Ciência Animal, 22(1); 296-307, 2012 – Edição Especial
REPRODUÇÃO DE PRIMATAS NEOTROPICAIS: AVANÇOS E
PERSPECTIVAS
(Reproduction of New World primates: advances and perspectives)
Norma Lúcia de SOUZA-ARAÚJO
Unidade Acadêmica de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Campina Grande, Campus de
Patos-PB.
*E-mail: [email protected]
RESUMO
Os primatas neotropicais, assim como as demais espécies selvagens, em face das
dificuldades de reprodução que o sistema de cativeiro impõe, necessitam que pesquisas
sejam desenvolvidas com o intuito de viabilizar o conhecimento da sua biologia
reprodutiva e o desenvolvimento de biotecnologias que, aplicadas à reprodução, possam
dar um suporte na preservação e distribuição de sua diversidade genética e, assim,
auxiliar na manutenção de uma população biologicamente viável. Esse trabalho aborda,
em linhas gerais, os recentes avanços no âmbito da biotecnologia reprodutiva
relacionados a esse grupo de primatas.
Palavras-Chave: Primatas neotropicais. Conservação. Biotecnologias reprodutivas.
ABSTRACT
The New World primates, as well as wildlife species, in the face of the difficulties of
reproduction imposed by captivity system, need of the development of the researches to
viabilize the knowledge of the reproductive biology and the development of
biotechnology than, applied to reproduction, can help in the preserving and distributing
of the genetic biodiversity, thus, aid in the maintenance of the biologic viable
population. This paper broach, in a general line, the recent advances in the reproductive
biotechnology researches to these primates.
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Palestra apresentada no VI Congresso Norte Nordeste de Reprodução Animal, Fortaleza, CE, Brasil,
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Keywords: New worlds primates. Conservation. Reproductive biotechnologies.
INTRODUÇÃO
A exploração inadequada dos recursos naturais tem causado a extinção de
centenas de espécies animais em todo o planeta. Este fato deve-se, em sua maior parte, a
alterações no habitat destes animais (Andrabi e Maxwell, 2007), ocasionadas por
fatores como mudanças em cursos de rios, escassez de fiscalização no descarte de
resíduos químicos, desmatamento ilegal, captura e posterior venda ilegal de animais
silvestres.
Apenas no Brasil, de acordo com a IUCN (União Internacional para a
Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais), existem cerca de 400 espécies em
vias de extinguir-se, e oito já extintas, o que significa uma perda irrecuperável para o
patrimônio natural brasileiro, considerado o mais biodiverso do mundo.
Dentre as espécies animais ameaçadas estão os primatas, que são divididos em
dois grupos, o grupo de primatas do Velho Mundo e o grupo de primatas do Novo
Mundo. No grupo dos primatas do Novo Mundo, ou primatas Neotropicais, são
reconhecidos 17 gêneros (Cebuella, Saguinus, Leontopithecus, Callimico, Callicebus,
Pithecia, Lagothrix, Brachyteles, Ateles, Aotus, Saimiri, Chiropotes, Cacajao, Cebus,
Alouatta) (Coimbra-Filho, Mittermeier, 1981) e Sapajus (Alfaro et al., 2012) . Com uma
ampla distribuição geográfica, desde a América Central, até a América do Sul,
apresentam grande variação de porte, com indivíduos pesando alguns gramas (Mico
Pigmeu) e outros chegando a pesar mais de 10 quilos de peso corpóreo (MonoCarvoeiro), (Reeder, Wilson, 2005).
A preservação de espécies ameaçadas de extinção contempla diversas ações que
envolvem a preservação do habitat da espécie envolvida, sendo esta, a forma mais
eficiente de conservação (Wildt et al., 1997; Loi et al., 2001) e a criação e propagação
de espécies individuais ex situ (Wildt et al., 1997; Pukazhenthi, et al., 2006). Neste
último caso, em virtude da redução do número de animais, existe a dificuldade em
manter-se a diversidade genética necessária para a sobrevivência de uma dada espécie,
daí a necessidade de técnicas que, aplicadas à reprodução, possam auxiliar na
manutenção e expansão dessa biodiversidade.
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O presente trabalho tem como objetivo realizar uma abordagem a respeito dos
avanços nos estudos na área de reprodução de primatas neotropicais, envolvendo o
desenvolvimento de biotecnologias reprodutivas e, nesse contexto, discutir sobre as
perspectivas de aplicação dessas biotecnologias na conservação desse grupo de
primatas.
Estudos sobre a biologia dos primatas neotropicais
Estudos relativos à biologia reprodutiva são fundamentais para a avaliação das
condições gerais de uma espécie, auxiliando na identificação de variações de uma
população de uma área definida em um determinado intervalo de tempo, além de
fornecer dados sobre as estratégias de adaptação dos animais em face das mudanças
ambientais (Wirz, Riviello, 2008).
No que se refere aos primatas neotropicais, estudos a respeito das características
demográficas (Di Bitetti, Janson, 2001; Addessi, et al., 2005; Spinozzi et al., 2004),
formação de populações (Di Bitetti, Janson, 2001; Fedigan, Jack, 2004; Strier et al.,
2006; Fialho et al., 2007; Ferreira, et al., 2007), hierarquia dentro dos grupos sociais e
comportamento reprodutivo (Carosi, Visalberghi, 2002; Alfaro, 2005; Fedigan, et al.,
2008; Fedigan, Jack, 2011), anatomia do sistema genital (Cui, Matthews, 1994; Veras et
al., 2007; Pissinatti et al., 2008; Branco et al., 2010), entre outros aspectos ligados à
biologia reprodutiva, tem sido realizados. O conhecimento gerado a partir desses
estudos possibilita a introdução de programas de manejo para a conservação que
asseguram o bem-estar animal, possibilita a compreensão dos ciclos reprodutivos e
reflete, em linhas gerais, as necessidades de cada espécie.
Biotecnologias aplicadas à reprodução dos machos
O emprego de biotecnologias reprodutivas, normalmente envolve a coleta,
manipulação e armazenamento de material biológico, com o objetivo de avaliar as
características reprodutivas e, por conseguinte, melhorar a sua eficiência. Nos
programas de conservação de espécies selvagens, as dificuldades de estabelecer técnicas
capazes de fornecer meios seguros de coleta e manutenção de material biológico para
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utilização em programas de reprodução assistida, exige a elaboração de protocolos
específicos de coleta, manipulação e armazenamento desse material mantendo a sua
viabilidade. Assim, a utilização da inseminação artificial, por meio da coleta,
processamento e armazenamento de espermatozóides na utilização de bancos de sêmen,
constitui-se numa importante ferramenta no processo de repovoamento de espécies
ameaçadas.
A coleta de sêmen de primatas neotropicais tem sido realizada, com maior
frequência, pelo método de eletroejaculação, que consiste na utilização de um eletrodo
por via transretal, com dimensões adequadas ao porte de cada espécie, que estimula, por
meio de pequenos impulsos elétricos, o processo de ejaculação. Essa técnica tem sido
utilizada em várias espécies de primatas neotropicais, como Sapajus apella (Bush et al.,
1975; Araújo et al., 2009; Oliveira et al., 2011), Callithrix jacchus (Cui et al., 1991),
Alouatta caraya (Valle et al., 2004), Ateles geofroyi (Hernandez- López, et al., 2002),
Leontopithecus chrysomelas (Vidal et al., 2007), Saimiri boliviensis (Yeoman et al.,
1997). É considerado o método mais seguro para coleta de sêmen de animais selvagens,
sendo a anestesia, o principal fator de risco nesse procedimento (Durrant, 1990).
Outros métodos de coleta de sêmen tem sido descritos nos primatas neotropicais,
como a lavagem vaginal (Kuederling et al., 1996) e a vibroestimulação peniana
(Kuederling et al., 2000; Schneiders et al., 2004).
O estudo de protocolos de coleta e manipulação de sêmen tem levado em
consideração a presença do coágulo seminal que é formado imediatamente após a coleta
ao contato do ejaculado com o ar. O coágulo seminal atua como uma barreira que
impede a inseminação da fêmea recém copulada, por outros machos e essa característica
dificulta a análise e processamento do ejaculado, assim, o grande desafio é adequar um
diluente com propriedades capazes de promover a dissolução desse coágulo mantendo a
viabilidade espermática (Domingues, et al., 2011).
A utilização de enzimas proteolíticas como hialuronidase e tripsina foi descrita
por Paz et al., 2006, com o objetivo de promover a dissolução do coágulo seminal, mas
os resultados indicaram apenas uma dissolução parcial do mesmo, causando ainda
significativa redução da motilidade e vigor espermático. A utilização de solução salina
0,9% também foi proposta (Nagli e Denari, 1983), com melhores resultados. Em
estudos mais recentes a utilização da água de coco in natura (Araújo et al., 2009) e água
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de coco em pó (ACP 118®, Oliveira et al., 2010; Oliveira et al., 2011), apresentaram
excelentes resultados, com dissolução completa do coágulo seminal dentro de algumas
horas.
Provavelmente, em função das dificuldades que envolvem a manipulação do
sêmen, devido a presença do coágulo seminal, poucos protocolos de criopreservação de
sêmen têm sido descritos em primatas neotropicais. Esses protocolos utilizam diluentes
à base de TES -TRIS em Callihtrix jacchus (O`Brien et al., 2003) e TES –TRIS e água
de coco in natura em Sapajus apella (Oliveira et al., 2011). Nesse aspecto, a água de
coco in natura, tem demonstrado excelentes resultados de motilidade espermática e
vigor espermático pós descongelação.
Biotecnologias aplicadas à reprodução das fêmeas
Apesar da ampla utilização das biotecnologias relacionadas ao oócito e ao
embrião em seres humanos e animais de produção, essas técnicas ainda não estão
estabelecidas nos primatas neotropicais. A coleta e manipulação de oócitos para a
produção de embriões in vitro representa um valor inestimável, devido a gama de
possibilidades de aplicação dessa técnica como ferramenta de auxílio em programas de
conservação de espécies ameaçadas. Essa biotécnica permite o implante do embrião
produzido in vitro direto em uma fêmea receptora, após a punção folicular de uma
fêmea doadora, seguida da fertilização in vitro. Possibilita também, a criopreservação
desse embrião por tempo indeterminado, contribuindo efetivamente no processo de
manutenção da sobrevivência de uma espécie.
A coleta de oócitos provenientes de folículos pré antrais para posterior
maturação e fertilização in vitro, foi descrita em Sapajus apella (Domingues, 2003) e
em Callithrix jacchus (Nayudu et al., 2003). Também, a produção de embriões in vitro
por meio da FIV e ICSI, foi descrita em Callithrix jacchus (Grupen et al., 2007).
Recentemente, em Sapajus apella, foi descrito o primeiro trabalho de produção de
embrião in vitro (Lima et al., 2012), onde oócitos coletados de fêmeas não estimuladas
hormonalmente, foram submetidos a tratamento de maturação e posterior fertilização in
vitro.
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Outras pesquisas aplicadas à reprodução de primatas neotropicais na atualidade
incluem a utilização de métodos não invasivos de monitoramento hormonal, baseado na
investigação de metabólitos de hormônios esteroides, liberados pela urina e fezes, para
fins de estudo da sazonalidade (Cerda-Molina et al., 2006) e características do ciclo
estral de algumas espécies (Campbell et al., 2001; Kugelmeier, 2005; Rocha, 2010;
Hernández-López, et al., 2010). Essa é uma alternativa viável ao estudo de parâmetros
endócrinos que utiliza múltiplas coletas de sangue como matriz método esse, de difícil
aplicação em espécies selvagens, em função do grande nível de estresse envolvido no
processo de contenção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os estudos relativos à reprodução de primatas neotropicais ainda são escassos
em função da limitação dos recursos empreendidos para esse fim. As biotecnologias
aplicadas à reprodução e os programas de conservação somente obterão pleno sucesso
quando os diversos aspectos que envolvem a compreensão da fisiologia, habitat,
anatomia além de outros parâmetros relativos à biologia dessas espécies, estiverem bem
estabelecidos. Esses conhecimentos auxiliarão no fornecimento de diretrizes para que
seja possível contribuir, efetivamente, para a manutenção da biodiversidade.
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