A AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA E O PERSONALISMO: origens
da abertura ao Personalismo no Brasil
Henrique Klenk1 – PUCPR/ FAFIPAR
Introdução
Este texto tem o objetivo de abordar, por meio de uma análise interpretativa, a
presença das ideias do personalismo de Emmanuel Mounier junto ao movimento da
Ação Católica Brasileira na primeira metade do século XX, período em que o
personalismo ganhou força no movimento católico e serviu de base teórica para a
arregimentação de intelectuais católicos em programas de educação na segunda metade
do século XX, como foi o caso do MEB e de outros programas de educação popular no
nordeste brasileiro. No entanto, neste texto procuraremos abordar apenas a origem da
abertura ao pensamento de Emmanuel Mounier no Brasil.
O presente artigo é parte integrante de um estudo já concluído em nível de
Mestrado em Educação. Nesta ocasião, quisemos fazer um recorte para analisar como o
personalismo entra no ideário católico brasileiro e em que período ele toma corpo junto
aos intelectuais católicos.
Para isto, nossa análise começa mostrando a participação dos intelectuais
reunidos em torno do Centro Dom Vital, órgão que tinha como objetivo disseminar a
teologia católica e as ideias do catolicismo em geral, e formar quadros para a atuação de
leigos na sociedade civil.
Desenvolvimento
De acordo com as nossas investigações, foi ainda no centro Dom Vital,
sobretudo após a morte de Jackson de Figueiredo e sob a direção de Alceu Amoroso
Lima, na década de 1930, que o pensamento de Mounier passou a exercer influência
1
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sobre os intelectuais brasileiros. Além dele, outros autores cristãos, como Jacques
Maritain e Bernanos, influenciaram, primeiramente aqueles engajados no Centro Dom
Vital2 e na revista A Ordem. Tornaram-se eles precursores da Universidade Católica do
Rio, num período intitulado “reflorescimento católico”, nas palavras de Bruneau (1974).
O Movimento denominado Ação Universitária Católica (AUC), vinculado ao
Centro Dom Vital e precursor da JUC, na futura Ação Católica brasileira, desempenhou
um papel fundamental na formação da intelectualidade católica brasileira. Do mesmo
modo, foi fator predominante na floração de vocações religiosas entre os universitários.
Esse fato é explicitado pelo historiador José Oscar Beozzo (1984), em seu trabalho
sobre a ação dos estudantes católicos na universidade e na política. Ele revela que “em
1935-36, terminados seus estudos, alguns entram para os beneditinos, outros partem
para Tolosa, na França, para os dominicanos, entre os quais Frei Romeu Dale e Frei
Joffily, que, mais tarde, se envolverão nas vicissitudes da JUC”. Deste modo, há um
ininterrupto movimento de ordenações entre os jovens universitários até por volta de
1941 (BEOZZO, ibid., p. 27). Neste sentido, Beozzo observa que a Igreja estava
preocupada em arregimentar, entre a elite, profissionais liberais que viessem a fazer
parte de seus quadros nos movimentos sociais, que iriam ser colocados em marcha pela
Ação Católica. Buscava-se mudança de estratégia para exercer influência sobre a
sociedade civil, como veremos mais adiante.
Mas, afinal, quem eram esses intelectuais? Beozzo afirma:
No primeiro grupo encontram-se: Dom Basilio Penido, O.S.B., que vinha do
noviciado da Companhia de Jesus e estudava medicina. Era apelidado de
“défroqué”. Jovino Irineu Joffily, da Paraíba, estudante de química industrial,
um “líder formidável” que arrastou vários outros para os dominicanos;
Clemente Isnard, O.S.B., estudante de direito e hoje bispo de Nova Friburgo
(RJ); Sebastião Hasselman, O.P., que, com Romeu Dale, O.P., e Joffity, O.P.,
fez seu noviciado na França. Frei Romeu Dale, será durante doze anos (19491961) o assistente nacional da JUC; Dom Leão Almeida Matos, O.S.B.,
médico também ele (op., cit., p. 27).
2
O Centro Dom Vital, fundado em 1922 por Jackson de Figueiredo, tornou-se um órgão de
formação de intelectuais, pois dinamizou a formação de homens e mulheres por meio do
Instituto de Estudos Superiores, derivado do Centro, com o objetivo de levá-los a assumir
posições de importância nos aparelhos da sociedade cívil e, também, do Estado (em especial
no Ministério da Educação e Saúde Pública), a fim de auxiliarem o clero na luta pela
recuperação da hegemonia.
O autor ressalta ainda que havia também outros estudantes motivados
vocacionalmente pela perspectiva de uma renovação intelectual esclarecida de
vanguarda. Estes se encontravam imbuídos dos valores evangélicos e humanistas, o que
os levava a ingressarem em ordens religiosas:
Pacheco (Medicina), Accioly (Engenheiro), Timóteo (Advogado, casado e em
seguida viúvo), Tito Anastácio (Médico), Lourenço (Médico), Marcos Barbosa
(Advogado), Irineu (Engenheiro): todos estes últimos entraram nos Beneditinos (id.,
ibid., p.27).
Dessa maneira, não é difícil constatar que os vocacionados da Igreja para o
ministério ordenado eram pessoas pertencentes à classe média da sociedade brasileira. E
assim, pouco a pouco, sob a ação desses clérigos, o conceito de “desordem
estabelecida”, de Mounier, encontrará lugar nas ideias dos universitários da JUC, a
partir de 1950.
Os estatutos da Ação Católica de 1935 oferecem sinais da presença do
Personalismo nos quadros de formação dos associados e dirigentes. O documento traz o
seguinte:
Para a preparação intelectual, o estudo e a cultura, que na afirmação do santo
padre, “nunca será demasiada”, cursos de Ação Católica, “semanas”, “dias”,
sem esquecer as conferências, discussões, leitura, revistas e, sobretudo,
bibliotecas escolhidas. A cultura religiosa, principalmente nas associações de
juventude, deve ser na AC a base da formação espiritual dos sócios (Estatutos
da Ação Católica In: DALE, 1985, p.37)3.
Este mesmo documento reafirma a operacionalização da ideia de formação das
lideranças. Diz que “para formar os dirigentes, temos os tradicionais “círculos de
estudos”, muito eficientes, se não se transformarem em aulas, monólogos ou
conferências eruditas” (Ibid., p. 37). Observamos que a formação dos agentes da Ação
Católica se dava por meio dessas formações. E elas não deixavam de lado os escritos de
Mounier nas discussões, sobretudo aquelas dirigidas pelos padres chamados
“progressistas”.
3
Romeu Dale publicou alguns textos oficiais da Ação Católica Brasileira, estatutos, entre
outros, no livro intitulado A Ação Católica Brasileira. São Paulo: Loyola, 1985.
A Ação Católica brasileira, criada por Dom Leme a pedido do papa Pio XI, em
1935, foi uma iniciativa que tinha como objetivo: congregar os leigos católicos nos
projetos de atuação da Igreja Católica na sociedade civil. Inicialmente, o Modelo
Italiano foi adotado nesta primeira fase do movimento. Assim, Bruneau (1974, p. 89)
explica que esse modelo “era centralizado, unido e autoritário; baseando-se nas
dioceses, incluía as paróquias e dividia-se em quatro grupos de acordo com a idade e o
sexo”.
Bruneau, ao analisar o Movimento de Educação de Base (MEB), demonstrou
como se articulou a presença da Igreja Católica na sociedade civil. Essa articulação se
deu, principalmente, quanto aos mecanismos que essa instituição utilizou para exercer
influência na sociedade brasileira naquele processo de mudanças históricas. Tais
mudanças lhe acarretaram a perda de prestígio e influência na sociedade, como já
acontecera com a separação entre Igreja e Estado em 1890. Assim, a partir das reflexões
da Doutrina Social da Igreja, especificamente a partir da encíclica Rerum Novarum
(1891), a instituição revigora sua estratégia de ação para retomar sua posição
hegemônica. Desperta seu clero de um estado de letargia frente ao avanço do
Protestantismo, ao Comunismo, e de outros “ismos”, já denunciados pelo Papa Pio IX
na Encíclica Quanta Cura, de 1868. É nesse período que o Personalismo de Mounier
passa a ter mais presença no Brasil. Mounier, porém, já denunciara esta situação.
Segundo ele, a Igreja estava a cada dia se tornando uma instituição de “velhos e
pequenos burgueses” (MOUNIER 1945). Assim, afastava-se cada vez mais de uma das
classes fundamentais da sociedade constituída pelos trabalhadores rurais e pelos
operários.
É preciso compreender que a perspectiva de retomada dos “espaços perdidos”
nas diferentes camadas sociais conduz a Igreja a desenvolver uma ação constante de
recuperação de sua hegemonia numa perspectiva ampla. Nos trabalhos de Ronaldo
Muñoz (1979), também aparece a constatação de que a Igreja Católica estaria optando
por ficar ao lado da manutenção do status quo e da ordem social burguesa. Isso
demonstrava uma flagrante “opção preferencial pela classe média”. Para este autor, a
Igreja estava mais preocupada em dar esmolas do que lançar programas de mudança
social. Ela contava com a assistência social como forma de pacificar as classes
oprimidas e recebia, por isso, total apoio do governo, financiamento, entre outros,
principalmente depois da chamada revolução de 1930.
Podemos comprovar a afirmação a partir de uma passagem encontrada nos
estatutos da Ação Católica de 1935, referente à ação social da Igreja na época:
Considerando que a “ação social”, ao visar a pacificação e a concórdia das
classes, na mútua cooperação – que é fruto não só de justiça, mas de
benevolência e caridade cristãs em toda sua nobre função social --, contribui
muito para o bem-estar da sociedade civil; considerando os motivos
sobrenaturais que, pela voz augusta do papa, nos impõe o dever de “preservar
os operários das falsas doutrinas e dos perigos do socialismo e do
comunismo”[...] (Estatutos da ação Católica In: DALE, op. cit., p.35-36).
Como vemos, as afirmações são confirmadas a partir do que pensa a liderança da
própria Ação Católica de 1935, em que a ação social é pacificadora, ou seja,
mantenedora do status quo. Quanto à educação, no sentido da alfabetização, o
documento traz algumas diretrizes que devem ser tomadas para a alfabetização de
adultos. No entanto, elas se limitam em ações isoladas, inexistindo ainda um projeto
nacional para a educação daqueles com mais idade.
Isso se evidencia, porque, na época compreendida entre o final do século XIX e
primeira metade do século XX, a Igreja Católica se utilizava da educação de outra
maneira. Sobretudo, ela estava preocupada com a formação de uma intelligentsia de
elite que a ajudaria no seu papel hegemônico junto à sociedade. Bruneau ilustra essa
realidade:
A educação é uma outra área em que o predomínio da preocupação com a
classe média parece evidente. No Brasil a proporção de analfabetismo é de
cerca de 50%. É, portanto, interessante notar que a preocupação da Igreja
com a educação primária, onde o analfabetismo poderia ser combatido é
muito baixa, com 2.182 escolas num total de 105.525. Por outro lado, a
educação secundária está ao alcance da menor parte da população que é
quase exclusivamente classe média. Nessa faixa a Igreja já tem entre um
terço e metade do número total de escolas. A educação universitária é
reservada para as elites. Aqui a Igreja opera com cerca de um terço de todas
as universidades e faculdades e produz 42% dos bacharéis (1974, p.93-94).
O autor ainda explica que a Igreja, por mais que estivesse trabalhando em
algumas áreas de classes mais baixas, por intermédio de seus padres, sua predileção era
a influência junto à classe média. Em outro estudo que fizemos 4, constatamos que essa
4
Monografia intitulada Política educacional católica no Brasil, de 1952 a 1986, à luz dos
documentos da Igreja e de fontes historiográficas, apresentada como requisito para a
obtenção do titulo de licenciado em Pedagogia - PUCPR 2009.
influência junto à classe média (conceito de Bruneau) serviria para congregar os
intelectuais dessa classe. Isso acontecia já em meados do século XX, nos trabalhos junto
às classes populares, na retomada da hegemonia perdida, tal como apresentou Bruneau
(1974).
No que se refere a uma das finalidades mais importantes da Ação Católica, é
indiscutível seu caráter de ampliação da assistência social prestada pela Igreja. Para
Bruneau, a instituição preocupou-se em atingir as minorias da sociedade por meio de
obras de caridade. Neste sentido, houve a chegada de muitas ordens religiosas na
primeira metade do século XX, que prestavam este serviço de caridade em nome da
Igreja. O autor argumenta que a Igreja Católica possuía mais da metade dos cursos de
serviço social nas universidades e faculdades, fato que legitima a função assistencialista
da instituição. Ela não estava somente preocupada com a “caridade”, mas também, com
a educação. Neste sentido, a partir da última década do século XIX, inúmeras ordens
religiosas educadoras foram trazidas para o Brasil. Seguia-se tanto o que dispunha o
Concílio Vaticano I (1869), quanto a necessidade sentida pela Igreja Católica no Brasil
de fazer frente ao avanço da educação protestante. Esta centrava a sua ação educativa
sobre a classe média e superior da sociedade brasileira, em particular sobre as filhas da
elite, como sugere Mesquida (1994).
O documento, isto é, o Estatuto da Ação Católica, aponta para uma preocupação
com os operários, não, sobretudo, por sua condição social, mas principalmente por sua
situação vulnerável face ao ideário comunista. Para isso, a Igreja, por meio da Ação
Católica, tenta congregar os operários nos chamados Círculos Operários organizados
nas paróquias e que serviriam como centros de formação ideológicos da Igreja.
Com este sentido, o primeiro Congresso Nacional da Ação Católica (1946)
esclarece as funções desses círculos. O documento, que traz suas conclusões e moções,
revela o seguinte:
Mostrem-se aos trabalhadores as suas responsabilidades e os seus deveres.
Sejam eles levados, por convicção, a satisfazer essas obrigações, para que
isso seja um argumento poderoso nas reivindicações de seus direitos. Sejam
lembrados ao operariado cristão a necessidade, a urgência e o dever de
entrarem nos seus sindicatos de classe e, aí, atuarem como portadores de sua
formação social cristã (Primeiro Congresso Nacional: conclusões e Moções1946-In: DALE, 1985, p. 79).
Portanto, os Círculos Operários procuravam “instruir” os proletários a respeito
dos seus direitos. Isso acontecia no momento em que o governo Vargas importava da
Itália, sob inspiração da Carta del Lavoro5, principalmente a CLT- Consolidação das
Leis do Trabalho. Além dela, surgiram alguns canais de veiculação das reivindicações
dos trabalhadores, bem como a organização dos sindicatos.
Outro aspecto que merece análise, encontrado no documento do primeiro
congresso da Ação Católica é a questão da concepção materialista histórica de luta de
classes. Era considerada pela hierarquia católica como algo “abominável aos olhos de
Deus, porque divide os homens, sob o signo do ódio, da violência e da morte” (id., Ibid.,
p.80). Isto significa que, para a Ação Católica e sua cúpula dirigente, constituída por
clérigos e leigos umbilicalmente ligados ao processo de romanização da Igreja, a luta de
classes era criação dos comunistas e, portanto, naturalmente inexistente. Ela só existiria
se os operários se vissem como classe antagônica aos proprietários dos meios de
produção. A instituição eclesiástica, por meio da Ação Católica, oferece, de acordo com
o documento, uma solução um tanto romântica e idealista para apresentar o que seria o
ideal cristão a ser alcançado. A solução não era vinculada à luta de classes. Afirmava-se
o seguinte:
O grande ideal cristão é que se chegue, pelo feliz encontro de soluções,
harmoniosas, a uma transformação social, em que as riquezas se espalhem
em justo equilíbrio por todos os homens que trabalham. Em vez de supressão
total da propriedade privada, apontamos outra modalidade mais humana,
garantidora da liberdade e da independência: “Mais propriedades,
propriedades para todos”. Para se chegar a isto, cristãmente, é preciso que os
homens, dirigidos e dirigentes, empregados e empregadores, se tratem dentro
do critério de respeito, dignidade, justiça e fraternidade (Primeiro Congresso
Nacional: conclusões e Moções-1946- In: DALE, op. cit.,p. 80).
O documento segue fazendo um apelo aos ricos para se juntarem à Ação
Católica no sentido de apoiarem “materialmente” esta empresa. Pedia-se “que eles
apliquem, como norma constante, o que lhes é apontado na Doutrina Social da Igreja”
(ibid.). Na realidade, Mounier já havia feito a denúncia e a crítica da posição da Igreja
com relação à luta de classes, afirmando que a luta de classe é necessária ao progresso
social. Do mesmo modo, alertava que a violência, no sentido da mudança, se faz
5
Documento aprovado pelo regime Fascista cujos princípios foram incorporados às leis
trabalhistas italianas.
necessária, a fim de combater a posição passiva, geradora de violência, presente no
homem (MOUNIER, 1970).
Assim, é impossível negar a condição de “afrontamento e ruptura” que se
apresenta para o homem trabalhador em tais situações. No entanto, essas categorias que
Mounier apresentou ainda não haviam se tornado uma consciência social neste
momento, no Brasil. É, sobretudo, a partir dos anos de 1950, que essas ideias se
intensificariam no seio da Ação Católica.
No que se refere ao papel dos intelectuais e universitários católicos, o documento
conclusivo do congresso não traz a palavra revolução para expor a necessidade da
mudança social. Mounier, porém, recomendava essa palavra na sua obra, quando fala
sobre uma revolução personalista e comunitária na batalha de “renovação social cristã”
(MOUNIER, 2003). Para ele, um papel de capital importância cabe aos intelectuais e
aos universitários cristãos católicos.
O texto do primeiro congresso nacional da AC que estamos analisando, seguindo
o pensamento de Mounier, apresenta o seguinte. Cabia à hierarquia exortar os
intelectuais no sentido de realizar uma “[...] articulação da mocidade estudantil para a
‘reforma social’, com os nossos veementes aplausos” 6. Para Mounier, a presença dos
intelectuais no processo da “revolução necessária” seria de fundamental importância.
Eles deveriam, porém, ter abandonado o espírito burguês, no sentido da elitização da
cultura, e estarem dispostos à cooptar novas elites oriundas das culturas populares
(Mounier, 1970). No entanto, em se tratando da realidade da Igreja Católica, na época,
este ideal ainda estava germinando e só teria maior visibilidade em meados da década
de 1950.
Vimos, até aqui, que a tentativa de mudança de tática da Igreja para exercer
influência na sociedade civil ainda é bastante fraca. Isto porque a estratégia até então
utilizada estava vinculada à arregimentação dos intelectuais e em manter a ordem social
estabelecida pela classe média.
Nota-se que é, sobretudo a partir dos anos de 1950, que a estratégia de influência
da Igreja, por meio do lócus social toma mais corpo. É nesse período que a Ação
6
(Primeiro Congresso Nacional: conclusões e Moções-1946- In: DALE, op. cit., p. 80)
Católica sofre mudanças estruturais ao adotar o sistema francês 7 (BRUNEAU, 1974).
Além disso, como o Centro Dom Vital havia estimulado as vocações religiosas,
sobretudo nas ordens mais progressistas, os beneditinos e os dominicanos. Esses
religiosos, quando começaram a retornar ao Brasil após sua formação na Europa,
passaram a constituir um elemento de grande importância para a disseminação do
Personalismo no Brasil, sobretudo na JUC.
Na declaração dos arcebispos e bispos que participaram da semana nacional da
Ação Católica de 1957, encontramos a preocupação dos prelados no que concerne ao
campo econômico-social. No entanto, percebemos certo distanciamento da hierarquia
nessas questões, no que diz respeito à sua participação, o que caracteriza um dos fatores
que desencadeará, mais tarde, uma crise entre a JUC e a hierarquia católica. Neste
sentido, os bispos se pronunciam da seguinte forma:
[...] evitar e fazer evitar as aparências de compromisso da Igreja com as
estruturas capitalistas; evitar, diante do comunismo, uma atitude negativa, de
simples anticomunismo, sem combater também, o materialismo capitalista
que trouxe a revolta e portanto o comunismo; conhecer e levar a conhecer o
movimento operário e o problema operário em sua realidade total para não
sermos incapazes de falar uma linguagem acessível aos trabalhadores; evitar
e fazer evitar nas relações com os movimentos operários a atitude paternalista
de quem simpatiza com os trabalhadores, mas os considera incapazes de
liderar a promoção da própria classe; evitar, na medida do possível, em país
onde a escassez de clero é alarmante, que os padres se engolfem na Ação
Social, com prejuízo de atividades especificamente sacerdotais. O campo é
próprio dos leigos. [...], normalmente lhe deveria caber apenas função
supervisora (Declaração dos Arcebispos e Bispos participantes da Semana
Nacional da Ação Católica In: DALE, op. Cit., p. 122).
Não cabe aqui fazer uma interpretação crítica do período. No entanto, este fato
deixa transparecer aquilo que já foi comentado, quando deixamos claro que um dos
motivos do distanciamento da participação do clero nos trabalhos sociais seria o
interesse da Igreja em legitimar a reprodução da ordem social. Assim, sua posição é
ambígua, pois, de um lado, ela ficava sensibilizada com os problemas sociais e, de
outro, vinculada à reprodução social e à manutenção do status quo.
Mas, na década de 1950, o conceito mounieriano de “desordem estabelecida” é
incorporado pelo movimento estudantil católico e uma nova estratégia de influência
7
Este sistema consistia na organização de movimentos de ação especializada entre os
universitários, o meio rural, operário. Além disto, a influência direta da diocese era menor, o
movimento era mais autônomo que no modelo anterior.
sobre a sociedade civil começa a ganhar maior visibilidade. Por isso, Bruneau (1974)
assevera que a direção da Ação Católica, sobretudo de seus movimentos estudantis JEC
e JUC, ficou na mão de um grupo de religiosos progressistas que, em sua maioria,
haviam sido formados na Europa. Com eles, os jovens teriam tomado consciência dos
problemas sociais e despertado para a necessidade de mudanças radicais nas estruturas,
da mesma forma, asseverou Mounier, em seu tempo, sobre a necessidade da “prise de
conscience” entre os jovens.
Segundo Bruneau, o grupo de padres progressistas era formado basicamente por
“Pe. Henrique Vaz, Pe. Luis Sena, Pe. Almery Bezerra, Frei Carlos Josaphat, Frei
Mateus Rocha, e o francês Frei Thomas Cardonnel; eram eles os padres mais ativos e
mais avançados daquela época no Brasil” (BRUNEAU, op. cit., p.181).
O autor continua sua explicação:
Por meio deles, o movimento tomou contato com as linhas avançadas da
teologia europeia, principalmente francesa, associada aos nomes de Lebret,
Mounier, Chenu, Lubac, etc. Frei Thomas Cardonnel, por exemplo, era um
discípulo de Mounier e ajudou a introduzir o conceito de “desordem
estabelecida”, no Brasil [...] (BRUNEAU, 1974, p.181).
Nesse sentido, por meio desses intelectuais, a JUC terá em seus quadros uma
forte influência do Existencialismo Cristão e do Personalismo de Mounier. Isso vai ao
encontro do momento histórico nacional da década de cinquenta, o Populismo e o
Nacionalismo Desenvolvimentista. As ideias personalistas tinham uma forte influência
na chamada ideologia do desenvolvimento e na formação intelectual dos membros da
JUC que posteriormente irão se filiar à Ação Popular.
Considerações finais
Ao apresentar este texto tivemos como objetivo principal mostrar ao leitor a
forma como o Personalismo de Emmanuel Mounier penetrou no ideário católico
brasileiro por meio dos intelectuais da Igreja congregados no Centro Dom Vital, e nas
frentes de trabalho da recém-criada Ação Católica Brasileira, instituição criada por Dom
Leme.
Vimos que o fato de vários religiosos terem ido fazer seus estudos na Europa foi
de fundamental importância para a apropriação das ideias do Personalismo, ideias que
em Mounier começam a florescer e se disseminar, sobretudo, após a crise de 1929.
Até aqui o texto mostrou que a luta pela arregimentação dos católicos passou
pelos princípios da filosofia de Mounier, princípios que ganhariam corpo no Brasil mais
fortemente depois de 1950 ganhando maior espaço entre os membros da JUC-Juventude
Universitária Católica, por exemplo.
REFERÊNCIAS
BEOZZO, José Oscar. Cristãos na universidade e na política: história da JUC e da
AP. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984.
BRUNEAU, Thomas C. Catolicismo brasileiro em época de transição. São Paulo:
Loyola, 1974.
DALE, Romeu (org.). A ação católica brasileira. São Paulo: Loyola, 1985.
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis, RJ: Vozes, 1988.
MESQUIDA, Peri. Hegemonia norte-americana e educação protestante no Brasil.
São Paulo/Juiz de Fora, MG: Editeo/Edufjf, 1994.
MOUNIER, Emmanuel. L’affrontement chrétien. Neuchâtel, Suisse: Baconnière,
1945.
_______. O Personalismo. Lisboa: Moraes, 1970.
_______. Révolution personnaliste et communautaire. Paris : Du Seuil, 1961 et
février 2003a. (version numérique)
MUÑOZ, Ronaldo. Nova consciência da Igreja na América Latina. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1979.
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A AÇÃO CATÓLICA BRASILEIRA E O PERSONALISMO