PROCESSO: AÇÃO ANULATÓRIA DA CLÁUSULA 20 – VALE TRANSPORTE DO ACORDO COLETIVO DE TRABALHO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS – CNTIF PARTE AUTORA: MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO PARTES RÉ: ● FEDERAÇÃO NACIONAL DOS BANCOS; ● CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRABALHADORES EM INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS; ● 130 ENTIDADES SINDICAIS. TEXTO ACORDÃO: TST – AA – 366.360/97.4 – Ac. SDC; 1º. 6.98 Rel. Convoc. Juiz Fernando Eizo Ono O Ministério Público do Trabalho ajuízou ação anulatória contra a Federação Nacional dos Bancos, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Instituições Financeiras e outras cento e trinta e uma entidades sindicais representativas das categorias econômicas e profissionais, pretendendo a anulação da Cláusula Vigésima ---Vale-Transporte do acordo coletivo de trabalho, firmado para vigorar no período compreendido entre 1º de setembro de 1996 a 31 de agosto de 1997. Aduziu como razão para tal pretensão que a norma coletiva impugnada fora acordada em desrespeito às determinações contidas no art. 2º, alínea a, da Lei n° 7.418/95 e do Decreto n° 95.247/87 regulamentador da referida lei, bem como a Lei n° 7.619/95, porquanto além de prever a substituição do vale-transporte por dinheiro ―induz à conclusão de que o pagamento antecipado em pecúnia tem natureza salarial e se incorpora à remuneração do trabalhador” (fls.10). Notificados para contestar o feito (fls. 45/178) as Requerentes apresentaram suas razões às fls. 182/192 e 248/263 bem como juntaram documentos. A Federação Nacional dos Bancos e outras entidades sindicais patronais arguém que a validade da pactuação pode ser demonstrada pela amplitude da adesão que receberam: 133 sindicatos de trabalhadores, ademais, não feriria nenhum preceito de lei, mas representaria a vontade legítima dos interlocutores sociais, conforme o espírito do princípio constitucional de valorização da solução coletiva autônoma. Aduzem que inexistiria incompatibilidade entre a norma acordada e a legislação que prevê mais de uma espécie de vale–transporte, entre eles o vale–transporte dinheiro. Afirmam que o âmbito da autonomia da vontade as partes podem contratar o valor da parcela a ser descontada, proporcionalmente do salário do empregado. Sustentam a inconstitucionalidade do Decreto–Lei n° 95.247/87, que regulamentou as Leis n°s. 7.218/85 e 7.418/85, porquanto disporia mais do que a legislação normatizada. Finalmente, asseveram a natureza não-salarial do vale-transporte, inclusive aquele fornecimento na forma da Convenção Coletiva impugnada. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Instituições Financeiras – CNTIF e outros Sindicatos representativos da categoria profissional suscitam as preliminares de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho para a presente ação, assegurando inexistir violação de direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores e de incompetência do Tribunal Superior do Trabalho para conhecer da ação originariamente, por falta de previsão legal ou regimental. No mérito, aduzem que a norma pactuada não estabelece a substituição do benefício do vale-transporte por uma antecipação em dinheiro, mas o pagamento do valor correspondente na hipótese de impossibilidade de concessão direta da vantagem. Ademais, o Decreto regulamentador, e não a norma coletiva, é que contrariaria a Lei ―porque vai além da mera regulamentação, criando critério normativo inovador‖ (fls. 260). A Procuradoria-Geral do Trabalho tem entendido, em hipóteses semelhantes, que o interesse público está sendo suficientemente defendido com ajuizamento da ação, motivo pelo qual deixou de enviar os autos para a emissão de parecer. É o relatório. Voto: Preliminares argüidas nas contestações: 1—Ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho --- Ausência de direitos individuais indisponíveis dos trabalhadores Argúem os Sindicatos-Obreiros que a legitimidade do Ministério Público do Trabalho para ajuizar ação anulatória está diretamente condicionada ao estabelecimento de cláusula que viole liberdades individuais ou coletivas e ―direitos indisponíveis dos trabalhadores‖ (fls. 253). In casu, sustentam que mesmo que se admitisse a fundamentação invocada pelo douto Órgão Requerente, para justificar o ajuizamento da presente ação, qual seja a de que a cláusula impugnada, tal como apresentada, induz a incorporação do benefício à remuneração do trabalhador, igualmente não se poderia vislumbrar a violação de direito indisponível do trabalhador. Segundo argumentam, nesse caso o ajustado se constituiria em norma mais favorável ao trabalhador. O art. 83, item IV, da Lei Complementar n° 75, de 20 de maio e 1993, assim dispõe: ―Art. 83 - Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício das seguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: (...) IV -- propor as ações cabíveis para declaração de nulidade de cláusula de contrato, acordo coletivo ou convenção coletiva que viole as liberdades individuais ou coletivas ou os direitos individuais indisponíveis do trabalho‖. Como visto, a legislação autoriza o Ministério Público do Trabalho e propor ações, visando apenas à declaração de nulidade de cláusula de contrato ou acordo coletivo de trabalho, sob o fundamento de que o ajuste contraria as liberdades individuais ou coletivas, ou ainda, os direitos indisponíveis dos trabalhadores. Em conformidade com a Constituição da República, incumbe ao Ministério Público do Trabalho a tarefa permanente de defender a ordem jurídica. No presente caso, a Instituição justifica o ajuizamento da ação na argüição de ofensa ao ordenamento jurídico. Portanto, dúvida não há quanto à legitimação do Ministério Público do Trabalho para ajuizar a presente ação. Destaque-se, no entanto, que apenas na oportunidade de exame do mérito é que se poderá verificar a ocorrência, ou não, da alegada ofensa aos dispositivos da legislação indicada. Rejeito. 2 – Incompetência do Tribunal Superior do Trabalho para conhecer da ação anulatória originariamente: Assegurem os Sindicatos-Profissionais que a competência originária dos Tribunais Superiores somente é admitida como exceção e, mesmo assim, apenas com expressa previsão legal. Afirmam que inexiste previsão legal ou regimental acerca da competência do Tribunal Superior do Trabalho para apreciar originariamente ações anulatórias. Aduzem, também, que o entendimento do Colégio Superior Tribunal Federal é no sentido de que em matéria de competência não há lacunas e que, se admitida a competência originária do Tribunal Superior do Trabalho para conhecer e julgar a presente ação, estar-se-ia ofendendo os arts. 5º, II e 113 da Constituição da República. No presente caso, busca-se a declaração de nulidade de cláusula de convenção coletiva que abrange todo o território nacional. Considerando, pois, a natureza coletiva da controvérsia, dúvida não há, quanto à competência originária dos Tribunais, porquanto, a teor do art. 652 da CLT, a competência das Juntas de Conciliação e Julgamento, limita-se a julgar dissídios de natureza individual. Por outro lado, o art. 678 da CLT e a Lei n° 7.701/89, estabelecem a competência originária dos Tribunais Regionais e do Tribunal Superior do Trabalho para apreciar e julgar as demandas coletivas. Importante salientar, também, que a jurisprudência do TST está sedimentada no sentido de que lhe compete originariamente apreciar os dissídios coletivos, quando excederam a jurisdição do Tribunal Regional, ou ainda, quando uma das partes for empresa com quadro organizado em carreira de âmbito nacional. O art. 2º, letra a, da Lei n° 7.701/89 amparou esse entendimento, ao dispor a competência originária do TST para conciliar e julgar as lides coletivas que excedam a jurisdição dos Tribunais Regionais do Trabalho. 2 No presente caso, a amplitude da ação afasta a possibilidade de vir a ser julgada por Tribunal Regional, pois proposta contra entidades sindicais de todo o território nacional. Ademais, o instrumento coletivo impugnado foi celebrado para ser observado na base territorial dos respectivos sindicatos acordantes, vale dizer, de observância em todo o País. Rejeito, pois, a argüição de incompetência do Tribunal Superior do Trabalho. 3- Da Inconstitucionalidade do Decreto regulamentador: As entidades sindicais patronais e profissionais arguém que o Decreto n° 95.247/87 extrapolou a Lei que pretendia regulamentar, ao criar condição que nela não foi prevista. Apontam a contrariedade ao art. 5º, II, da Carta Magna. A questão está intimamente ligada ao mérito da demanda e com ele será examinada. Mérito: O digno Órgão Público pretende que seja declarada a nulidade da Cláusula Vigésima da Convenção Coletiva de Trabalho, celebrada entre as Entidades Sindicais representantes das categorias econômicas e profissionais, com o seguinte teor: “Cláusula Vigésima - Vale-transporte: Os bancos concederão o vale-transporte, ou o seu valor correspondente, por meio do pagamento antecipado em dinheiro, até o quinto dia útil de cada mês, em conformidade com o inciso XXVI, do artigo 7º, da Constituição Federal, e com a Portaria do Ministério do Trabalho n° 865, de 14 de setembro de 1995 (DOU, Seção I, de 15.9.95), e, também, em cumprimento às disposições da Lei n. 7.619, de 30 de setembro de 1987, regulamentada pelo Decreto n° 95.247, de 16 de novembro de 1987, cabendo ao empregado comunicar, por escrito, ao banco, as alterações das condições declaradas inicialmente. Parágrafo único. Tendo em vista o que dispõe o parágrafo único do artigo 5º da Lei n° 7.418, de 16 de dezembro de 1985, o valor de participação dos bancos nos gastos de deslocamento do empregado será equivalente à parcela que exceder a 4% (quatro por cento) do seu salário básico (fls. 21/22). Argumenta o Requerente, que a norma acordada ―induz à conclusão de que o pagamento antecipado em pecúnia tem natureza salarial e que se incorpora à remuneração do trabalhador‖ (fls. 10), contrariando diretamente os arts. 2º, alínea a, da Lei n° 7.418/85, e 5º do Decreto n. 95.247, de 12 de novembro de 1987. Aduz que o Decreto regulamentador veda expressamente a antecipação em dinheiro do vale-transporte. Também alega que a Convenção Coletiva do Trabalho fere preceito de ordem pública e que condições menos favoráveis ao trabalhador somente poderão ser acordadas, nos casos em que a lei admita a flexibilização. Incontroverso que a Constituição da República reconhece as convenções e acordos de trabalhos. A sua validade, entretanto, fica subordinada ao respeito das normas legais de proteção mínima ao trabalho. O primeiro ponto, portanto que deverá ser examinado, é se a norma em apreço desrespeita proteção mínima de trabalho. A Lei n° 7.418/85 definiu como limites ao vale-transporte: a) a natureza não-salarial; b) a não-incorporação à remuneração do trabalhador para qualquer efeito; c) a não-incidência para contribuição previdenciária ou para o FGTS; d) a não-tributação nos rendimentos do empregado (art. 2º). Dos termos de cláusula impugnada, não se vislumbra nenhuma alusão à incorporação do benefício à remuneração do trabalhador. Entendo que a simples concessão em dinheiro de qualquer beneficio não importa em reconhecimento da sua incorporação à remuneração do obreiro. A norma acordada busca, especificamente, beneficiar a categoria profissional, ampliando as vantagens do vale-transporte, ao reduzir a parcela de participação do empregado. Pretende, ainda, agilizar a sai concessão, ao dispor sobre a possibilidade de antecipação do seu valor em dinheiro. Rejeitada a argüição no sentido de que a norma determina a incorporação do beneficio à remuneração, impende indagar se, ao prever a possibilidade de concessão em dinheiro, foi violada a legislação pertinente. A Lei n° 7.418/85 instituiu o vale-transporte, como forma de antecipação das despesas de transporte efetuadas pelo trabalhador, para se deslocar da residência ao trabalho e vice-versa. Determinou, ainda que o empregador deveria adquirir das empresas operadoras do sistema público coletivo os vales-transportes, que deveriam emiti-los e comercializa-los ao preço da tarifa vigente (art. 4º e 5º). A norma, todavia, não 3 prevê o procedimento a ser adotado, no caso de a empresa operadora dos vales-transportes deixar de coloca-los tempestivamente à disposição dos empregadores. Coube ao Decreto regulamentador suprir a omissão. Dispõe o Decreto n° 95.247/87, que “no caso de falta ou insuficiência de vale-transporte, necessário ao atendimento da demanda e ao funcionamento do sistema, o beneficiário será ressarcido pelo empregador, na folha de pagamento imediata, da parcela correspondente, quando tiver efetuado por conta própria, a despesa para seu deslocamento‖ (parágrafo único do art. 5º). Essa entretanto, foi a única previsão de substituição do beneficio por dinheiro, porquanto o caput do art. 5º do mesmo Decreto veda taxativamente, ao empregador antecipar o valor correspondente ao vale-transporte, em dinheiro. Os Requeridos afirmam que a proibição da antecipação em dinheiro, contida no Decreto regulamentador, extrapola os limites da Lei instituidora do beneficio. Entendo que lhes assiste razão. À Lei não contém a vedação de antecipação em dinheiro. Na lição de Hely Lopes Mirelles “como ato administrativo, o Decreto está sempre em situação inferior à Lei e, por isso mesmo, não a pode contrariar”. Leciona o mesmo mestre que o Decreto regulamentador ou de execução “visa a explicar a Lei e facilitar sua execução, aclarando seus mandamentos e orientando sua aplicação”(in “Direito Administrativo Brasileiro”, 22ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 1996, págs. 162/163). Ora, se a lei nada dispõe sobre a antecipação, em dinheiro, do beneficio, do Decreto regulamentador, a título de corrigir a omissão legislativa, não poderia vedar esse procedimento. Consequentemente, as disposições contidas no Decreto regulamentador não poderão servir de fundamento para o reconhecimento de nulidade do Acordo Coletivo de Trabalho, que prevê essa possibilidade. Ademais, não vejo como essa antecipação em dinheiro, ou, ainda, a redução do percentual de participação, possa ser considerada como condição menos benéfica ao trabalhador. Ressalto, ainda, que em outras oportunidades esta Corte admitiu ajuste nesse sentido. Como exemplo, registro a decisão proferida no RO-DC 318.060/96-5, (Acordo SDC 384/97, Rel. Min. Lourenço Prado). Diante do exposto, julgo improcedente a ação anulatória. Isto posto: Acordam os Ministros da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho: I – Preliminar de ilegitimidade ativa do Ministério Público do Trabalho – Ausência de Direitos Indisponíveis dos Trabalhadores, argüida em contestação – por maioria, rejeitar a preliminar, vencido o Exmo. Ministro Almir Pazzianotto Pinto, que entendia que o Ministério Público do Trabalho não tem legitimidade para interferir em cláusulas desta natureza constantes de Convenção Coletiva; Preliminar de incompetência do Tribunal Superior do Trabalho para conhecer da ação declaratória de nulidade originariamente, argüida em contestação – por unanimidade, rejeitar a preliminar; II – Mérito – Da Inconstitucionalidade do Decreto regulamentador – vale-transporte – por unanimidade, julgar improcedente a ação anulatória. Brasília, 1º de junho de 1998. Amir Pazzianotto Pinto, Corregedor-Geral da Justiça do Trabalho, no exercício da Presidência. Fernando Eizo Ono, Relator. 4