MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ FEDERAL DA VARA DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE SÃO JOÃO DE MERITI - RJ O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, no desempenho de suas atribuições constitucionais, vem, com fundamento no art. 129, III, da Constituição Federal, e no art. 5º, da Lei nº 7347/85, propor a presente AÇÃO CIVIL PÚBLICA em face da MITRA DIOCESANA DE DUQUE DE CAXIAS/RJ, com endereço na Av. Presidente Kennedy, 1861, Duque de Caxias, da UNIÃO , representada pela Advocacia-Geral da União, e do INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL – IPHAN, autarquia federal representada pelo seu procurador autárquico, localizado na Av. Rio Branco, 46, 5º andar, Centro, Rio de Janeiro/RJ, pelos fundamentos de fato e de direito a seguir expostos: 2 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro I. DA LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: Disciplinando a competência específica do Ministério Público Federal, a Lei Complementar nº 75, de 20.05.93 (Lei Orgânica do Ministério Público da União), institui em seu art. 37: “Art. 37 - O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL exercerá as suas funções: I- omissis II- nas causas de competência de quaisquer juizes e tribunais, para defesa de direitos e interesses dos índios e das populações indígenas, do meio ambiente, de bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, integrantes do patrimônio nacional;” (grifou-se) Assim, em se tratando de questão atinente à degradação de patrimônio histórico, artístico e cultural, de interesse público, sob a tutela e fiscalização de uma autarquia federal – IPHAN, em face do bem lesado, legitimado está o Ministério Público Federal para ajuizar a presente ação. II - DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL: A Justiça Federal é competente para processar e julgar a presente tendo em vista o interesse federal na proteção e conservação do Bem, tombado pelo IPHAN, autarquia federal, responsável pela fiscalização das condições de manutenção e conservação do imóvel. 3 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro Com efeito, o art. 109, I, do Texto Maior, determina a competência da Justiça Federal para “ processar e julgar as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes (...)”. Além disso, a tão-só presença do Ministério Público Federal na qualidade de autor de feito que envolve questão federal, tem merecido do Superior Tribunal de Justiça a confirmação da competência da Justiça Federal para processar e julgar os feitos nos quais o órgão é parte. Veja-se o julgado: “PROCESSUAL - MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - COMPETÊNCIA JUSTIÇA FEDERAL. Se o Ministério Público Federal é parte, a Justiça Federal é competente para conhecer do processo.”(Decisão do STJ, no Conflito de Competência nº4.927-0-DF, por unân., Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, j. 14.9.93) Competente, pois, a Seção Judiciária da Justiça Federal de São João de Meriti, nos termos do art. 2º, da Lei nº 7.347/85 c/c os arts. 93 e 117, da Lei nº 8.078/90 - Código de Defesa do Consumidor. 4 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro III – Dos Fatos : O imóvel, denominado “Casa Grande da Fazenda São Bento”, situado na Rua Benjamin da Rocha Júnior, nº 06, Campos Elíseos – Duque de Caxias, de propriedade da MITRA DIOCESANA DE DUQUE DE CAXIAS, foi objeto de tombamento pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional- IPHAN, em 10 de julho de 1957, por meio de processo nº 564T-57, inscrição nº 439, folha nº 82, - Livro das Belas Artes – vol.1. Visando a averiguar as condições de conservação do bem tombado, o Ministério Público Federal, no âmbito da Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro, instaurou procedimento administrativo MPF/PR/RJ nº 08120.000572/97-12, requisitando informações ao IPHAN, autarquia federal responsável pelo tombamento. Foi realizada, pelo IPHAN, em setembro de 1996, vistoria na Casa Grande e Capela da Fazenda São Bento, localizada em Duque de Caxias, a fim de avaliar o estado de conservação dos imóveis tombados, chegando-se à conclusão de que os prédios “encontram-se em total abandono (...) estando em processo de ruína”. Oficiado ao IPHAN, acerca do ajuizamento de eventual ação judicial para compelir a Mitra a realizar as obras necessárias à preservação 5 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro do bem, o Instituto informou que a mesma não foi ajuizada em razão da apresentação, junto ao PRONAC, pela CAXIAS, do projeto Baixada Novo MITRA DIOCESANA DE DUQUE DE Milênio (processo PRONAC nº 01400.005201/97-130), destinado à recuperação dos dois prédios tombados – Igreja do Pilar e o Mosteiro e Capela da Antiga Fazenda São Bento. Foi enviado ofício à Diocese de Duque de Caxias e esta respondeu, em 4 de maio de 1998, que o projeto Baixada Novo Milênio foi apresentado pelo bispo diocesano em Duque de Caxias ao Ministério da Cultura, em julho de 1997. Contudo, o referido projeto ficou parado na sede regional do IPHAN sem que esse se pronunciasse a respeito do referido projeto. Em ofício datado de 17 de junho de 1998, o IPHAN esclarece que as informações das planilhas de custos, contidas no processo PRONAC Nº 01400.005.201/97-13, não são suficientes a permitir a emissão de parecer conclusivo. E que solicitou, então, nova planilha à Diocese de Duque de Caxias, sem, contudo, obter resposta até 29 de abril de 1998, quando o processo foi encaminhado ao Chefe de Gabinete / IPHAN para arquivamento. Em 12 de março de 1999, o Instituto informou que o projeto PRONAC, referente à restauração do conjunto Casa Grande e Capela de São Bento, foi analisado e aprovado por essa Regional em dezembro de 1998 e encaminhado à Comissão do PRONAC em Brasília. 6 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro Todavia, desde então, não obstante os numerosos ofícios enviados por este parquet federal, a situação do imóvel permanece a mesma, ou melhor, o bem vem se deteriorando ainda mais com o passar do tempo. IV – DO DANO MORAL O art. 13 da Lei 7.347/85 versa que “havendo condenação em dinheiro, a indenização pelo dano causado reverterá a um fundo gerido por um Conselho Federal ou por Conselhos Estaduais de que participarão necessariamente o Ministério Público e representantes da comunidade, sendo seus recursos destinados à reconstituição dos bens lesados.” Atualmente, tal artigo é regulamentado pelo Decreto nº 1.306/94, o qual estabelece, em seu art. 2º, inciso I, que “constituem recursos do Fundo de Direitos Difusos o produto da arrecadação (...) das condenações judiciais de que tratam os artigos 11 e 13, da Lei 7.347/85”. Posteriormente, a Lei 9.008/95 criou o Conselho Federal Gestor do Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, que é o órgão previsto no art. 13 da Lei da Ação Civil Pública. Conforme preceitua o art. 159 do Código Civil, qualquer um que causar dano a outrem tem o dever de repará-lo. Ora, é patente o dano causado à coletividade decorrente da desídia do IPHAN e da UNIÃO face à degradação do imóvel em questão. Um bem é tombado pelo Poder Público 7 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro devido à sua grande importância histórica, artística e cultural para a sociedade na qual está contextualizado. Nesse sentido, sendo notório que o Estado tem o dever de preservação do patrimônio histórico de uma coletividade, representa realidade totalmente coerente com a omissão por ele empreendida no presente caso, sua obrigação de responder por danos morais face à comunidade prejudicada pelo ato ilícito. V – DO DIREITO: O art. 23, III, da Constituição Federal, inclui entre as funções de competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a proteção de documentos, obras, monumentos, paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos. Incumbe ao Poder Público, através de intervenções na propriedade privada, a proteção do patrimônio histórico, artístico e cultural brasileiro, assim considerado pela legislação ordinária “o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no país, cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação aos fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico” (art. 1º do Decreto-lei nº 25, de 30/11/37). 8 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro Veja-se, também, o art. 216 da Carta Magna: “Art. 216 – Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem : (...) V – os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico. § 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e acautelamento e preservação.” desapropriação, e de outras formas de (grifou-se) A Convenção à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, aprovada pela Conferência Geral da UNESCO, realizada no período de 17 de outubro a 21 de novembro de 1972, foi recepcionada pelo ordenamento jurídico pátrio, através do Decreto Legislativo nº 74/77. O art. 4º da referida Convenção assim determina: “Cada um dos Estados Partes na Convenção reconhece que a obrigação de identificar, proteger, conservar, valorizar e transmitir às futuras gerações o patrimônio cultural e natural mencionado nos artigos 1º e 2º, situado em seu território, lhe incumbe primordialmente. Procurará fazer tudo para esse fim, utilizando ao máximo seus recursos disponíveis e, quando for o caso, mediante a assistência e cooperação internacional de que possa beneficiar-se, notadamente nos planos financeiro, artístico, científico e técnico.” (grifou-se). 9 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro O tombamento, forma de intervenção do Estado na propriedade privada, regulado pelo Decreto-lei nº 25, de 30 de novembro de 1937, impõe restrições aos bens particulares e públicos, apresentando-se como instrumento de proteção do patrimônio histórico e cultural. Dispõe o art. 19 do Decreto-lei supracitado que o proprietário do bem tombado fica sujeito a fazer todas as obras de conservação necessárias à preservação do bem ou, se comprovar não ter meios para tanto, comunicar sua necessidade ao órgão competente, no caso o IPHAN, autarquia federal responsável pelo tombamento. Veja-se: “Art. 19 – O proprietário da coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que for avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.” Deve ser ressaltada, também, a possibilidade da iniciativa para a realização das obras partir do IPHAN, quando urgência verificada a dessas, devendo ser feitas a expensas da União. É o que preceitua o parágrafo terceiro do artigo supra mencionado: “Art. 19, §3º - Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e 10 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.” VI- DO PEDIDO: A obrigação de fazer, diante da desídia na conservação do imóvel tombado, encontra-se estampada na Lei nº 7347/85, fundamentando o objeto desta Ação Civil Pública, conforme podemos observar com a transcrição do art. 3º : “Art. 3º - A ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer.” Assim, requer o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: I – sejam citados a UNIÃO, através da Advocacia-Geral da União, o INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL –IPHAN, representado por seu procurador autárquico, e a MITRA DIOCESANA DE DUQUE DE CAXIAS, para, querendo, contestarem a presente ação, sob pena de revelia; II – a condenação do IPHAN na obrigação de fazer, consistente na elaboração, em prazo não superior a 120 dias, de um projeto de recuperação total do imóvel tombado, objeto da presente ação, bem como na execução, em prazo não superior a 12 meses, das obras constantes no referido projeto, sob pena de 11 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro multa diária a ser fixada por esse juízo e revertida para o fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85. Ambos os prazos devem ser contados da data de publicação da sentença. III – a condenação da UNIÃO à obrigação de fazer, consistente na liberação de recursos, em prazo não superior a seis meses contados da data de publicação da sentença(art. 19, § 1º, do Dec.-Lei 25/37), para o IPHAN realizar a execução das obras a serem elencadas no projeto acima mencionado, sob pena de multa diária a ser fixada por esse juízo e revertida para o fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85. IV – a condenação da MITRA DIOCESANA DE DUQUE DE CAXIAS ao ressarcimento das despesas de elaboração e execução das obras elencadas no projeto acima mencionado, salvo comprovação de ausência de recursos para realizá-las, sob pena de multa diária a ser fixada por esse juízo e revertida para o fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85. V – a condenação do IPHAN a pagar, a título de danos morais, a quantia de R$ 100.000,00 (cem mil reais), a ser revertida para o fundo de que trata o art. 13 da Lei 7.347/85. 12 MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Procuradoria da República no Estado do Rio de Janeiro VI – a condenação dos Réus ao pagamento de multa cominatória diária, no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais), por descumprimento da sentença transitada em julgado; Requer provar o alegado por todos os meios admitidos em Direito. Dá-se à causa o valor de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais). Rio de Janeiro, 20 de agosto de 2001. WERTON MAGALHÃES COSTA PROCURADOR DA REPÚBLICA AMH LHD FTM