma análise comparativa entre as operações de guerra
e as operações de paz, com foco especial no caráter político e no uso
da força. Tal discussão possibilita compreender como as intervenções
humanitárias e a “evolução” das operações de paz, com a inclusão de
maior uso da força, contribuíram para tornar mais turvas as fronteiras
9
entre tais operações e as operações de guerra. A terceira parte apresenta
o conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP), suas implicações e
debates. Finalmente, procura discutir o conceito de Responsabilidade
ao Proteger (RwP), como uma alternativa viável, que poderá permitir a
aplicação e o aperfeiçoamento da Responsabilidade de Proteger (R2P),
evitando que esta se torne simplesmente uma norma legitimadora das
intervenções humanitárias políticas.
2 INTERVENÇÕES HUMANITÁRIAS E A RESPONSABILIDADE DE PROTEGER
(R2P)
Pode-se dizer que, desde a Paz de Vestfalia e da criação do estado
moderno, as considerações humanitárias haviam sido sacrificadas
em benefício da cidadania, de modo a permitir a sobrevivência e a
soberania do estado e, principalmente, a estabilidade do sistema
internacional (LINKLATER, 2007 p.81). O estado moderno seria, segundo
Max Weber (2004, p.33), “a forma de comunidade que reivindica (com
sucesso) o monopólio do uso legítimo da força física em um território
particular [...] O estado é visto como a única fonte do ‘direito’ ao uso
da violência.” Jens Bartelson (2010, p.82), considerando a questão
da legitimidade, identifica uma “dupla ligação” entre a autoridade
política e o uso da força. Assim, princípios como a não intervenção e a
autodeterminação tornaram-se regra geral, sendo, em 1945, reiterados
pela Carta das Nações Unidas. As preocupações com os direitos
humanos permaneceriam, portanto, em segundo plano durante todo
o período da Guerra Fria, apesar da própria Carta das Nações Unidas
também deixar clara sua primazia ou mesmo da promulgação da
Declaração Universal dos Direitos Humanos em 1948.
Entretanto, na década de 1990, as preocupações humanitárias
ganharam definitivamente papel de destaque na agenda internacional. A
introdução das populações e dos indivíduos como objetos de referência
para a segurança internacional juntamente com a mudança na natureza
dos conflitos de interestatais para intraestatais trouxeram profundas
alterações no equilíbrio cidadania x humanitário (WHEELER, 2006, p.3233), abalando fortemente as noções de soberania.
A maior parte desses conflitos intraestatais, nos quais atores
da comunidade internacional, ao decidirem intervir, acabam tratando
10
a população ou o indivíduo como objeto de referência, recebe a
denominação de intervenções humanitárias. Existem diferenças
basilares entre os conceitos de assistência humanitária e de intervenção
humanitária, não pelos propósitos, mas pelos meios empregados.
As intervenções humanitárias podem ser definidas como ingerências
armadas de um Estado, grupo de estados ou Organismo Internacional em
território de outro Estado, para reprimir violações de direitos humanos
ou humanitários (SANDOZ, 1992, p. 225-237).
Ainda que as intervenções estrangeiras, de maneira geral e por
diferentes motivações, sempre tenham estado presentes nas relações
internacionais, foi na década de 1990, que os aspectos humanitários e
de direitos humanos cresceram de importância como justificativas para
tais intervenções (FINNEMORE, 2003, p. 21).
Ao colocar indivíduo e populações como objetos de referência da
segurança, as intervenções humanitárias ocorrem em situações nas quais
supostamente “o próprio estado, longe de ser um provedor de segurança
como na visão convencional, tem sido muitas vezes uma fonte primária
de insegurança” (WALKER, 1993, p. 11), podendo vir a representar uma
ameaça para os mesmos indivíduos que deveria proteger. Assim, ficam
claras as tensões entre os princípios de não intervenção e soberania
(que regem a segurança dos estados) e as noções de direitos humanos
universais (que têm como aspecto central a segurança humana e que
passaram a servir como justificativa para o aumento do número de
intervenções humanitárias).
Em 1999 e em 2000, durante as reuniões da Assembleia Geral da
ONU, o Secretário-Geral Kofi Annan enfatizou a demanda por um consenso
internacional sobre as principais questões envolvidas nas intervenções
humanitárias. Em resposta a tal demanda, o primeiro ministro do
Canadá, Jean Chrétien, anunciou, durante o UN Millennium Assembly,
em setembro de 2000, a criação de uma comissão independente para
discutir o tema. Assim a International Commission on Intervention and
State Sovereignty (ICISS) foi estabelecida para discutir as questões
morais, legais, operacionais e políticas envolvidas no desenvolvimento
de um amplo apoio internacional para uma norma que legitimasse as
intervenções humanitárias. Basicamente, a ICISS buscaria solucionar as
tensões existentes entre o conceito de soberania e os direitos humanos,
ou seja, entre o cidadão e o ser humano, estabelecendo um novo
11
consenso em torno de princípios que deveriam reger a proteção de
populações ameaçadas (BELLAMY; WHEELER, 2011, p.521).
Em dezembro de 2001, a ICISS publicou seu relatório final,
denominado The Responsibility to Protect (2001), dando origem ao
conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P). A comissão defendeu
que os estados possuem a responsabilidade primária de proteger
seus cidadãos e que, caso não possam ou não queiram fazê-lo, “o
princípio da não intervenção é ultrapassado pela responsabilidade
internacional de proteger” (ICISS, 2001, p. xi). O relatório ampliou ainda
a responsabilidade para atingir não apenas a responsabilidade de reagir
a crises humanitárias, mas também a responsabilidade de prevenir
tais crises e reconstruir estados falidos ou tirânicos. Esta tentativa de
retirar do foco dos debates a discussão sobre se os estados possuem ou
não o direito de intervir, cedendo lugar a discussão sobre onde está a
responsabilidade pela proteção dos povos ameaçados tornou-se o ponto
central da tentativa de produzir um novo consenso político internacional
apoiando o que o relatório chamou de “intervenção com propósitos
humanitários” (ICISS, 2001, p. xiiii).
A ICISS procurou definir a Responsabilidade de Proteger com
base no estabelecimento de um conjunto de critérios que permitiriam a
governos e outros observadores avaliarem se determinada intervenção
militar poderia ser considerada legítima em termos humanitários.
Tais critérios compreendiam: “limites de justa causa” (necessidade
de haver perda de vidas em larga escala ou limpeza étnica, real ou
potencial), “princípios de precaução” (intenção correta, último recurso,
meios proporcionais e perspectivas razoáveis de sucesso), “autoridade
correta” (intervenções idealmente autorizadas pelo CSNU; caso não seja
possível, pela Assembleia Geral ou, caso também não seja possível, por
organizações regionais) e “princípios operacionais” (incluindo objetivos
claros, abordagem comum, força limitada, regras de engajamento
adequadas e coordenação com as agências humanitárias) (ICISS, 2001,
p. xii-xiii).
Apesar de aparentemente objetivos, tais critérios, na realidade,
mostraram-se sujeitos a diferentes interpretações e a possíveis
manipulações pelos atores mais poderosos, o que se tornou fonte de
preocupação e resistência inicial para os países menos poderosos,
incluindo o Brasil (KENKEL, 2008).
12
Mesmo assim, a ONU conseguiu, durante o 2005 World Summit,
aprovar uma declaração na qual todos os seus 191 estados membros
se comprometeram com o princípio da Responsabilidade de Proteger.
Tal declaração, entretanto, apresentava algumas alterações em relação
à proposta inicial do ICISS, entre elas a inclusão da necessidade de
autorização expressa do Conselho de Segurança da ONU. Tal declaração
representou, acima de tudo, uma importante mudança normativa, visto
que, pela primeira vez, a sociedade de estados formalmente admitia que
a soberania pudesse, em determinadas situações, ser violada em função
de preocupações humanitárias.
A adoção do conceito de R2P, durante o 2005 World Summit,
contribuiu para a tentativa de reforçar ainda mais a preponderância do
ser humano sobre o cidadão:
Aceitação clara e inequívoca por todos os governos
quanto à responsabilidade internacional em proteger as
populações de genocídios, crimes de guerra, limpeza e
crimes contra a humanidade. Vontade e disposição para
agir coletivamente, de forma tempestiva e decisiva, para
este propósito, por meio do Conselho de Segurança,
quando as medidas pacíficas mostrarem-se inadequadas
e as autoridades nacionais estejam manifestamente
falhando em fazê-lo. (ONU, 2005, sem paginação).
Tal aprovação proporcionou, ainda, maior aceitação do conceito
em países como o Brasil, bem como ocasionou sua adoção por algumas
organizações regionais, como a União Africana.
Em 2009, o Secretário-Geral da ONU, Ban Ki-moon, divulgou um
relatório estabelecendo que o conceito de R2P deveria estar baseado
em três pilares, não sequenciais e com igual importância:
Pilar 1: a responsabilidade do estado de proteger sua
população de genocídio, crimes de guerra, limpeza étnica
e crimes contra a humanidade. Este pilar foi descrito
pelo Secretário-Geral como sendo a pedra fundamental
da R2P e deriva da própria natureza da soberania e das
obrigações legais do estado.
Pilar 2: a responsabilidade da comunidade internacional
em apoiar o estado a cumprir sua responsabilidade de
proteger, particularmente ajudando a combater as
causas de genocídio e atrocidades em massa, a construir
13
capacidade de prevenir tais crimes e a abordar esses
problemas antes que escalem tornando-se crimes.
Pilar 3: em situações nas quais o estado manifestamente
tenha falhado em proteger sua população de tais crimes, a
responsabilidade da comunidade internacional de tomar
medidas tempestivas e ações decisivas por intermédio
de meios diplomáticos e humanitários pacíficos e, caso
estes falhem, outros meios mais coercitivos, consistentes
com os capítulos VI (medidas pacíficas), VII (medidas
impositivas) e VIII (arranjos regionais) da Carta da ONU.
(BELLAMY; WHEELER, 2011, p.521).
Em suma, podemos verificar que, de certa forma, o conceito de
Responsabilidade de Proteger trata-se de uma tentativa de superar
o debate sobre a prevalência entre soberania e direitos humanos,
conceituando a intervenção como parte de um regime internacional mais
amplo de proteção de populações ameaçadas. Para muitos, R2P deve
ser entendida como a codificação de uma norma para as intervenções
humanitárias que emergira na década de 1990. Para Gareth Evans (2012),
mentor intelectual da R2P, o termo “intervenção humanitária”, devido às
suas conotações negativas, não deveria mais ser usado, permanecendo
em seu lugar apenas a Responsabilidade de Proteger.
3 A “EVOLUÇÃO” DO USO DA FORÇA EM NOME DA COMUNIDADE
INTERNACIONAL: TORNANDO TURVAS AS FRONTEIRAS ENTRE AS
OPERAÇÕES DE PAZ E DE GUERRA
3.1 OPERAÇÕES DE PAZ NÃO SÃO OPERAÇÕES DE GUERRA
A afirmação acima pode parecer óbvia para a maior parte das
pessoas. Entretanto, na realidade, a separação entre estes dois tipos
de operação não tem ficado tão evidente assim, especialmente após
os desdobramentos ocorridos ao longo das últimas décadas no que
tange ao constante aumento do uso da força nas operações de paz.
Onde estão os limites entre uma operação de guerra e uma operação
de paz robusta com alta intensidade de utilização da força? Pode-se
dizer que, eventualmente, os limites entre as duas operações estariam
tão turvos que identificá-los poderia tornar-se virtualmente impossível.
14
Dependendo da abordagem ou do nível discutido (político, estratégico,
tático, etc.) e dependendo da perspectiva adotada (interventor(es)
X país alvo), diferentes analistas certamente encontrariam respostas
conflitantes.
O comentário do General Sir Michael Rose, Comandante da United
Nations Protection Force (UNPROFOR), ao responder às demandas do
governo dos EUA para que sua força estivesse mais envolvida em ações de
imposição da paz e nos combates com os sérvios (BRAGA, 2012, p.54):
Se alguém deseja lutar uma guerra em bases morais
ou políticas, tudo bem, excelente, mas não conte com
a Organização das Nações Unidas. Destruir um tanque
é operação de paz. Destruir infraestrutura, comando e
controle, logística, isto é Guerra, e eu não vou lutar uma
guerra utilizando tanques pintados de branco. (BARNETT,
1995, p. 37).
3.2 USO DA FORÇA EM NOME DA COMUNIDADE INTERNACIONAL: UM
MODELO TEÓRICO
Clausewitz (2007), o mais proeminente teórico da guerra e um
pensador central das relações internacionais modernas, definiu a guerra,
no começo do século XIX, como “um ato de força para compelir o inimigo
a fazer a nossa vontade.” (p.13) Para ele a “guerra é simplesmente a
continuação da interação política, com a adição de novos meios.” (p.252).
Quase duzentos anos depois, em 1919, Weber parecia concordar,
afirmando que “para a política o meio decisivo é a força.” (2004, p.44)
Assim sendo, pode-se caracterizar a guerra como um fenômeno político
no qual o uso da força tem papel decisivo.
Em seu brilhante trabalho, que permitiu estudar e compreender
cientificamente o fenômeno guerra, Clausewitz desenvolveu o conceito
de “guerra absoluta”, um modelo ideal e puro no qual a guerra consistiria
em um único movimento de força infinita. Entretanto, Clausewitz
reconhece que a guerra jamais é absoluta devido, especialmente, a uma
série de fatores que contribuem para moderar os níveis de violência.
Dentre os mais importantes fatores, identificou a guerra como sendo
regida por uma:
[...] trindade paradoxal – composta de violência primordial,
ódio e inimizade, que devem ser vistas como uma força
15
natural cega; do jogo das possibilidades e probabilidades
no qual o espírito criativo viaja livremente; e dos seus
elementos de subordinação, como instrumento da
política, que a sujeita apenas a razão. (CLAUSEWITZ,
2007, p. 30).
Como continuação da política por outros meios, uma vez
atingidos os objetivos políticos, não haveria motivo para a violência de
a guerra continuar. Além disso, incerteza, acaso e a onipresente fricção
funcionariam como moderadores dos níveis de violência. Em suma,
Clausewitz compreendia que, como um fenômeno intrinsecamente
ligado à natureza humana, a guerra poderá ser limitada ou ilimitada,
jamais absoluta.
O conceito de peacekeeping (manutenção da paz), por outro
lado, foi inventado e teve sua concepção inicial somente após o fim da II
Guerra Mundial. Foi concebido justamente como uma ferramenta para
prevenir, gerenciar ou resolver conflitos violentos. Como tal, as operações
de paz, quando comparadas com operações de guerra, especialmente
no que se refere ao uso da força, deveriam estar situadas do outro
lado do espectro. Tais operações foram baseadas em três princípios
fundamentais: imparcialidade, consentimento e não uso da força.
Na década de 2000, na medida em que os desafios ao trabalho das
forças de paz foram aumentando, as tropas também passaram a contar
com a capacidade de usar a força em níveis cada vez maiores, sendo
dotadas de armamentos cada vez mais poderosos. O Departamento de
Operações de Paz da ONU editou, em 2008, a publicação United Nations
Peacekeeping Operations: Principles and Guidelines, também conhecida
como Capstone Doctrine. Em uma breve leitura, pode-se constatar que
a Capstone Doctrine traz algumas interessantes novidades, sendo a mais
inovadora a que simplesmente redefine o princípio do não uso da força
(BRAGA, 2012, p.55).
No que se refere ao uso da força nas operações de paz, a definição
corrente, até então, era a de que não deveria haver uso da força, exceto
em autodefesa, sendo posteriormente admitida uma alteração do
conceito de autodefesa para incluir também a defesa de civis sob ameaça.
A Capstone Doctrine, entretanto, ampliou acentuadamente o conceito ao
definir o princípio como “não uso da força exceto em autodefesa ou na
16
defesa do mandato” (ONU, 2008), oficializando, portanto, uma situação
que já vinha existindo de fato. Ou seja, a partir dessa nova definição,
conclui-se que a força poderia ser usada para assegurar a execução de
qualquer tarefa que esteja prevista no mandato. Tal situação, obviamente,
aproxima e torna ainda mais turvas as fronteiras entre as operações de
manutenção da paz e de imposição da paz, ou mesmo das operações de
guerra (BRAGA, 2010). Ao mesmo tempo, permite atenuar a resistência
de alguns países, como o Brasil, em participar de operações mais
robustas amparadas no capítulo VII da Carta das Nações Unidas, uma
vez que todas estas operações poderão assim receber a classificação de
manutenção da paz, evitando-se os desgastes políticos das operações de
imposição da paz (KJEKSRUD, 2009, p. 9).
Para Norberto Bobbio (1987), a característica que distingue o
poder político das demais formas de poder é justamente a possibilidade
de recorrer ao uso da força. Weber, por sua vez, afirma que “só se pode,
portanto, definir o caráter político de um grupo social pelo meio […]
que não lhe é certamente exclusivo, mas é, em todo o caso, específico
e indispensável à sua essência: o uso da força” (1999, p. 56). Assim,
a partir dos pensamentos de Weber (1999) e Bobbio (1987), podemos
considerar que as operações de paz, caso observassem rigorosamente
os três princípios enunciados no parágrafo anterior, especialmente
aquele que se refere ao não uso da força, poderiam ser consideradas
apolíticas. Ressalta-se que uso da força, no entendimento corrente,
consiste basicamente em meios violentos aplicados por um sistema
militar politicamente controlado (KJEKSRUD, 2009).
Usando a mesma lógica de Clausewitz, ao abordar o fenômeno
guerra, pode-se dizer que os três princípios das operações de paz na
realidade representam uma forma abstrata, ideal e perfeita, que jamais
seria real. A simples presença de tropas estrangeiras uniformizadas em
um país anfitrião, por si só, já representaria um ato de força. Também
seria impossível atingir um nível de completo consentimento entre todos
os atores envolvidos e, devido a sua natureza humana, a força de paz
jamais seria inteiramente imparcial ou apolítica.
Assim, para balizar o debate entre operações de guerra e de
operações de paz, propomos o conceito de “absolute peacekeeping”,
como modelo perfeito e ideal de uma operação de paz na qual os três
princípios fundamentais seriam observados em sua plenitude, mantendo
17
os níveis de utilização da força em um zero absoluto. Naturalmente,
conforme sugerido, tal modelo seria virtual e inalcançável, exatamente
nos moldes do conceito da guerra absoluta de Clausewitz. Na realidade,
“absolute war” e “absolute peacekeeping” estariam posicionados em
lados opostos do espectro do uso da força. As operações reais de
guerra ou de paz estariam todas situadas no interior desse espectro
(ver figura 1).
Figura 1 - Espectro do uso da força nas operações militares
Fonte: elaboração do autor
Dependendo dos níveis de violência envolvidos, um conflito
poderá estar mais próximo de operações de paz ou de guerra. Ao usar
níveis crescentes de força, as operações de paz tendem a adquirir
características que as tornam mais semelhantes às de guerra.
Vários exemplos de intenso uso da força já estão presentes no
mundo das operações de paz, com destaque para as operações no
Congo e no Sudão. O emprego efetivo de helicópteros de ataque e
carros de combate (“tanques”) pintados de branco e com a marcação
18
“UN” disparando contra forças oponentes já se tornou uma imagem
comum em diversos cenários. Recentemente, em abril de 2011, os
ataques realizados por helicópteros e carros de combate franceses da
Operação Licorne, em apoio à ONUCI (Opération des Nations Unies en
Côte d’Ivoire), contra as forças do presidente derrotado nas eleições
Laurent Gbagbo, foram fundamentais para acelerar o fim da crise e
permitir a efetiva posse do presidente eleito (AFP, 2011), caracterizando
comportamento claramente político da missão da ONU. (BRAGA, 2012,
p.57).
Identificar os limites entre as operações de paz e as operações
de guerra torna-se, assim, um grande desafio. Entretanto, pode-se dizer
que, sob condições de intenso uso da força, rotular determinado conflito
como uma operação de paz ou de guerra será, na maior parte das vezes,
também, uma decisão política. Assim sendo, podemos concluir que
quanto maiores forem os níveis de utilização da força em uma operação
de paz, mais próxima das operações de guerra esta operação estará. As
intervenções humanitárias, por sua vez, ao incluírem aspectos políticos
e intenso uso da força, tendem a estar situadas cada vez mais próximas
das operações de guerra.
4 A PROPOSTA BRASILEIRA E O DEBATE ATUAL
A consolidação do conceito de Responsabilidade de Proteger
(R2P), apesar dos esforços não foi capaz de proporcionar uma solução
adequada e apolítica, capaz de corrigir o caráter político das intervenções
humanitárias mais recentes. Na prática, acabou por materializar,
uma vez mais, o interesse e o discurso das potências dominantes. O
comportamento da comunidade internacional em dois recentes episódios
humanitários, ocorridos na Líbia e em Darfur, permite assegurar que
a tentativa de estabelecer princípios universais para as intervenções
humanitárias ainda não passa de um sonho distante, uma utopia. A
rapidez com que o Conselho de Segurança autorizou, com propósitos
humanitários, o bombardeio da Líbia e a sua incapacidade (ou falta de
vontade) para interromper o massacre dos civis em Darfur bem ilustram
o atual estado de coisas. Enquanto na Líbia as ações extrapolaram
significativamente o mandato inicial de proteção de civis, perseguindo
na realidade a derrubada do regime naquele país, em Darfur os civis
19
permanecem sem socorro.
É neste contexto, que surge o conceito de Responsabilidade ao
Proteger (RwP), proposto pelo governo brasileiro.
4.1 RESPONSABILIDADE AO PROTEGER (RWP): UMA PROPOSTA
BRASILEIRA
O conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP) foi mencionado
pela primeira vez em setembro de 2011, no discurso da Presidente Dilma
Rousseff, durante a abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas.
Em 9 de novembro daquele mesmo ano, durante um debate aberto do
Conselho de Segurança sobre o tema da proteção de civis, Maria Luiza
Viotti (2012), Embaixadora do Brasil junto à ONU, apresentou uma
declaração do Ministro das Relações Exteriores Antonio Patriota, na
qual expressava a visão brasileira de que a comunidade internacional, ao
exercer sua responsabilidade de proteger, deve demonstrar também um
alto nível de responsabilidade ao proteger.
Na visão brasileira, o conceito de Responsabilidade de Proteger
(R2P), que acabara de completar dez anos, foi desenvolvido e consolidouse, conforme já discutido no capítulo 2, com propósitos claros e
legítimos de evitar que as populações fossem vítimas de quatro tipos
de crimes: genocídio, limpeza étnica, crimes de guerra e crimes contra
a humanidade (VIOTTI, 2012). Contudo, a intervenção armada na Líbia,
tendo como justificativa a proteção de civis, evidenciou as preocupações
apresentadas no capítulo anterior, conforme a visão de mundo das teorias
críticas das relações internacionais, demonstrando assim a necessidade
de aperfeiçoar o conceito. Por ocasião da intervenção na Líbia,
Causaram preocupação a extensão da força empregada,
a incapacidade de se combinar e calibrar a ação militar
com a democracia, a interpretação questionável do
mandato conferido pelo Conselho de Segurança e a falta
de acompanhamento pelo próprio Conselho das ações
empreendidas em nome de todos os membros da ONU.
Invocou-se a “responsabilidade de proteger”, mas faltou
“responsabilidade ao proteger” (VIOTTI, 2012, p. 35).
Assim, os principais elementos da proposta apresentada pelo
governo brasileiro são: a valorização da prevenção e dos meios pacíficos
20
de solução de controvérsias; a excepcionalidade do emprego da força; a
obrigação de que a ação militar não cause danos maiores do que aqueles
que busca evitar; a observância rigorosa dos mandatos; a importância da
proporcionalidade e de limites para o emprego da força; e a necessidade
de monitoramento e avaliação da implementação das resoluções (VIOTTI,
2012). Tais elementos estão presentes na nota conceitual (concept
note), elaborada pelo governo brasileiro, intitulada “Responsibility while
protecting: elements for the development and promotion of a concept”, e
que, por solicitação do Brasil, foi distribuída e divulgada como documento
da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança (ONU, 2011).
A nota conceitual brasileira aborda inicialmente o próprio surgimento
do conceito de R2P e sua consolidação nos três pilares apresentados
e descritos anteriormente: responsabilidade primária do Estado em
proteger sua população, responsabilidade da comunidade internacional
em apoiar o estado no cumprimento de sua responsabilidade de
proteger sua população e, finalmente, responsabilidade da comunidade
internacional de intervir para proteger a população, nas circunstâncias
excepcionais nas quais o estado tenha claramente falhado na proteção de
sua população. De acordo com a posição brasileira, os três pilares devem
seguir uma linha de estrita subordinação política e sequência cronológica.
Ou seja, a intervenção coercitiva da comunidade internacional só poderá
ocorrer depois de esgotadas todas as medidas possíveis no âmbito
dos dois primeiros pilares. Conforme veremos na próxima seção, esta
demanda pela sequência cronológica é um dos pontos ainda bastante
controvertidos do debate sobre o tema.
A proposta brasileira relembra, ainda, que as intervenções
militares, mesmo quando revestidas de requisitos de justiça, legalidade
e legitimidade, sempre resultam em altos custos materiais e humanos,
sendo, portanto, imperativo que sejam exauridas todas as soluções
diplomáticas. Assim, apenas como medida de último recurso, a
comunidade internacional deverá exercer sua responsabilidade
de proteger utilizando a força. Neste caso, tal decisão deverá ser
precedida por uma análise ampla e judiciosa, caso a caso, das possíveis
consequências da ação militar. Neste contexto, a violência contra as
populações civis deve ser sempre repudiada, onde quer que ocorra. A
tragédia de Ruanda é mencionada como uma lembrança amarga da falha
da comunidade internacional em agir de forma tempestiva. Ao mesmo
21
tempo, a nota conceitual ressalta a crescente percepção, confirmando
o sentimento amplamente discutido nos capítulos anteriores, de que a
R2P pode ser empregada de forma incorreta para propósitos outros que
não a proteção de civis, tais como mudanças de regime. Tal percepção
poderá tornar ainda mais difícil atingir os objetivos de proteção buscados
pela comunidade internacional. Além disso, ressalta o fato de que:
[...] o mundo atual sofre as dolorosas consequências
de intervenções que agravaram conflitos existentes,
permitiram que o terrorismo penetrasse em locais onde
previamente não existia, causaram o surgimento de
novos ciclos de violência e aumentaram a vulnerabilidade
de populações civis. (ONU, 2011, sem paginação).
5 O DEBATE ATUAL
A iniciativa brasileira propondo o conceito de Responsabilidade ao
Proteger (RwP) gerou grande repercussão internacional. As manifestações
variaram desde severas críticas, daqueles que consideram que a proposta
brasileira poderia inviabilizar a aplicação da Responsabilidade de Proteger
(R2P), até os que a consideram como uma iniciativa importante, que busca
aprimorar a R2P, evitando que seja utilizada indiscriminadamente.
Dentre as potências emergentes, o Brasil é visto por alguns
autores como a mais revisionista e contestadora das normas, sendo
mesmo chamado de “The rising spoiler”, ou o estragador emergente,
em uma tradução literal (SCHWELLER, 2011, p.293). Assim, as primeiras
reações entre os principais defensores da R2P e, especialmente, entre
os integrantes do chamado P3 (EUA, França e Inglaterra) do Conselho de
Segurança foram bastante negativas, pois consideravam que a proposta
brasileira criaria severas limitações à Responsabilidade de Proteger
(R2P), podendo mesmo inviabilizar sua aplicação (EVANS, 2012a). A
iniciativa brasileira foi interpretada como uma tentativa de enfraquecer
e deteriorar a norma recém-criada (THAKUR, 2011, p.182).
A divergência entre a posição das grandes potências do norte e
posição dos países emergentes do sul global é nítida (THAKUR, 2011).
Tais países consideram fundamental evitar que a R2P seja novamente
empregada de foram abusiva, com ocorreu na Líbia. Assim, os demais
integrantes dos BRICS (Rússia, Índia, China e África do Sul), além dos
outros países do sul global, endossaram e apoiaram imediatamente a
22
proposta brasileira (MASHABANE, 2012). Para tais países, a RwP podia
ser interpretada como um importante instrumento destinado a limitar a
ação das grandes potências (WELSH, 2012).
Com o passar do tempo e principalmente após o impasse ocorrido
em relação à situação na Síria, para a qual o Conselho de Segurança foi
incapaz de obter consenso, os países do P3 passaram a encarar a iniciativa
brasileira de forma mais positiva (EVANS, 2012a). Dentro do enfoque
de que todos perdem com a continuação da polarização no âmbito do
CSNU, a RwP passou a ser vista como um possível instrumento na busca
de um novo consenso (WELSH, 2012).
Em 2012, o tradicional Stockholm International Peace Research
Institute (SIPRI), um dos mais renomados centros de estudos de paz
e conflitos, publicou em seu livro anual (SIPRI Year Book 2012) texto
reconhecendo a importância da iniciativa brasileira. Na realidade, seu
primeiro capítulo, escrito por Gareth Evans e intitulado “Responding to
atrocities: the new geopolitics of intervention”, defende que a “iniciativa
brasileira de ‘responsabilidade ao proteger’, com foco em critérios mais
claros para o monitoramento efetivo do uso da força oferece um caminho
construtivo à frente” (EVANS, 2012b).
Para Gareth Evans, que foi ministro de relações exteriores da
Austrália e é considerado, conforme já mencionado, o pai intelectual do
R2P, sendo atualmente codiretor do Global Centre for the Responsability
to Protect,
[...] a iniciativa brasileira trata-se uma importante e
bastante construtiva contribuição para o debate, em
um momento no qual o diálogo se faz urgentemente
necessário em função das críticas sobre a maneira como
o mandato da ONU de proteção de civis foi implementado
na Líbia no ano passado. (EVANS, 2012c, p. 67).
Entretanto, parece que o debate ainda se encontra longe do
consenso. O ponto mais polêmico parece ser a ênfase da iniciativa
brasileira em que a abordagem dos três pilares do R2P seja realizada
em termos rigorosamente sequenciais.3 Ou seja, de acordo com o
3
No momento da finalização deste artigo (dezembro de 2012), existiam sinais de que o Brasil
poderia abrir mão de sua posição quanto à abordagem estritamente sequencial dos pilares,
entretanto, ainda não há qualquer documento ou declaração formal de autoridade brasileira
ratificando tais sinais.
23
entendimento proposto pelo Brasil o segundo pilar só deveria ser
utilizado caso o primeiro fracassasse e, principalmente, o terceiro, que
se refere à intervenção coercitiva da comunidade internacional, só seria
utilizado caso fracassassem os dois primeiros. Dois dos mais conceituados
estudiosos do assunto, Alex Bellamy (2010) e Ramesh Thakur (2011)
possuem posições bastante divergentes em relação ao tema.
Para Bellamy (2010), os três pilares possuem igual importância,
de tal modo que todo o edifício da R2P entraria em colapso na ausência
de um deles. Além disso, Bellamy entende que os pilares não são
sequenciais, de modo que qualquer um deles pode ser aplicado antes
dos demais. Tal posição mostra-se, como pode ser notado, bastante
distinta do entendimento brasileiro de que os três pilares “devem seguir
uma linha estrita de subordinação política e sequência cronológica”
(ONU, 2011).
Para Thakur, as preocupações dos países do sul global em
relação às intervenções humanitárias (e seu uso político) não têm
sido adequadamente apreciadas pelos países do Norte. A ONU deve,
portanto, desempenhar um papel vital na redução das diferenças
entre as posições. O entendimento de Thakur (2011) aproxima-se um
pouco mais da posição brasileira ao defender que”[...] o elemento mais
importante – o pilar mais pesado – é a própria responsabilidade do
estado e que o mais crítico é a resposta da comunidade internacional
às recentes erupções de atrocidades maciças criminosas” (THAKUR,
2011, p.150).
Assim, pode-se compreender a importância da iniciativa brasileira
de Responsabilidade ao Proteger (RwP). Ao cobrar maior responsabilidade
na condução das ações que visam a assegurar a proteção de civis e ao
propor condições mais claras para o uso da força em tais circunstâncias,
o conceito contribui para a tentativa de redução do componente político
e imperialista de tais intervenções.
Tal iniciativa, entretanto, ainda se encontra distante do consenso.
As intervenções humanitárias, na maior parte das vezes, possuem
objetivos que vão bastante além da proteção de civis, sendo muitas
vezes consideradas pelas teorias críticas das Relações Internacionais
como a criação de uma norma ou uma forma discursiva de tentativa
de legitimação de uma posição de poder, na qual ideias e valores das
principais potências são universalizados.
24
Assim, podemos seguramente verificar que o conceito de RwP
representa seguramente um importante contraponto à tentativa de
universalização de uma norma que acabou por permitir e legitimar
as intervenções humanitárias políticas. Neste contexto, a iniciativa
brasileira pode representar um formidável passo na busca para evitar a
proliferação descuidada, indiscriminada e, principalmente, política das
intervenções humanitárias. Entretanto, a possibilidade de sucesso de tal
iniciativa dependerá da capacidade do País em defender suas posições,
juntamente com outros países emergentes, que vêm contestando as
chamadas normas globais. À medida que tais países têm se tornado mais
proeminentes no cenário internacional, suas posições não podem mais
ser ignoradas pelas grandes potências.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O uso da força na proteção de civis caracterizando uma intervenção
humanitária não é uma questão trivial, uma vez que materializa
claramente as grandes tensões existentes entre a segurança dos estados
e a segurança dos indivíduos. Uma das consequências mais imediatas
é a fragilização da noção de soberania, atributo essencial do estado
vestfaliano. Outra consequência importante refere-se à distinção entre
as operações de paz e as operações de guerra. Conforme apresentado
neste artigo, uma abordagem a partir de Clausewitz (2007) permite
constatar como o uso da força em níveis crescentes, que tende a ser uma
característica das intervenções humanitárias, contribui para tornar cada
vez mais turvas as fronteiras entre as operações de paz e as operações
de guerra.
Como as intervenções humanitárias foram adquirindo importância
crescente no sistema internacional pós Guerra Fria, seus defensores
passaram também a buscar normas legitimadoras que permitissem
algum consenso, especialmente em função da problemática da soberania.
Dentre tais normas, o conceito de Responsabilidade de Proteger (R2P),
aprovado pela ONU no 2005 World Summit, mostrou-se seguramente a
mais relevante. A R2P enfatizava primordialmente o caráter preventivo
na proteção das populações e a responsabilidade do estado, ao mesmo
tempo em que buscava um consenso que permitisse agir em situações
de crise humanitária.
25
Entretanto, o comportamento ambíguo da comunidade
internacional em alguns dos mais recentes episódios humanitários, como
os ocorridos na Líbia e em Ruanda, permite assegurar que a tentativa
de estabelecer princípios universais para as intervenções humanitárias
ainda não passa de um sonho distante, uma utopia. As intervenções
humanitárias continuam a ser realizadas, ou não, de acordo com os
interesses das principais potências envolvidas, que constroem seus
respectivos discursos de poder de acordo com a ocasião.
É neste contexto que a proposta brasileira de Responsabilidade
ao Proteger (RwP), apresentada em 2011, surge como uma importante
novidade na tentativa de evitar a proliferação descuidada, indiscriminada
e, principalmente, política das intervenções humanitárias. A RwP
defende, prioritariamente, a valorização da prevenção e dos meios
pacíficos de solução de controvérsias, de modo que o emprego da força
ocorreria apenas em casos excepcionais, obrigatoriamente autorizados
pelo Conselho de Segurança da ONU. Em tais situações, a força seria
empregada dentro dos limites claramente estabelecidos e a ação
militar não deveria, em hipótese alguma, causar danos maiores do que
aqueles que buscava evitar. Assim, pode-se dizer que R2P e RwP são
complementares, devendo caminhar juntas.
A iniciativa brasileira gerou reações imediatas, uma vez que foi
interpretada como um instrumento capaz de limitar a liberdade de
ação das grandes potências. Assim, encontrou apoio dos países do sul
global e forte resistência dos países do P3. Com o passar do tempo e,
principalmente, com o impasse e a paralisação do Conselho de Segurança
da ONU em relação ao caso da Síria, a iniciativa brasileira passou a ser
encarada com maior seriedade, mesmo pelo P3, uma vez que poderia
representar a possibilidade de restabelecer, a partir de novas bases, o
mínimo consenso perdido.
Em suma, conforme apontado no presente artigo, a adoção do
conceito de Responsabilidade ao Proteger (RwP), proposto pelo Brasil,
representa uma alternativa importante e viável, que contribui para aprimorar
e limitar a utilização da Responsabilidade de Proteger (R2P) nos casos de
intervenção, evitando que seja empregada de forma indiscriminada pelas
grandes potências, simplesmente para legitimar tais intervenções.
Finalmente, a apresentação da proposta de RwP pelo Brasil
certamente reflete o crescente protagonismo do País e o desejo de
26
exercer papel de maior destaque no cenário internacional. As resistências
iniciais das grandes potências devem ser encaradas com naturalidade. O
sucesso da iniciativa brasileira dependerá de sua persistência, capacidade
de convencimento e, principalmente, do papel que o País vier a exercer
no sistema internacional em termos de prestígio e poder nos próximos
anos.
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30
UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA - UPP:
RESISTÊNCIA DOS JOVENS, UMA QUESTÃO
PSICOSSOCIAL RELEVANTE
Kátia Magalhães Lage de Aguiar Mariz*
RESUMO
O presente estudo aborda o comportamento dos jovens diante da segurança
pública, valores da cidadania e de defesa nacional, tendo por parâmetro a
política adotada no Rio de Janeiro, concluindo por fornecer recomendações
e propostas de inclusão social dos jovens enquanto partícipes das políticas
educacional e de segurança e focados nos objetivos de governo em prol do
bem comum, cujos fundamentais objetivos da República Federativa do Brasil
estão elencados no art. 3º da nossa Constituição Federal. A linha de estudo
selecionada reside no fato de ainda persistir, desde a primeira Unidade de
Polícia Pacificadora (UPP) inaugurada em 2008, no Morro Santa Marta no
Bairro de Botafogo, na cidade do Rio de Janeiro, a resistência juvenil ao referido
programa e/ou ao policial a ele vinculado e nas reiteradas manifestações da
Secretaria de Segurança Pública conclamando a sociedade para o incremento
de programas sociais, envolvendo a iniciativa pública e privada em apoio à
manutenção ao Programa de UPP, nas favelas e morros do estado fluminense.
A metodologia usada comportou uma pesquisa bibliográfica e documental,
com a coleta de dados de literatura especializada e de documentos do
Ministério da Educação e Cultura e da Secretaria de Segurança Pública do
Rio de Janeiro, além da experiência da autora como advogada e pedagoga,
associada às entidades de Associação Internacional de Lions Clubs, Ordem dos
Advogados do Brasil e Associação Comercial do Rio de Janeiro.
Palavras chave: Unidade de Polícia Pacificadora. Segurança Pública.
Cidadania e Defesa Nacional. Resistência dos jovens. Recomendações e
Propostas.
__________________
* Advogada e pedagoga, especialista em Direito Processual Civil e Psicologia da Propaganda e Marketing, sócia-diretora do Esc. Ricardo Mariz Advogados, associada à Associação Internacional
de Lions Clubes, Conselheira no Conselho Empresarial de Segurança Pública, Ética e Cidadania
- ACRJ e Vice-Presidente da Comissão de Turismo da Seccional Rio de Janeiro da Ordem dos
Advogados do Brasil - OAB-RJ . Contato: [email protected].
31
ABSTRACT
The present study discusses the behavior of young people on public
security, citizenship and national defense with diagnosis of the current
public security situation of the State of Rio de Janeiro as a base, and how
it provides recommendations and proposals for social inclusion of young
people as participants of the educational policies and security focused
on the Governmental goals in favor of the common good fundamentally
stated in the objectives of the Federative Republic of Brazil listed in
article 3 of the Federal Constitution, the focus of the study lies in the
fact that there still persists, since the first Pacifying Police Unit (UPP)
opened in 2008 in Morro Santa Marta in Botafogo, youth resistance
to the program and/or the police officers linked to the program and
reiterating the current appeal from the Department of Public Safety to
the society for the development of social programs, urging public and
private initiative in maintaining support to the UPP in the slums and hills
of Rio de Janeiro State. The methodology used included a documentary
and bibliographic research, with the collection of data from specialized
literature and documents from the Ministry of Education and Culture,
and of the Secretariat of Public Security of Rio de Janeiro, to include the
author’s experience as a consultant, pedagogy and associated of The
International Association of Lions Clubs, of The Order of Attorneys of
Brazil, and the Commercial Association of Rio de Janeiro.
Keywords: Pacifying Police Unit. Public Security. National Defense and
Citizenship. Youth Resistance. Recommendations and Proposals.
1 INTRODUÇÃO
A partir de 2007, diferentes setores da área de Segurança
Pública do Rio de Janeiro, sob coordenação da Secretaria de Segurança
Pública, empreendem esforços para fins de implantação e manutenção
das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), constituindo-se na
materialização de um planejamento estratégico, tendo por prioridade
absoluta o combate à criminalidade e o restabelecimento dos direitos
fundamentais dos cidadãos de ir e vir e o resgate da credibilidade da
sociedade fluminense em suas instituições.
32
No entanto, apesar do apoio da população ao Programa, esse longo
processo de retomada de territórios e vitórias na guerra contra o tráfico,
contra a milícia e em combate à violência, revelou a resistência dos jovens aos
policiais e/ou ao Programa (CeSec,2010)1, com reflexos diretos na expressão
psicossocial de necessidade de implementos de projetos educacionais,
culturais, de inserção social e profissional, factíveis ao englobar convênios
e parcerias firmados entre os governos municipal, estadual e federal e
distintos atores da sociedade civil organizada, tais como, segmentos do
poder público, da iniciativa privada e do terceiro setor.
Nesse processo evolutivo, surgem inúmeros projetos culturais
e educativos isolados e, por vezes, repetitivos ou descontinuados, e
distanciados das necessidades juvenis, que acabam por favorecer e alimentar
a resistência dos jovens por não se sentirem pertencentes a sua comunidade,
agora pacificada, sob o pálio de programas para os quais sequer foram
consultados.2 Tais ansiedades da comunidade jovem suscitaram inúmeras
reportagens sobre as relações interpessoais entre jovens da comunidade e
os jovens recrutas para a UPP e sobre os projetos socioculturais e educativos,
produzidos ao longo desses quatro anos de implantação da UPP.
2 SEGURANÇA PÚBLICA UMA REALIDADE HISTÓRICA DO SÉCULO XXI
A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças
tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível
econômico e social. Iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII,
expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX.
No Brasil, com o fim da oligarquia cafeeira no início da década de
30, tem início o êxodo rural. A indústria começa a se estruturar e o país
a se urbanizar, gerando, entre as décadas de 50 e 90, problemas sociais
e ambientais decorrentes do fenômeno de inchaço das cidades em total
desorganização no uso do solo, tudo decorrente dos novos contingentes
populacionais que velozmente proliferaram nos grandes centros
urbanos do sul e sudeste brasileiro em busca das relações formais de
assalariamento e de proteção social, produzindo redutos da informalidade
e da criminalidade, criando divisão do espaços: de um lado, o mercado
1 UPP- O que pensam os policiais. CeSec, 2010.
2 MARIZ, Kátia Magalhães Lage de Aguiar. Pesquisas de Campo: ’O que pensam os Jovens sobre
as Unidades de Polícia Pacificadora’ e ‘Unidades de Polícia Pacificadora:O que pensam os
policiais’.Monografia, ESG.Rio de Janeiro, 2012.
33
das drogas ilícitas e do armamento, que tem nos ambientes segregados
importantes bases operacionais, sobretudo nas favelas e nos loteamentos
irregulares; e, de outro, a “indústria do medo” e da “segurança” instaladas,
que encontram o nicho de venda de bens e serviços nas camadas sociais mais
elevadas que investem em condomínios exclusivos, em segurança privada,
em sistemas de vigilância, em equipamentos eletrônicos de segurança,
em gradeamento de prédios, em carros blindados, em rastreadores, na
proliferação de celulares, na colocação de insufilmes nos vidros dos carros
etc. Enquanto, ao poder público, perante essas relações mutuamente
vantajosas3, coube a corrida armamentista para empreender uma “guerra
contra o tráfico” e , com política de confronto, aprofundando a atmosfera
generalizada de medo e aquecendo, a um só tempo, o mercado de armas
e a indústria da “segurança”.
No atual panorama da história da segurança pública, um dos
grandes desafios é, seguramente, desenvolver formas de controle
capazes de conter as tensões sociais, permitindo, assim, ao Estado, ao
tempo em que busca se fortalecer frente o avanço da criminalidade
avassaladora, garantir os direitos fundamentais aos seus cidadãos.
Nesse contexto de desafios estratégicos na fomentação de um
mecanismo de controle social “eficaz”, encontra-se a cidade do Rio
de Janeiro que encerra os efeitos contrastantes do desenvolvimento
desigual. A visibilidade nacional e internacional da cidade deve-se ao fato
de ser a capital de um estado impulsionado pelos recursos provenientes
da extração petrolífera e dos investimentos infraestruturais, públicos e
privados, atrelados a essa atividade, assim como ao seu grande potencial
turístico, ao que se acrescenta ser palco de grandes eventos de repercussão
internacional (Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016).
A Segurança Pública na Constituição Federal Brasileira de 1988 está
disciplinada no art. 144 como dever do Estado, direito e responsabilidade
3 BRAGA, Laércio Miranda; CARDOSO, Luciano Dias.” Se os aparatos de polícia e justiça não
conseguem controlar a criminalidade e sobram pressões de outras condições sociais desfavoráveis,
o combate à violência se torna prioridade nas preocupações da sociedade e o mercado da
segurança se torna especialmente atrativo para exploração comercial. Aqui como em qualquer
lugar do mundo.[...] As firmas de segurança privada multiplicaram-se pelo país e, apenas no ano de
2003, já havia 3.028 autorizadas pela Polícia Federal para operar no mercado. No mesmo período,
a chamada “indústria do medo” promoveu a circulação de RS100 bilhões por ano – 10% do PIB
brasileiro-, conforme relatório da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB-SP). Dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) demonstram que entre os anos
de 1985 a 1995 o número de “soldados privados” triplicou (IBGE/PNAD, 1995).”
34
de todos os cidadãos, sendo exercida para a preservação da ordem
pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio.
Essa política está compreendida pela atuação policial de diversos
níveis - polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária
federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares
e, ainda, pelas guardas municipais que poderão ser instituídas pelos
municípios. Como a segurança pública é direito e responsabilidade
de todos os cidadãos, o seu problema deve passar pela ampliação
do contato das instituições públicas com a sociedade civil e com a
produção acadêmica mais relevante à área, estimulando a parceria
entre órgãos do poder público e a sociedade civil na luta por segurança
enquanto objetivo permanente e melhor qualidade de vida dos
cidadãos brasileiros.
3 A QUESTÃO DA SEGURANÇA PÚBLICA NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
A história do crime organizado, mais especificamente do narcotráfico,
no Rio de Janeiro, teve início nos anos 70, quando bandidos comuns
se aliaram e fundaram o grupo Falange Vermelha. Na década de 80, a
Falange se transformou na facção criminosa “Comando Vermelho” (CV),
parceiro das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), que se
tornaram o principal fornecedor de drogas dos traficantes brasileiros. O
Brasil entrou na rota internacional da droga como ponto de distribuição
e mercado consumidor. No rastro da cocaína, veio o armamento pesado,
como pistolas, metralhadoras, fuzis, granadas e até armas antiaéreas. O
CV controlava o tráfico de drogas e de armas e estava por trás de assaltos
a bancos e roubos de carros, disseminando a violência4.
O Poder Público fez-se ausente, pois suas ingerências na área
da segurança pública não se mostravam capazes de combater o crime
que se organizava e, quando em fins de ano 1990, o governo reprimiu
com maior vigor os pontos de venda de drogas, apostando que isso
enfraqueceria o tráfico, os bandidos não recuaram e a cidade passou
a ser aterrorizada pela onda de sequestros, roubos e assaltos armados,
com incremento da violência em grande escala.5
4 Obra comemorativa do 4º ano do Projeto de Unidade de Polícia Pacificadora- UPP. Rio de
Janeiro, 2010.p.14.
5 IDEM.
35
Com o fortalecimento do tráfico de drogas, vieram os subornos e
a chamada “banda podre” da polícia, esta cooptada pelo tráfico, fazendo
surgir novas e distintas facções e as próprias milícias. 6
O caos se instalou no estado com roubo de armas, de munição e de
uniformes militares; comunidades tornaram-se reféns dos traficantes e
de seus desmandos; balas perdidas, bondes de tráfico, assaltos e tiroteios
à luz do dia, ônibus incendiados, grandes vias da cidade rotineiramente
fechadas; brigas entre facções criminosas para ampliarem seus domínios,
estabelecendo territórios para o tráfico e criando fronteiras invisíveis
separando famílias e amigos; aumento da corrupção; serviços ilicitamente
prestados aos moradores de comunidades, tais como, os conhecidos
“gatonets”; submissão dos prestadores de serviços públicos necessitando
de autorização da bandidagem para adentrarem nas comunidades e
tantos outros crimes e ilícitos praticados; assim, a população dos morros
e do asfalto estava refém do medo e do poder paralelo.
A população fluminense, entretanto, almejava a paz, saía às ruas
em passeatas, clamava por uma política de segurança pública austera.
Essa população, a partir de 2007, passa a presenciar a implementação de
uma nova Política de Segurança Pública, com investimentos em tecnologia,
formação de novos policiais, combate à corrupção em todos os níveis nas
Polícias Civil e Militar e um novo conceito no combate à criminalidade,
utilizando- se com maestria a capacitação técnica dos Serviços de
Inteligência, concebendo uma grande preparação logística e agregando as
forças especiais para desestimular a reação dos criminosos.
Todo esse planejamento articulado por diferentes setores da àrea
de Segurança Pública precedeu a instalação da primeira UPP, em 2008,
no Morro Santa Marta, bairro Botafogo, RJ, com aprimoramento para as
demais que seriam posteriormente instaladas.
Apesar disso, constata-se que os jovens estão resistindo aos
policiais e ao próprio Programa, porque, desde a infância, sob o manto
dos narcotraficantes, tiveram no crime a única opção real de subsistência
e/ou outras tantas facilidades e poder de dominação perante os demais
moradores da comunidade a que pertenciam.
Observa-se que o Programa afeta diretamente a identidade juvenil,
pois, como define Woodward (2000), ela está associada também a uma
relação dicotômica que dá sentido ao sujeito, definindo o que o indivíduo
6 IDEM.
36
‘é’ e aquilo que ele ‘não é’, no que a autora complementa, a identidade
também significa pertencimento e exclusão, à medida que é a partir da
sua identidade que se faz parte ou não de determinado coletivo.
Destacam-se outros relevantes aspectos da identidade, tais
como, ser relacional e ser remodelada pelas novas relações sociais
estabelecidas e, nessa linha de raciocínio, Ciampa desenvolve o conceito
de identidade como parte de um processo contínuo de construção com
base nas relações sociais (CIAMPA, 2005, p.243).
Cada indivíduo encarna as relações sociais, configurando
uma identidade pessoal. Uma história de vida. Um
projeto de vida.
Uma vida – que-nem-sempre-é-vivida, no emaranhado
das relações sociais. Uma identidade concretiza uma
política, dá corpo a uma ideologia. No seu conjunto, as
identidades constituem a sociedade, ao mesmo tempo
em que são constituídas, cada uma, por ela.
Luke Dowdney7, baseado em entrevistas com menores infratores,
afirma que a falta de oportunidades é o principal fator do envolvimento
de crianças e adolescentes com a criminalidade, como opção real, e
que a questão do policiamento é importante, mas é preciso investir em
projetos sociais e que a sociedade precisa criar oportunidades para que
esses menores não escolham o tráfico.
4 ABORDAGEM TEÓRICA AO PROGRAMA DE POLÍCIAS COMUNITÁRIAS
DAS FAVELAS NO RIO DE JANEIRO
Conforme informe disponível no site do governo do Estado do Rio
de Janeiro8, o projeto UPP é uma política pública na área de segurança que
promove a aproximação entre o poder público e a população, seguindo
os princípios da polícia comunitária, que é um conceito e uma estratégia
fundamentada na parceria entre a população e as instituições da área de
segurança pública, visando a ações proativas de controle da criminalidade
e melhoria da qualidade de vida da população; sendo um processo
7 Pesquisador britânico e autor do livro “Crianças do Tráfico”, lançado em 2003.
8 Disponível em: <http://www.rj.gov.br/web/informacaopublica/exibeconteudo. Unidades de
Polícia Pacificadora - UPP>. Acesso em: 13 ago. 2012.
37
específico de retomada de territórios controlados por criminosos.9
O presente estudo não se propõe a observar nem analisar e nem
avaliar a política pública na área de segurança do Rio de Janeiro alicerçada
através de UPP, de acordo com o já definido, mas, sim, contribuir para a
manutenção da pacificação das áreas por longo tempo marginalizadas,
e, dessa forma, atender às necessidades socioculturais e educativas da
população jovem brasileira, produzindo gerações de cidadãos de bem,
comprometidos com a segurança, a cidadania e a defesa nacional.
Portanto, para que essa estrutura seja realizada é necessário,
por um lado, que o policial tenha uma mudança de atitude junto à
comunidade, sendo indispensável que participe de cursos de capacitação
em polícia comunitária que lhe dê uma nova visão de sua atuação e em
seu modo de atuar preventivo; por outro, a comunidade também precisa
ser capacitada para poder cobrar os seus direitos e também participar
de modo mais organizado e qualitativo na vida em sociedade; objeto de
recomendações e propostas do presente.
Trinta e duas UPP foram implantadas até janeiro de 2013 e,
até 2014, a previsão é de que sejam mais de 40 (quarenta) ao todo,
coexistindo, ainda, o projeto das cinco Companhias Destacadas-CD
instaladas, de formato idêntico às UPP .
Assim, segundo informe da Secretaria de Estado de Segurança do
Rio de Janeiro, até 2014, serão beneficiadas 165 comunidades, abrangendo
moradores da Zona Oeste, da Baixada, dos subúrbios, de São Gonçalo e de
outras cidades fluminenses com grande concentração urbana.
Nas observações do antropólogo Robson Rodrigues, (2010)10:
A UPP é muito diferente dos DPOs (Destacamentos de
Policiamento Ostensivo, modalidade que já foi usada em
favelas). Na época desses destacamentos, os traficantes
tinham arsenal de guerra, e o policial era só mais um
refém dos criminosos. As UPP não são vistas como algo
da polícia, mas como um projeto da sociedade. (2010,
sem paginação).11
9 Documento Planejamento e Estratégia de implementação das UPP’s, apresentado no 1º.
Seminário sobre Unidades de Polícia Pacificadora, em abril de 2010.SSPIO/SESEG.
10Comandante de todas as UPP quando da elaboração deste artigo.
11 RODRIGUES, Robson. Comandante das UPP: “projeto é da sociedade”. In: VEJA Acompanha –
Veja.com.
38
A Força Nacional de Segurança na cidade do Rio de Janeiro – sempre
com data-limite para sair do espaço de sua atuação – é representada pelo
trabalho de transição das Forças Armadas que se desenvolve nos morros
e favelas até a entrada em operação das Unidades de Polícia Pacificadora
que garantirão a segurança pública na área.
O então Ministro de Defesa Celso Amorim (2012,não paginado),
comentou que “[...] O trabalho de pacificação das favelas e morros, não
está entre as tarefas primordiais das Forças Armadas, mas é algo que
precisa ser realizado em apoio à segurança de estado”.
Ele reafirmou a contribuição fundamental da Força Terrestre
à segurança nacional, dentro do princípio da manutenção da lei e da
ordem, e o caráter temporário da medida, em respeito às normas
constitucionais.
A Força de Pacificação é formada por homens e mulheres,
constituída por militares do Exército Brasileiro, da Polícia Militar e
da Polícia Civil do Rio de Janeiro, com destaque para o papel social
desempenhado na atuação do Exército promovendo ainda ações cívicoculturais e esportivas. Merece ainda registro a atuação da Marinha e
da Aeronáutica em consequência do apoio logístico à tropa, levando
policiais para dentro da favela e garantindo-lhes maior segurança e
movimentação para que o cerco seja exitoso; tem-se ainda a ocupação
reforçada por tropas especiais das Forças Armadas, os paraquedistas,
considerados os homens mais bem treinados do país, e pelas Forças de
Paz que atuaram no Haiti.
5 UPP SOCIAL: AÇÕES SOCIAIS PARA CONSOLIDAÇÃO DA PACIFICAÇÃO
Aconcepçãodequeaçõessociaisdevemoudeveriamserdesenvolvidas
paralelamente às ações policiais em territórios marginalizados por altos
indicadores de violência é um consenso entre os diversos segmentos da
sociedade. Pode-se, até mesmo, destacar alguns programas que surgiram,
nos diversos contextos brasileiros, como o Programa de Redução de
Homicídios de Diadema, Programa Fica Vivo da região metropolitana de
Belo Horizonte e o Pacto Pela Vida de Pernambuco.
No Rio de Janeiro, o processo específico de retomada através
das UPP de territórios controlados por criminosos configura no
primeiro momento um período de incertezas e dúvidas e para
39
aproximar todos os atores conta com Unidades de Polícia Pacificadora
Social – as UPP Sociais – sob coordenação da Secretaria Estadual de
Assistência Social e Direitos Humanos e concebidas como programa
de integração e coordenação de ações sociais, para fins de alcançar
essa consolidação do controle territorial e a pacificação nas áreas das
UPP que, por suas próprias ações sociais, se impõem como corolário
aos fundamentos constitucionais disciplinados no art.1º da nossa
Constituição Federal.
A UPP Social, com a inauguração de uma UPP, atua de forma
integrada com os objetivos da ação policial para dar sustentabilidade à
pacificação, promover a cidadania e o desenvolvimento sócio-econômico
nas áreas de morros/favelas e, finalmente, contribuir para efetivar a
integração dessas áreas ao conjunto da cidade. Assim, sempre que
a pacificação estiver consolidada e a situação de exceção superada, o
programa UPP Social restará encerrado na área pacificada.
6 CONCEITUAÇÃO TEÓRICA DA RESISTÊNCIA ÀS MUDANÇAS
Como fundamento ao presente estudo das resistências juvenis e
respectivas recomendações e propostas de resgate social abrangidos,
foi selecionado, dentre as teorias de Relações Humanas, o conceito
lewiniano de sistemas aparentemente estáticos, ou de ‘equilíbrio
quase-estacionário’, e a teoria da motivação de Maslow, pois, a partir
dos conceitos propostos por Lewin, Maslow desenvolveu sua teoria da
motivação (LEWIN,1935; MASLOW, 1943).
O conceito lewiniano dirige a atenção para a importância da redução
da resistência, quando se desejam mudanças com um mínimo de tensão.
As estratégias mais usuais de aumento de pressão, através de persuasão
ou dissuasão, aumentam as tensões dentro do sistema. Se a estratégia
oposta - a de neutralizar ou transformar a resistência - for adotada, as forças
inovadoras, já presentes no sistema e na situação, serão suficientemente
capazes para produzir a mudança ou adesão às transformações.
Muitas vezes, como a análise do campo de forças de
Lewin indica12, uma vitória mais fácil e estável pode ser obtida pelo
enfraquecimento da potência da força de oposição.
12Análise do Campo de Forças (force analysis) é um dos conceitos mais ricos, desenvolvido por
Kurt Lewin no estudo dos fatores intervenientes nos fenômenos psicossociais.
40
Figura 1: Modelo de Análise de Campo de Força de Lewin
Fonte: Mariz, 2012.
A premissa é a de que em qualquer situação há forças de propulsão e
forças de restrição (contenção), influenciando diretamente os resultados
obtidos e os resultados potenciais. Esta representação gráfica, com a
finalidade de diagnosticar situações e propor a otimização de resultados,
pode ser utilizada como um poderoso instrumento para analisar qualquer
coisa na vida do dia a dia, tanto pessoal como profissional.
Assim, quatro perguntas fundamentais que se desdobram deste
modelo de análise surgem: ‘Qual a situação atual?’, ‘Qual a situação
desejada?’, ‘O que impede que a situação atual se desenvolva?’ e ‘O que
poderia otimizar os resultados atuais?’
E, simploriamente, aplicando-se às questões suscitadas, temos: a
situação atual é a rejeição dos jovens ao programa e/ou policial de UPP;
a situação desejada é que nenhuma rejeição ocorresse; a proibição de
baile ‘funk’ pode ser exemplo de um dos impeditivos para aceitação da
UPP e uma boa negociação com alguma concessão, poderia otimizar os
resultados desejados.
O ser humano é um ser de necessidades e, por isso, o seu
comportamento é pautado pela satisfação dessas necessidades
durante as fases de seu desenvolvimento e, assim, Maslow, ao
estruturar conceitualmente o estudo da motivação humana
organizou as necessidades humanas em cinco categorias hierárquicas,
conforme sua predominância e probabilidade, estabelecendo uma
41
distinção nítida entre motivação de deficiência e motivação de
crescimento.
A motivação de deficiência está relacionada às necessidades
básicas do organismo, em que o preenchimento ocorre por meio de
objetos ou seres humanos de fora e, assim, quando o indivíduo satisfaz
uma necessidade, outra surge e, assim, sucessivamente. Já a motivação
de crescimento ocorre quando os indivíduos satisfazem suficientemente
as suas necessidades básicas e, motivados, selecionam, qualitativamente,
novas necessidades. E, por isso, de acordo com essa teoria, dificilmente
o indivíduo irá atingir o topo da pirâmide, pois sempre haverá novos
objetivos e sonhos.
Melhor explicitando a teoria, há, na Pirâmide de Maslow, na base,
as Necessidades Fisiológicas, fundamentais para a sobrevivência do
indivíduo e para a propagação da espécie, de alimentação, sono, abrigo,
desejo sexual; seguida das Necessidades de Segurança, para se sentir
protegido e livre dos perigos; das Necessidades Sociais, de amor, de
relacionamentos familiares e de amizades; Necessidades de Estima (auto
e heteroestima), status, respeito próprio e dos outros e de Autorealização
e de Necessidades de Realização Pessoal, moralidade, criatividade,
espontaneidade, solução de problemas, ausência de preconceitos.
Ainda que a teoria seja criticada porque a realidade mostra
exemplos de pessoas que não seguem tão rigidamente a hierarquia das
necessidades, no entanto, a teoria aponta que, em geral, um indivíduo
deverá satisfazer uma necessidade mais urgente para passar para a
próxima necessidade. Assim, um jovem que não tem onde dormir com
certo conforto e privacidade (Necessidade 1), não terá interesse em ser
considerado o excelente aluno do mês de sua escola (Necessidade 4)
e também não estará preocupado se foi descoberta a cura para uma
doença rara ou se o programa de UPP, se bem- sucedido, poderá ser a
libertação da sociedade do cartel do narcotráfico (Necessidade 5). Assim
que ele conseguir um lugar com certo conforto e privacidade para dormir,
ele conseguirá ver a próxima necessidade de forma relevante, pois já não
terá mais aquela preocupação anterior, liberando assim espaços para
novas necessidades.
A seleção das respectivas teorias de Lewin (1975) e de Maslow
(2000) refere-se à constatação de que o grande desafio dos governantes
é atender muitas das necessidades básicas e proporcionar aos jovens
a busca e a descoberta do que eles têm de melhor a oferecer, em prol
42
do sucesso de qualquer projeto ou atividade cotidiana propostos em
seu benefício que, neste enfoque de segurança pública da cidade do RJ,
estabelecendo permanente diálogo, chegará ao resgate e consolidação
da confiança recíproca, corroborando a consolidação do programa de
UPP.
7 ESTUDO DA RESISTÊNCIA DOS JOVENS À UPP
Cumpre informar que o sistema social exige conformidade às
normas, que correspondem aos hábitos nos indivíduos, exigidos de si
mesmos e dos outros e, como são distribuídas pelos muitos participantes,
elas não mudam facilmente e, quando uma pessoa se desvia notavelmente
da norma do grupo, uma sequência de eventos pode ser esperada e ela
pode ser ignorada ou mesmo excluída do grupo.
Tratando-se de jovens dominados anos a fio por grupos de criminosos
com ascensão e domínio sobre a impotente comunidade, cujo “benfeitor”
era tido por modelo de poder com normas traçadas pelo grupo criminoso
dominante, os jovens, com o advento da UPP, sentem-se inseguros de se
verem excluídos do grupo ao qual por longo tempo estiveram vinculados
e obedientes e, não conseguindo perceber que as normas maiores são as
ditadas pela sociedade civil, receosos do isolamento, acabam por resistir
ao modelo personificado pelo policial da UPP que, por sua vez, ou não
está preparado para enfrentar a resistência desses jovens ou não dispõe
de suporte necessário para minar as resistências.
O princípio gestáltico13 explica que é difícil mudar uma parte
sem afetar as demais, e os jovens das áreas pacificadas tornam-se
resistentes em abandonar líderes e/ou práticas condenadas pela
13A ciência da psicologia trazida como fundamento ao estudo da segurança pública tenta
quebrar a tradição de que seja a mesma um problema vinculado aos juristas e profissionais
da área penal, por apenas adesão ao princípio da lei e ordem. No seminário realizado a 20 de
junho de 2012 no IESF - Instituto de Estudos Superiores Financeiros e Fiscais, sobre o tema
“Pós-Capitalismo – Sociedade do Conhecimento”, o Dr. Amândio Silva transmite a ideia de
que as empresas são mais do que uma simples adição dos seus diferentes sectores. Importa
ao gestor ser capaz de olhar, avaliar e gerir de acordo com os padrões e configurações que
detecta. A visão do todo, da forma que sobressai, é o elemento chave para a condução de uma
gestão empresarial de sucesso, pois só assim é possível identificar a completa dimensão física,
cultural e emocional da organização. Algo que a análise individualizada a cada sector se mostra
incapaz de percepcionar (SILVA, Amandio. 2012).
Considerando-se que as comunidades pacificadas pelo programa de UPP possam,
didaticamente, serem vistas como empresas e, sendo a análise Gestalt passível de
incorporação na gestão das empresas, esta fica justificada. (N.A.)
43
sociedade justamente porque, coerentemente, não encontraram nos
policiais da UPP e nem nas políticas ofertadas pelo Programa o sentido
de pertença à sua comunidade, gerando ressentimentos e queixas
consideráveis.
Ainda há, no enquadramento do estudo das resistências nos
sistemas sociais, a questão dos interesses investidos, o sacrossanto e a
rejeição dos estranhos. 14
Assim, a mais óbvia fonte de resistência é qualquer ameaça aos
interesses individuais, econômicos ou de prestígio e, evidentemente, os
jovens resistentes são aqueles que durante longo tempo, “protegidos”
sob abrigo dos narcotraficantes e milicianos, gozavam de poder de
dominação sobre os submissos moradores e auferiam “ganhos fáceis”
provenientes dos ilícitos praticados.
Os antropólogos observaram que, dentro de qualquer cultura,
algumas atividades são facilmente mudadas; outras são altamente
resistentes à inovação, sendo que, a maior resistência está relacionada
aos assuntos ligados ao que é tido por ‘sagrado’. Assim, os jovens das
comunidades pacificadas pelas UPP, quase que por teimosia às alterações
que possam afetar questões e práticas que estavam consagradas,
ainda que apoiadas na ostensiva demonstração de poderio bélico, nas
associações criminosas, estas, em suas concepções, devem ser por eles
defendidas como se fosse algo ‘ideal’ ou ‘sagrado’.
Por fim, caracterizando a rejeição de estranhos, a maioria
das mudanças propostas pelo programa vem de fora da própria
comunidade.
Se os jovens das comunidades pacificadas do Rio estão se
mostrando resistentes às mudanças, isto pode ser devido ao fato de que
as forças naturais de inovação estão sendo sustadas ou bloqueadas por
14Há diferentes conceituações de resistência ao longo da história. A resistência no local de
trabalho foi abordada por escritores administrativos como Taylor (1947), e psicólogos de
organização como Lewin (1947). A resistência é vista como uma reação natural e normal à
mudança (COGHLAN, 1993; STEINBURG, 1992; ZALTMAN; DUNCAN, 1977; CONNER 1995,
MOTA 1998) porque esta envolve frequentemente ir do conhecido ao desconhecido (MYERS;
ROBBINS,1991; STEINBURG, 1992; COGHLAN, 1993). A resistência à mudança se origina de
várias causas; uma delas é a natureza humana (TAYLOR, 1988).
Na realidade, há tantas fontes possíveis de resistência à mudança e tantos interesses investidos
no status quo, que mudanças importantes pouco provavelmente serão instaladas e persistirão,
a menos que indivíduos ou grupos poderosos estejam engajados em auxiliar (NADLER;
HACKMAN, 1983).
44
outras forças contrárias que precisam ser neutralizadas pelo bem de
todos, até dos resistentes jovens.
8 RECOMENDAÇÕES E PROPOSTAS DE RESGATE SOCIAL
Com efeito, alcançar o engajamento dos jovens nas mudanças
implementadas com a inauguração da UPP, dependerá de ações
estrategicamente desenvolvidas para essa faixa etária, nas
modalidades de choque e de contínua. A primeira ação (choque),
de aplicação imediata, aqui nomeada de Passaporte Cultural 15,
tendo por fundamento o apoio da UPP Social com a mobilização de
pessoas da própria comunidade compromissadas com o resgate dos
resistentes jovens e, a segunda (contínua), condicionada ao interesse
do Ministério da Educação e Cultura (MEC) para adoção geral e/ou
ao interesse da iniciativa privada, que se prolongue pelo tempo,
amparada na base curricular de ensino, aqui nomeada, na condição
de conteúdo transverso, de disciplina Voluntariar, que se propõe a
contribuir na geração de jovens comprometidos com questões sociais
do país.
Desde a inauguração da 1ª UPP, em 2008, até as últimas
ocorridas em início de 2013, ainda se lê e se ouve, nos diversos canais
de comunicações, um forte apelo para se produzirem ações sociais que
envolvam a população jovem a um novo olhar para o mundo.
9 INSTITUIÇÃO DO PASSAPORTE CULTURAL
A proposta está em total consonância com as experiências do
Prof. Bunker Roy16 em Aprendendo com um movimento pés descalços,
no Rajastão, na Índia, na seguinte assertiva: “... não precisamos procurar
soluções lá fora. Procure soluções no interior. Ouça as pessoas que têm
15O nome Passaporte Cultural foi sugerido para facilitar a percepção do documento de
anotações de participação de crianças e jovens em atividades educativas, culturais e esportivas,
similar às anotações de um passaporte de viagem.; melhor descrito no subtítulo ‘Instituição do
Passaporte Cultural’. ( N.A.)
16‘Bunker’ Sanjit Roy é um ativista social e educador indiano que fundou a Barefoot College.
[ 1 ] Ele foi selecionado como uma das 100 personalidades mais influentes em 2010 por seu
trabalho na educação de analfabetos e semialfabetizados índios rural. Disponível em: <http://
en.wikipedia.org/wiki/Bunker_Roy> Acesso em: 28 mar., 2913.
45
as soluções na sua frente. Elas estão no mundo inteiro. Não se preocupe.
Não ouça o Banco Mundial, ouçam as pessoas ao seu redor. Elas têm
todas as soluções” (ROY, 2011, s/p).
A proposta do Passaporte Cultural está pautada no resultado
estatístico dos questionários aplicados aos jovens, na faixa etária
compreendida entre 12 e 27 anos, residentes nos morros/favelas e asfalto
nos bairros do Leme e Urca na zona sul e Jacarepaguá, na zona oeste,
da cidade do Rio de Janeiro e, também, aos jovens policiais militares
da UPP lotados em nove comunidades pacificadas e consubstanciada
nas opiniões e declarações de pessoas públicas de nossa sociedade, em
destaque:
[...] Acompanhei de perto a guerra e a vitória contra o
tráfico nessas comunidades do Rio de Janeiro. Foi uma
vitória do cidadão junto com o Estado brasileiro, e a
cultura tem uma função a cumprir nesse processo, de
dar as ferramentas para que as comunidades possam
ser autoras na transformação de sua realidade e na
promoção de uma cultura de paz17. (HOLLANDA, 2011,
não paginado).
Sabe-se que educação, cultura e esporte previnem a delinquência
porque mantêm as crianças ocupadas e longe das ruas, isso é fato!
O Passaporte Cultural deve ser uma das ferramentas para que as
comunidades possam ser autoras na transformação de sua realidade e
na promoção de uma cultura de paz , de modo que não pareça ser uma
importação de “estranhos”, isto é, de proposta de fora para dentro, do
Programa de UPP para a favela/morro, do policial integrante da UPP para
o jovem da favela/morro.
Uma coisa é ganhar cultura com apresentação de espetáculos/
orquestras sinfônicas/Papai Noel – como se fosse recompensa pela
possibilidade da paz instalada e a presença do Poder Público vigilante e,
outra coisa é o indivíduo em comunidade, conquistar cultura com esforço
próprio porque quer a paz e se recompensa com a presença e atenção
do Poder Público instalado na Comunidade. É dignidade. É se ver igual.
É lutar e não ganhar, como se fossem impotentes para conquistarem.
17Ex-Ministra da Cultura Ana de Hollanda (Portal Brasil, 2011). Substituída pela Ministra Marta
Supplicy, atual ministra quando da elaboração deste artigo.
46
Os grandes espetáculos são direitos e não benesses; as conquistas são
deveres e premiações pelos esforços despendidos.
Assim, cada criança da comunidade, após completar seis anos
de idade e, até completar os 12 anos de idade, será cadastrada
na Coordenadoria Regional de Educação – CRE, de sua localidade
residencial e/ou escolar, e receberá o Passaporte Cultural, livreto
semelhante ao passaporte de viagem e que deverá ser renovado
anualmente no início de cada ano letivo escolar, conforme a melhor
gestão. A cada ingresso nas dependências das diversas atividades
culturais e esportivas disponibilizadas na Comunidade ou fora dela,
a criança receberá um carimbo em seu passaporte: o carimbo dos
diversos núcleos culturais e esportivos da comunidade e demais
instituições da sociedade, serão precedidos de rubrica de funcionário
local responsável.
Os carimbos serão de três naturezas: visitante (para apreciar
atividades diárias desenvolvidas no espaço), integrante (para quem está
frequentando regularmente a atividade educativa - cultural ) e justificado
(para quem esteja temporariamente impossibilitado de visitar ou se
integrar em alguma das atividades).
Ao fim de um ano letivo, as crianças que apresentarem em seus
passaportes, pelo menos 12 (doze) carimbos, estarão, automaticamente,
participando de um grande sorteio na comunidade, o Grande Prêmio
Anual Comunitário, com prêmio(s) escolhido(s) e custeado(s) pelo
governo e identificados com a logomarca do projeto.
Acredita-se, assim, que cada um dos moradores passará a ser um
agente de mudança, uma força propulsora, todos entusiasmados com
a visão do resultado e o desafio do processo passará a ser um fator
motivacional em toda a comunidade.
10 VOLUNTARIAR, DISCIPLINA TRANSVERSA NOS CURRÍCULOS ESCOLARES
A proposta de obrigatoriedade da disciplina “Voluntariar” no
currículo educacional de base nacional comum para o ensino fundamental
e médio como política de segurança nacional produzirá reflexos diretos
no setor social das comunidades abrangidas pelas UPP pois, enquanto o
Passaporte Cultural sinaliza para um processo construtivo de evolução
do conhecimento através das vivências, o Voluntariar remete para
o desenvolvimento comportamental face às questões sociais que se
47
apresentem emergentes e, assim, o engajamento e a aprendizagem por
parte dos nossos jovens brasileiros se constituirão numa oportunidade
de mudanças constantes e definitivas.
Numa definição ampla de desenvolvimento, esse significa tornar a
evolução da sociedade como um processo continuadamente progressivo
de bem estar e de nível de vida, com crescentes níveis de equidade social
assegurando os equilíbrios com a natureza e a exploração sustentada
de diferentes recursos socioculturais em benefício dos cidadãos e
dos objetivos do país, reproduzível por meio de mecanismos sociais
que assegurem estabilidade social e política, o aprofundamento da
democracia e da participação livre dos cidadãos nos seus destinos e
no país. É o pleno exercício da cidadania com resultados concretos em
cooperação à segurança pública e ao fortalecimento da defesa nacional.
A cidadania, compreendida como parte de nossa vida em
sociedade; é algo que não se aprende nos livros, mas com
a convivência, na vida social e pública. É no convívio do
dia a dia que exercitamos nossa cidadania e modificamos
a sociedade, por meio das relações que estabelecemos
com os outros, com a coisa pública e o próprio meio
ambiente. 18 (MARIZ; ARRUDA, 2007, p.19).
Nessa linha de defesa, a proposta está em consonância com os
artigos e respectivos incisos do DECRETO Nº 7.690, DE 2 DE MARÇO DE
2012, em especial, os Art. 10,V, VIII c/c Art. 12,I c/c Art. 32,I, e com a
nossa Constituição Federal, especificamente, no Art. 205, donde: “A
educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida
e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e
sua qualificação para o trabalho”.
Historicamente, o Brasil é um país estruturado na pluralidade e
diversidade de identidades. Assim, desde a tradição cristã da caridade e
perpassando pelo civismo – fonte que é da consciência de ser chamado
ao exercício de virtudes morais, sociais e patrióticas – chegando à
cidadania, como exercício de participar da vida histórica, social e política
18O conceito de cidadania desenvolvido por Kátia Lage Mariz e Érica Maia Arruda, é simples e
de fácil compreensão, mas pontual e objetivo, para uma palavra muito utilizada hoje em nosso
país. (N.A.)
48
da comunidade em que se vive, há várias condutas que traduzem a
certeza de o povo ter incorporado o ato de ajudar ao próximo à sua
cultura e, assim, podem ser destacadas as inovadoras ações voluntárias
sociais nas mobilizações nos anos 90, sob a orquestração do sociólogo
Herbert de Souza (1935-97), o Betinho, com movimento da Ação da
Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
No âmbito internacional, os EUA são citados como modelo de
voluntariado no mundo. O serviço voluntário é estimulado desde a
adolescência e faz parte do currículo escolar. Em, 1997, a 52ª Sessão
da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU) acolheu, por consenso, a
proposta do governo japonês e de 122 países de proclamar 2001 como
o Ano Internacional do Voluntário. Pedro Mota Soares, Ministro da
Solidariedade e da Segurança Social de Portugal, em integração com o
Ministério da Educação, propôe que os jovens prestadores de trabalhos
voluntários tenham esse trabalho reconhecido no currículo escolar, com
anotação, também, nos certificados escolares. O propósito seria o de
progressão acadêmica e de inclusão no mercado de trabalho, como
acontece noutros países, conforme sua manifestação no Parlamento, em
14 de setembro de 2011, e divulgada na mídia.
No panorama brasileiro, a despeito de valorosas iniciativas, o
reconhecimento do serviço voluntariado, apesar de disciplinado em
Lei do Voluntariado nº 9.608, de 18 de fevereiro de 1998 e Nova lei do
Terceiro Setor, nº 9.790, de 23 de março de 1999, não tomou corpo de
disciplina escolar de obrigatoriedade nacional com reconhecimento no
certificado de conclusão escolar. Os projetos dinamizados se esgotam
neles mesmos e as ações, isoladas, seguem o mesmo destino.
E, assim, atravessa-se o tempo com uma escola que continua a se
preocupar somente com o saber formal, isoladamente, sem considerar
a realidade social e cultural de cada aluno e sua potencial contribuição
para as comunidades, do País. A escola deve ter a intenção clara de
formar o aluno para o serviço voluntariado.
Através da participação em atividades voluntárias, as pessoas
encontram espaço para seu crescimento pessoal, para a ‘autoatualização’
segundo termo cunhado por Maslow (1943)19. O processo de se
19Refere-se ao desejo de autorealização, ou seja, a tendência para ele se tornar atualizado no
que ele é potencialmente. Essa tendência pode ser expressa como o desejo de tornar-se mais e
mais o que se é , para se tornar tudo o que uma pessoa é capaz de se tornar ( MASLOW, 1943).
49
informarem, de aprimorarem seu espírito crítico, leva-os à conscientização
dos problemas.
A presente proposta, como política educacional de governo,
sustentará uma blindagem educacional à sedução criminosa e para tanto
a disciplina Voluntariar deverá ser incorporada na grade curricular como
matéria transdisciplinar a ser cursada pelos alunos matriculados nas duas
últimas séries do ensino fundamental, até a primeira série do ensino
médio, com duração de um semestre, ocasião em que serão direcionados
para os órgãos ou entidades públicas ou privadas e não governamentais
conveniadas por parcerias com as respectivas Secretarias de Educação
Estadual-SEE ou Municipal de Ensino-SME para acolher os alunos,
na condição de ouvintes e/ou observadores, nas ações específicas de
cunhos sociais.
A presença nas diversas atividades sociais disponibilizadas
graciosamente pelos órgãos ou entidades parceiras será registrada
em formulário próprio expedido pela SEE ou SME e a carga horária de
observação não deverá exceder, para efeitos de hora/aula, 4 (quatro) horas
semanais. As escolas devem, por meio de suas propostas pedagógicas e
de seus regimentos, em clima de cooperação, tendo por base o horário
e o calendário escolar, possibilitar a vinculação, motivar a frequência,
a participação dos alunos nas ações sociais dinamizadas nas entidades
vinculadas e a troca de experiências, visando ao aperfeiçoamento da
disciplina e a avaliação das entidades parceiras.
Preferencialmente, o aluno deverá ser direcionado para órgãos ou
entidades próximas ou que atuem na sua área residencial, com objetivo
de melhor se sentirem pertencente na comunidade.
Caso o aluno não esteja se identificando com o tipo de atendimento
social desenvolvido na entidade à qual foi direcionado, sem obstáculo
de qualquer natureza, ele será redirecionado à outra entidade parceira.
O fato da comunidade local não dispor de entidades que desenvolvam
ações sociais, não será impeditivo para o aluno estar vinculado em outra
entidade de outra localidade conveniada e, até mesmo, por interesse
próprio.
Ao final do semestre e tendo o aluno cumprido as formalidades e
obrigações escolares com a disciplina Voluntariar, caso deseje, poderá se
filiar como voluntário na instituição a qual frequentou ou em qualquer
outra instituição social, sem qualquer vinculação ou responsabilidade ou
50
cobrança de frequência pelas SEE ou SME.
Toda a dinâmica e demais regulamentações desta disciplina
estarão a cargo do MEC e, por suas representações, nas SEE e SME.
A consequência desse aprendizado é que o aluno deixará de ser
uma presa fácil do crime e saberá colaborar para melhores índices de
desenvolvimento humano para as Secretarias de Segurança Pública
e Assistência Social, pois “só a participação cidadã é capaz de mudar
esse país”20 e que “a comida alimenta, mas só a educação e a cultura
transformam e libertam”.21
Figura 2: “O que pensam os Jovens sobre as Unidades de Polícia Pacificadora”.
Fonte: MARIZ, 2012.
Com base em estudos de Paulo Afonso Ronca, doutor em psicologia
da educação, com enfoque no estudo da transdisciplinaridade, destaca-se:
[...] Em relação ao termo disciplina, resumimos que é
metodologia para disciplinar regulamentos na busca
do conhecimento; em relação à interdisciplinaridade,
20Herbert José de Souza, o sociólogo Betinho (1935-1997). Coordenador do comitê da Ação
Cidadania Contra a Fome, a Miséria e pela Vida.
21Maurício Andrade, sucessor de Betinho na coordenação do comitê.
51
é um conceito que aponta a transferência de métodos
de uma disciplina para a outra e a transdisciplinaridade
é uma abordagem e busca o que é comum em todos
os pensares, o lugar onde todas as ciências convergem
para que possamos entender a relação do homem
com o mundo. Um currículo transdisciplinar sugere a
abertura de nossa mente para que possamos abordar,
crítica e simultaneamente, dimensões como ecologia,
artes, televisão, política, guerras, relações de amor e de
trabalho. (RONCA, 2001, não paginado).
As escolas, visando à interação entre a educação fundamental
e média e a educação cidadã, estarão propiciando aos jovens alunos
construir suas identidades como cidadãos em processo, capazes de serem
protagonistas de ações responsáveis, solidárias e autônomas em relação
a si próprios, às suas famílias e às comunidades, conforme previsto na
Reforma de Ensino Fundamental do Município do Rio de Janeiro.
A inovação é trazer, de forma regulamentada, entidades públicas
e privadas, governamentais ou não, para o processo educacional, sem
qualquer custo para estados e municípios e sem qualquer prejuízo ao
cumprimento de metas, objetivos e carga horária destinada ao currículo
escolar, mas agregando valores perenes para a sociedade.
Uma ilustração de parceria é a experiência descrita no artigo
“A Cidadania e o Trabalho da OAB/RJ”, pela autora. Mariz afirma [...]
que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) tem como um de seus
objetivos defender a aplicação da Constituição e, por meio da Comissão
de Advogados Voluntários – “A OAB/RJ vai às escolas” – leva aos jovens
alunos esclarecimentos ao exercício pleno da cidadania. [...] e, “nós
advogados, temos por formação e dever a responsabilidade de traduzir
para o cidadão comum as intricadas relações jurídicas que norteiam o
cotidiano, e, [...] mediante [...] palestras [...] proporcionando ao aluno
entender a relação do homem com o mundo, contribuindo, dessa forma,
para um novo conceito de humanismo” (MARIZ, 2006, não paginado).
Assim como a OAB/RJ, a Fundação Viva Rio, e a Fundação Roberto
Marinho oferecem programas sociais, tais como, Amigos da Escola e
Criança Esperança e muitos outros de entidades públicas e privadas
nacionais e outros órgãos governamentais ou não. Há, também,
outros programas de organizações internacionais com os mesmos
objetivos, como a Cruz Vermelha, Lions Clubs Internacional, Rotary Club
52
Internacional, União dos Escoteiros do Brasil, Médicos Sem Fronteiras,
o Serviço Voluntário Internacional do Brasil, que tem ramificações em
vários países bem como as Forças Armadas do Brasil por meio de seus
inúmeros projetos e programas, além de outras entidades com igual
valoração.
11 RESSIGNIFICAR PARCERIAS PÚBLICAS E PRIVADAS
A ressignificação proposta está na valoração das variadas
oportunidades, facilidades, programas e projetos que a sociedade
dispõe por meio de instituições e organismos governamentais e não
governamentais, integrando-as pelo Ministério da Educação e Cultura
– MEC, mediante suas Secretarias e Coordenadorias Educacionais,
de forma que o MEC, adotando o Passaporte Cultural e a disciplina
Voluntariar, passe a proporcionar a vinculação formal entre a população
e as políticas de governo, criando mecanismo de mensuração objetiva
de tais colaborações em benefício do conjunto dos programas sociais
disponibilizados para a área de segurança pública.
Segundo o Secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, os
programas sociais ainda estão surgindo lentamente. E precisa-se de
velocidade para mostrar a esses jovens que é melhor estar do lado formal,
do Estado, do que do lado do crime, do poder paralelo. (BELTRAME,
2012)
A professora de Alagoas, Maria José da Silva, a Zezé, mãe do Tiago
Tierra – de 16 anos, morto covardemente ao descer de um ônibus por
estar acompanhando um amigo viciado, na ocasião também morto,
quando sempre acreditou que poderia resgatar o amigo do vício das
drogas – escreve à Presidente do Brasil: “Nossas crianças e nossos
jovens necessitam que se invista muito mais em lazer e em cultura.
Porque, quando se investe em educação, cultura e lazer, se está fazendo
o maior investimento na segurança pública... pois em cadeias não se
educa ninguém, nem tampouco em CRMs (Centro de Recuperação de
Menores). [...]”, diz em trecho da carta.
Mesmo com a presença das UPP, a ameaça do crime é constante, a
desconfiança entre autoridades policiais e os jovens moradores precisam
ser superadas, a população já sabe o que deseja e é preciso, restando ao
Estado formalizar anseios.
53
CONCLUSÃO
A metodologia usada no estudo da resistência juvenil aos policiais
e/ou Programa de UPP mostrou-se efetiva, especialmente, na expressão
psicossocial, por abordar, como dito, o comportamento dos jovens
diante da segurança pública, valores da cidadania e de defesa nacional,
tendo por parâmetro a política de segurança pública adotada no Rio de
Janeiro.
No conjunto das informações e análises do estudo, verificase que as propostas do Programa Passaporte Cultural e a inserção da
disciplina Voluntariar no currículo escolar de base nacional, são um
efetivo instrumento de baixo custo ao governo – que pode vir a se
constituir no futuro – de democratização da cultura e da educação
cidadã, propiciando aos jovens alunos um sistema de ensino nos moldes
dos ensinos americano e europeu; preparando o país do futuro com a
educação focada na formação complementar e continuada de cidadãos
conscientes de seus direitos e deveres, com uma visão global do país,
capazes de conduzir as mudanças necessárias para o desenvolvimento
econômico, ambiental, sociocultural e político nacional.
O governo, tanto na esfera federal, estadual e municipal, deve se
comprometer a tornar a disciplina Voluntariar obrigatória no currículo
escolar e estimular a adoção do Passaporte Cultural, ressignificando
parcerias públicas e privadas, como o investimento necessário para uma
equação eficaz que resolva a apontada estratificação social existente,
reconhecendo que não basta guardar, transmitir ou refletir a cultura
existente, não basta um novo saber experimental e tecnológico, não
basta... É necessário participar e fazer o Brasil acontecer.
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59
INTERVENÇÃO JUDICIAL NA PUNIÇÃO
DISCIPLINAR: IMPLICAÇÕES
Marcelo de Nardi*
RESUMO
A hierarquia e a disciplina no ambiente militar são essenciais
para o cumprimento da finalidade precípua das Forças Armadas,
simplificadamente traduzida na atividade de defesa da pátria. Entre
os poderes da autoridade militar está o de impor pena disciplinar
consistente em restrição ao direito de ir, vir e permanecer. Persiste, no
Brasil, discussão acerca da possibilidade de intervenção judicial sobre
tais atos administrativos, e qual o alcance efetivo que tal intervenção
pode atingir. Tudo gira em torno do disposto no § 2º do art. 142 da
Constituição (BRASIL, 1988): Não caberá “habeas-corpus” em relação
a punições disciplinares militares. Este estudo resenha a situação atual
da discussão, examina as possibilidades justificadoras da intervenção
judicial, e identifica os limites da atuação judicial em tais casos. Culminase com uma proposta de emenda constitucional para alteração do
referido § 2º do art. 142.
Palavras-chave: Direito Constitucional. Direito Administrativo. Controle
jurisdicional dos atos administrativos. Hermenêutica constitucional.
Punição disciplinar militar. Liberdade. Hierarquia e disciplina.
ABSTRACT
Hierarchy and discipline in military matters are essential to the fulfillment
of the Armed Forces tasks, that could be simply stated as the nation’s
defense. Among the powers vested upon Brazilian military authorities
is the power to impose disciplinary penalties by means of restriction
of freedom of its personnel. The possibility of judicial review of such
administrative acts has been in discussion. Whether judicial review is
admitted, the need to define the boundaries of that intervention shall be
__________________
* Doutor em Direito Privado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – FRGS; estagiário do
Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia 2012, ESG. Contato: [email protected]
60
established. That power is restricted by the statement of paragraph 2nd
of article 142 of the Brazilian Constitution: “Habeas-corpus” shall not
apply to military disciplinary punishments. This paper reviews the current
situation of the discussion, examines the possibilities of judicial review,
and identifies the boundaries of judicial intervention in such cases. At
the end, an amendment to paragraph 2nd of article 142 of the Brazilian
Constitution is proposed.
Keywords: Constitutional law. Administrative law. Judicial review of
administrative acts. Constitutional interpretation. Military disciplinary
penalty. Freedom. Hierarchy and discipline.
1 INTRODUÇÃO
O regime constitucional de 1988 reafirmou no ordenamento
jurídico brasileiro a possibilidade de revisão jurisdicional de todos os
atos administrativos da Constituição, art. 5º, inc. XXXV (BRASIL, 1988),
consagrando uma forma de organização dos poderes da República de
longo desenvolvimento histórico (MENDES; BRANCO, 2012, p. 59). O
uso de ação judicial para controle de atos disciplinares provenientes
da administração militar revela zona de choque com os preceitos
constitucionais que regem a organização dessas forças conforme a
Constituição de 1988, art. 142, § 2º, com efeito deletério sobre a
hierarquia e a disciplina, sustentáculos das Forças Armadas.
O principal conjunto de casos judiciais que registra a incidência
desse conflito, entre outras hipóteses, é o dos habeas-corpus intentados
em favor de militares submetidos a punições disciplinares.
O presente estudo examina o tema diante dos registros doutrinários,
dos comentários dos juristas. O problema é como coordenar vigência e
proteção aos princípios da hierarquia e da disciplina nas Forças Armadas
com as exigências de regularidade e legitimidade para a realização dos
atos administrativos disciplinares.
Vale destacar que este trabalho não pretende discutir a
constitucionalidade ou adequação ao ordenamento jurídico brasileiro
da pena disciplinar de restrição ao direito de ir, vir e permanecer. Terse-á como axioma, portanto, sua compatibilidade com a ordem jurídica
brasileira, especialmente tendo por base o que prevê o inc. LXI do art.
5º da Constituição (BRASIL, 1988): “ninguém será preso senão em
61
flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime
propriamente militar, definidos em lei”.
Culminar-se-á com a exposição de um modelo de atuação judicial
que permita compor o conflito de princípios constitucionais em forma
consentânea com a necessária evolução da sociedade brasileira. Para
tanto se propõe analisar as possibilidades, limites e implicações da
intervenção judicial em tais situações, em busca dos adequados limites
para a atividade administrativa disciplinar e para a intervenção judicial,
inclusive sob o aspecto constitucional.
2 CONCEITOS GERAIS
O presente capítulo apresentará dois grupos de conceitos essenciais
à compreensão do tema proposto: 1) as especificações de norma em
princípios e regras, e a sua aplicação sob a orientação da hermenêutica
constitucional; e 2) a renovação dos conhecimentos sobre a possibilidade
de intervenção judicial sobre atos do Poder Executivo, do administrador,
com base na organização dos poderes estatais brasileira. Esses conceitos
serão aplicados no capítulo subsequente para especificação do conteúdo
mais imediato do trabalho.
2.1 Normas, princípios, regras
O modo de interpretação de textos legais e constitucionais
conheceu uma evolução importante ao longo do século XX. Apartandose da pretensão positivista de solução dedutiva com base em preceitos
abstratos (WIEACKER, 1993, p. 492), alcançou um método de forte
vinculação com o caso concreto e suas circunstâncias objetivas. O
que se entende na atualidade por interpretação constitucional, ou
hermenêutica constitucional, traduz a necessidade de aprofundamento
da compreensão dos fatos catalogados no caso concreto, alçando-os a
elementos centrais na investigação da solução judicial a ser aplicada,
iluminada pela percepção que a sociedade tem daquelas situações
específicas (VHOSS, 2008, p. 483).
O método puramente dedutivo, do tipo norma→fato, não
mais responde às necessidades interpretativas, notadamente após a
62
conformação das constituições surgidas no mundo na segunda metade
do século XX. Tomando como marco a Lei Fundamental alemã de 1949, a
interpretação judicial passou a complexificar a percepção dos catálogos
de direitos constitucionalmente previstos, os direitos fundamentais,
verificando e solucionando as colisões entre as normas com o novo
instrumento da hermenêutica constitucional.
Jairo G. Schäffer (2001, p. 33-34) esclarece o que sejam os direitos
fundamentais:
Os direitos fundamentais em sentido formal podem ser
identificados como aquelas posições jurídicas da pessoa
humana - em suas diversas dimensões (individual, coletiva
ou social) - que, por decisão expressa do legislador
constituinte, foram consagradas no catálogo dos direitos
fundamentais. Direitos fundamentais em sentido
material são aqueles que, apesar de se encontrarem fora
do catálogo, por seu conteúdo e por sua importância,
podem ser equiparados aos direitos formalmente (e
materialmente) fundamentais. A Constituição Federal do
Brasil, em seu art. 5º, § 2º, exterioriza o entendimento
segundo o qual, além do conceito formal de direitos
fundamentais, há um conceito material, no sentido de
que existem direitos que, por seu conteúdo, pertencem
ao corpo fundamental da Constituição de um Estado,
mesmo não constando expressamente do catálogo.
O resultado desse exercício impôs nova percepção sobre a natureza
das normas jurídicas, tornando necessário separá-las em duas categorias:
as regras, conforme fossem passíveis de aplicação por subsunção
direta, ou seja, de forma exclusivista, em raciocínio que identifica uma
só norma aplicável, com rejeição das demais, diante do conjunto de
fatos em exame; ou os princípios, aplicáveis por ponderação, de modo
a compatibilizar cada um deles com os demais, fazendo-os incidirem
todos em conjunto na maior intensidade possível e sem supressão de
qualquer deles (SCHÄFFER, 2001, p. 42). Os modelos podem coexistir no
ambiente jurídico, o que implica aumento da complexidade da tarefa de
interpretar a lei e a Constituição para solucionar os casos concretos.
O modelo de norma princípio permite compreender e aplicar os
direitos fundamentais garantidos nas constituições mais recentes, sem
que o efeito de aplicação exclusiva peculiar às normas do tipo regra
63
implique supressão de direitos fundamentais por preeminência de
algum deles.
A compreensão do modelo de norma princípio fica facilitada
quando se observa o modo de solução do conflito entre normas. Quando
as regras se apresentam em conflito, cada uma delas beneficiando
uma posição jurídica específica (vale dizer, um sujeito específico),
há disposições legais adequadas para identificar qual delas deve ser
priorizada, de modo que a incidência de uma delas exclua as demais. O
preceito jurídico, assim obtido, solucionará a disputa.
Já quando se examina um conflito de princípios, a exclusão não é
admissível, à vista da importância dos mandamentos contidos em tais
normas. Em exercício argumentativo de redução ao absurdo, poder-seia imaginar a hipótese de conflito entre os princípios de liberdade de
expressão, consoante a Constituição, art. 5º, inc. IV (BRASIL, 1988), e o
de proteção à intimidade, também de acordo com Constituição de 1988,
art. 5º, inc. IV: ambos são essenciais à dignidade da pessoa humana
(BRASIL,1988, art. 1º, inc. III). Adotar a forma interpretativa do modelo de
norma regra (a hermenêutica tradicional) implicaria supressão de um dos
direitos fundamentais, fazendo prevalecer o outro e com isso prejudicando
a dignidade da pessoa humana. A proposta da hermenêutica constitucional
é ponderar a aplicação simultânea de ambos os princípios, de acordo com
as condições objetivas do caso concreto, conduzindo a resultado que
permita a incidência conjunta, maximizadas suas postulações. Toda solução
encontrada por esse método será sempre relacionada ao caso concreto
específico, não implicando uma generalização para casos semelhantes
sem renovação do procedimento.
O instrumento de aplicação da hermenêutica constitucional é a
argumentação jurídica, meio de legitimação e controle das decisões, e
essencial para testar as hipóteses e limites de convivência dos princípios,
em busca da solução para o caso concreto.
Exercitando a operação interpretativa da hermenêutica tradicional,
verifica-se a impossibilidade de aplicar o instrumento processual habeascorpus para atacar ordem de autoridade militar que imponha a prisão
como pena disciplinar. Há subsunção direta da norma do § 2º do art. 142
da Constituição, instituindo exceção expressa à norma do inc. LXVIII
do art. 5º da Constituição, e retirando do elenco de remédios jurídicos
viáveis para tais casos o dito habeas-corpus.
64
Neste ponto, o legislador constitucional fez expressa exceção ao
uso de um instrumento processual de longa evolução no ordenamento
jurídico brasileiro. Qualquer uso que se fizer desse instrumento para tal
fim será contrário à exceção constitucional, e merecerá reparos por meio
dos recursos pertinentes.
A realidade judiciária reconhece essa conclusão, porém distingue
o uso do instrumento como meio para atacar a decisão material de
imposição da pena disciplinar, do uso para atacar falhas no procedimento
administrativo de imposição da pena disciplinar, como se pode verificar
em precedentes do Supremo Tribunal Federal (p. ex. STF, 2ª Turma,
unânime, RE 338.840, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 19 ago.2003).
Conclui-se, pois, que a norma de exceção do uso do habeas-corpus
incide e é eficiente, mas se submete a uma interpretação restritiva, para
abarcar somente os casos em que o instrumento é utilizado para impugnar
o conteúdo material da decisão da autoridade militar. Nos demais casos,
notadamente aqueles de falha procedimental ou de desvio da finalidade
do ato administrativo-disciplinar, faz incidir a norma de proteção ao
direito de ir, vir e permanecer por habeas-corpus previsto no inc. LXVIII
do art. 5º da Constituição (ALVES; MELLO FILHO, 2011, p. 483). Exercitouse a hermenêutica constitucional, impondo a conclusão de que apesar de
existir regra vedando o uso do instrumento jurisdicional habeas-corpus,
pode ele ser empregado na proteção de princípio que é preeminente
sobre a vedação, e deve ser vigente em convivência com o princípio de
preservação da hierarquia e da disciplina.
2.2 Intervenção Judicial
A possibilidade de intervenção judicial sobre os atos da
Administração Pública registra evolução que coincide com a história do
constitucionalismo contemporâneo. Trata-se de limitação de poderes,
de constrição do poder de governar através de obstáculos externos ao
detentor desse poder.
A organização do Estado que, assim se conforma, se reporta
à famosa teoria de Montesquieu de equilíbrio entre poderes
(MEIRELLES, 1989, p. 52), idealizados como reciprocamente limitantes
e potencializadores. O melhor modelo, todavia, não é o descritivo de
uma plena independência e autonomia dos Poderes da União (BRASIL,
65
1988, art. 2º), mas sim o que os considera como harmônicos, partes
indissolúveis do mesmo e único poder de Estado, cada um com funções
específicas (CRETELLA JÚNIOR, 1992, p. 17-18). A resultante de tal
perspectiva é considerar a “separação” como um recurso didático, tanto
do ponto de vista do exercício da democracia e do Estado de Direito,
como no sentido acadêmico (CRETELLA JÚNIOR, 1992, p. 20).
O conceito a conservar, portanto, é de que a teoria da separação
(do equilíbrio) de poderes do Estado, constituída em momento histórico
de quebra do poder absoluto do monarca e de consolidação do Estado
nacional, requer uma mitigação na atualidade, salientando-se o
conceito de harmonia entre as funções do poder estatal (MEIRELLES,
1989, p. 52).
Em todo e qualquer sistema há a exigência lógica de normas
básicas que sirvam como controladoras de sua integridade, razões da
conformação de sua identidade como sistema. Qualquer organização
estatal passível de descrição como Estado de Direito pressuporá a
supremacia da Constituição, entendida como o conjunto das normas
básicas, fundamentais, legitimadoras de toda ação conforme a essa
organização (BARROSO, 2010, p. 5). Será a Constituição, nesse contexto,
a norma definidora do sistema: o que estiver de acordo com essa norma
é adequado e deve ser sustentado e incentivado, o que com ela não
estiver de acordo deve ser combatido e reprimido.
Verifica-se desse raciocínio que todos os fatos são passíveis de
compreensão jurídica, sejam eles favoráveis ou contrários aos valores
deduzidos na Constituição. A percepção sistêmica a dar aos fatos não é
de exclusão (ôntica), mas sim de valores (deôntica), no sentido de que o
fato será reconhecido pelo sistema, mas por ele será classificado como
“interessante” ou “desinteressante”, para fins de ser incentivado ou
reprimido. Ser o fato contrário aos valores contidos na Constituição (e no
ordenamento jurídico como um todo) não o torna fora do Direito, apenas
define o sentido da ação daquela organização estatal: reprimi-lo.
Por esse raciocínio, combinado com o anterior sobre unidade dos
poderes estatais, pode-se admitir uma dinâmica de funcionamento dos
diversos poderes, muitas vezes harmônicos, algumas vezes independentes,
eventualmente em conflito, sem que desses movimentos resulte quebra
de juridicidade. Há, sim, que combater o que seja contrário aos valores,
mas jamais o desconhecer.
66
Quando se trata de resolver sobre a adequação ou contrariedade
aos seus valores, a Constituição do Estado brasileiro indicou como
órgão máximo o Supremo Tribunal Federal, a quem atribuiu sua guarda,
segundo a Constituição de 1988, art. 102. Cuidando-se de verificação
em concreto da compatibilidade de atos em geral com a Constituição
(especificamente os administrativos para o que interessa neste estudo)
a última palavra, a decisão final, compete ao Supremo Tribunal Federal,
órgão do Poder Judiciário. Não bastasse isso, a todos os juízes é dado
resolver sobre a constitucionalidade das leis e dos atos administrativos,
conforme o sistema de controle de constitucionalidade adotado pelo
Brasil (BARROSO, 2010, p. 5).
Afirmar uma “supremacia do Poder Judiciário” comporta
ressalva, portanto, pois olvida a unidade entre os Poderes do Estado,
e desconsidera a obrigatoriedade da motivação das decisões judiciais
conforme a Constituição de 1988, art. 93, inc. IX, método político e jurídico
de controle dos atos dos juízes. Também se evidencia no Poder Judiciário
elemento de harmonização dos Poderes do Estado, caracterizado pelo
método de seleção dos membros de seus órgãos mais centrais, com
forte intervenção dos Poderes Executivo e Legislativo, vide Constituição
(BRASIL, 1988, art. 101, parágrafo único).
Sobre o controle do ato administrativo, é relevante notar que
tal atividade não é exclusiva do Judiciário, senão compete a todos os
Poderes de Estado, embora se reconheça maior eficiência ao controle
judicial. Nos dizeres de José Cretella Júnior (2001, p. 329, destaques no
original):
Obedecendo ao princípio da legalidade, é necessário,
pois, que todo o aparelhamento do Estado, localizado
nos órgãos dos três Poderes, lhe controle os atos,
efetivamente, na prática, mediante uma série de
mecanismos, de “freios e contrapesos”, que se reduzem,
na realidade, a três tipos de controles: o controle
administrativo (ou autocontrole), o controle legislativo
e o controle jurisdicional. Dos três, o mais eficiente
é o controle jurisdicional dos atos da Administração,
mediante uma série de ações utilizadas pelo interessado,
na “via judicial”. Desse modo a Administração é submetida
à ordem judicial.
67
Verifica-se que a lógica de organização estatal, que tem entre seus
valores o modelo do Estado de Direito, de acordo com a Constituição de
1988, art. 1º, demanda um esquema de controle da constitucionalidade
dos atos legislativos e da administração. Tal controle há de ser limitador
do exercício dessas funções ao âmbito dos valores definidos pela própria
Constituição. No Brasil, esse controle é exercido, em modo definitivo,
pelo Poder Judiciário, sem prejuízo do controle “intrafunções”.
3 O CONTROLE JUDICIAL
Descritos os conceitos principais no item anterior, o presente se
serve deles para discutir a possibilidade de controle judicial sobre o ato
administrativo disciplinar, revisando longo debate brasileiro sobre a
matéria para concluir pela possibilidade, com restrições. Após, alcançase a etapa de propor modelo de intervenção judicial, respeitando os
limites encontrados nas etapas anteriores.
3.1 Controle judicial do ato administrativo disciplinar
A possibilidade de controle do ato administrativo propaga-se
sobre os atos administrativos disciplinares das Forças Armadas. Esse
controle, todavia, não é isento de limitações. O ponto é descobrir
exatamente onde estão tais limites. Frequentemente os argumentos
são esgrimidos através de métodos de interpretação próprios das
regras, desconsiderando o método de hermenêutica constitucional
aqui já descrito (v. acima, tópico 2.1 NORMAS, PRINCÍPIOS, REGRAS).
Assim, boa parte dos trabalhos calcados em tal modo de exame deve
ser desconsiderada, tendo em vista a insuficiência do instrumento
interpretativo utilizado. Observe-se que muitos têm profundo e
perfeito raciocínio lógico, com operações de subsunção e discussão
de preeminência de regras perfeitamente aceitáveis e validáveis
do ponto de vista formal. Falham, todavia, ao adotar os enunciados
constitucionais sob a forma de regras e não de princípios, por pretender
um raciocínio excludente e não de maximização de efeitos (MORAES,
2004, p. 111).
O controle judicial sobre os atos administrativos disciplinares
conhece limitações relacionadas ao conteúdo específico da decisão de
impor a pena e sua motivação. Esse conteúdo, que não se confunde com
68
os requisitos formais do ato, é conhecido como mérito administrativo,
em uma linguagem mais remota (MENDES; BRANCO, 2012, p. 478). É
relevante mencionar que os requisitos formais do ato administrativo
(forma prescrita, competência do administrador, em resumo) desde
muito são compreendidos como sujeitos à plena revisão judicial, ou seja,
ao controle de sua legalidade (MORAES, 2004, p. 81).
Por muito tempo, dominou o raciocínio jurídico brasileiro a
tese de que o mérito administrativo não estava sujeito ao controle
pelo Poder Judiciário (COELHO, 2002, p. 42). A evolução do Estado de
Direito, especialmente após a vigência da Constituição de 1988, tornou
insustentável essa tese, pois que o abuso ou desvio de poder podem
manifestar-se no âmbito do descrito como mérito administrativo
(MORAES, 2004, p. 104 e 110).
Três são as correntes doutrinárias concentradas em compreender
as limitações ao exame judicial dos atos administrativos discricionários:
a da “discricionariedade ampla, a da discricionariedade restrita, e a
da discricionariedade tendente a zero” (DIAS, OLIVEIRA e NAIMEG,
2008, p. 8 e segs.). Pela corrente de discricionariedade ampla, mais
remota, somente o controle da legalidade estaria autorizado ao
Poder Judiciário. Segundo a doutrina da discricionariedade restrita,
ou por outra via, da “discricionariedade restrita e controle ampliado”
(DIAS; OLIVEIRA; NAIMEG, 2008, p. 9-10), o uso da hermenêutica
constitucional, da valoração e ponderação dos princípios
constitucionais, na interpretação da atividade administrativa
estende a possibilidade de controle judicial, reservado sempre um
conteúdo ainda identificado como “mérito do ato administrativo,
que constitui o núcleo da discricionariedade e está relacionado ao
juízo de conveniência e oportunidade a ser delineado pelas regras
não positivadas da ‘boa administração’” (DIAS; OLIVEIRA; NAIMEG,
2008, p. 10). Já conforme a doutrina da discricionariedade tendente
a zero, caracterizada pela maximização da técnica de hermenêutica
constitucional de valoração dos princípios constitucionais, não
remanesceria no agir administrativo qualquer parcela protegida do
controle judicial (DIAS; OLIVEIRA; NAIMEG, 2008, p. 12).
A posição atualmente adotada na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal é identificável como a intermediária, de
“discricionariedade restrita”, conforme se pode claramente verificar
69
do precedente já citado, e é atestado em registros acadêmicos (DIAS;
OLIVEIRA; NAIMEG, 2008, p. 14).
Pode-se afirmar, portanto, que “a revisão judicial ou jurisdicional
recai, sem exceção, sobre qualquer tipo de ato administrativo
defeituoso” (CRETELLA JÚNIOR, 2001, p. 330). Os atos administrativos de
qualquer natureza estão, sempre, sujeitos a exame pelo Poder Judiciário,
ressalvado que permanece um campo de decisão impossível de controlar
judicialmente, mas que está contido nos limites da constitucionalidade e
dos preceitos de boa administração (BANDEIRA DE MELLO, 1996, p. 88).
Ou seja, nas palavras de José Cretella Júnior (1992, p. 24, destaques no
original):
Em última análise, o controle jurisdicional da
Administração Pública está afeto ao Poder Judiciário,
sempre que qualquer ação ou medida de autoridade
administrativa, eivada de ilegalidade ou abuso de poder,
traga ou ameace trazer prejuízos ao administrado.
Sob tais considerações, portanto, verifica-se que o ato
administrativo disciplinar, espécie do gênero “ato administrativo”, está
sujeito ao controle jurisdicional, e dele não pode ser excluído por sua
simples natureza.
3.2 Limites ao Controle Judicial da Punição Disciplinar
Estabelecida a possibilidade de controle judicial do ato
administrativo disciplinar, impõe-se explorar seus limites, como forma
de oferecer contribuição efetiva ao dia a dia judicial e castrense.
O primeiro ponto a enfrentar, e o mais óbvio, é como
compatibilizar o preceito de vedação do uso do instrumento do
habeas-corpus em matéria de punição administrativa disciplinar
militar resultante em constrição do direito de ir, vir e permanecer,
vigente na Constituição, 1988, art. 142, § 2º, com a argumentação até
aqui apresentada. A resposta mais direta, que adota a hermenêutica
tradicional, indica impedimento do uso desse instrumento processual
para sujeitar a exame judicial uma lesão ou ameaça a direito praticada
pela administração. Observe-se que tal conclusão é decorrente de
subsunção direta.
70
A premissa obtida não gera resultado eficiente; de fato, acaba se
revelando inútil. Outros instrumentos processuais (exemplificativamente:
o mandado de segurança, ou a ação ordinária) são tão ou mais eficientes
que o habeas-corpus, e têm possibilidade de materializar mandamentos
judiciais extremamente expeditos, inclusive sem a oitiva preliminar da
autoridade responsável pela imposição da pena disciplinar.
Utilizar tal sistema interpretativo, pois, resulta em nenhuma
eficácia do mandamento constitucional.
O caminho da hermenêutica constitucional, todavia, permite
considerar os princípios da garantia de liberdade individual (para o que
interessa aqui em sua faceta da liberdade de ir, vir e permanecer) e da
organização das Forças Armadas sobre os pilares da hierarquia e da
disciplina. Uma primeira aproximação desse exercício, e já tomando em
consideração a conclusão anterior sobre a ineficácia da previsão do § 2º
do art. 142 da Constituição segundo a hermenêutica tradicional, permite
inferir que a restrição ao exercício do habeas-corpus contra punições
disciplinares é regra que busca dar concretude ao princípio da hierarquia
e da disciplina. Tal linha de argumentação permite integrar o preceito ao
exame de maximização de princípios, e considerar que sua aplicação não
se faz por forma absoluta, mas sim enquanto não esteja prejudicando de
modo excessivo a garantia de liberdade.
A ação do juiz, confrontado com a proposta de exame judicial de um
ato administrativo de imposição de pena disciplinar militar de restrição
da liberdade, estabelecer-se-á, conforme modelo ideal aqui figurado,
em três patamares de complexidade. No primeiro deles, verificará
(1) a correção formal do ato; no segundo, avaliará se a autoridade não
se houve em (2) desvio ou abuso de poder; e, finalmente, no terceiro,
sindicará (3) a razoabilidade da medida adotada. As etapas de exame
devem ser executadas na sequência aqui apresentada; sucumbindo o
ato a alguma delas, deve o juiz intervir, antes mesmo de prosseguir para
as etapas seguintes.
Em um caso ordinário de exame judicial de imposição de
pena administrativo-disciplinar por autoridade militar, deverá o juiz
verificar, preliminarmente, se há correção formal no ato administrativo.
Considerará a forma procedimental, o cumprimento desse procedimento,
essencialmente caracterizado pela outorga da oportunidade de
“contraditório e ampla defesa” (BRASIL, 1988, art. 5º, inc. LV). Os
71
procedimentos de imposição da pena disciplinar militar estão previstos
nos regulamentos disciplinares específicos das Forças, e contemplam as
oportunidades mencionadas.
A “ampla defesa” implica a assistência de advogado, mesmo
na fase de apuração e julgamento pela autoridade disciplinar militar
(PENICHE, 2012, p. 54), apesar de a Súmula Vinculante nº 5, do
Supremo Tribunal Federal (“A falta de defesa técnica por advogado no
processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”), indicar
solução diferente (ASSIS, 2008, p. 4). A presença do advogado favorece
a presunção de cumprimento dos requisitos procedimentais e respeito
às garantias constitucionais. É certo que o Supremo Tribunal Federal,
ao editar verbete sumular vinculante, reconheceu no administrador
um estrito cumpridor dessas condições, mas a efetiva prova no caso
concreto fica muito facilitada quando presente a defesa técnicojurídica.
Qualquer falha procedimental autorizará intervenção judicial.
Observe-se que o cuidado da autoridade de apuração e de imposição de
pena deve ser extremo, e que não há definição objetivamente verificável
por antecipação (em abstrato) do que seja o cumprimento dos preceitos
de ampla defesa e de contraditório. A condução desse procedimento
deve ter em consideração, permanentemente, o fim de cumprir tais
direitos do investigado.
Grave que é a falha procedimental, comparada à restrição
da liberdade do sujeito da apuração disciplinar, é cabível imediata
intervenção judicial, inclusive com tutela de urgência (liminar, medida
cautelar, antecipação da tutela jurisdicional), manifesta que estará a
ilegalidade da imposição de pena.
Cumprida a verificação de procedimento, passará o Juiz ao exame
dos conteúdos intrínsecos do ato administrativo disciplinar, consistentes
na verificação de quatro itens, como ilustra Manoel Gonçalves Ferreira
Filho (2012, p. 348-349, destaques no original), citando Pontes de
Miranda:
Como assinala Pontes de Miranda (Comentários, cit.,
art. 141, §23), a transgressão disciplinar tem quatro
pressupostos: 1º) “hierarquia”: o transgressor deve estar
subordinado a quem o pune; 2º) “poder disciplinar”:
a lei deve atribuir poder de punir a esse superior; 3º)
72
“ato ligado à função”: o fundamento da punição tem de
ligar-se à função do punido; 4º) “pena”, ou seja, sanção
prevista na lei. Se faltar qualquer desses pressupostos,
não houve, na verdade, transgressão disciplinar. Daí
decorre que o cerceamento da liberdade de locomoção é
ilegal, donde deve ser concedida a ordem judicial.
Havendo falha quanto aos pressupostos do ato administrativo,
deve o juiz intervir, determinando ao administrador a correção do ato,
se possível.
Ultrapassado o exame de forma, e sobrevivente o ato, deve o
juiz sindicar a existência de desvio ou abuso de poder (MORAES, 2004,
p. 160), em exame além da questão formal e objetiva, alcançando as
razões psicológicas que impeliram a autoridade a adotar a imposição da
pena. Verificando-se nesse exame que o impulso motor da autoridade
desborda da finalidade administrativa, deve o juiz intervir, invalidando
imediatamente o ato, diante da ação distorcida do administrador
no exercício do poder que lhe é conferido. Acessoriamente, deve
representar à autoridade superior indicando a ocorrência do desvio ou
abuso de poder, para fins de apuração de responsabilidade disciplinar,
e eventualmente formulando representação criminal. A imposição de
penalidade mediante o cumprimento regular das formalidades a ela
inerentes, mas fundada em elemento psicológico emergente de disputa
pessoal entre o apenado e a autoridade impositora é exemplo candente
do desvio de poder.
Por fim, superados os exames anteriores com preservação do ato,
deve o juiz perscrutar a razoabilidade da pena imposta, levando a cotejo
as condições objetivas que ensejaram a imposição da pena disciplinar
com as condições subjetivas da pessoa do punido, de modo a concluir
pela adequação da restrição da sua liberdade. Importante é lembrar que
ambos os princípios - “liberdade”, e “hierarquia e disciplina” - devem
coexistir no máximo possível de seu valor. Remanesce ao juiz, pois, o
poder de revisar a adequação da pena à situação fática que a ensejou,
avaliando se houve excesso pela autoridade, extremado rigor, que já
nesta quadra se revelará fora da hipótese extrema do desvio ou abuso
de poder.
Assim, penetrará o juiz no exame da compatibilidade da sanção
imposta com a situação que a ensejou, encontrando finalmente os limites
73
de sua possibilidade de controlar o ato administrativo. Aqui delibera o
juiz em fronteira de difícil definição prévia e abstrata, pois somente o
caso concreto lhe dará suficientes elementos para firmar a convicção
mais acertada. Daí, a imensa importância da motivação completa que a
autoridade impositora da pena disciplinar venha a produzir, informando
o ato e o convencimento do juiz com o máximo de dados possível,
inclusive quanto a circunstâncias influenciadoras do moral da tropa a
que pertence o militar punido.
Em tentativa de iluminar um pouco essa larga interface, importa
dizer que o juiz não pode substituir ao comandante militar para
avaliar ampla e completamente a conveniência e oportunidade da
sanção disciplinar. O exame da ponderação dos princípios é de visada
distante: não pode o princípio de liberdade ser valorizado em completa
supressão da hierarquia e da disciplina. O olhar do juiz, portanto, é o de
perceber o exercício da autoridade dentro do espectro de convivência
dos princípios em questão, fazendo com que haja necessária razão
de proteção da hierarquia e da disciplina a justificar a constrição da
liberdade, em medida razoável e consentânea com os valores em jogo.
A argumentação jurídica, instrumento da hermenêutica constitucional,
constitui o suporte de apresentação e cotejamento dos valores em jogo.
Deve ela ser exercitada pela autoridade, compondo fundamentação de
seu ato que expresse sua compreensão de que há valores constitucionais
em potencial conflito, e qual caminho adotou para escolher a medida de
incidência de cada um deles.
Não intervirá o juiz na modulação estrita, fina, da pena, tampouco
na oportunidade de sua imposição ou momento de cumprimento.
Observará tais condições de um olhar distante, velando pela restrição
da discricionariedade administrativa ao campo de convivência dos
princípios, sempre em busca de maximizar seus valores individuais ao
mesmo tempo. Não é tarefa fácil, há elevado grau de subjetividade, mas
sempre haverá de ser fundamentada a decisão.
A intervenção do juiz em tal tema produz a maior e mais perigosa
interferência na autoridade do comandante militar (NASCIMENTO,
2011, p. 7-8). Examinar a decisão de mérito é potencialmente contrariar
sua decisão específica. O juiz deve, portanto, restringir sua ação a
examinar o caso em busca de discrepâncias graves, de aberrações que
caracterizem uma grave distorção. A intervenção somente se justificará
74
se o balanço entre os princípios constitucionais em jogo estiver afetado,
caracterizando-se uma oportunidade de intervenção somente para coibir
uma absurda atuação da autoridade. Assim, exercer controle judicial
sobre o conteúdo do ato de punição disciplinar deve ser ação de caráter
excepcional, diante de situação aberrante (ALVES; MELLO FILHO, 2011,
p. 489).
Nunca será demais observar que as decisões administrativas de
imposição de pena disciplinar estão sujeitas a recursos administrativos
(SILVA, 2001, p. 26), que reservam oportunidade de revisão seguindo o
curso da estrutura hierárquica, e por isso mesmo preservando o princípio
da hierarquia e da disciplina constitucionalmente previstos. Deve o juiz,
sempre, valorizar esse caminho de revisão, que gera a oportunidade de
supressão de eventual irregularidade ou desmando no próprio seio da
administração. É o que indica a recente L 12.016/2009, Lei do Mandado
de Segurança, ao dispor que tal instrumento processual é incabível
quando se tratar de ato do qual caiba recurso administrativo com efeito
suspensivo (inc. I do art. 5º).
Quanto à forma procedimental de agir, deve o juiz reservar-se
para apreciar qualquer medida de urgência (plenamente compatível
com a hipótese, pois estará em jogo a liberdade do administrado)
somente após informações a serem prestadas pela autoridade
impositora da pena. Esta simples ação permite reunir a restrição
descrita no § 2º do art. 142 da Constituição com o restante do exercício
de hermenêutica constitucional aqui proposto, outorgando-lhe valor e
vigência compatível com o restante dos princípios constitucionais que
têm relevância na questão.
Ao convocar o comandante militar que impôs a sanção a prestar
informações, o juiz nele desperta um sentimento de autocrítica e revisão,
além de permitir sumária instrução processual que minimamente
observa o contraditório, princípio de elevado valor no processo judicial.
São muitos os casos em que as informações da autoridade revelam fatos
omitidos ou deturpados pelo sujeito à punição disciplinar, levando o juiz
a ter uma visão distorcida da situação.
Na imensa maioria dos casos a breve demora para informações é
razoável para compatibilizar o princípio da liberdade com o da hierarquia
e da disciplina nas Forças Armadas, bem como com a restrição do § 2º do
art. 142 da Constituição. Informado, decide melhor o juiz.
75
4 CONCLUSÃO
Este estudo pretendeu esclarecer a plena possibilidade de
intervenção judicial sobre atos administrativos de imposição de
pena disciplinar militar, reservado um campo de discricionariedade à
autoridade penalizadora, muito mais restrito do que a tradicional doutrina
da vedação do exame do mérito administrativo propunha. A partir da
proposição do método de hermenêutica constitucional, reconhecida a
necessária efetividade dos princípios constitucionais, verifica-se que o
Estado de Direito exige controle de todos os atos administrativos, função
principalmente a cargo do Poder Judiciário no Brasil.
Exercitou-se raciocínio sobre a possibilidade de eficácia do § 2º do
art. 142 da Constituição de 1988, concluindo-se pela sua aplicação como
complemento e indicativo de maximização do princípio da organização
das Forças Armadas com base na hierarquia e na disciplina.
Atingidas tais premissas, propôs-se um método de controle
jurisdicional, do ato administrativo disciplinar militar, estabelecendo-se
três patamares de exame: (1) a correção formal do ato; (2) o controle do
desvio ou do abuso de poder; e, (3) a razoabilidade da medida adotada.
A sequência de exame deve ser observada.
Em qualquer, a intervenção deve ser cautelosa, sopesando os princípios
de proteção à liberdade, e à hierarquia e à disciplina. A atuação do comandante
militar é fortemente marcada pelo exemplo e pela imagem que cultiva perante
seus comandados. Ver sua autoridade contestada por outra autoridade
externa ao seu ambiente de comando tem evidente efeito deletério sobre a
hierarquia e a disciplina (ALVES; MELLO FILHO, 2011, p. 490).
As medidas cautelares ou antecipativas - apropriadas para os
casos em exame, em que está em jogo a liberdade individual - somente
devem ser adotadas após a oitiva da autoridade impositora da sanção.
A breve demora para obter tais informações é plenamente justificável
pela necessidade de maximizar os valores da liberdade individual e da
hierarquia e da disciplina norteadoras da vida nas Forças Armadas, e
especialmente da regra prevista no § 2º do art. 142 da Constituição.
Remanescem como linhas de estudo possíveis sobre o tema
o exercício da ponderação de princípios constitucionais em casos
concretos, a pesquisa jurisprudencial quantitativa e qualitativa, além de
pesquisa de campo junto aos comandantes militares e seus assessores
76
jurídicos, e junto aos Juízes Federais e demais profissionais relacionados
à atividade jurisdicional.
Por fim, é possível imaginar uma proposta de emenda constitucional
modificando o § 2º do art. 142 para vedar medidas de antecipação ou
cautelares sem oitiva da autoridade militar penalizadora, que se verteria
nos seguintes termos: Art. 142.[...] “§ 2º Não se concederá ordem judicial
de liberdade ao sujeito a punição disciplinar militar sem prévia oitiva da
autoridade responsável pela sanção [NR] (BRASIL, 1988).
É importante ressaltar que há na Câmara dos Deputados uma
proposta de emenda à Constituição (PEC 180/2007) que visa à revogação
pura e simples do § 2º do art. 142 constitucional. A proposta foi rejeitada
por duas vezes na Comissão de Constituição e Justiça daquela casa
legislativa. Nada há no Senado Federal sobre o tema.
Acolhida a proposta, com alteração constitucional, eliminar-seia a incerteza emergente do atual texto, ineficiente em seu conteúdo
gramatical, para assegurar um adequado compromisso entre os
princípios da liberdade individual e de preservação da hierarquia e
disciplina como fundamentos organizativos das Forças Armadas. As
conclusões alcançadas neste estudo, reconhecendo a possibilidade
de intervenção judicial na hipótese de punição disciplinar militar, com
limitações, estariam plenamente preservadas nos termos do que até o
momento se compreende jurisprudencialmente.
Também a autoridade do comandante militar que pune estaria
preservada da intervenção judicial, pelo menos até o momento em que
prestasse informações.
Ao juiz se permitiria uma decisão instruída com duas visões da questão.
O exame de urgência poderia se exercitar no modo de três etapas aqui
sugerido, com as limitações das provas possíveis de produzir nessas condições,
mas garantido minimamente o contraditório no processo judicial.
O preceito outorgaria tranquilidade à atuação de controle
disciplinar praticada pelos comandantes militares, afastando o risco de
uma intervenção judicial inesperada. Dos juízes se removeria o peso do
exame de urgência dos requerimentos judiciais, sempre caracterizados
pela instrução insuficiente e parcial.
A proposta, por fim, esvaziaria a discussão atualmente incidente
sobre o conteúdo do § 2º do art. 142 da Constituição, consolidando a
interpretação já corrente sobre o tema.
77
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79
OS REFLEXOS DOS PARADIGMAS DA POLÍTICA
EXTERNA BRASILEIRA PARA AS EXPORTAÇÕES
DE PRODUTOS DE DEFESA NACIONAIS NO
PERÍODO DE 1974 A 2011
Gelson de Souza*
RESUMO
Este artigo apresenta um estudo comparativo dos reflexos na indústria
de defesa, oriundos de três diferentes paradigmas da política externa
brasileira, enfatizando o ambiente geral para as exportações de produtos
de defesa. A importância do estudo se encontra na sistematização de
uma análise comparativo-qualitativa em que, de um lado, se estrutura
uma configuração-controle, tendo, por fundamento, a combinação
de condicionantes necessária e suficiente existente nos cinco países
maiores exportadores de produtos de defesa (Estados Unidos, Rússia,
Alemanha, França e Reino Unido); e, de outro, a combinação de
condicionantes que atuou no ambiente das exportações de produtos
de defesa brasileiros durante os paradigmas desenvolvimentista
(1974-1989), liberal (1990-2002) e logístico (2003-2011). O objetivo
geral da pesquisa é comparar os reflexos da política externa brasileira,
de tradição pacifista, sobre as exportações de produtos de defesa,
verificando, no caso brasileiro, se houve, nos períodos estudados,
ambiente favorável semelhante ao dos países que mais exportam
armas. A pesquisa assinala os fundamentos que orientaram a
política externa brasileira nos três períodos; sistematiza, por meio da
decomposição em fatores, as condições político-legais, econômicas,
científico-tecnológicas e estratégico-militares que caracterizaram o
ambiente geral das exportações de produtos de defesa; e compara as
informações obtidas junto às instituições do Estado, ao meio acadêmico
e às empresas. Na conclusão, sintetizam-se as principais constatações
acerca das condições existentes no Brasil, potência média de escassos
__________________
* Pós-Graduado em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
(ECEME), Exército Brasileiro. Contato: gelson739@ gmail.com.
80
recursos de poder, cujos objetivos da política externa são racionalmente
limitados.
Palavras-chave: Política Externa Brasileira. Política de Segurança.
Exportações. Produtos de Defesa.
ABSTRACT
This paper presents a comparative study among the indirect effects on
the defense industry in consequence of the three different paradigms
of the Brazilian foreign affairs, highlighting the national environment
for defense products exportations. The importance of this study is the
systematization of a comparative qualitative analysis in which, on the
one hand, one builds a control configuration, based on the combination
of necessary and sufficient conditions existing on the five largest
defense products exporter countries (United States, Russia, Germany,
France and United Kingdom); and, on the other hand, the combination
of conditions that affected the Brazilian exportations of defense
products, during three different periods of time: the developmentist
paradigm (1974-1989); the liberal paradigm (1990-2002); and the
logistic paradigm (2003-2011). The general aim of this work is to
compare the reflects of Brazilian foreign affairs, which is traditionally
pacifist, on the Brazilian defense products exportations, verifying,
in the Brazilian case, if there was a favorable environment similar to
the countries larger exporters, during studied phases. The research
points out the cornerstone that guided Brazilian external policy during
the three periods; systematizes in factors the conditions (politiclegal, economics, scientific-technologic and strategic-military) that
delineate the general environment of defense products exportations;
and compares information obtained from State institutions, academic
centers and industrial plants. In conclusion, it summarizes the main
aspects about the conditions existing in Brazil, a middle power with
restrict availability of power resources whose external politics goals
must be rationally limited.
Keywords: Brazilian External Policy. Defense Policy. Exportations.
Defense Products.
81
1 INTRODUÇÃO
O Brasil, tradicionalmente, apresenta como linhas mestras
que orientam sua política externa a busca pela solução pacífica das
controvérsias; a adesão à paz internacional; o jurisdicionismo1; a
promoção da cooperação regional; a não intervenção nos assuntos
internos; e a soberania dos Estados. (CERVO, 2008).
De outro lado, em aparente paradoxo, a Política Nacional de
Defesa (2005) e a Estratégia Nacional de Defesa (2008), em face de uma
conjuntura de crescente inserção internacional do Brasil e dos riscos
e oportunidades advindos desta situação, mencionam a indústria de
defesa nacional e a exportação de produtos de defesa como dois dos
temas mais relevantes para o país.
A exportação de produtos de defesa2, de acordo com a Estratégia
Nacional de Defesa (END/2008), formulada pelo Ministério da Defesa e
pela Secretaria de Assuntos Estratégicos, é fundamental para aumentar
a escala de produção da indústria de defesa nacional, garantindo, assim,
o aumento da quantidade produzida com a consequente redução dos
custos e maior rentabilidade. Para isso, o Estado deve ajudar a conquistar
a clientela estrangeira.
Este artigo tem como foco os reflexos da política externa para o
ambiente geral das exportações de produtos de defesa. Na presente
abordagem, os reflexos dizem respeito àquelas condições que, embora
surgidas indiretamente das iniciativas da política externa brasileira,
impactam o ambiente das exportações de produtos de defesa
nacionais.
1 O jurisdicionismo diz respeito à crença de que, por meio da formulação e aplicação de leis, seja
possível moldar e orientar o comportamento dos Estados e dos indivíduos.
2 A Medida Provisória nº 544 (MP 544), de 29 de setembro de 2011, conceitua produto de defesa
(PRODE) como todo bem, serviço, obra ou informação, inclusive armamentos, munições, meios
de transporte e de comunicações, fardamentos e materiais de uso individual e coletivo utilizados nas atividades finalísticas de defesa, com exceção daqueles de uso administrativo. Define,
além disso, Produto Estratégico de Defesa (PED) como todo PRODE que, pelo conteúdo tecnológico, pela dificuldade de obtenção ou pela imprescindibilidade, seja de interesse estratégico
para a defesa nacional, tais como recursos bélicos navais, terrestres e aeroespaciais; serviços
técnicos especializados na área de projetos, pesquisas e desenvolvimento científico e tecnológico; e equipamentos e serviços técnicos especializados para a área de inteligência. Por vezes,
neste artigo, as expressões “material bélico” ou “material militar” poderão ser utilizadas. Elas
se referem à terminologia utilizada até o final da década de 1990 e possuem abrangência mais
restrita que produtos de defesa.
82
Para Hitt, Ireland e Hoskisson (2002), o ambiente geral que envolve
as empresas diz respeito ao conjunto de fatores, tendências e condições
gerais que as afetam. Neste estudo, foram consideradas as condições
político-legal (POL), econômica (ECO), científico-tecnológica (C&T) e
estratégico-militar (MIL). A condição POL foi caracterizada pelos fatores
política externa realista, estratégia de defesa nacional e reserva a acordos
assimétricos. A condição ECO, pelos fatores apoio estatal à indústria
nacional, participação da iniciativa privada e política de exportação para
o setor. A condição C&T, pelos fatores incentivo à inovação, parcerias
estratégicas e integração das pesquisas. E, finalmente, a condição
MIL, pelos fatores definição de requisitos operacionais conjuntos
(interoperabilidade), aquisição permanente e planejada pelas Forças
Armadas nacionais e cultura de defesa da sociedade.
O corte temporal, estabelecido para o trabalho, faz uso da
sistematização do professor Amado Luiz Cervo (2008) que divide a
história recente da política exterior brasileira em três paradigmas: o
desenvolvimentista (1930-1989), o liberal (1990-2002) e o logístico
(2003-2011). O primeiro paradigma (desenvolvimentista) foi adaptado,
para este estudo, considerando-se como marco inicial de interesse o ano
de 1974, quando o Estado brasileiro resolveu gerenciar as exportações
de produtos de defesa por meio das Diretrizes Gerais para a Política
Nacional de Exportação de Material de Emprego Militar (DG/PNEMEM).
A situação-problema identificada foi: a política externa brasileira
gerou reflexos que condicionaram o ambiente geral para as exportações
de produtos de defesa a partir de 1974? Assim, o objetivo geral deste
estudo é comparar as condições para o ambiente geral de exportações
de produtos de defesa oriundas da política externa brasileira do período
de 1974 a 1989, quando o Brasil esteve entre os maiores exportadores
com as condições que são o reflexo da política externa do período de
1990 a 2002, quando a indústria de defesa brasileira enfrentou uma crise
sem precedentes, e, por fim, as condições que são o reflexo da política
externa adotada entre 2003 e 2011, momento em que o Estado procurou
revitalizar o setor.
Para realizar esta comparação, foi desenvolvida uma configuraçãocontrole que sistematiza as condições para as exportações existentes nos
cinco países que mais exportam produtos de defesa (Estados Unidos,
Rússia, Alemanha, França e Reino Unido, nesta ordem). Esta configuração
83
permitiu elaborar uma hipótese que foi testada no caso brasileiro: as
condições científico-tecnológicas (C&T) e estratégico-militares (MIL) se
constituem em reflexos da política externa que, ao se fazerem presentes,
são suficientes para o êxito das exportações de produtos de defesa
nacionais.
2 MATERIAL E MÉTODO
As informações utilizadas, neste artigo, foram obtidas por
meio de pesquisa bibliográfica, documental e de campo. O material
bibliográfico foi coletado em bibliotecas públicas, em particular das
escolas militares e do Ministério das Relações Exteriores; em livros,
artigos e revistas disponibilizados pelos centros de estudos de relações
internacionais existentes no Brasil, Estados Unidos, Rússia, Alemanha,
França e Inglaterra; e em páginas oficiais dos governos dos países
referenciados.
A pesquisa documental foi fundamentada em relatórios
disponibilizados por associações, institutos de pesquisa e instituições
nacionais, internacionais e multilaterais, dentre os quais, vale destacar,
o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), o Instituto Estocolmo
de Pesquisa da Paz Internacional (SIPRI) e a Comissão de Desarmamento
da Organização das Nações Unidas (UNDOA).
A pesquisa de campo constou de questionários (formulários
eletrônicos) e entrevistas semiestruturadas que tiveram como alvo as
aditâncias militares brasileiras nos países empregados para estabelecer
a configuração-controle; as instituições representativas do Estado ligadas
aos Ministérios das Relações Exteriores e da Defesa e à Secretaria de
Assuntos Estratégicos, da Presidência da República; o meio acadêmico,
particularmente o setor de relações internacionais de universidades
e institutos; e, por fim, as empresas e associações, particularmente
aquelas que participam e acompanham as exportações de produtos de
defesa desde a década de 1970.
Os questionamentos da pesquisa de campo contiveram
perguntas do tipo “múltipla escolha”, induzindo os respondentes
a selecionar fatores relacionados às condições que, neste estudo,
caracterizam o ambiente geral das exportações de produtos de defesa
(Quadro 1).
84
Quadro 1 – Caracterização do ambiente geral das exportações de
produtos de defesa
Condições
Fatores associados
1. PolíticoLegal (POL)
1.1. Adoção de uma política externa realista, em que
um dos objetivos do Estado é o de se estabelecer
como polo de poder em um mundo multipolar.
1.2. Estratégia de defesa de cunho nacional, buscando
a autonomia no desenvolvimento e produção de
produtos de defesa.
1.3. Apresentação de reservas ou objeções a acordos
internacionais assimétricos que constrangem a
produção e transferência de produtos de defesa
entre países.
2. Econômica
(ECO)
2.1. Política de apoio à indústria de defesa nacional
e às indústrias correlatas, estabelecendo, por
exemplo, incentivos fiscais e subsídios ao setor.
2.2. Participação predominante da iniciativa privada
nas atividades de pesquisa, desenvolvimento e
produção de material de defesa.
2.3. Política de exportação específica para os produtos
de defesa nacionais, incluindo a promoção
comercial internacional por parte do governo
federal.
3. Científico
- Tecnológico
(C&T)
3.1. Incentivo estatal à inovação, à melhoria e à
competitividade das tecnologias nacionais de
componentes e produtos para o setor.
3.2. Estabelecimento, por intermédio do Estado, de
parcerias estratégicas com outros países para
compartilhar tecnologias aplicáveis no setor de
defesa.
3.3. Realização de atividades de pesquisa de novas
tecnologias para o setor de forma integrada
e coordenada entre órgãos governamentais,
empresas e universidades.
85
Condições
Fatores associados
4.
EstratégicoMilitar (MIL)
4.1. Participação predominante do Ministério da
Defesa ou assemelhado na definição dos novos
produtos a serem desenvolvidos pela indústria
de defesa nacional, os quais devem privilegiar a
interoperabilidade entre as forças singulares.
4.2. Aquisição de produtos de defesa nacionais
pelo governo local de forma permanente e
planejada.
4.3. Constatação de que amplos setores da sociedade
compartilham a percepção de possíveis ameaças
externas (cultura de defesa).
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor (2010-2011)
O método científico empregado foi o comparativo, particularmente
a análise qualitativo-comparativa (QCA – Qualitative Comparative
Analisys), sistematizada por Charles Ragin (1987), durante seus estudos
de sociologia comparada. Nessa análise, Ragin (1987) estabelece de 2 a 20
casos para serem estudados e define variáveis operacionais qualitativas
por meio das quais efetivamente compara os casos em estudo.
A análise qualitativo-comparativa de Ragin (1987) preconiza
a simplificação das variáveis de estudo, à luz da álgebra booleana,
utilizando-se da dicotomia “presença – ausência” pela atribuição de
valores binários (0 ou 1), em que o 0 (zero) significa ausência e o 1 (um),
presença. Desta forma, é possível processar as informações de forma
simplificada e obter conclusões abrangentes.
Para a apresentação das expressões dessa dicotomia, neste
artigo, padronizou-se que, quando uma condição se fizer presente, ela é
representada textualmente com a sua abreviatura em letras maiúsculas;
caso a condição esteja ausente, por minúsculas. Assim, se a condição
econômica estiver presente, ela será representada por “ECO” e, se
estiver ausente, por “eco”.
Também, como partes da apresentação do estudo comparativo,
foram utilizadas representações da álgebra booleana que se referem a
86
estruturas algébricas que captam a essência das operações lógicas. Um
determinado resultado, de acordo com a álgebra booleana, pode surgir
em função da combinação da existência simultânea de duas proposições,
neste caso, a representação se faz pela letra “E” ou pelo símbolo (*). Por
outro lado, quando o resultado surge, em virtude da existência de uma
ou de outra proposição, a representação se faz pela expressão “OU” ou
pelo símbolo (+).
•A álgebra booleana depende de um conjunto de axiomas que
são assumidos como verdadeiros. Nela, cada variável pode
assumir um dentre dois valores. Com base nestes valores é
possível estabelecer combinações entre as variáveis e organizar
funções que revelam resultados complexos. Assim, por exemplo,
num determinado país observou-se, no ambiente geral das
exportações, a presença das condições científico-tecnológica e
estratégico-militar; e a ausência das condições político-legais e
econômicas. A combinação das condições, com base na álgebra
booleana seria representada por C&T*MIL*pol.*eco.
No presente artigo, a abordagem de Ragin (1987) foi empregada
em dois momentos. No primeiro momento, para se estabelecer a
configuração de condições (configuração-controle) existente nos cinco
países que mais exportam produtos de defesa (Tabela 1).
Tabela 1 - Participação no mercado mundial
Período
Estados
Unidos
(%)
Rússia/
URSS
(%)
Alemanha
(%)
França
(%)
Reino
Unido
(%)
TOTAL
(%)
1974-1989
32
38
4,2
7
5,8
87
1990-2002
46,4
17,4
6,8
6,4
6,3
83,3
2003-2010
30,6
24,3
9,7
7,6
4,4
76,6
Fonte: SIPRI, 2011
E, no segundo momento, os casos se referem aos diferentes
paradigmas da política externa brasileira (PEB/1974-1989; PEB/19902002 e PEB/2003-2011) (Tabela 2).
87
Tabela 2 - Exportações brasileiras de armas convencionais (1974-2010)
Paradigma de
Política Externa
Brasileira
Volume de
Exportações
(em milhões
US$)
Média Anual
(em milhões
US$)
Participação
no mercado
mundial
Desenvolvimentista
(1974-1989)
2.143,00
142,87
0,334%
Liberal
(1990-2002)
512,00
39,38
0,162%
Logístico
(2003-2010)
444,00
55,5
0,241%
Fonte: SIPRI, 20113
As condições político-legais (POL), econômicas (ECO), científicotecnológicas (C&T) e estratégico-militares (MIL), utilizadas em ambos os
momentos, referem-se aos reflexos da política externa que interferem
no ambiente geral das exportações de produtos de defesa nacional.
De posse das informações que permitiram caracterizar as
condições específicas e os respectivos fatores, foi possível realizar a
comparação entre a configuração existente em cada um dos paradigmas
brasileiros, tendo como controle a configuração vigente nos países que
mais exportam, observando-se, assim, condições aplicáveis a todos os
casos em estudo.
3 RESULTADOS
3.1 CONFIGURAÇÃO/CONTROLE
Da pesquisa documental e bibliográfica realizada para analisar
as condições existentes nos cinco países que mais exportam produtos
3
Os números referem-se ao indicativo de tendência de valor adotado pelo SIPRI (2011) (US$ de
1990).
88
de defesa, algumas informações tiveram influência significativa no
trabalho, como, por exemplo, a assertiva de Seibertz et al. (2010, p.
10) de que quanto maiores o poder econômico e o poder político de
um país, normalmente, maiores são os gastos com a defesa e com os
investimentos em indústria de defesa.
Além disso, conforme Smith, Humm e Fontanel (1989), os
motivos políticos que levam um país a desenvolver sua indústria de
defesa se relacionam à busca por maior influência política nas relações
internacionais. Ao fornecer armas, uma nação pode dar assistência a
seus aliados, reforçando a posição militar deles e, ao mesmo tempo, ter
a possibilidade de influenciar o comportamento deles. Por isso, inúmeras
transferências de armas fazem parte de acordos e tratados políticos mais
abrangentes que incluem outras obrigações ou restrições quanto ao uso
do sistema de armas transferido. Ademais, em caso de conflito, a recusa
em fornecer peças de reposição pode influenciar decisivamente no
resultado de um conflito.
Também, de acordo com Brzoska (2007), a estratégia da integração
civil-militar para a pesquisa e desenvolvimento de produtos de defesa
é, hoje, a mais utilizada. A pesquisa civil lidera a atividade, contudo a
pesquisa militar produz importantes tecnologias, em especial aquelas de
alto risco.
Os Estados Unidos são os detentores da tecnologia militar mais
avançada e restringem o acesso a essa tecnologia como forma de evitar
que seja de domínio de possíveis inimigos. Saraiva (2001) assevera que
os parceiros detentores dessas tecnologias sensíveis são instigados
pelos Estados Unidos a adotar mecanismos excludentes de vigilância e
controle, naquilo que chama de “apartheid tecnológico”.
Ao impedir que sua tecnologia seja conhecida e compartilhada
por países não confiáveis, os norte-americanos realizam seu objetivo
de manter a superioridade tecnológica. O Departamento de Defesa
dos Estados Unidos possui uma agência, vinculada à Secretaria de
Aquisições, Tecnologia e Logística, a DARPA (Agência de Projetos de
Pesquisa Avançados para a Defesa – Defense Advanced Research Projects
Agency), que desenvolve projetos nos campos da biologia, medicina,
ciência da computação, química, física, engenharia, matemática, ciência
dos materiais, neurociência, entre outras, coordenando e integrando
os centros de pesquisa de defesa do governo, das universidades e das
89
indústrias, tendo em vista evitar a duplicação desnecessária de esforços.
(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 2012).
Já o Estado russo, segundo maior exportador, investe no seu
complexo industrial de defesa para que funcione como um setor de
desenvolvimento de altas tecnologias em múltiplas áreas, capaz de
atender às necessidades das Forças Armadas russas, bem como assegurar
a presença russa no mercado mundial de produtos e serviços de alta
tecnologia. (RÚSSIA, 2010).
A agência estatal Rosoboroneksport (ROE) tornou-se, durante a
administração do Presidente Vladmir Putin (1999-2008), uma espécie
de articuladora da base industrial para o Ministério da Defesa russo.
A ROE centraliza todo o processo de coordenação de pesquisa e
desenvolvimento, produção e exportação. Para isso, tem a liberdade de
buscar por recursos em instituições financeiras nacionais e internacionais
(BLANK, 2007, p. 63).
A Alemanha representa um caso peculiar. De acordo com Seibertz
et al. (2010, p. 24), a produção de produtos de defesa na Alemanha
se encontra confinada ao setor privado. Não há estatais envolvidas
na produção de material de defesa. Com efeito, 85% dos recursos da
defesa que são direcionados para pesquisa e desenvolvimento, compras
e manutenção são gerenciados pelo Ministério da Defesa e terminam
em mãos privadas. A Divisão de Armamento do Ministério da Defesa é
responsável por planejar, controlar e supervisionar a indústria de defesa
alemã.
Ainda de acordo com Seibertz et al. (2010), vinculada à Divisão
de Armamentos alemã há uma Agência Federal de Tecnologia Militar e
Aquisição, a qual gerencia centros de pesquisa e testes ligados à iniciativa
privada. Os projetos internacionais, voltados para a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e a União Europeia (EU), representam
70% dos investimentos correntes. Os produtos alemães têm a qualidade
de oferecer sistemas de armas completos, proporcionando alta tecnologia
e interface entre os diversos sistemas e atendendo aos requisitos das
operações militares atuais.
O Estado francês, quarto maior exportador, adota uma estratégia
de defesa autônoma, baseada em um poder militar próprio, como
pode ser observado na abertura do Livro Branco francês, quando são
delineados os dois grandes objetivos estratégicos de defesa:
90
[...] deux objectifs: celui que notre pays reste une puissance
militaire et diplomatique majeure, prête à relever les
défis que nous confèrent nos obligations internationales,
et celui que l’État assure l’indépendance de la France et
la protection de tous les Français4 (MALLET, 2008, p. 9).
A França, por intermédio do Ministério da Defesa, mais
especificamente por meio da Diretoria Geral do Armamento (DGA), exerce
controle sobre toda a estrutura produtiva da sua indústria de defesa.
Aproximadamente quatro quintos da indústria de defesa francesa são
controlados e gerenciados pelo Estado (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA,
1992, p. 1).
O Reino Unido, quinto maior exportador de produtos de defesa,
possui uma estratégia institucionalizada para a sua indústria de defesa
(REINO UNIDO, 2005, p. 5). O Estado fornece o apoio necessário
para que as empresas nacionais desenvolvam suas potencialidades e
sejam competitivas internacionalmente. O governo britânico presta,
segundo a estratégia britânica, ativo apoio às exportações de defesa,
incluindo as ações do Departamento para Garantia de Créditos
para as Exportações (“Export Credits Guarantee Department”) e da
Organização e Serviços para as Exportações de Defesa (“Defence Export
Services Organisation”). Além disso, encoraja a inovação por meio de
incentivos fiscais, reduzindo os impostos das firmas pesquisadoras.
(REINO UNIDO, 2005, p. 35).
Dentre os benefícios produzidos pelas exportações britânicas
de produtos de defesa, os estudos incluem a sustentabilidade de uma
indústria de defesa nacional, necessária por razões estratégicas, bem
como o fortalecimento da possibilidade da defesa coletiva contra as
ameaças, de acordo com o direito à legítima defesa, preconizado pela
Carta das Nações Unidas.
Com as informações da pesquisa bibliográfica e documental,
complementadas por outras obtidas com a pesquisa de campo, foi
preenchida uma Tabela de Comparação (Tabela 3), a qual mostra as
condições científico-tecnológicas (C&T) e estratégico-militares (MIL)
4 “[...] dois objetivos: o primeiro se refere a manter nosso país como uma potência militar e diplomática maior, pronta a superar os desafios conferidos por nossas obrigações internacionais; e,
o segundo, que trata de o Estado assegurar a independência da França e a proteção de todos os
franceses” (FRANÇA, 2008, p. 9)
91
presentes (1) nos ambientes gerais para as exportações de produtos de
defesa dos cinco maiores exportadores.
A Tabela 3 revela, à luz de Ragin (1987), que a combinação das
condições (C&T e MIL), por estar presente nos cinco países que mais
exportam, é necessária. Além disso, o ambiente geral favorável às
exportações na Alemanha, onde as condições POL e ECO não estão
presentes, revela que a combinação das condições C&T e MIL caracteriza
uma configuração suficiente para o resultado esperado (elevado índice
de exportações).
Tabela 3 - Resultado final das condições que interferem no
ambiente das exportações.
Condições
Políticolegais
(POL)
Econômicas
(ECO)
CientíficoTecnológicas
(C&T)
EstratégicoMilitares
(MIL)
1º Estados Unidos
1
1
1
1
2º Rússia
1
1
1
1
3º Alemanha
0
0
1
1
4º França
1
1
1
1
5º Reino Unido
0
1
1
1
Ranking/Caso
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor (2010-2011)
Os resultados obtidos por meio da pesquisa de campo junto
às aditâncias brasileiras dos Estados Unidos (EUA), Rússia (RUS),
Alemanha (ALE), França (FRA) e Reino Unido (RU), sistematizadas no
Quadro 2, corroboram com as informações da pesquisa documental e
bibliográfica.
A simplificação das condições, neste artigo, apontou a necessidade
de que pelo menos dois dos fatores associados (Quadro 1) fossem
observados para se considerar a condição presente. Com isso, constata-se
92
que nos Estados Unidos, na Rússia, na França e no Reino Unido (Quadro 2),
as condições político-legal (POL), econômica (ECO), científico-tecnológica
(C&T) e estratégico-militar (MIL) encontram-se presentes (1) e combinamse para configurar o ambiente geral das exportações nestes países.
Quadro 2 - Sistematização das observações das aditâncias
AMBIENTE GERAL DAS EXPORTAÇÕES DE
PRODE
Condições
Fatores associados
1.1. Política exterior realista
1.2. Defesa Nacional (autônoma)
1. POL
1.3. Reservas a acordos
assimétricos
Presença/ ausência da condição político-legal
(POL)
2.1. Apoio estatal
2.2. Participação da iniciativa
2. ECO
privada
2.3. Política de exportação
específica para o setor
Presença/ ausência da condição econômica
(ECO)
3.1. Incentivo à inovação no setor
3.2. Parcerias com outros países
3. C&T
3.3. Integração na P&D entre as
diversas instituições
Presença/ ausência da condição científicotecnológica (C&T)
4.1. Diretriz para a
interoperabilidade oriunda do MD
4.2. Aquisição nacional planejada
4. MIL
e previsível
4.3. Percepção de ameaças pela
sociedade (cultura)
Presença/ ausência da condição estratégicomilitar (MIL)
PAÍSES
EUA
1
1
1
RUS
1
1
0
ALE
0
1
0
FRA
1
1
0
RU
1
0
1
1
1
0
1
1
1
1
1
0
0
1
1
0
1
1
0
1
0
1
1
1
1
0
1
1
1
0
1
0
1
1
0
1
1
0
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
1
0
1
1
1
1
1
1
1
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor (2011-2012)
93
Na Alemanha, verifica-se, por um lado, a ausência (0) da condição
político-legal (pol) e a ausência (0) da condição econômica (eco); por
outro lado, observa-se a presença da condição científico-tecnológica
(C&T) e a presença da condição estratégico-militar (MIL). Desta forma,
com base na álgebra booleana, o ambiente favorável às exportações
(Amb), existente nos cinco países que mais exportam, conforme as
aditâncias, é Amb=POL*ECO*C&T*MIL + C&T*MIL (onde “*” significa
“e” e “+” significa “ou”)5.
O Quadro 2 mostra que a definição, por um órgão central, de
requisitos a pesquisar; a busca pela interoperabilidade entre os produtos;
e a aquisição planejada e previsível de produtos de defesa pelo governo
local são fatores comuns que permeiam a política para a indústria de
defesa dos países que mais exportam no setor. Além disso, os fatores
como percepção de ameaças pela sociedade e estratégia de defesa
nacional (autônoma) se encontram presentes em quatro dos cinco países
maiores exportadores.
Dessa forma, para a sequência da análise comparativa qualitativa, a
combinação a ser utilizada como controle terá duas representações, uma
ideal - Amb=POL*ECO*C&T*MIL - e uma necessária e suficiente - Amb=
C&T*MIL. Esta última representação evidencia que o ambiente geral
favorável às exportações de produtos de defesa depende, em essência,
da existência simultânea de duas condições, consideradas necessárias e
suficientes: a científico-tecnológica (C&T) e a estratégico-militar (MIL).
Ela representa, em suma, a hipótese da pesquisa a ser verificada no caso
brasileiro.
3.2 AMBIENTE PARA AS EXPORTAÇÕES DE PRODE NO BRASIL (1974-2011)
O paradigma desenvolvimentista da política externa brasileira, no
presente estudo, se estende do período de 1974 a 1989. De acordo com
Bueno (2008), esse paradigma reforçou o aspecto nacional e autônomo
da política exterior. Ele é representado pelo Estado empresário que
arrasta a sociedade rumo ao desenvolvimento, por meio da superação
de dependências econômicas estruturais e, também, pela autonomia da
segurança.
5 A representação da existência de determinada condição se faz pelo uso da letra maiúscula. A
representação da ausência é pelo uso da letra minúscula (RAGIN, 1987).
94
Cervo e Bueno (2002) destacam que o paradigma desenvolvimentista,
na década de 1970, estabeleceu ações com vistas a alcançar a autonomia
estratégica do país, dentre estas, o estabelecimento da Política Nacional
para Exportação de Material Militar (PNMEM), em 1974; o acordo
nuclear com a Alemanha, em 1975; a denúncia do acordo militar com
os Estados Unidos, em 1977; e o desenvolvimento do programa nuclear
paralelo, em 1979.
As premissas que orientaram a política externa brasileira, em
termos de indústria de defesa, no período de 1974 a 1989, podem ser
resumidas no discurso do Presidente da República, General Ernesto
Geisel, em 1975, quando da sanção da Lei 6.227/75, que criou a Indústria
de Material Bélico (IMBEL):
O Brasil é uma Nação tradicionalmente pacífica. Nos foros
internacionais, embora inutilmente, sempre pugnou pelo
desarmamento geral. No século em que o mundo vive,
têm sido repetidos, infelizmente, os conflitos bélicos,
sem que as organizações internacionais – notadamente
a ONU – conseguissem preveni-los ou eliminá-los. Do
mesmo modo, em todos os quadrantes, cresce o poderio
bélico, a tal ponto que a indústria de armamentos, hoje
em dia, é uma das mais rentáveis, com amplo mercado
internacional, capaz de gerar vultosas divisas para muitos
dos países industrializados. Nessa conjuntura e apesar dos
sentimentos de paz que nos animam, não pode o Governo
descurar da segurança nacional. A posição geográfica
que ocupamos, a vastidão de nosso território, grande
parte do qual tem uma ocupação rarefeita, as extensas
fronteiras terrestres e marítimas, as regiões altamente
desenvolvidas, o imenso potencial de riqueza ainda por
explorar, e, principalmente, a população superior a 100
milhões de habitantes, em busca de um desenvolvimento
integrado, necessitam que, não somente lhes seja
garantida adequada defesa contra ações agressivas que
possam vir do exterior, mas também a preservação
contra ações subversivas que visam, na sua generalidade,
à convulsão social (GONÇALVES, 1989, p. 42).
No período do paradigma desenvolvimentista, conforme a Tabela
4, o Brasil apresentava amplo e diversificado mercado externo para seus
produtos de defesa.
95
Tabela 4 - Destino das exportações Brasileiras de Armas
Convencionais 1974-1989
Destino
Qtd
Países
América
do Sul
11
Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador,
Guiana, Paraguai, Peru, Suriname, Uruguai e
Venezuela
Oriente
Médio
9
Arábia Saudita, Catar, Egito, Emirados Árabes
Unidos, Irã, Iraque, Jordânia, Líbia e Tunísia.
Ásia
1
Coréia do Sul
África
4
Angola, Gabão, Togo e Zimbábue
Europa
3
Chipre, França e Reino Unido
América
Central
1
Honduras
Países
Fonte: SIPRI, 2011
A pauta brasileira de exportações, no que se refere aos sistemas de
armas, no período do paradigma desenvolvimentista, era diversificada,
sendo do total dessas exportações, veículos blindados (58%), aeronaves
(36%), peças de artilharia (3%), radares e sensores (3%) e navios (1%).
(SIPRI, 2011).
Ressalta-se, neste período, a Guerra Irã-Iraque (1980-1988) que
contribuiu para as exportações de produtos de defesa brasileiros para
o Oriente Médio, tendo como contrapartida o petróleo. Com o final da
guerra, aquele mercado reduziu suas importações, afetando a indústria
de defesa brasileira, em especial a de veículos.
O ambiente geral para as exportações de produtos de defesa
durante o período em que vigorou o paradigma desenvolvimentista,
conforme resultado da pesquisa de campo apresentada no Quadro 3,
apresentava-se favorável com a presença de condições político-legais
(POL), econômicas (ECO) e científico-tecnológicas (C&T), estando ausente
a condição estratégico-militar.
96
Quadro 3 - Sistematização das observações da pesquisa de
campo (paradigma desenvolvimentista)
AMBIENTE GERAL DAS EXPORTAÇÕES
DE PRODE - PARADIGMA
DESENVOLVIMENTISTA (1974-1989)
Condições
Fatores associados
1.1. Política exterior realista
1.2. Defesa Nacional
1. POL
(autônoma)
1.3. Reservas a acordos
assimétricos
Presença/ ausência da condição políticolegal (POL)
2.1. Apoio estatal
2.2. Participação da iniciativa
2. ECO
privada
2.3. Política de exportação
específica para o setor
Presença/ ausência da condição econômica
(ECO)
3.1. Incentivo à inovação no
setor
3.2. Parcerias com outros
3. C&T
países
3.3. Integração na P&D entre as
diversas instituições
Presença/ ausência da condição científicotecnológica (C&T)
AMBIENTE GERAL DAS EXPORTAÇÕES
DE PRODE - PARADIGMA
DESENVOLVIMENTISTA (1974-1989)
4.1. Diretriz para a
interoperabilidade oriunda do
MD
4. MIL
4.2. Aquisição nacional
planejada e previsível
4.3. Percepção de ameaças
pela sociedade (cultura)
Presença/ ausência da condição
estratégico-militar (MIL)
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
97
RESULTADO DA PESQUISA
DE CAMPO
Instituições do
Estado
0
1
Meio
Acadêmico
0
1
1
1
Empresas
1
1
0
1(um)
1
1
1
1
1
0
0
1
0
1 (um)
1
0
1
1
1
0
1
0
0
1(um)
RESULTADO DA PESQUISA
DE CAMPO
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0(zero)
O paradigma do Estado Liberal, conforme Cervo (2008), revela
uma invenção latino-americana dos anos 1990. A experiência desse
paradigma envolve três parâmetros de conduta: Estado subserviente, que
se submete às coerções do centro hegemônico do capitalismo (Consenso
de Washington); Estado destrutivo, que dissolve e aliena o núcleo
central robusto da economia nacional e transfere renda para o exterior
(desnacionalização da produção e corte de subsídios estatais à indústria
estratégica); e Estado regressivo que reserva para a nação as funções da
“infância social”, expressão utilizada por Cervo (2008) para se referir ao
subdesenvolvimento e à situação de exportador de produtos primários.
Durante os governos Collor de Mello (1990-1992), Itamar Franco
(1992-994) e Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), o Brasil procurou
adotar uma política de aderir aos regimes de desarmamento (pacifismo
instrumental) e, simultaneamente, mostrar-se como um país responsável,
autocontendo suas exportações de armamentos.
No decorrer do paradigma liberal, conforme a Tabela 5, o Brasil
reduziu significativamente sua participação no mercado externo de
produtos de defesa, comparando-se com os dados da Tabela 4.
Tabela 5 - Destino das exportações Brasileiras de Armas
Convencionais (1990-2002)
Destino
América do Sul
Oriente Médio
Ásia
África
Europa
Qtd Países
3
4
1
3
2
Países
Bolívia, Colômbia e Peru
Arábia Saudita, Catar, Egito e Irã
Malásia
Angola, Cabo Verde e Nigéria
França e Reino Unido
Fonte: SIPRI, 2011
A pauta brasileira de exportações, em termos de sistemas de armas,
no período do paradigma liberal, tornou-se menos diversificada, e as vendas
externas de aeronaves e peças de artilharia superaram as de veículos blindados.
As exportações, no período, foram de aeronaves (67%), peças de artilharia
(19%), veículos blindados (11%) e radares e sensores (3%). (SIPRI, 2011).
O ambiente geral para as exportações de produtos de defesa durante
o paradigma liberal, de acordo com o resultado da pesquisa de campo
98
apresentada no Quadro 4, mostrava-se desfavorável com a ausência das
quatro condições estudadas: político-legais, econômicas, científicotecnológicas e estratégico-militares.
Quadro 4 - Sistematização das observações da pesquisa de
campo (paradigma liberal)
AMBIENTE GERAL DAS EXPORTAÇÕES DE
PRODE - PARADIGMA LIBERAL (1990-2002)
Condições
Fatores associados
1.1. Política exterior realista
1.2. Defesa Nacional (autônoma)
1. POL
1.3. Reservas a acordos
assimétricos
Presença/ ausência da condição políticolegal (POL)
2.1. Apoio estatal
2.2. Participação da iniciativa
2. ECO
privada
2.3. Política de exportação
específica para o setor
Presença/ ausência da condição econômica
(ECO)
3.1. Incentivo à inovação no setor
3.2. Parcerias com outros países
3. C&T
3.3. Integração na P&D entre as
diversas instituições
Presença/ ausência da condição científicotecnológica (C&T)
AMBIENTE GERAL DAS EXPORTAÇÕES DE
PRODE - PARADIGMA LIBERAL (1990-2002)
4.1. Diretriz para a interoperabilidade oriunda do MD
4.2. Aquisição nacional
4. MIL
planejada e previsível
4.3. Percepção de ameaças pela
sociedade (cultura)
Presença/ ausência da condição estratégicomilitar (MIL)
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
99
RESULTADO DA PESQUISA
DE CAMPO
Institui- Meio
Empreções do Acadêsas
Estado
mico
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0 (zero)
0
1
0
1
0
1
0
0
0
0 (zero)
0
1
0
0
0
0
0
0
0
0 (zero)
RESULTADO DA PESQUISA
DE CAMPO
0
0
0
0
0
0
0
0
0
0 (zero)
Por fim, o paradigma do Estado logístico (2003-2011), segundo
Cervo (2008), fortalece o núcleo nacional. Para isso, transfere à sociedade
responsabilidades empreendedoras e, ao mesmo tempo, apoia os
investidores para que possam operar no exterior. Nesse paradigma,
são recuperadas algumas estratégias de desenvolvimento: a) reforço à
capacidade empresarial do país; b) a aplicação da ciência e da tecnologia
assimiladas; c) a abertura dos mercados dos países desenvolvidos em
contrapartida ao nacional; d) mecanismos de proteção diante de capitais
especulativos; e e) uma política de defesa nacional.
De acordo com a Tabela 6, verifica-se que o Brasil ainda não
recuperou o mercado externo para seus produtos de defesa quando
comparado ao período do paradigma desenvolvimentista.
Tabela 6 - Destino das exportações Brasileiras de Armas
Convencionais (2003-2010)
Destino
Qtd Países
América do Sul
7
Ásia
4
África
Europa
América Central
América do Norte
1
1
1
1
Países
Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia,
Equador, Paraguai e Uruguai
Índia, Indonésia, Malásia e
Paquistão
Namíbia
Grécia
República Dominicana
México
Fonte: SIPRI, 2011
A pauta brasileira de exportações de sistemas de armas, no
decorrer do paradigma desenvolvimentista, revela uma diversificação
muito pequena quando comparada ao mesmo período. As exportações,
na época, foram de aeronaves (86%), navios (4%), mísseis (4%), peças de
artilharia (4%) e radares e sensores (1%) (SIPRI, 2011).
O ambiente geral para as exportações de produtos de defesa
durante o paradigma logístico, conforme resultado da pesquisa de campo
apresentada no Quadro 5, manifestava-se com a presença das condições
político-legais e científico-tecnológicas e com a ausência das condições
econômicas e estratégico-militares.
100
Quadro 5 - Sistematização das observações da pesquisa de
campo (paradigma logístico)
AMBIENTE GERAL DAS EXPORTAÇÕES DE
PRODE
- O PARADIGMA LOGÍSTICO (2003-2011)
Condições
Fatores associados
1.1. Política exterior realista
1.2. Defesa Nacional
1. POL
(autônoma)
1.3 Reservas a acordos
assimétricos
Presença/ ausência da condição políticolegal (POL)
2.1. Apoio estatal
2.2. Participação da iniciativa
2. ECO
privada
2.3. Política de exportação
específica para o setor
Presença/ ausência da condição econômica
(ECO)
3.1. Incentivo à inovação no
setor
3. C&T
3.2. Parcerias com outros países
3.3. Integração na P&D entre
as diversas instituições
Presença/ ausência da condição científicotecnológica (C&T)
4.1. Diretriz para a interoperabilidade oriunda do MD
4.2. Aquisição nacional
4. MIL
planejada e previsível
4.3. Percepção de ameaças
pela sociedade (cultura)
Presença/ ausência da condição
estratégico-militar (MIL)
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
101
RESULTADO DA PESQUISA
DE CAMPO
Instituições do
Estado
0
1
Meio
Acadêmico
0
1
1
1
Empresas
0
1
0
1 (um)
0
1
0
0
1
0
0
1
1
0 (zero)
1
0
1
1
1
1
0
0
1
1 (um)
1
0
0
0
0
0
0
0
1
0 (zero)
O estudo dos três paradigmas, por meio das informações da
pesquisa de campo, aliada às pesquisas documental e bibliográfica,
mostrou que a condição político-legal (POL), esteve “presente” no
período de 1974 a 1989 (paradigma desenvolvimentista) e 2003 a 2011
(paradigma logístico). E, por outro lado, esteve “ausente” no período
de 1990 a 2002 (paradigma liberal), conforme pode ser constatado no
Quadro 6.
Quadro 6 - Quadro resumo da presença-ausência dos fatores
Paradigmas
PEB/
19741989
PEB/
19902002
PEB/
20022011
1.1. Política exterior realista
0
0
0
1.2. Defesa nacional autônoma
1
0
1
1.3. Reserva a acordos assimétricos
1
0
1
2.1. Apoio estatal ao setor
1
0
0
2.2. Participação da iniciativa
privada
1
1
0
2.3. Política de exportação específica
0
0
1
3.1. Incentivo à inovação no setor
1
0
1
3.2. Parcerias com outros países
1
0
1
3.3. Integração das instituições de
P&D
0
0
0
4.1. Diretriz pró -interoperabilidade
0
0
0
4.2. Aquisição planejada e previsível
0
0
0
4.3. Percepção nacional de ameaças
0
0
0
Condições e fatores
1. POL
2. ECO
3. C&T
4. MIL
Fonte: Pesquisa realizada pelo autor
102
As informações sistematizadas no Quadro 6 possibilitam ainda
identificar que a política externa brasileira, no período estudado
(1974 a 2011), manteve um viés essencialmente racionalista6, não
evidenciando, em nenhum dos paradigmas, inspiração realista7 (Fator
1).
Além disso, o período de 1990 a 2002 apresentou, à luz desta
pesquisa, condição político-legal amplamente desfavorável ao ambiente
geral das exportações de produtos de defesa nacionais. Nenhum dos
três fatores utilizados para caracterizar a condição foi observado.
Com relação à condição econômica do ambiente geral das
exportações de produtos de defesa, verifica-se que esteve “presente”
no período do paradigma desenvolvimentista. Ainda que não existisse
uma política de exportação deliberada (Fator 3), o Brasil, em face da
necessidade de reduzir as remessas de divisas para o exterior com
a importação de petróleo, estimulou as exportações de produtos de
defesa para o Oriente Médio, região que era a principal fornecedora de
petróleo. A condição econômica, por outro lado, esteve “ausente” nos
períodos dos paradigmas liberal e logístico.
Com efeito, o fator “política de exportação específica para o setor”
somente aparece efetivado recentemente, em virtude da Estratégia
Nacional de Defesa e seus desdobramentos como a MP nº 544, editada
pela Presidência da República em 29 de setembro de 2011, criando
6 Wight (1991) identificou três modelos clássicos de comportamento dos estados: o realismo, o
racionalismo e o revolucionismo. Estes termos denotam as ideias contrastantes do autointeresse nacional e da diplomacia prudente (Maquiavel), direito internacional e civilização (Grócio) e
comunidade política global (Kant). São modelos de pensamento categoricamente diferentes,
com sua própria lógica e linguagem. Por vezes, são nomeados como tradições maquiavélica,
grociana e kantiana. O racionalismo, conforme Wight (1991) é a concepção das relações internacionais como uma sociedade definida pelo diálogo entre Estados e pela regra da lei. A sociedade
internacional é assim uma sociedade civil de membros estatais que tem interesses legítimos que
podem possibilitar conflitos, mas que estão sujeitos a um corpo comum de direito internacional
que procura regular esses conflitos. A teoria internacional é ainda uma teoria da sobrevivência,
mas os meios de sobrevivência são tanto sociais quanto individuais.
7 O realismo, segundo Wight (1991), concebe as relações internacionais como definidas predominantemente, se não exclusivamente, pela razão de Estado (raison d’état). O direito político
é o bem do Estado e a soberania é a palavra final nessas questões. O sistema internacional é
a arena na qual os homens de Estado perseguem seus interesses e periodicamente chegam a
conflitos que podem ameaçar a sobrevivência de alguns. O problema fundamental das relações
internacionais é prevenir tais conflitos, por meio da diplomacia, da defesa nacional, de alianças
militares, do equilíbrio de poder etc. A imagem realista é a de Estados soberanos livres, competitivos e, algumas vezes, egoístas e combativos: o individualismo internacional.
103
o Regime Especial Tributário para a Indústria de Defesa (RETID) que
beneficia as Empresas Estratégicas de Defesa (EED)8.
A MP nº 544/2011 foi convertida na Lei nº 12.598/2012, em 22
de março de 2012. As consequências desta lei para as exportações de
produtos de defesa, pois, não se fizeram presentes no período abrangido
por esta pesquisa (1974-2011).
Os resultados obtidos na pesquisa de campo para caracterizar
a condição científico-tecnológica do ambiente geral das exportações
mostram que os fatores, incentivo estatal à inovação no setor de defesa
e parcerias internacionais, fizeram-se “presentes” nos paradigmas
desenvolvimentista e logístico, o que, à luz de Ragin (1987), significa
considerar que a condição científico-tecnológica também esteve
“presente” nestes períodos.
Os resultados obtidos (Quadros 3, 4, 5 e 6) também revelam que,
na história recente do Brasil, não houve integração entre as instituições
de pesquisa e de desenvolvimento ligadas ao setor de defesa.
Quanto à condição estratégico-militar do ambiente geral das
exportações, a pesquisa demonstrou que, em nenhum dos períodos
recentes da história nacional, ela se fez “presente”. Ademais, o Brasil,
até o momento, não completou a estruturação de uma instituição
federal ligada ao Ministério da Defesa que tenha participação decisiva
na definição dos novos produtos a serem desenvolvidos pela indústria
de defesa nacional. Esta instituição seria responsável, como ocorre nos
países que mais exportam, por privilegiar a interoperabilidade entre as
forças singulares.
8 Empresa Estratégica de Defesa – EED, de acordo com a Lei nº 12.598, de 22 de março de 2012,
é toda pessoa jurídica credenciada pelo Ministério da Defesa mediante o atendimento cumulativo das seguintes condições: a) ter como finalidade, em seu objeto social, a realização ou
condução de atividades de pesquisa, projeto, desenvolvimento, industrialização, prestação dos
serviços referidos no art. 10, produção, reparo, conservação, revisão, conversão, modernização
ou manutenção de PED no País, incluídas a venda e a revenda somente quando integradas às atividades industriais supracitadas; b) ter no País a sede, a sua administração e o estabelecimento
industrial, equiparado a industrial ou prestador de serviço; c) dispor, no País, de comprovado conhecimento científico ou tecnológico próprio ou complementado por acordos de parceria com
Instituição Científica e Tecnológica para realização de atividades conjuntas de pesquisa científica
e tecnológica e desenvolvimento de tecnologia, produto ou processo, relacionado à atividade
desenvolvida, observado o disposto no inciso X do caput; d) assegurar, em seus atos constitutivos ou nos atos de seu controlador direto ou indireto, que o conjunto de sócios ou acionistas
e grupos de sócios ou acionistas estrangeiros não possam exercer em cada assembleia geral
número de votos superior a 2/3 (dois terços) do total de votos que puderem ser exercidos pelos
acionistas brasileiros presentes; e e) assegurar a continuidade produtiva no País.
104
Outro fator, que não é observado no Brasil, é a política de aquisição
planejada e permanente de produtos de defesa pelas Forças Armadas,
o que garante, em países como a Alemanha, a previsibilidade necessária
à indústria nacional. E, por fim, quanto ao fator percepção de possíveis
ameaças, verificou-se que, mesmo durante o período da Guerra Fria,
quando a possibilidade de um conflito era maior, a sociedade brasileira
não demonstrou compartilhar essa percepção. A defesa nacional não
se constituiu, em nenhum dos períodos, parte das preocupações da
sociedade brasileira.
A caracterização do ambiente geral para as exportações de produtos
de defesa no Brasil, durante cada um dos paradigmas estudados, em
síntese, pode se valer da “tabela verdade” (Tabela 7) preconizada por
Ragin (1987).
Tabela 7 - Estudo comparativo das condições para a exportação
de PRODE nos três paradigmas da política externa brasileira (PEB)
Condições
Políticolegais
(POL)
Econômicas
(ECO)
Científicotecnológicas
(C&T)
EstratégicoMilitares
(MIL)
Ambiente
para as exportações
(Amb)
PEB/
1974-1989
1
1
1
0
1
PEB/
1990-2002
0
0
0
0
0
PEB/
2003-2011
1
0
1
0
0
Casos
Fonte: o autor, adaptado de Liñan (2008)
À luz do volume de exportações e da participação brasileira no
mercado internacional de armas (Tabela 2), determinou-se que o
ambiente geral brasileiro para as exportações de produtos de defesa
somente foi favorável durante o paradigma desenvolvimentista. Com
isso, pode-se estabelecer combinações entre as condições e se organizar
uma função para cada um dos paradigmas.
105
Para
o
paradigma
desenvolvimentista,
a
equação
Amb74/89=POL*ECO*C&T*mil, a ausência da condição estratégico-militar
(mil) permite simplificá-la, resultando Amb74/89=POL*ECO*C&T. Para o
paradigma liberal, a equação Amb90/02=pol.*eco*c&t*mil revela a ausência
de todas as condições, o que se mostrou desfavorável às exportações. E,
para o paradigma logístico, a equação Amb03/11=POL*eco*C&T*mil, em
que a ausência das condições econômica (eco) e estratégico-militar (mil)
foi decisiva para caracterizar um ambiente desfavorável, permitindo
simplificar a equação para Amb03/11=POL*C&T.
Da lógica booleana, se a combinação das condições políticas e
econômicas (Amb03/11=POL*C&T) não foi suficiente para tornar o ambiente
favorável, então, na equação Amb74/89=POL*ECO*C&T, o diferencial foi
a condição econômica (ECO). No período de 1974 a 1989, a condição
necessária e suficiente para se estabelecer, no Brasil, um ambiente geral
favorável às exportações de produtos de defesa, foi a econômica. Esse
resultado permite simplificar a equação para Amb74/89=ECO.
4 DISCUSSÃO
A configuração-controle que retrata o ambiente geral para as
exportações de produtos de defesa nos cinco países que mais exportam,
conforme o item 3.2, foi caracterizada por duas equações, uma ideal
(Amb=POL*ECO*C&T*MIL), observada nos Estados Unidos, Rússia,
França e Reino Unido. A outra equação mostra a combinação necessária
e suficiente de condições (Amb=C&T*MIL), observada no caso da
Alemanha, onde o Estado coordena as iniciativas de uma base industrial
consolidada, com base em firmas privadas, que desenvolvem produtos
de defesa altamente competitivos.
A equação ideal corrobora com a assertiva de Guimarães (2006, p.
331) de que os programas militares nos países altamente desenvolvidos
são subsidiados pelos Estados, financiando megaempresas e
desenvolvendo novas tecnologias com aplicação civil.
O Brasil, de participação restrita neste mercado (Tabela 2), tem
procurado revitalizar sua indústria de defesa. O termo revitalizar remete
ao período de 1974 a 1989, quando a indústria de defesa nacional
apresentava diversificação de mercados (Tabela 4) e os produtos ofertados
abrangiam desde armas e munições de pequeno porte até sistemas de
106
armas, como veículos blindados, aeronaves, radares e sensores, navios
e peças de artilharia.
A hipótese proposta de que “as condições científico-tecnológicas
(C&T) e estratégico-militares (MIL) constituem-se em reflexos da política
externa que, ao se fazerem presentes, são suficientes para o êxito das
exportações de produtos de defesa nacionais” não se confirmou no
caso brasileiro, em nenhum dos períodos comparados. Mesmo durante
o paradigma desenvolvimentista, quando o volume de exportações de
produtos de defesa brasileiros teve significativo aumento, a hipótese
não foi confirmada.
Conforme observado no item 3.2, durante o paradigma
desenvolvimentista, a combinação de condições necessárias e suficientes
para gerar um ambiente favorável às exportações de produtos de
defesa brasileiros se resumiu à condição econômica (Amb74/89=ECO),
diferentemente do que é visto nos países que mais exportam
(Amb=POL*ECO*C&T*MIL + C&T*MIL).
Como justificar que esta configuração (Amb74/89=ECO) tenha
proporcionado ao Brasil condições de ingressar no grupo de exportadores
de sistemas de armas? Com efeito, não havia na política exterior brasileira,
apesar de pragmática, a vontade de influenciar o cenário internacional,
seu objetivo era o equilíbrio da balança comercial comprometido pelas
importações de petróleo.
O Brasil, assim como a Alemanha, não utilizou, no período estudado,
a exportação de armas como um instrumento de política externa. A
indústria de defesa brasileira, durante o paradigma desenvolvimentista,
subordinava-se à estratégia da busca pelo desenvolvimento e pela
redução da dependência tecnológica externa.
A configuração (Amb74/89=ECO) não se sustentou, pois assim
que a intervenção estatal, característica do desenvolvimentismo, foi
contestada pelo movimento liberal, particularmente no final da década
de 1980, a condição econômica (apoio estatal, participação da iniciativa
privada e política de exportação) passou a estar ausente do ambiente
geral, tornando insustentável o setor que era altamente dependente de
suas exportações para um mercado mundial bastante disputado.
O comércio internacional de produtos de defesa prossegue como
um dos segmentos mais lucrativos do comércio mundial, por esse motivo,
aos principais países exportadores de armas não interessa e incomoda a
107
concorrência da indústria de armamentos de produtores como o Brasil.
(GUIMARÃES, 2006).
Em tempos recentes, mesmo com a tentativa de recuperação, o
Brasil exporta para pouco mais da metade do número de países para
os quais exportava na década 1980 e a sua pauta de exportações é
predominantemente de aeronaves (86% das exportações de sistemas
de armas), setor em que o país conseguiu manter a competitividade,
graças, em grande medida, a tecnologias estrangeiras.
A propósito, a pesquisa indica que o Brasil apresenta fragilidade
na condição científico-tecnológica (C&T), principalmente porque não
alcançou a integração dos diversos centros nacionais de pesquisa e
desenvolvimento de novas tecnologias e produtos. O país depende de
parceiras e acordos com outros Estados para poder usufruir de tecnologias
de ponta estrangeiras. O país é, pois, dependente de novas tecnologias.
Além disso, a completa ausência da condição estratégico-militar
(mil) tem sido decisiva para as dificuldades enfrentadas pelo setor. O Brasil
ainda não prioriza a produção de meios que possam ser empregados
de forma conjunta pelas três forças singulares (interoperabilidade),
o que torna seus produtos menos competitivos. Também, não definiu
uma política de aquisições permanentes e planejadas na indústria de
defesa local, conforme fazem os países que mais exportam, o que deixa
as empresas brasileiras sem a necessária previsibilidade. E, ainda, a
sociedade nacional não compartilha a percepção de possíveis ameaças
externas e internas, o que restringe sobremaneira o projeto estatal de
revitalização da indústria de defesa.
Para manter a capacidade doméstica de produção de armas,
os países devem, de acordo com Smith, Humm e Fontanel (1989),
introduzir várias barreiras formais e informais para proteger a indústria
de armas nacional e pagar acima do preço mundial médio pelas armas e
equipamentos nacionais que eles compram.
No Brasil, a ausência de cultura de defesa deslegitima as ações
do Estado para fomentar as indústrias do setor. É compreensível que o
argumento principal para justificar os investimentos públicos na indústria
de defesa brasileira continua a ser a possibilidade do desenvolvimento
de tecnologias de uso dual que, com efeito, deve ser uma consequência
e não um fim em si mesmo, sob pena de o Brasil desenvolver produtos
que não atendam suas reais necessidades de defesa.
108
O debate acerca do redimensionamento da base industrial de
defesa implica, para Deutch (2001, p. 146), a definição das ameaças,
bem como da natureza e da organização das forças necessárias para se
contrapor a elas, garantindo a defesa nacional. Critérios financeiros e de
mercado, segundo o autor, não podem ser utilizados para definir a base
industrial de defesa mais apropriada.
É a vontade política, pois, que determina a importância da
indústria de defesa nacional. O viés racionalista adotado pela política
externa brasileira é, ao mesmo tempo, uma consequência da falta de
recursos de poder do Estado para demandar por seus interesses no
cenário internacional e, também, um inibidor das iniciativas para a
produção nacional de meios militares. Afinal, para os racionalistas, se os
conflitos podem ser resolvidos por meio do diálogo e da negociação, por
que instrumentalizar o poder militar dos Estados, correndo-se o risco de
que as crises escalem para conflitos armados?
Este dilema é resolvido, em princípio, com a posse de meios
militares com o objetivo de alcançar a dissuasão. Esta é a justificativa
para os investimentos recentes do governo brasileiro na indústria de
defesa. Contudo, a produção de meios de defesa traz elevados custos.
A amortização destes custos só é possível por meio das exportações,
as quais exigem competitividade e promoção comercial por parte do
governo. Afinal, são os Estados os principais clientes neste mercado.
Para Dagnino (2010, p. 65), o Brasil, exportador de produtos de
defesa com tecnologias intermediárias, dificilmente tem condições de
ampliar o mercado para suas exportações. O melhor a fazer, segundo
ele, é aceitar a hierarquização do poder mundial. Os países periféricos
que se rebelam contra o estado de coisas são penalizados. Com relação
aos países produtores de armas, não há muitas opções senão acatar
as preferências e exigências dos Estados Unidos, país que detém as
tecnologias mais avançadas do setor, além de influência política e
econômica, direta e indireta, no comércio e produção de armas.
Entre o conformismo sugerido por Dagnino (2010) e a assertividade
exposta na Política de Defesa Nacional (2005), o Estado brasileiro elegeu
a segunda, admitindo que o Brasil tenha um papel maior a desempenhar
no mundo, muito embora esse papel ainda esteja indefinido e seja
pouco debatido, em face dos grandes problemas sociais e econômicos
que ainda afetam o país.
109
5 CONCLUSÃO
O artigo mostrou que as condições existentes no ambiente geral
de exportações de produtos de defesa nos países que mais exportam
nesse setor são diferentes daquelas vigentes no Brasil, potência média
de limitados recursos de poder.
A política externa dos países que mais exportam retrata a busca
pela capacidade de influenciar os destinos da comunidade internacional.
As condições científico-tecnológicas e estratégico-militares, vetores
essenciais de desenvolvimento e influência desses países, são reflexos
de uma política externa decidida, com objetivos nacionais de médio e
longo prazo perfeitamente delineados. Ademais, na maioria desses
países predomina uma visão realista das relações entre os Estados,
fundamentada na percepção conjunta de ameaças pela sociedade, o
que justifica e legitima o esforço governamental em manter seu parque
industrial de defesa.
A análise qualitativo-comparativa permitiu concluir que, em
nenhum dos períodos estudados, quer seja no desenvolvimentista (19741989), no liberal (1990-2002) ou no logístico (2003-2011), a condição
estratégico-militar esteve presente no ambiente geral das exportações
de produtos de defesa no Brasil. Ressalta-se que esta condição necessária
é comum aos países que mais exportam no setor.
No período do paradigma desenvolvimentista, o ambiente
brasileiro era favorável a essas exportações. Os sistemas de armas
nacionais, de tecnologia intermediária, encontraram mercado nos
países árabes, em especial no Iraque. O Brasil precisava equilibrar a
balança comercial que tinha na importação de petróleo uma das grandes
responsáveis pelo deficit. A troca entre produtos de defesa brasileiros
e o petróleo do Oriente Médio contribuiu sobremaneira para isso. A
crise da dívida externa na década de 1980 e o fim do conflito Irã-Iraque,
entretanto, contribuíram para que a condição econômica que favorecia
o ambiente deixasse de existir. O setor enfrentou, com isso, uma crise
sem precedentes durante o período seguinte, em que esteve vigente o
paradigma liberal.
A Estratégia Nacional de Defesa (2008), aprovada já no paradigma
do Estado logístico, indica a necessidade de revitalização da indústria de
defesa brasileira. Algumas iniciativas para incentivar o setor estão sendo
110
tomadas, a exemplo do regime especial tributário para a indústria de
defesa. No entanto, alguns fatores e condições fundamentais observados
nos países que mais exportam se encontram ausentes no Brasil.
Ainda não se verifica o desenvolvimento de produtos de defesa
nacionais com ênfase na interoperabilidade entre as três forças
singulares e em conformidade com as reais necessidades da defesa
nacional. Também, não há política de aquisições governamentais
de médio e longo prazo que ofereça previsibilidade às indústrias
brasileiras. E, o mais importante, a sociedade brasileira demonstra
pouco interesse no debate sobre a grande estratégia do país e os
desafios de longo prazo, estabelecendo pouca prioridade para o tema
da defesa nacional.
Com efeito, se por um lado, o discurso brasileiro afirma que o
país quer e está em condições de assumir maiores responsabilidades no
concerto das nações; por outro, as condições vigentes no ambiente geral
das exportações de produtos de defesa refletem uma política externa
de potência média, de tradição pacifista, com perfil baixo e aversão a
assumir riscos.
A Alemanha, considerada hoje uma “potência civil”, não abre
mão de proporcionar as condições necessárias e suficientes para
que a sua indústria de defesa seja viável, pois o setor é considerado
estratégico. Não é razoável e nem racional, pois, que o Brasil,
ator com interesses globais, ignore a possibilidade de que outros
recursos de poder, além da negociação, possam vir a ser utilizados
para proteger seus mais legítimos objetivos. Nesse caso hipotético,
mas não improvável, convém dispor de capacitação tecnológica e
industrial que permitam ao país desenvolver os produtos de defesa
que necessita, sem depender da importação de componentes e
tecnologias consideradas sensíveis.
É necessário que as diferentes instituições envolvidas com o
desenvolvimento do setor compreendam a dimensão política do tema. A
Secretaria de Produtos de Defesa, recém-criada no âmbito do Ministério
da Defesa, a exemplo do que ocorre nos países que mais exportam
(PRODE), tem papel relevante na orientação dos esforços para que
condições favoráveis ao ambiente geral das exportações do setor sejam
criadas e o Brasil possa ter uma indústria competitiva e que atenda às
reais necessidades de defesa do país.
111
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114
A INFRAESTRUTURA NACIONAL DE
DADOS ESPACIAIS: A PRODUÇÃO DE
INFORMAÇÕES GEOESPACIAIS VOLTADA AO
DESENVOLVIMENTO, SEGURANÇA E DEFESA
La-Fayette Côrtes Neto*
RESUMO
O presente trabalho trata da produção e do uso de informações geoespaciais
no Brasil voltadas ao desenvolvimento, à segurança e à defesa. O objetivo
deste trabalho é demonstrar a potencial utilização da Infraestrutura
Nacional de Dados Espaciais – INDE no desenvolvimento, na segurança
e na defesa nacionais. Inicialmente o trabalho conceitua as informações
geoespaciais, menciona as iniciativas de Infraestruturas de Dados Espaciais
no mundo e, em seguida, descreve a INDE, seus participantes e o seu plano
de ação no período 2010-2022. A partir daí, o trabalho provê a visão atual
da INDE, bem como enumera iniciativas voltadas ao desenvolvimento,
à segurança e à defesa nacionais, candidatas em potencial à INDE. No
aspecto do desenvolvimento nacional, a implantação gradativa da INDE
terá um peso cada vez maior no atendimento às demandas da gestão do
conhecimento, da gestão territorial, da gestão ambiental, da gestão de
programas sociais e da gestão dos investimentos, da mitigação de riscos e
impactos de fenômenos naturais e a outros tipos de demandas. No âmbito
da segurança e defesa nacionais, os atuais projetos empreendidos pela
Marinha, pelo Exército e pela Força Aérea como o Projeto Cartografia da
Amazônia e o Sistema de Proteção da Amazônia – SIPAM, bem como os
futuros projetos do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
– SISFRON e do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul – SISGAAz
são candidatos potenciais à INDE, seja por envolverem informações
geoespaciais na forma de imagens de satélite, seja por envolverem uma
diversidade de órgãos do Governo brasileiro.
Palavras-chave: Informações geoespaciais. Infraestruturas de Dados
Espaciais. Segurança. Desenvolvimento. Defesa.
__________________
* Tecnologista em Informações Geográficas e Estatísticas da Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
115
Abstract
The present study deals with the production and use of geospatial
information in Brazil oriented to development, security and defense.
The aim of this study is to demonstrate the potential use of the National
Spatial Data Infrastructure – INDE in national development, security
and defense. This study initially conceptualizes geospatial information,
mentions the Spatial Data Infrastructures initiatives in the world and then
describes the INDE, its participants and its action plan in the 2010-2022
timeframe. Lastly, this study provides the vision of the INDE today, as well
as initiatives oriented to national development, security and defense,
potential candidates for the INDE. In terms of national development, the
gradual implementation of the INDE will have an impact in addressing
the knowledge management, territorial management, environmental
management, social policy management and investment management,
as well as in addressing the mitigation of risks of natural disasters and
other demands. In terms of national security and defense, current
projects in the Brazilian Navy, Army and Air Force like the Cartography
of the Amazon and the Amazon Protection System – SIPAM, as well as
future projects like the Frontier Monitoring Integrated System – SISFRON
and the Blue Amazon Management System – SISGAAz are potential
candidates for the INDE, by involving geospatial information in the form
of satellite images or by involving several institutions of the Brazilian
Government.
Keywords: Geospatial Information. Spatial Data Infrastructures.
Development. Security. Defense.
1 INTRODUÇÃO
A maior parte das informações de que necessitamos está ou pode
estar de algum modo associada a uma localização no espaço e ao seu
contexto geográfico. Estima-se que mais de 70% de todas as informações
globais produzidas ou mantidas por órgãos públicos relacionem-se,
direta ou indiretamente, com o contexto geográfico.
Grandes volumes de dados e informações geoespaciais são
produzidos e mantidos com recursos públicos por diversos atores
116
do cenário nacional. Contudo, é inegável que muito pouco desse
investimento tem se revertido em maior facilidade de acesso aos dados
para os seus usuários, notadamente no setor público. Essa situação não
se sustenta mais nos tempos atuais. A era da informação impõe um novo
modelo para o compartilhamento e a disponibilização da produção de
informações geoespaciais.
A produção e a manutenção de dados e informações geoespaciais
são atividades de prazos prolongados e investimentos elevados. Por isso,
é interesse do Estado que os investimentos públicos nessa área sejam
racionalizados, de modo a maximizar o seu retorno para a sociedade.
Usuários de diferentes perfis devem ter seu acesso facilitado aos
dados e às informações de que necessitem. Mais que um bem público,
a informação geoespacial é cada vez mais tratada como um serviço
a que todos devem ter facilidade de acesso, dos gestores do setor
governamental ao cidadão comum.
O objetivo deste trabalho é demonstrar a potencial utilização da
Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais – INDE no desenvolvimento,
na segurança e na defesa nacionais. Inicialmente, o trabalho conceitua
as informações geoespaciais, menciona as iniciativas de Infraestruturas
de Dados Espaciais no mundo e, em seguida, descreve a INDE, seus
participantes e o seu plano de ação no período 2010-2022. A partir daí,
o trabalho provê a visão atual da INDE, bem como enumera iniciativas
voltadas ao desenvolvimento, à segurança e à defesa nacionais,
candidatas potenciais à INDE.
2 CONTEXTO DE PRODUÇÃO E USO DE INFORMAÇÕES GEOESPACIAIS
NO BRASIL
Informações geoespaciais são informações cartográficas e
topográficas que representam o território; dados sobre recursos naturais;
imagens da superfície terrestre obtidas por satélites de sensoriamento
remoto; dados ambientais; malhas viárias representativas da
infraestrutura de transportes; informação sobre localização; descrição
de áreas protegidas; dados sobre descrição e representação de imóveis
urbanos e rurais; e dados sobre distintos usos dos solos. Da mesma forma,
as séries estatísticas sobre aspectos demográficos de uma determinada
117
população, bem como a distribuição dessa população e suas variáveis
socioeconômicas são também consideradas, no seu conjunto, como
informações geoespaciais ou “geoinformações”.
A produção de informações geoespaciais no Brasil é amparada por
instrumentos legais que regem a produção de informações cartográficas
– gerais, temáticas e especiais: náuticas e aeronáuticas –, no âmbito
do chamado Sistema Cartográfico Nacional – SCN. O principal marco
legal do SCN é o Decreto-Lei no 243, de 28 de fevereiro de 1967. Cabe
também destacar que a Constituição de 1988, em seus artigos 21 e
221, estabelece obrigações da União com as atividades cartográficas.
O SCN está sob a gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento
e Gestão que, nesta função, é assessorado pela Comissão Nacional de
Cartografia – CONCAR2. Na qualidade de órgão colegiado do Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, a CONCAR conta com a participação
de diversos ministérios, instituições federais, estaduais e associações de
empresas, todos envolvidos na produção, na manutenção e no uso de
informações geoespaciais.
Atualmente no Brasil, a informação geoespacial é, em grande parte,
produzida, mantida e adquirida por organizações públicas em todas as
esferas do governo. Não obstante esse imenso volume de informações
geoespaciais, é difícil para os usuários saber o que está disponível, onde
pode ser encontrado, quem são os mantenedores e como pode ser
acessado.
Além disso, todos esses dados e informações encontram-se em
diferentes formatos e padrões, mantidos em sistemas que não conversam
entre si e servindo apenas aos propósitos para os quais foram adquiridos
ou produzidos. Por isso, em muitas ocasiões faz-se necessário acessar
uma ou mais fontes de dados e submetê-los a complexos e demorados
processos de integração, para que uma informação de interesse
seja obtida de forma confiável. A Infraestrutura Nacional de Dados
Espaciais – INDE procura resolver esses problemas, tornando possível
o conhecimento e o acesso às fontes e às informações geoespaciais
propriamente ditas, de forma unificada.
1
O artigo 21 da Constituição Federal estabelece em seu inciso XV que “compete à União organizar e manter os serviços oficiais de estatística, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional”; o artigo 22 estabelece em seu inciso XVIII que “compete privativamente à União legislar
sobre sistema estatístico, sistema cartográfico e de geologia nacionais”.
2 Mais informações sobre a CONCAR podem ser obtidas em:< www.concar.ibge.gov.br>.
118
A INDE, instituída pelo governo federal através do Decreto no
6.666, de 27 de novembro de 2008, tem como objetivo maior facilitar
o acesso aos dados e informações geoespaciais produzidos no âmbito
do Estado brasileiro. Do sucesso de sua implantação, prevista para
os próximos dez anos, podem ser esperados os seguintes benefícios
gerais:
• inclusão da sociedade na Era da Informação, com a melhoria do
acesso público à geoinformação e às suas aplicações;
• busca por maior abertura, transparência e orçamento vinculado
a uma política de informações geoespaciais;
• ampliação da capacidade de resposta do Governo através da
inserção de análises geoespaciais no processo de tomada de
decisão;
• subsídio à crescente demanda da sociedade por políticas públicas
que tenham o território como um dos fatores de análise, feita
de forma sistemática e participativa;
• foco crescente no desenvolvimento sustentável, ampliando a
participação social;
• melhoria nas ações resultantes do planejamento de respostas a
situações de emergência e de segurança nacional;
• reforço à integração Estado versus Federação; e
• promoção do uso da geoinformação e das geotecnologias
para a tomada de decisão nos processos sociais, ambientais e
econômicos.
Nos últimos anos, a CONCAR vem realizando esforços significativos,
em várias frentes de trabalho, coordenadas por suas várias subcomissões
e comitês especializados, para viabilizar a implantação da INDE. É
importante destacar que o próprio Decreto no 6.666/2008 foi concebido,
em suas linhas mestras, pela CONCAR.
3 AS INFRAESTRUTURAS DE DADOS ESPACIAIS NO MUNDO
Tendo em vista as dificuldades no manuseio das informações
geoespaciais e a necessidade imperiosa de tratá-las para que possam
efetivamente ser incorporadas aos seus processos de negócios, governos
do mundo inteiro deram início, em meados dos anos 1990, à construção
das chamadas Infraestruturas de Dados Espaciais ou IDEs. Essas iniciativas
119
vêm sendo consideradas uma ação essencial de boa governança em
diversos países, tanto pelo Estado quanto pela sociedade.
A correta formulação e compreensão dos conceitos associados
a termos tais como dados, dados geográficos, informações não
geográficas, informações geográficas ou geoespaciais têm um peso cada
vez maior no atendimento às demandas da gestão do conhecimento,
da gestão territorial e ambiental, da gestão de programas sociais e de
investimentos, da mitigação de riscos e impactos de fenômenos naturais
e a outros tipos de demandas.
Com efeito, a valorização crescente da informação geoespacial
é decorrente da ampliação, em nível global, de uma mentalidade mais
responsável com o meio ambiente e, também, das demandas sociais
e econômicas por uma melhor compreensão da realidade territorial,
na medida em que subsidia a execução de políticas de gestão e
desenvolvimento sustentável.
Como resultado da Conferência das Nações Unidas sobre Meio
Ambiente e Desenvolvimento realizada em 1992 no Rio de Janeiro –
conhecida como Rio-92 –, a Agenda 21 tornou-se um programa de ações
com o objetivo de enfrentar os desafios impostos pelo meio ambiente,
mediante um desenvolvimento econômico sustentável. Esse programa
foi um divisor de águas, na medida em que conscientizou a humanidade
sobre a importância do “desenvolvimento sustentável”. Vinte anos
depois, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento
Sustentável – conhecida como Rio+20 –, comprova que o conceito de
“desenvolvimento sustentável” está presente nas políticas de todos os
países para o desenvolvimento no século 21. Segundo Maruyama &
Akiyama (2003, não paginado, tradução nossa):
A Agenda 21 inclui descrições sobre dados e informações
aqui e ali que devem guiar os Institutos Nacionais de
Cartografia – NMOs. O capítulo 40, intitulado ‘Informações
para a Tomada de Decisões’, enfatiza a necessidade de
fortalecimento das atividades de coleta de dados e de
aperfeiçoar a avaliação e análise dos dados mediante
novas tecnologias, tais como sistemas de informações
geográficas.
Uma das conclusões da Rio-92 foi o reconhecimento de que em
muitas áreas – territoriais e de conhecimento – a qualidade dos dados
120
usados não é adequada e que, mesmo onde existem dados, e ainda
que apresentem qualidade satisfatória, a sua utilidade é reduzida por
restrições de acesso ou por falta de padronização. A superação dessas
dificuldades constitui um desafio a ser enfrentado na implantação de
uma IDE.
O aumento da conscientização sobre o papel central dos acordos
de compartilhamento de bases de dados geoespaciais, com vistas à
integração, compatibilização (harmonização) e disponibilização daquelas
consideradas de uso comum, foi um fator que impulsionou a evolução
das IDEs no mundo. Esses acordos, estabelecidos inicialmente entre
órgãos públicos, atualmente abrangem todos os atores da sociedade em
diversos países.
4 OBJETIVOS E CONCEITOS DA INDE
O Decreto no 6.666/2008 apresenta, logo em sua introdução, os
objetivos para a construção da INDE. Esses objetivos estão baseados,
em essência, por três recomendações gerais norteadoras de políticas de
acesso e uso de dados:
• maximizar a disponibilidade das informações do setor público
para uso e reutilização, enfatizando a transparência e a boa
governança;
• fomentar o acesso e as condições de reutilização das informações
do setor público, ampliando a disseminação, a utilização, a
integração e o seu compartilhamento; e
• melhorar o acesso às informações e divulgar o seu conteúdo em
formato eletrônico e pela Internet.
Desse modo, a INDE nasce com o propósito de catalogar,
integrar e harmonizar dados e informações geoespaciais existentes
nas instituições do Governo brasileiro, produtoras e mantenedoras
de informações geoespaciais, de maneira que possam ser facilmente
localizados, explorados em suas características e acessados para os mais
diversos usos, por qualquer cliente que tenha acesso à Internet, seja ele
um usuário a serviço do governo, um profissional da iniciativa privada,
um pesquisador ou mesmo o cidadão comum. Para tanto, os dados
geoespaciais serão catalogados através dos seus respectivos metadados,
cujo registro estará a cargo dos seus correspondentes produtores e
121
mantenedores. Esse registro segue um padrão já definido e homologado
pela CONCAR, chamado Perfil de Metadados Geoespaciais do Brasil –
Perfil MGB, disponível em seu sítio web.
A disponibilização, o compartilhamento e o acesso aos dados e
informações geoespaciais, bem como aos serviços relacionados, serão
viabilizados, na INDE, através de uma rede de servidores integrados à
Internet, que reunirá produtores, gestores e usuários de informações
geoespaciais no ciberespaço. Essa rede de servidores se denomina
Diretório Brasileiro de Dados Geoespaciais – DBDG. O Portal Brasileiro
de Dados Geoespaciais, denominado SIG Brasil, é a porta de acesso dos
usuários aos recursos distribuídos do DBDG. O Decreto no 6.666/2008
estabelece que os dados geoespaciais disponibilizados no DBDG por
órgãos e entidades governamentais, de qualquer nível de governo,
deverão ser acessados através do SIG Brasil, de forma livre e sem ônus
por qualquer usuário devidamente identificado.
5 A PARTICIPAÇÃO NA INDE
Por definição, poderá participar da INDE toda instituição ou organização
pública, privada, acadêmica, não governamental – ONG ou entidade sem fins
lucrativos, que esteja de acordo com seus objetivos e princípios e disposta
a integrar-se ativamente em seus propósitos. A participação na INDE não
é exclusiva nem impede aos participantes de realizar acordos com outras
entidades ou participantes nos temas de seu interesse.
Os princípios gerais sugeridos para o desenvolvimento da INDE
estão abaixo mencionados.
• A realização de ações conjuntas de disseminação, celebração de
acordos e capacitação, inicialmente entre as entidades públicas
e depois agregando, gradativamente, outros atores.
• A participação na INDE não afeta a propriedade da informação.
Cada um dos participantes respeitará os direitos de propriedade
intelectual dos demais.
• Os participantes compartilham equitativamente os custos
e benefícios, conforme os acordos específicos que vierem a
celebrar para o desenvolvimento dos diferentes projetos.
• As atividades serão orientadas a satisfazer as demandas dos
usuários.
122
• Os participantes trabalharão para adequar seus planos e projetos
institucionais às orientações e acordos que se estabelecerem
para a INDE, de maneira tal que se assegure a sustentabilidade
dessa iniciativa; e
• O trabalho da INDE se embasa no reconhecimento das
diferentes competências de cada instituição e na observância
das obrigações e limitações que a lei lhes impõe.
Contudo, é importante observar que algumas prioridades foram
estabelecidas no tocante ao tempo de ingresso de diferentes atores na
INDE. Este assunto será abordado no Plano de Ação da INDE a seguir.
6 O PLANO DE AÇÃO DA INDE
Em dezembro de 2008, a CONCAR constituiu o Comitê para o
Planejamento da INDE – CINDE, com a incumbência de elaborar o Plano
de Ação para Implantação da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais.
Esse documento, desenvolvido em oito capítulos, e submetido, com
êxito, à aprovação da CONCAR em maio de 2009, encontra-se disponível
ao público no seu sítio web. O capítulo 8, denominado Plano de Ação
da INDE, apresenta a consolidação dos capítulos anteriores no tocante a
prazos, tarefas, custos e responsabilidades. Nele também se apresenta a
estratégia de implantação da INDE.
A estratégia de implantação da INDE proposta no Plano de Ação
baseia-se num escalonamento de metas de acordo com prioridades
e objetivos bem definidos, a serem alcançados ao longo de ciclos de
implantação. Estão previstos três ciclos, cujos prazos de duração foram
reajustados, resultando no seguinte: Ciclo I – concluído em dezembro de
2011; Ciclo II – de 2012 a 2016; e Ciclo III – de 2017 a 2022.
Os dois primeiros ciclos de implantação da INDE têm ênfase na
inclusão de atores do setor governamental, especialmente os produtores
de informações geoespaciais do setor federal. A prioridade concedida
aos órgãos do governo federal nos primeiros ciclos da INDE justifica-se
pelo fato de o Decreto no 6.666/2008 determinar a obrigatoriedade do
compartilhamento e divulgação dos dados geoespaciais daqueles órgãos.
No entanto, as organizações ligadas a outros níveis de governo poderão
aderir ao processo de implantação da INDE em qualquer estágio, desde
que estejam preparadas para tanto em sua capacidade de publicação e
123
manutenção de conteúdo e serviços com recursos próprios.
O modelo organizacional e de gestão da INDE, tal como proposto
no Plano de Ação, apresenta a seguinte composição:
• Conselho Superior – à luz do Decreto no 6.666/2008, a
CONCAR deverá exercer a função de Conselho Superior da
INDE, cumprindo um papel normativo e diretivo, cabendo-lhe
estabelecer as normas, os padrões e as diretrizes que viabilizem
a implantação e a evolução da INDE;
• Conselho Consultivo – como órgão colegiado de assessoramento
do ministro de Estado de Planejamento, Orçamento e Gestão, a
CONCAR também exercerá a função de Conselho Consultivo da
INDE. Para viabilizar o cumprimento desse papel que, no modelo
aqui apresentado, compreende as funções de planejamento,
gestão de implantação e manutenção da INDE, a CONCAR
contará com o apoio efetivo e articulado das suas subcomissões
técnicas: Subcomissão de Assuntos de Defesa Nacional – SDN;
Subcomissão de Dados Espaciais – SDE; Subcomissão de
Divulgação – SDI; Subcomissão de Legislação e Normas – SLN; e
Subcomissão de Planejamento e Acompanhamento – SPA.
• Comitê Técnico – subsidia o Conselho Consultivo, atuando sob
a orientação e o acompanhamento direto das subcomissões
técnicas da CONCAR. Terá por função coordenar a
operacionalização do Plano de Ação da INDE. Além de um
coordenador designado pela CONCAR, o Comitê Técnico terá
líderes para cada uma das seguintes categorias ou pastas,
definidas no Plano de Ação da INDE: Gestão; Normas e Padrões;
Dados e Metadados; Tecnologia; Capacitação e Treinamento;
Difusão e Divulgação; e
• Grupos de Trabalho – Os Grupos de Trabalho – GTs poderão
ser criados de acordo com as demandas efetivas de apoio
ao trabalho do Comitê Técnico. Terão composição variável e
contarão em geral com representantes de diferentes atores da
INDE. Os GTs representam uma extensão do Comitê Técnico da
INDE segundo duas dimensões: temática e organizacional.
O Plano de Ação da INDE identifica ações, prazos, responsáveis
e resultados esperados para que a iniciativa de implantação da INDE
se concretize num prazo razoável, com a devida conscientização e
124
mobilização dos tomadores de decisão e formadores de opinião, bem
como com a alocação dos recursos orçamentários para os investimentos
e custeios indispensáveis.
A seguir, apresenta-se um resumo dos objetivos e das diretrizes
dos três ciclos de implantação.
Ciclo I – concluído em dezembro de 2011
Ao final do Ciclo I foi implantada a infraestrutura física e
informacional de dados, metadados e serviços, necessária para a
publicação, busca e acesso a informações geoespaciais produzidas por
determinadas instituições do Poder Executivo federal. Esse ciclo teve por
objetivo implantar o embrião do DBDG.
A participação no Ciclo I foi mandatória para os produtores oficiais
de informações geoespaciais do setor federal e recomendada para os
demais atores federais, mediante um processo de adesão ao DBGD. Para
os atores de outros níveis de governo, a participação – ou seja, a adesão
ao DBDG – foi voluntária.
O portal de acesso aos recursos do DBDG – SIG Brasil – oferece
funcionalidades para informações e notícias sobre a INDE, canais
de comunicação (FAQ, Fale Conosco etc.), administração do DBDG,
busca e acesso a dados e informações a partir dos respectivos
metadados, visualização de mapas (Web Map Service – WMS3) e outras
funcionalidades previstas no capítulo 5 do Plano de Ação da INDE.
Ciclo II – de 2012 a 2016
Esse será o ciclo de consolidação do DBDG no Governo Federal
e da sua extensão para os demais níveis de governo. O Ciclo II marcará
também o fortalecimento dos componentes institucional e de pessoas da
INDE, além da sedimentação de normas e padrões. O foco estará tanto
nos dados quanto nos serviços, que deverão ser ampliados de acordo
com as demandas dos usuários.
A integração com outras IDEs – continentais, temáticas, regionais,
institucionais/corporativas – será uma das metas importantes do Ciclo
3
Web Map Service – O serviço WMS permite visualizar dados e informações geoespaciais em
geral e consultar as entidades mostradas num mapa vetorial.
125
II, bem como a ampla divulgação da iniciativa para todos os segmentos
produtivos da sociedade.
Quanto ao Ciclo II, pode-se dizer que seu maior objetivo será o
de transformar a INDE na principal ferramenta de busca, exploração
e acesso de dados e metadados geoespaciais do Brasil, em suporte à
formulação de políticas públicas em geral.
Ciclo III – de 2017 a 2022
Ao final do Ciclo III, espera-se que a INDE tenha permeado todos
os setores produtivos da sociedade, além do Governo, e se consolidado
como uma referência para busca, exploração e acesso de dados e
metadados geoespaciais no Brasil. Nesse ciclo, será também consolidada
a integração com outras IDEs.
O maior objetivo antecipado para o Ciclo III será o de transformar
a INDE na principal ferramenta de busca, exploração e acesso aos
dados e informações geoespaciais do Brasil, em suporte à formulação
de políticas públicas pelo setor governamental e à própria sociedade
nas tomadas de decisão afetas ao seu cotidiano, fomentando até a
participação voluntária. Ao final do Ciclo III almeja-se que a INDE seja
reconhecida internacionalmente pela sua capacidade de contribuir para
projetos transnacionais.
7 VISÃO ATUAL DA INDE E O PORTAL SIG BRASIL
No dia 8 de abril de 2010 foi lançado o portal da INDE4, denominado
SIG Brasil, seguindo o especificado no Plano de Ação da INDE. No
lançamento da INDE, estiveram presentes diversos atores federais
já envolvidos nessa iniciativa. O evento representou um momento de
engajamento e sensibilização dos órgãos participantes, no qual se
destacou a importância da INDE, sua operacionalização e aplicabilidade.
Nessa ocasião, foi assinada ata, sinalizando a adesão à iniciativa INDE.
A estratégia de implantação da INDE tem por base um processo
evolutivo gradual, em que a inclusão de novos atores e a consequente
agregação de novos conteúdos e serviços tornará a INDE mais efetiva,
em benefício de uma gama maior de usuários de todos os setores da
4 Disponível em: <www.inde.gov.br>.
126
sociedade. Esse processo passa necessariamente pelo engajamento dos
Governos estaduais. Ainda que os primeiros ciclos tenham foco operativo
na adesão de atores federais ao DBDG, é desejável que os estados
participem desde cedo, através da celebração de acordos de cooperação
para a disponibilização de seus dados e serviços.
A justificativa econômica de desenvolvimento da INDE é reforçada,
em grande medida, pela inclusão de conteúdo dos estados e municípios
brasileiros, o que permitirá:
• conhecer a disponibilidade de informações geoespaciais no
nível federal e estadual, facilitando o seu acesso e intercâmbio;
e
• facilitar o uso de informações geoespaciais padronizadas e
de cobertura nacional, que compreendem o acervo oficial de
dados geoespaciais do país.
A INDE proporcionará os mecanismos de cooperação e intercâmbio
entre os seus atores, para facilitar o acesso e o uso de informações
geoespaciais em nível local, regional e nacional, mediante a formulação
de políticas, a padronização de dados e a transferência e aplicação de
tecnologias.
O desenvolvimento da INDE é uma iniciativa nacional urgente.
Como uma base de produção eficiente, terá o potencial de ser a fonte
primária de dados fundamentais de interesse nacional para as diferentes
atividades relacionadas com informações geoespaciais. Eventualmente,
poderá facilitar o surgimento de setores de negócios em informação,
que impulsionarão atividades de economia e comércio, tornando-se um
motor de desenvolvimento.
Os estados poderão vincular-se de maneira ativa na produção,
manutenção, custódia, distribuição e geração de produtos e serviços de
geoinformação. O acesso e o conhecimento dos dados geoespaciais, em
diversos níveis, tem o potencial de fomentar a transparência e a isenção
do Governo em suas políticas e intervenções no território.
8 INICIATIVAS POTENCIAIS PARA A INDE
No Brasil, há uma série de iniciativas da Diretoria de Hidrografia e
Navegação da Marinha, da Diretoria de Serviço Geográfico do Exército
127
e do Instituto de Cartografia Aeronáutica da Força Aérea voltadas à
questão geoespacial. Pode-se citar o exemplo do Projeto Cartografia da
Amazônia, projeto estratégico que possibilitará um conhecimento mais
profundo da Amazônia brasileira, por meio do mais completo conjunto
de dados geoespaciais da região.
Outro exemplo na região amazônica é o Sistema de Proteção
da Amazônia – SIPAM. O projeto tem como missão proteger a região
através da integração de políticas públicas ao planejamento territorial
e ao desenvolvimento sustentável regional. Espera-se com isso que o
SIPAM se torne uma referência nacional e internacional na geração e na
aplicação de geotecnologias às políticas públicas na Amazônia. Com isso,
o SIPAM pode impulsionar ações em prol da região, tais como:
• a regularização de terras públicas para o desenvolvimento
regional.
• o pagamento de serviços ambientais a comunidades que
preservarem a floresta (23 mil potenciais beneficiários do
Programa Bolsa Verde);
• o cadastramento de beneficiários do Programa Bolsa Família;
• a inclusão digital de 137 localidades com os maiores índices de
desmatamento; e
• ações produtivas para a redução da pobreza extrema (Programa
Arco Verde).
O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais – INPE é o responsável
pela implantação da plataforma de monitoramento, análise e alerta
TerraMA2, aplicada à prevenção de desastres naturais na Amazônia.
O Ministério dos Transportes desenvolveu o Sistema de
Planejamento Regional de Transportes – SIG-T com o objetivo de apoiar
o Ministério em estudos e na elaboração de planos estratégicos para o
transporte nacional. Trata-se de uma Infraestrutura Nacional de Dados
Espaciais para o planejamento e gestão de transportes, visando integrar
usuários e provedores de dados. Além disso, o Ministério possui um
projeto para utilizar um sistema de informação geográfica – SIG no
planejamento de transportes na região amazônica. A reconstrução da
rodovia BR-319 (Manaus-Porto Velho) é um exemplo que permitirá:
• uma alternativa para o escoamento da produção industrial de
Manaus para o centro-sul do país;
• o escoamento da produção agroextrativista local, tanto dos
128
municípios produtores do interior em direção às capitais quanto
entre os municípios produtores;
• a associação de preservação ambiental com desenvolvimento e
integração local e regional; e
• as melhores condições de vida para as comunidades que
residem em pequenos povoados localizados nas margens de
rios e igarapés, que sobrevivem à custa da pesca artesanal e do
extrativismo agrícola.
A OrbiSat, empresa do grupo Embraer, desenvolveu o radar
OrbiSAR para operar nas bandas X e P, com o objetivo de gerar um
mapeamento sistemático e uma grade definitiva de modelos, biomassa
e cartografia na escala 1:50.000 para fins de:
• topografia para o projeto básico de represas, minas, estradas e
outras infraestruturas;
• biomassa para os estudos ambientais entre outros; e
• cartografia para o planejamento urbano e outros fins.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE possui
atualmente o Banco de Dados de Informações Ambientais – BDIA
para a aquisição, organização, preservação e registro de eventos
geoespaciais visando disponibilizar insumos para estudos ambientais.
Seu acervo contempla dados e informações sobre o meio físico
(geologia, geomorfologia, pedologia, recursos hídricos e clima), meio
biótico (biomas, vegetação, coleções científicas e áreas especiais) e meio
antrópico (cobertura e uso da terra).
A Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano –
EMPLASA é responsável pelo Projeto de Atualização Cartográfica do
Estado de São Paulo (Projeto Mapeia São Paulo). A primeira etapa
do projeto abrange todo o estado e já teve todo o levantamento
aerofotogramétrico, apoio de campo e aerotriangulação concluídos;
a segunda etapa, abrangendo a macro metrópole, prevê a restituição
estereofotogramétrica de 13 categorias de informação (hidrografia,
relevo, vegetação, sistema de transportes, energia e comunicações,
abastecimento de água e saneamento básico, educação e cultura,
estrutura econômica, localidades, pontos de referência, limites,
administração pública e saúde e serviço social). O objetivo final é
obter uma base vetorial única, oficial, precisa e completa em nível
estadual.
129
A Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo – ITESP
planeja e executa as políticas agrária e fundiária no estado de São Paulo,
sendo responsável pelo reconhecimento de comunidades quilombolas.
Por meio do Programa Minha Terra, a Fundação ITESP realiza a
regularização fundiária georreferenciada de áreas rurais e urbanas de
dezenas de municípios do estado.
A Embrapa Monitoramento por Satélite, órgão da Empresa
Brasileira de Pesquisa Agropecuária, tem por missão realizar pesquisas
e inovações geoespaciais para a agricultura. Suas principais áreas de
pesquisa são a dinâmica do uso e cobertura de terras, planejamento
e zoneamento de terras, modelagem geoespacial, monitoramento
geoespacial da agricultura, indicadores de sustentabilidade,
georrastreamento e disseminação de geotecnologias para apoiar
a produção agrícola com sustentabilidade econômica, qualidade
ambiental e justiça social.
O Instituto de Geociências Aplicadas do Estado de Minas Gerais
tem como missão, entre outras, gerir a Infraestrutura Estadual de Dados
Espaciais – IEDE. Criada pelo Decreto Estadual no 45.394/2010, a IEDE
obedece aos padrões estabelecidos em nível nacional pela INDE com o
objetivo de manter as informações sobre a evolução da divisão políticoadministrativa do estado de Minas Gerais.
A Vale desenvolveu o Sistema de Gestão de Terras com o principal
desafio de possibilitar a gestão eficiente dos processos fundiários da
empresa, bem como de atender à legislação ambiental no que se refere
à reserva legal de suas propriedades rurais. O sistema foi desenvolvido
através de uma plataforma SIG na web com o intuito de permitir a
integração de bases espaciais e documentais das propriedades.
O Instituto Pereira Passos do Município do Rio de Janeiro adotou
a tecnologia geoespacial para o mapeamento de logradouros e gestão
territorial em favelas do município. Os obstáculos para o mapeamento
de informações em favelas são de natureza tecnológica, física e
operacional, como o alto custo da restituição cartográfica, necessidade
de imagens com alta resolução, dificuldade para mapeamento com
GPS, rede de logradouros e lotes irregulares, condições topográficas
adversas, alta densidade de ocupação, dificuldade de circulação interna,
entre outros. A pequena quantidade de informações mapeadas levava
a vazios cartográficos em favelas, cabendo ao mapeamento superar as
130
deficiências existentes no cadastro urbano de áreas informais com o
objetivo de integrar a cidade informal à formal.
A Petrobras possui desde 1998 pesquisas e trabalhos de elaboração
de cartas de sensibilidade ambiental para derramamento de petróleo
no mar. Essas cartas constituem um componente essencial e fonte de
informação primária para o planejamento de contingência e avaliação
de danos em casos de derramamento de óleo. Os planos cartográficos
específicos são formados por cartas estratégicas de abrangência regional ou
de bacia marítima, cartas táticas de escala intermediária para todo o litoral
da bacia e cartas operacionais para os locais de alto risco e sensibilidade.
9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
No aspecto do desenvolvimento nacional, a implantação gradativa
da INDE terá um peso cada vez maior no atendimento às demandas da
gestão do conhecimento, da gestão territorial, da gestão ambiental, da
gestão de programas sociais e da gestão dos investimentos, na mitigação
de riscos e impactos de fenômenos naturais e em outros tipos de
demandas. Com efeito, a valorização crescente da informação geoespacial
e, em última análise, da INDE é decorrente da ampliação, em nível global,
de uma mentalidade mais responsável com o meio ambiente e, também,
das demandas sociais e econômicas por uma melhor compreensão da
realidade territorial, na medida em que subsidia a execução de políticas
de gestão e desenvolvimento sustentável.
No âmbito da segurança e defesa nacionais, os atuais projetos
empreendidos pela Marinha, pelo Exército e pela Força Aérea como
os citados Projeto Cartografia da Amazônia e SIPAM, bem como os
futuros projetos do Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras
– SISFRON e do Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul – SISGAAz
são candidatos potenciais à INDE, seja por envolverem informações
geoespaciais na forma de imagens de satélite, seja por envolverem uma
diversidade de órgãos do governo brasileiro.
Demonstrou-se ainda que a integração de todos os atores
envolvidos, produtores e usuários, num único repositório de informações
geoespaciais é um benefício adicional da INDE, por permitir que todos
trabalhem de forma coordenada e evitem a duplicidade de ações e o
desperdício de recursos.
131
Referências
_______. Decreto no 6.666, de 27 de novembro de 2008. Diário Oficial
da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 28 nov. 2008. Seção 1, p. 57.
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implantação da Infraestrutura Nacional de Dados Espaciais. Rio de
Janeiro: Comitê de Planejamento da Infraestrutura Nacional de Dados
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com/previous_conferences/2003/camconf/papers/2-3.pdf. Acesso em
15 ago. 2012.
132
A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL:
ENTIDADE PÚBLICA DE ENSINO DE
EXCELÊNCIA
Francisco José Leitão dos Santos*
RESUMO
Este artigo trata da infraestrutura para o desenvolvimento do Brasil,
enfatizando a capacitação profissional para a Aviação Civil. O objetivo
deste estudo é identificar os óbices que impedem a formação de
excelência do profissional de aviação no Brasil, que precisa tornarse coerente com os modernos recursos tecnológicos que equipam as
aeronaves fabricadas atualmente pela indústria brasileira e mundial.
Partindo do diagnóstico da situação atual do Sistema de Aviação Civil
e de suas entidades de ensino, buscaram-se ações positivas que
possam assegurar a elevação da qualidade da formação profissional do
pessoal da aviação civil. Adotou-se metodologia apoiada em pesquisa
bibliográfica e documental, buscando referências teóricas e identificando
na legislação os requisitos para a concessão de habilitações para pilotos
e a capacidade das entidades de ensino do Sistema de Aviação Civil de
suprir a demanda por profissionais pelo mercado, no que se referir à
qualidade e, também, à quantidade daqueles profissionais. A conclusão
indicou a possibilidade real de que se consiga garantir, simultaneamente,
através de recursos financeiros gerados pela aviação civil, a melhoria
da segurança do transporte aéreo, a formação de reserva mobilizável
qualificada para a Força Aérea Brasileira e formação de excelência para o
pessoal da aviação civil, e consequentemente, a formação de importante
base de infraestrutura para o desenvolvimento.
Palavras chave: Infraestrutura para o desenvolvimento. Capacitação
profissional. Aviação civil.
__________________
* Oficial-Aviador da Força Aérea Brasileira, Comandante de Linha Aérea Internacional, Instrutor
em Simuladores, Instrutor em voo e Examinador de Proficiência de Pilotos.
133
ABSTRACT
This paper deals with the infrastructure for the development of
Brazil, emphasizing the professional training for civil aviation. This
study intends to identify the obstacles that prevent the formation of
excellence in aviation professional in Brazil, which needs to become
consistent with modern technological resources that equip aircraft
currently manufactured by the Brazilian and global industry. Based
on the diagnosis of the current situation of the Civil Aviation System
and its educational institutions, were sought positive actions that can
ensure the improvement of the quality of training for civil aviation
personnel. The adopted methodology, underpinned by literature and
documents, seeking theoretical references in legislation and identifying
the requirements for the award of qualifications for pilots and capacity
of educational institutions of the Civil Aviation System meet the
demand for professionals in the market, as refer to the quality and
also the amount of those professionals. The conclusion indicated the
real possibility that it can guarantee both through financial resources
generated by civil aviation, improving air transport safety, training
of qualified mobilized reserve for the Brazilian Air Force and training
for staff excellence civil aviation, and consequently, the formation of
important basic infrastructure for development.
Keywords: Infrastructure for development. Professional training. Civil
aviation.
1 INTRODUÇÃO
O crescimento econômico dos últimos anos trouxe ao mercado
novos consumidores que anteriormente não dispunham de potencial
econômico-financeiro para a utilização do avião como meio de
transporte.
Simultaneamente, a exploração das recém-descobertas reservas
de petróleo da camada do pré-sal acena com uma explosão da demanda
pelo transporte aéreo público entre o litoral e as plataformas de
exploração distantes, em média 250 km, às quais somente helicópteros
de última geração têm autonomia para alcançar.
134
Enquanto o Sistema Brasileiro de Aviação Civil e suas unidades de
ensino aplicam, em sua absoluta maioria, metodologias obsoletas de
transmissão de conhecimento, a evolução tecnológica da aviação exige
profissionais ultracapacitados. Um exemplo dessa realidade vem com
o lançamento pela Empresa Brasileira de Aeronáutica – EMBRAER, de
um novo conceito de aeronave para o transporte executivo, que, pelo
aparato tecnológico embarcado, permite que um único piloto possa
ser responsável por sua condução, quando, anteriormente, para toda e
qualquer aeronave de transporte aéreo com dois motores à reação, era
exigido o mínimo de dois pilotos para a sua operação. O adestramento
de pessoal da aviação permanece fundamentado em escolas de aviação
e aeroclubes que dispõem de pouca capacidade financeira de investir
em aeronaves modernas, em simuladores e até mesmo em manter seus
quadros de instrutores.
O país precisa responder aos grandes desafios que o
desenvolvimento impõe. Como capacitar profissionais para as diversas
funções envolvidas na operação de aeronaves tão complexas? Como
melhorar os índices de segurança da aviação brasileira e cumprir os
compromissos assumidos perante a comunidade internacional na
Convenção de Chicago1?
Como disponibilizar ferramentas para que o Sistema de Aviação
Civil e suas instituições de ensino ganhem estrutura para responder
quantitativamente e qualitativamente à demanda por profissionais
especializados?
O Brasil não pode prescindir da aviação civil e, em vista do
exposto, propõem-se soluções para melhorar a formação de pessoal e,
simultaneamente, melhorar a segurança operacional (segurança de voo).
2 BREVE HISTÓRICO DA AVIAÇÃO NO BRASIL OS PRIMEIROS PASSOS DA
AVIAÇÃO BRASILEIRA
A obra “A história geral da Aeronáutica Brasileira”, resultado
de extensa pesquisa promovida pelo Instituto Histórico Cultural da
Aeronáutica (INCAER, 1990), lançado no ano de 1990, cita que a primeira
organização de aviação, no Brasil, foi fundada no dia 14 de outubro de
1 Maiores informações no site da ANAC. A segurança de voo no sistema de aviação civil. Disponível: <http://www2.anac.gov.br/segVoo/historico.asp>. Acesso em: 15 de maio de 2012.
135
1911: o Aeroclube do Brasil, órgão que foi decisivo para a difusão do
entusiasmo pela aviação no Brasil. A área escolhida para ser a sede do
clube foi a Fazenda dos Afonsos, situada na zona suburbana da cidade
do Rio de Janeiro e próxima à Vila Militar de Deodoro, que foi cedida
pelo Presidente da República Hermes Rodrigues da Fonseca. Alberto
Santos Dumont foi escolhido como presidente honorário, em assembleia
realizada na sede do jornal A Noite, cedida pelo seu diretor Irineu
Marinho, entusiasta da aviação e incentivador do Aeroclube (INCAER,
1990).
O Aeroclube do Brasil permanece em atividade até hoje,
sobrevivendo através da resistência de seus associados que ainda
procuram defender o uso das instalações do Aeroporto de Jacarepaguá
contra a ação judicial de despejo movida pela administração daquele
aeroporto. Após 102 anos de sua fundação, o pioneiro marco da Aviação
Civil ainda não possui uma sede.
Com a eclosão da Primeira Grande Guerra, em 1914, e devido às
dificuldades impostas à importação de componentes aeronáuticos, de
aeronaves e de mão de obra especializada, o Aeroclube do Brasil teve
suas atividades suspensas. Essa estagnação representou enorme óbice
ao desenvolvimento da Aviação Civil no país.
O ataque a navios mercantes brasileiros, em 1917, por submarinos
alemães levou o Presidente Wenceslau Brás a reconhecer o estado de
guerra, com consequências indiretas para a Aviação Civil Brasileira que
seria salva da estagnação.
Em consequência do ataque sofrido, o Exército Brasileiro criou
o Serviço Geral da Aviação. O Congresso Nacional instituiu o Serviço de
Defesa das Costas e Fronteira do Brasil por meio de Engenhos Aéreos, a
cargo da Marinha do Brasil, com o objetivo de realizar o patrulhamento
aéreo do litoral e evitar novos ataques. A sociedade civil mobilizou-se,
liderada pela diretoria do Aeroclube do Brasil, através de uma campanha
pelo renascimento da Aviação Nacional, a qual conseguiu arrecadar
recursos para aquisição de aeronaves para instrução de novos pilotos,
assim como para aquisição de aeronaves militares.
O Presidente Epitácio Pessoa estabeleceu, em 1921, duas
linhas de navegação aérea entre as cidades do Rio de Janeiro e Porto
Alegre, com o objetivo de defesa da costa, a cargo do Ministério
da Marinha, que definiu o patrulhamento aéreo do litoral como
136
sendo a missão principal da aviação naval. Em consequência, foram
construídos os Centros de Aviação Naval da Ponta do Galeão, na Ilha
do Governador, na cidade do Rio de Janeiro; o de Santos, no litoral
do Estado de São Paulo; e o de Florianópolis, no litoral de Santa
Catarina. A criação desses centros provocou o aumento substancial
do quadro de pilotos e, assim, em 1922, a Escola de Aviação Naval
passou a formar aviadores civis para o corpo temporário. Os oficiais
do Corpo Temporário da Marinha permaneceriam no posto de
segundo tenente do quadro de aviadores, pelo prazo mínimo de
cinco anos, em serviço militar ativo, propiciando, desta forma, um
efetivo jovem que atenderia às necessidades da Aviação Naval e
representaria o início de formação de contingente mobilizável para a
reserva da Aviação Naval e, simultaneamente, formaria profissionais
para eventual aproveitamento na Aviação Civil, enquanto os oficiais
de carreira, formados no curso regular da Escola de Aviação Naval,
passariam a integrar o quadro permanente.
Em dezembro de 1926, como forma de minimizar a carência de
pilotos no Brasil, os civis brevetados pelo Aeroclube do Brasil, os oficiais
reformados ou demissionários passaram a integrar o Corpo de Oficiais
da Reserva Aérea.
A Aviação passou à condição de quinta arma do Exército, em 1927,
ao lado da Infantaria, da Cavalaria, da Artilharia e da Engenharia.
A criação da quinta arma do Exército, em 1927, a criação do Corpo
de Aviação da Marinha, em 1931, além da exigência estabelecida pelo
Ministério da Viação e Obras Públicas de que, a partir de 1933, todas as
aeronaves com matrícula brasileira, efetuando transporte aéreo, fossem
tripuladas por brasileiros, serviram para fomentar a aviação civil, com
um imediato aumento do número de candidatos à carreira, incentivados
pelas perspectivas de ascensão profissional possibilitadas pelos novos
quadros de oficiais aviadores no Exército e na Marinha inclusive, e pela
migração de pilotos com formação militar para a prestação de serviços
na aviação civil (INCAER, 1990).
Na década de 1930, durante o governo do Presidente Getúlio Vargas
(1930/1945), houve grande impulso ao processo de industrialização do
Brasil, por meio de privilégios às indústrias nacionais e diminuição da
dependência externa, além de medidas protecionistas, investimento em
infraestrutura e regulamentação do mercado de trabalho, com benefícios
137
diretos, às recém-criadas, Viação Aérea Rio Grandense (VARIG), Condor,
ambas criadas em 1927, e Panair, fundada em 1929.
A concepção integrada do emprego dos meios aéreos da Aviação
Militar e dos meios aéreos da Aviação Naval, simultaneamente com
a administração da Aviação Civil, ocorreu em 1941, com a criação do
Ministério da Aeronáutica e configurava a unificação de recursos
materiais e doutrinários naquilo que poder-se-ia chamar de “mentalidade
aeronáutica única” (SANTOS, 1989).
Após a participação do Brasil na Segunda Guerra Mundial, com
o firme propósito de evitar conflitos e preservar a paz, reuniram-se em
Chicago, em 1944, representantes de 52 Estados para a Conferência
sobre Aviação Civil Internacional que resultou na aprovação do Tratado
sobre Aviação Civil Internacional, internalizado no Brasil pelo Decreto
21.713, de 27 de agosto de 1946. A mais importante consequência da
chamada Convenção de Chicago talvez tenha sido o aspecto preventivo
de como foram incumbidas as Autoridades de Aviação dos países
signatários que, baseados em critérios técnicos e objetivos, passaram a
fiscalizar o adequado cumprimento das normas aplicáveis em aviação,
com a finalidade de evitar acidentes aeronáuticos.
Sendo o fator humano o maior fator contribuinte dos acidentes
aeronáuticos (ICAO, 2003), é no estudo das capacidades e das limitações
humanas e suas interações com pessoas e equipamentos que devemse concentrar os maiores esforços para a melhora da segurança das
atividades aéreas.
3 A FORMAÇÃO
O Código Brasileiro de Aeronáutica, Lei nº 7565, de 19 de dezembro
de 1986, assim como o Regulamento Brasileiro de Homologação
Aeronáutica nº 141 permite que sejam os aeroclubes, sociedades com
o objetivo de fomentar o lazer e o desporto, as responsáveis pelo ensino
primário de pilotos, não distinguindo os candidatos que praticarão a
aviação como puro diletantismo daqueles que abraçarão a atividade
como opção profissional.
De acordo com a teoria sobre ensino e aprendizagem desenvolvida
por Robert M. Gagné (1977), a aprendizagem ocorre quando há uma
modificação na capacidade de um indivíduo, após ser submetido a uma
138
condição de ensino. Para que a aprendizagem realmente aconteça, essa
mudança deve ter um caráter duradouro, isto é, não deve se extinguir
quando o indivíduo for retirado da condição de ensino.
A aprendizagem profissional do aviador começa no primeiríssimo
segundo da primeira lição. Não se pode confundir profissão com
lazer. Em todo e qualquer ramo de atividade, a formação de pessoal
tem crucial importância na qualidade profissional do trabalhador e
consequentemente na qualidade dos serviços ofertados à sociedade.
Na aviação, a importância da formação profissional é ainda maior, na
medida em que eventuais erros podem significar risco a vidas humanas.
4 OS DESAFIOS
As projeções de fabricantes de aeronaves, a extensão geográfica,
as novas tecnologias e a exploração de petróleo em águas profundas
desafiam a capacidade de formação profissional do Sistema de Aviação
Civil. O Sistema tem, na sua base, escolas de aviação e aeroclubes
responsáveis pela formação primária de profissionais. Temos mais de
duas centenas dessas entidades espalhadas pelo país. Nenhuma delas,
por exemplo, tem capacidade de formar profissionais capacitados para
operar helicópteros seguindo as regras de voo por instrumento que
é requisito mínimo exigido pela OGP – Organização Internacional de
Produtores de Petróleo, que, por sua vez, determina os padrões de todos
os profissionais que trabalham em plataformas marítimas de exploração
de petróleo em todo o mundo.
4.1 PROJEÇÕES DA BOEING
A maior fabricante de aviões do mundo, a empresa norte-americana
Boeing prevê que à medida que a frota de aviões comerciais aumenta
para mais de 39.500 unidades, ao longo dos próximos 20 anos, a América
Latina precisará capacitar mais de 41.200 pilotos e mais de 52.500 técnicos
de manutenção. Na Aviação Civil, a demanda de passageiros aumenta em
razão direta das distâncias a serem vencidas e do potencial econômicofinanceiro da população. O Brasil ocupa 40% da área total da América Latina
e colabora com 43% do PIB da região. Uma projeção de 40% de incremento
no número de aeronaves comerciais no Brasil é, portanto, bastante realista.
139
Isto significa que se pode prever a necessidade de mais 16.800 pilotos
durante os próximos 20 anos, levando-se, aqui, em consideração apenas
a demanda por transporte aéreo regular, que é o mercado estudado pela
Boeing. Se houver um crescimento linear, deverá haver a capacitação de 824
pilotos anualmente, durante duas décadas. Tomando-se como parâmetro a
Academia da Força Aérea Brasileira que tem três pistas com 2.000 metros
de extensão, corpo docente estável, excelente contingente de técnicos de
manutenção e recursos materiais suficientes e que forma, em média, 120
aviadores anualmente, tem-se a dimensão do desafio que o Sistema de
ensino da Aviação civil deve enfrentar nos próximos 20 anos. A FAB forma
pilotos militares! A exigência é muito superior.
4.2 A INTEGRAÇÃO NACIONAL
Um dos maiores desafios para o Brasil com dimensões territoriais
continentais é o de consolidar a ocupação sustentável do seu território e
promover a integração de suas regiões.
Na ausência de outros meios de transporte – a única forma de
ligação entre a cidade de Manaus e a Capital Federal, por exemplo, é
o transporte aéreo –, a aviação tem sido por décadas e deve continuar
sendo, o meio de integração nacional por excelência.
A Integração Nacional é um dos Objetivos Fundamentais da
Nação. Segundo a Escola Superior de Guerra, a Integração Nacional
é “a incorporação de todo território nacional ao contexto político e
socioeconômico da Nação. A consolidação da comunidade nacional, com
solidariedade entre seus membros, sem preconceitos ou disparidades
de qualquer natureza (...)” (ESG, 2009). Conclui-se que a integração do
Brasil está diretamente ligada ao desenvolvimento da Aviação Civil e
que são necessários incentivos ao desenvolvimento da aviação regional
o que possibilitaria melhores condições de mobilidade aos usuários
de transporte aéreo da Região Norte. A demanda por profissionais de
aviação vai aumentar a medida que a Nação despertar para a importância
da Integração e do Desenvolvimento dos diversos potenciais regionais.
4.3 O PRÉ-SAL
Estima-se que a demanda por helicópteros que transportam
trabalhadores até as plataformas de exploração de petróleo em alto-mar
140
(offshore) dobre em cinco anos. A quantidade de pilotos qualificados
para comandar essas aeronaves vai crescer na mesma proporção.
Aqui está, provavelmente, a melhor demonstração de que o
Sistema de Ensino da Aviação Civil não consegue atender à demanda
do mercado, seja quanto a quantidade de profissionais que o mercado
requer, seja pela qualidade desses profissionais. Não há simuladores e
nem há aeronaves certificadas para instrução de voo por instrumentos
nas escolas e aeroclubes do sistema de ensino da Aviação Civil Brasileira.
Não obstante o aumento da demanda, não formaremos pessoal
capacitado porque os aeroclubes não têm potencial de arcar com
investimentos necessários como equipamento, corpo docente qualificado
e simuladores. Há, aqui, um importante óbice ao desenvolvimento por
absoluta carência de investimento em qualificação de pessoal.
Empresas que exploram o transporte aéreo chamado de offshore
buscaram a flexibilização dos requisitos mínimos de experiência para
pilotos, que são 500 horas de voo em helicópteros adicionadas à
habilitação para voos por instrumentos e não obtiveram sucesso por
serem esses requisitos impostos pela Organização Internacional dos
Produtores de Petróleo (OGP) e não pelas autoridades brasileiras.
Outra tentativa de mudança foi feita com a proposta de flexibilizar, a
estrangeiros, a função de tripulante a bordo de aeronaves de transporte
aéreo. Desta vez, o empecilho foi a legislação que faculta a brasileiros
natos ou naturalizados o exercício de todas as funções a bordo de
aeronaves de matrícula brasileira quando efetuando transporte aéreo
público (Lei 7565, de 19 de dezembro de 1986; artigo156).
4.4 A TECNOLOGIA
Na última década, os fabricantes de aeronaves executivas
observaram a possibilidade de utilizar a tecnologia desenvolvida para
a aviação na produção de um novo modelo de jato, de menor porte e
com recursos tecnológicos avançados, mas com custos de aquisição e
operação reduzidos. Tais aeronaves denominadas VLJ (Very Light Jets)
representam um novo nicho dentro do mercado da aviação executiva,
pois, em virtude do avançado grau tecnológico e dos custos reduzidos
em relação aos jatos executivos concorrentes, tornaram-se disponíveis a
um número maior de potenciais clientes.
141
Atualmente, no mundo existem 14 fabricantes de Very Light Jets,
inclusive a Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER) que os produz
em duas versões: o série 100 e o série 300.
A legislação permite que um piloto somando experiência inferior
a uma centena de horas totalizadas durante a carreira, possa, sem o
auxílio de um segundo piloto, comandar uma aeronave a jato que voa
a grandes altitudes e a velocidades próximas à velocidade do som, isso
pode indicar, segundo BURIAN (2007) “... sob o ponto de vista regulatório,
que um piloto está qualificado para a aeronave, mas pode não significar
que o piloto possua o nível de experiência que as empresas fabricantes
esperam de um piloto de jato”.
Portanto, a expectativa de que o VLJ venha modificar o cenário da
aviação executiva é considerável. Sendo assim, operadores desse tipo de
aeronave têm que se adequar aos requisitos tecnológicos, operacionais
e de manutenção. Percebe-se que a formação e avaliação de pilotos
de VLJ ainda são assuntos novos no meio aeronáutico e que precisam
maiores estudos. Busca-se, aqui, evidenciar que a formação básica de
profissionais para a aviação precisa evoluir em sintonia com a evolução
da tecnologia disponível a bordo das aeronaves e que, pelo exposto, o
sistema de ensino da Aviação Civil Brasileira necessita ser repensado.
5 A UNIVERSIDADE DA AVIAÇÃO CIVIL
Investir em capacitação profissional é investir em infraestrutura
para o desenvolvimento. O Professor Doutor Eduardo Siqueira Brick, em
palestra proferida na ESG, por ocasião do Simpósio sobre a Base Logística
de Defesa, em 26 de junho de 2012, destacou que o maior óbice para a
formação de infraestrutura para o desenvolvimento da Base Industrial
de Defesa no Brasil é a carência de profissionais capacitados. Explicou
Eduardo Brick (2012): “É preciso reconhecer que a limitação de recursos
humanos, mesmo que ocorra aumento nos gastos com defesa, será uma
realidade que afetará a Base Logística de Defesa”.
O tema capacitação, privilegiando as entidades de formação, já
foi debatido exaustivamente, porém, jamais se obteve a execução de
projetos voltados para a redução das deficiências na formação de pessoal
para a aviação civil, objetivamente.
O Jurista José da Silva Pacheco na obra Comentários ao Código
142
Brasileiro de Aeronáutica esclarece que a Portaria 110 do Departamento
de Aviação Civil, de 27 de fevereiro de 1987, considerava que o Sistema
de Formação e Adestramento de Pessoal era relevante e prioritária
no desenvolvimento da Aviação Civil Brasileira, aprovando normas e
procedimentos para a implantação da Escola Nacional de Aviação Civil
que daria formação acadêmica a pilotos profissionais, além de formação
de instrutores em diversas áreas de especialização. Essa universidade
seria conduzida de forma a minimizar despesas para os alunos, com
o intuito de proporcionar oportunidades iguais a todos os jovens que
revelassem vocações para atividades relacionadas com a aviação civil e
evitar a elitização dos quadros (PACHECO, 2006).
No texto comentado pelo Jurista José da Silva Pacheco (2006),
percebe-se a preocupação do Diretor Geral de Aviação Civil que já no ano
de 1987 previa a necessidade de melhorar a qualidade e a quantidade
de profissionais de modo que determinou que fossem iniciados estudos
para a organização de uma academia de ensino público de excelência
para suprir a Aviação Civil de profissionais de alta qualificação.
6 MODELOS DE SUCESSO
6.1 O MODELO MARINHA MERCANTE
A Escola de Formação de Oficiais da Marinha Mercante – EFOMM
é uma entidade pública de ensino pertencente à Marinha do Brasil e
é, também, uma universidade do mar. A EFOMM forma profissionais
altamente qualificados do Brasil e de diversas nações amigas, como Peru,
Panamá, Equador e República Dominicana. Ao final do curso os alunos
são declarados Bacharéis em Ciências Náuticas e passam a integrar o
Quadro de Oficiais da Reserva não remunerada da Marinha do Brasil no
posto de segundo tenente.
Nesse modelo, perfeitamente aplicável para a Aviação Civil, os
alunos permanecem em regime de internato e dispõem de todo o tempo
e infraestrutura necessária para concentrarem-se na vida acadêmica.
Ao final do curso, o profissional será aproveitado pelo mercado, tendo
aprendido valores como o respeito à pátria e suas instituições, além de
aprender as táticas utilizadas pela Marinha do Brasil, em caso de conflito
bélico.
143
Simultaneamente, ganha a Marinha do Brasil importante recurso
mobilizável e a sociedade brasileira recebe profissionais qualificados que
conduzem 95% dos produtos transacionados entre o Brasil e o exterior
(SILVA, 2010).
6.2 O MODELO FORÇA AÉREA
A Força Aérea Brasileira inaugurou em seis de maio de 1970, na
cidade de Natal – RN, o Curso de Formação de Pilotos Militares que
ficou ativo até o primeiro dia de janeiro de 1974 e destinava-se a formar
Oficiais da Reserva da Força Aérea (INCAER, 1990). Ao término do curso
o aluno tinha a opção de prosseguir na ativa e seguir para a Academia da
Força Aérea ou permanecer na Força como oficial-aviador temporário,
pelo período de cinco anos.
Esse modelo, se aplicado, daria à Aviação Civil, profissionais com
experiência e formação de excelência, além de proporcionar reserva
mobilizável à Força Aérea Brasileira.
Para a formação de pilotos de helicópteros, que, futuramente,
operariam no transporte aéreo público para as plataformas de exploração
de petróleo, poderia ser o modelo ideal.
6.3 O MODELO NORTE-AMERICANO
A Universidade Embry-Riddle, cuja sede principal está localizada
na cidade de Daytona Beach, no Estado da Flórida, EUA, foi fundada em
1926, como escola de aviação para a preparação de pilotos.2 Em 1965,
a Escola de Formação de Pilotos passou, simultaneamente, a formar
técnicos em manutenção de motores, aproveitando o mesmo hangar
da escola de pilotos e ganhou a certificação para atuar como escola
técnica. Três anos depois, em 1968, alcançou a certificação para formar
tecnólogos e logo no ano seguinte, conseguiu a certificação para atuar
como instituição de ensino superior.
Hoje, além do campus de Daytona Beach - Flórida, a Universidade
conta com outro campus, situado no Estado do Arizona, na cidade
de Prescott que foi inaugurado em 1978 para atender à demanda da
Costa Oeste dos Estados Unidos. Essa Instituição disponibiliza quarenta
2 Disponível em:< http://www.erau.edu/about/story,html>. Acesso em: 14 jun. 2013.
144
diferentes cursos entre graduação e pós-graduação, inclusive instrução
prática para pilotos, com pistas de pouso exclusivas em ambos os
Campus e aplica, anualmente, somente em pesquisa, 13 milhões de
dólares.
A Graduação em Ciências Aeronáuticas é o principal programa da
universidade, e tem o currículo de treinamento de voo mais avançado do
mundo, combina a prática de voo aos estudos acadêmicos. O programa
de Ciências Aeronáuticas prepara o estudante para carreiras na aviação
comercial, militar, corporativa e, também, é o ponto de partida na
carreira de vários astronautas da NASA.
Outros cursos oferecidos são: Aeronáutica, Engenharia Aeroespacial,
Gestão de Tráfego Aéreo, Meteorologia Aplicada, Administração de
Negócios da Aviação e Manutenção de Aeronaves (Células e Motores),
Segurança da Aviação Contra Atos Ilícitos, Engenharia Mecânica,
Engenharia Eletrônica Aplicada à Computação, Física Espacial, Sistemas
de Veículos Aéreos Não Tripulados (VANT), Engenharia de Transportes e
Segurança Operacional (Segurança de Voo).
A Universidade Embry-Riddle International disponibiliza cursos
acelerados em que o aluno pode receber um Diploma de Bacharel e
outro de Mestre em cinco anos de estudos.
Esse, talvez, seja o melhor modelo para a Aviação Civil Brasileira.
Não demandaria sacrifícios adicionais às Forças Armadas e garantiria
ensino de excelência aos futuros profissionais e importante infraestrutura
para o desenvolvimento.
7 CONCLUSÃO
A última vez que se discutiu, seriamente, o futuro da aviação civil
no Brasil, foi no calor das chamas resultantes do acidente aéreo do voo
TAM 3054, ocorrido em 17 de julho de 2007. A aeronave, após aproximarse para pouso na cabeceira 35 do Aeroporto de Congonhas em São
Paulo, chocou-se com um edifício após ultrapassar a cabeceira oposta.
Em dois de agosto do mesmo ano, reuniram-se diversas autoridades
para um Fórum Extraordinário e com o objetivo de discutir medidas que
deveriam ser tomadas imediatamente para evitar novos acidentes. Entre
as autoridades presentes, estava o Sr. Nelson Jobim, Ministro da Defesa
à época, que tinha a Autoridade de Aviação Civil sob sua subordinação e
145
Mauro Gandra, ex-ministro da Aeronáutica e ex-Diretor do Departamento
de Aviação Civil que declarou:
Há a necessidade de ser dada grande ênfase, pela
Autoridade de Aviação Civil (ANAC), à formação dos
recursos humanos para a aviação civil, que devem estar
em constante interação com as escolas de aviação e de
pilotagem, com os aeroclubes, [...] (Jobim... [et al.],2007,
p.41)
Gandra apresentou 13 sugestões para a melhoria do Sistema de
Aviação Civil, entre as quais, sugeriu:
Conscientização das autoridades econômicas do país
de que não é lógico e porque não dizer, nem ético, o
contingenciamento de recursos, seja para que finalidade
for; considerando que tais recursos são provenientes de
taxas e tarifas para serviços exclusivos aos usuários que
as pagaram, para obtenção também exclusiva daqueles
serviços. (Jobim... [et al.], 2007, p.32)
A aviação gera recursos suficientes através dos fundos aeronáuticos
e aeroviários. Falta de recursos financeiros, definitivamente, não vai
ser fator impeditivo para investimento em capacitação.
O Brasil não precisa de uma nova tragédia para que se discuta e
se tome decisões cruciais.
A Aviação Civil Brasileira enfrenta diversos desafios em
consequência do crescimento econômico, da evolução tecnológica
e, principalmente, em consequência da falta de planejamento
estratégico no que se refere à infraestrutura para suportar o
desenvolvimento. Nesse trabalho, procura-se demonstrar a
necessidade de investimento na formação de pessoal qualificado para
a aviação civil do Brasil como forma de superar óbices recorrentes,
uma vez que o atual Sistema, baseado em escolas e aeroclubes, vem
demonstrando não ser capaz de promover a melhora do padrão
do profissional e torná-lo compatível com o estágio evolutivo e
tecnológico da aviação.
Uma entidade pública de ensino de excelência, dotada de estrutura
adequada (pistas de pouso, oficinas de manutenção para aeronaves,
inclusive), com acesso por concurso público, ou pelo Exame Nacional
146
do Ensino Médio (ENEM), a Universidade da Aviação Civil será a melhor
solução para que a nossa aviação possa continuar a contribuir para a
integração e o desenvolvimento nacional. A nova universidade permitirá
a uniformidade da formação profissional, garantindo, prioritariamente,
a qualidade e, também, a quantidade suficiente de profissionais
habilitados. Permitirá, também, a evolução dos índices de segurança
operacional (segurança de voo), fato que trará benefícios diretos para
toda a sociedade.
Independentemente do modelo a ser adotado, pode-se obter a
oportunidade de treinar os oficiais da reserva da nossa Força Aérea,
segundo a doutrina operacional e as táticas aplicadas pela FAB,
com a participação de instrutores da própria força. Adicionalmente,
pode-se oferecer oportunidades a profissionais de nações amigas,
destacadamente, àqueles de nosso maior interesse geopolítico: nações
da África e da América do Sul.
Assim sendo, justificados por todos os motivos expostos,
pode-se concluir que, a construção da Universidade da Aviação Civil
significa a implementação de importante base de sustentação para
o desenvolvimento, além de suporte indispensável para Defesa
Nacional.
Referências
BOEING, Long-term pilots and technician outlook. Burgeoning demand
for highly trained personnel. Disponível em: http://www.boeing.com/
commercial/cmo/pilot_technician_outlook.html>. Acesso em 05 abr.
2012.
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA. Manual básico: elementos fundamentais.
Rio de Janeiro: ESG, 2009.
______. Decreto-lei nº 2961 de 20 de janeiro de 1941. Criação do
Ministério da Aeronáutica. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03//constituicao/ constituicao.htm>. Acesso em: 12 jun. 2013.
______. Lei nº 7565 de 19 de dezembro de 1986. Disponível em <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7565.htm>. Acesso em: 10 jun. 2013.
147
BURIAN, B. K. Very light jets in the national airspace system. In: Proceedings
of the 14th International Symposium on Aviation Psychology. Dayton,
OH: Wright State University, 2007.
EMBRY-RIDDLE UNIVERSITY. Disponível em <http://www.erau.edu/
about/story,html>. Acesso em: 14 jun. 2013
GAGNÉ,R.M. Como se realiza a aprendizagem. Tradução de Therezinha
Maria Ramos Tovar. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1977.
INSTITUTO HISTÓRICO CULTURAL DA AERONÁUTICA (INCAER). História
geral da aeronáutica brasileira. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1990.
INTERNATIONAL CIVIL AVIATION ORGANIZATION (ICAO). Human factors
guidelines for aircraft maintenance manual (Doc 9824). Montreal, Canadá:
ICAO, 2003. Disponível em: <http://www.icao.int/ANB/humanfactors/
Documents.html> Acesso em: agosto/12.
JOBIM,….[et al.]. Transformando a crise em oportunidades: diagnósticos e
bases para um plano de desenvolvimento da aviação comercial brasileira
(com segurança). Rio de Janeiro: José Olimpio, 2007.
PACHECO, José da Silva. Comentários ao Código Brasileiro de Aeronáutica.
Rio de Janeiro: Forense, 2006.
SANTOS, Murilo. Evolução do poder aeroespacial. Rio de Janeiro: Itatiaia,
1989.
SILVA, Gilberto Maciel. Revista ESG, v. 25, n. 51, p.95-113, jan./jul. 2010.
148
Normas para SUBMISSão de Artigos
PARA As Revistas da ESG
O Centro de Estudos Estratégicos da Escola Superior de Guerra
promove a edição de duas publicações: a Revista da Escola Superior de
Guerra e os Cadernos de Estudos Estratégicos.
A Revista da Escola Superior de Guerra tem por finalidade publicar
artigos originais sobre Ciência Militar e Política.
Os Cadernos de Estudos Estratégicos têm por finalidade publicar
artigos originais, relacionados à Cultura, Relações Internacionais,
Modernidade, Axiologia, Praxiologia, Polemologia, Cratologia e
Segurança.
Todos os textos serão apreciados por pares e pelo Conselho
Editorial para, posteriormente, serem indicados à publicação. Em 2013,
os artigos serão revistos por pares duplamente cegos.
Como parte do processo de submissão, os autores devem verificar
o cumprimento de todos os itens listados a seguir. Os textos que não
estiverem de acordo com as normas serão devolvidas aos autores.
Os artigos devem ser originais, inéditos e não devem estar,
concomitantemente, sendo avaliados por outra publicação; caso esteja,
os autores deverão justificar a dupla submissão.
Recomenda-se que se observem as normas da ABNT:
• referências bibliográficas (NBR 6023/2000);
• apresentação de artigos em publicações periódicas (NBR
6022);
• apresentação de citações em documentos (NBR 10520);
• apresentação de originais (NBR 12256);
• norma para datar (NBR 5892);
• numeração progressiva das seções de um documento
(6024); e
• resumos (NBR 6028)
• norma de apresentação tabular do IBGE, no caso de
gráficos, figuras, tabelas, fotos e outras ilustrações.
Os arquivos para submissão devem obedecer aos seguintes
critérios:
• formato Microsoft Word.DOC ou RTF;
• ter entre 10 e 20 páginas;
149
• espaçamento: entre linhas: simples; entre parágrafos: 6
pontos depois; do título para o começo do texto: 12 pontos
depois; espaço antes e depois da citação: 8 pontos;
• fonte 12 , Times New Roman;
• margem superior e esquerda – 3 cm; margem inferior e
direita – 2 cm;
• empregar itálico ao invés de sublinhar (exceto em
endereços URL);
• figuras e tabelas devem ser inseridas no texto, e não em
seu final (e não devem passar de duas).
O texto deve ser precedido do título, nome e titulação principal
do(s) autor(es), atividade que exerce e filiação institucional e do e-mail,
seguido do resumo, das palavras-chave (até 5), do abstract e das
keywords.
Os artigos deverão vir acompanhados de uma <autorização para
publicação> contendo o nome, titulo do artigo, endereço, telefone,
endereço eletrônico e um currículo resumido do(s) autor(es).
Nos artigos devem constar, no final, as referências que deverão ser
proporcionais ao número de páginas; portanto entre 10 e, no máximo,
20 autores.
O canal de diálogo entre os autores e a editoração é <revistadaesg@
esg.br e [email protected]>.
O ISSN da Revista da ESG é 0102-1788 e o do Caderno de Estudos
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A ESG reserva-se o direito de efetuar, nos originais, alterações de
ordem normativa, ortográfica e gramatical, com vistas a manter o padrão
culto da língua, respeitando, porém, o estilo dos autores. As provas finais
não serão enviadas aos autores.
A ESG cumpre todos os direitos dos autores reservados e
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eventuais à obrigatoriedade de referência da autoria e da revista.
As opiniões emitidas pelos autores dos artigos são de sua exclusiva
responsabilidade.
Cada autor receberá dez exemplares da revista.
A revista é distribuída gratuitamente.
As regras de uniformização dos artigos encontram-se disponível
em: <www.esg.br/uploads/2012/12/regras_uniform_artigos.pdf>
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151
ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA
CENTRO DE ESTUDOS ESTRATÉGICOS
O Centro de Estudos Estratégicos (CEE) atua como entidade permanente de
estudos que permite pesquisar, formular e criar idéias pertinentes ao pensamento
político estratégico brasileiro. Com isso, o CEE oferece oportunidade para debates e
discussões com a sociedade e a produção de trabalhos a serem publicados pela Escola.
As atividades do CEE voltam-se para o contínuo aperfeiçoamento da cultura e do
pensamento político e estratégico brasileiro.
Os estudos, pesquisas e eventos promovidos pelo Centro de Estudos visam,
principalmente, a discussão de questões político-estratégicas de interesse nacional. Se
propõem também a estimular a criação de novos conhecimentos, que venham
possibilitar o desenvolvimento de novos trabalhos teóricos.
Para o exercício de suas atividades, o Centro conta com a participação do corpo
de professores da Escola, de convidados do meio intelectual, acadêmico, empresarial
e integrantes da administração pública do país. A participação se desenvolve por meio
de conferências, análise de temas em pauta, comentários sobre comunicações
apresentadas, debates e com estudos sobre assuntos de interesse do Centro.
As atividades do CEE, mantendo-se fiel a tradição de mais de meio século de
existência da Escola Superior de Guerra, têm como característica o completo
afastamento de questões ideológicas e político-partidárias. Apenas questões de
caráter nacional e internacional, de todas as áreas de pensamento, são objeto de
discussão no Centro de Estudos.
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