União Europeia Fundo Social Europeu O ensino da decifração Inês Sim-Sim Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. O ENSINO DA DECIFRAÇÃO Índice Introdução (levantamento das principais questões colocadas pelo ensino da decifração) Secção 1 - O que os professores precisam de saber sobre o processo de decifração Secção 2 - O que as crianças devem saber antes de aprenderem formalmente a decifrar Secção 3 – Ensino da decifração: Actividades promotoras da aprendizagem da decifração Secção 4 – Glossário Secção 5 – Bibliografia Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. Introdução Todos reconhecemos que saber ler é uma condição indispensável para o sucesso individual, quer na vida escolar, quer na vida profissional. Esta condição individual tem uma aplicação directa na vida das comunidades. Não é por acaso que os países mais ricos, e portanto, com um nível de desenvolvimento mais elevado, erradicaram o analfabetismo mais cedo e apresentam níveis superiores de literacia, o que significa que os respectivos cidadãos têm mais facilidade em aceder à informação escrita através da leitura e em se expressar eficazmente através da produção escrita do que os nativos de países pobres com níveis elevados de iliteracia. A utilização da linguagem escrita na vida quotidiana é nos dias de hoje imprescindível, como facilmente constatamos. Torna-se indispensável saber ler fluentemente e escrever de forma eficiente para a realização de muitas das actividades diárias, como ler um jornal ou verificar a bula de um medicamento, consultar o extracto bancário ou um horário de comboios, enviar uma mensagem escrita pelo telemóvel ou preencher a declaração de impostos, usufruir do prazer de ler um romance ou necessitar de estudar para um exame. Todos reconhecemos também que é esperado que a escola desempenhe um papel imprescindível na aprendizagem da linguagem escrita. Ao contrário da língua oral, que a criança adquire natural e espontaneamente no contexto familiar, o domínio da vertente escrita da língua exige um ensino explícito e sistematizado de quem ensina, o professor, e a vontade consciente de aprender por parte do aluno. O desejo de aprender a ler é expresso pela maior parte das crianças antes de iniciarem formalmente a escolaridade. De facto, se em Setembro perguntarmos a qualquer criança que vai ingressar no 1º ano de escolaridade o que é que espera aprender na escola, a resposta será, na esmagadora maioria dos casos, aprender a ler. A vontade de aprender a ler esbate-se, muitas vezes, à medida que a aprendizagem da leitura se processa. A posterior desmotivação e o consequente desinteresse por ler radicam, em muitos casos, no desencanto motivado pela não consonância entre o que era esperado obter com a leitura e a roupagem mecanicista de que o seu ensino se revestiu. Dito por outras palavras, o aprendiz de leitor esperava aprender a entrar numa floresta em que, por magia, penetraria numa constelação de letras que lhe dariam acesso a um mundo de tesouros e maravilhas escritas e é empurrado para uma cela em que séries arrumadas de letras apenas lhe dão passagem para sílabas que de forma espartilhada lhe dão acesso a palavras isolas, pouco atraentes e estimulantes, como papá, titi, pua, copo, faca e semelhantes. Algures, entre o mundo esperado e a realidade encontrada, instala-se o desinteresse. Inverter este processo implica, entre outros aspectos, centrar o ensino da leitura na sua própria essência, i.e., no acesso ao significado do que está escrito e, consequentemente, no ingresso no mundo imaginário que se antevia nas páginas escritas do livro de histórias ou na decifração1 do nome da barra de chocolate de que tanto se gosta. O ensino da decifração da palavra escrita é o objecto desta brochura. Com ela procuraremos responder a algumas das questões mais frequentes colocadas pelos professores, nomeadamente: (i) O que faz com que algumas crianças aprendam a decifrar mais depressa do que outras? (ii) Será que existe um método ideal para o ensino da decifração? (iii) Em que pilares deve assentar o ensino da decifração? (iv) Será que existem pré-requisitos para a aprendizagem da decifração? 1 cf Glossário Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. Secção 1 - O que os professores precisam de saber sobre o processo de decifração Ideias-chave 1. A leitura é antes de tudo um processo de compreensão que mobiliza simultaneamente um sistema articulado de capacidades e de conhecimentos. Um mau início na aprendizagem desta competência provoca posteriores atitudes negativas em relação à leitura e uma diminuição de oportunidades no enriquecimento do vocabulário e no desenvolvimento de estratégias de compreensão do que se lê. 2. A leitura é uma competência linguística que tem por base o registo gráfico de uma mensagem verbal, o que significa que tudo o que pode ser dito pode ser escrito e tudo o que for escrito pode ser dito. Oralidade e escrita são dois usos linguísticos que, embora partilhando um objectivo, a comunicação verbal, possuem características distintas. 3. O domínio da linguagem escrita depende sempre do conhecimento que o sujeito possui da vertente oral da língua. Vejamos os seguintes exemplos: Exemplo 1 Voor EUR 12 per nacht kunt u uw auto kwijt op onze nabijgelegen parkeerplaats. Exemplo 2 For EUR 12 per night, you can park your car in the nearby, private hotelparking. Exemplo 3 Por apenas 12 euros por noite, pode estacionar o carro no parque privado do hotel Implicações Pedagógicas: É sempre mais fácil aprender a ler na nossa língua materna do que numa língua estrangeira. 4. Para além do conhecimento da língua oral, saber ler implica conhecer a representação gráfica da língua. A maior parte das línguas ocidentais são línguas de escrita alfabética2, em que uma letra ou várias letras representam um som da fala, mas não uma sílaba, um morfema ou uma palavra, como na escrita ideográfica3 ou silábica, em que cada símbolo representa um morfema, uma palavra, ou uma sílaba. 2 3 cf Glossário cf Glossário Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. Exemplos de escrita alfabética e não alfabética para a palavra portuguesa arroz: Escrita alfabética Alemão Reis Português/ Arroz Castelhano Grego Ρύζι Árabe )تابن( زرأ Escrita não alfabética Chinês 名米 Japonês イネ 5. Numa língua de escrita alfabética, decifrar significa identificar as palavras escritas, relacionando a sequência de letras com a sequência dos sons correspondentes. Através do processo de decifração, o leitor converte grafemas (letras ou conjunto de letras) em padrões fonológicos que correspondem a palavras com um determinado significado numa língua. 6. No processo de decifração, consoante o leitor é mais ou menos fluente e a palavra mais ou menos conhecida, o leitor utilizará uma de duas vias: uma via de acesso directo ao léxico, que é directa rápida e global ou uma via sub-lexical que é indirecta, perceptiva e ortográfica. Vejamos os seguintes exemplos: Leia a palavra amor. Agora leia a palavra clanhifrolim. O rápido reconhecimento global da palavra amor contrasta com o processo de soletração grafemas/sons, i.e., a recodificação fonológica da palavra clanhifrolim. Existem, portanto, duas vias para aceder à identificação de uma palavra isolada: uma via directa e uma via de tradução fonológica. Estas duas vias não são alternativas independentes, mas estratégias complementares do mesmo processo. Um leitor fluente usa a via mais eficaz em cada situação, a via lexical ou a via de tradução fonológica. Esta dupla possibilidade está esquematizada no quadro nº1. Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. Quadro nº1 – Via dupla de identificação de palavras escritas Palavra escrita sistema de análise visual busca no vocabulário visual4 formatação ortográfica conversão grafema/fonema formatação fonológica activação semântica produção oral de palavras 7. A identificação automática, rápida e eficiente do significado das palavras é a meta do ensino da decifração. Aprender a decifrar é aprender a transformar grafemas em palavras reconhecíveis numa língua. Esta aprendizagem requer um conjunto de conhecimentos prévios. Secção 2 - O que as crianças devem saber antes de aprenderem formalmente a decifrar Ideias-chave 1. A facilidade em aprender a decifrar depende essencialmente (i) dos conhecimentos linguísticos que se possuem na língua de escolarização;(ii) do contacto e manipulação com material escrito e de escrita; (iii) e do conhecimento consciente dos sons da língua (consciência fonológica). 2. Na aprendizagem da decifração é, portanto, determinante: • • • • Desenvolver a linguagem oral (ênfase especial para o conhecimento lexical); Promover na criança o prazer da leitura pela voz dos outros Favorecer a descoberta pela criança dos princípios que regem a língua escrita: (i) a escrita contém significado; (ii) a escrita é permanente; (iii) a escrita é regulada por princípios gráficos (direccionalidade, flexibilidade, produtividade); Desenvolver a consciência fonológica. Secção 3 – Ensino da decifração: Actividades promotoras da aprendizagem da decifração 4 Registo de palavras escritas na memória Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. 1. Os objectivos do ensino da decifração visam levar a criança a: (i) Identificar rápida e eficazmente palavras conhecidas; (ii) Evocar a ortografia (soletração) e o significado de palavras conhecidas (iii)Encontrar o significado e a forma de produção de palavras desconhecidas 2. O ensino da decifração deve contemplar o uso de estratégias que visem o reconhecimento global de palavras e de estratégias de correspondência som/letra Quadro nº2 – Vias de aprendizagem da decifração Reconhecimento global de palavras (Via lexical, global e rápida) Produtos Correspondência som/ letra Via sub-lexical (indirecta, perceptiva e ortográfica) Processos Adivinhar pelo contexto Analisar segmentos silábicos e fonémicos Reconhecer características visuais no material gráfico Identificar a forma das letras Reconstruir cadeias de sons Procurar no “depósito” do vocabulário visual Reconhecer conteúdos semânticos 3. As actividades promotoras da aprendizagem da leitura devem ocorrer em contexto de leitura significativa para a criança e não como actividades mecânicas e repetitivas. Não separar as actividades de decifração do verdadeiro sentido da leitura: a Compreensão. Estratégias a promover no ensino da decifração: • • • • • • de reconhecimento global das palavras de correspondência som/letra de automatização da correspondência som/letra de antecipação/chaves contextuais (Leitura de palavras em contexto) de explicitação da relação entre consciência fonémica e capacidade para ler palavras de leitura de unidades ortográficas, indutoras da regra 3.1 Exemplo de actividades para desenvolver estratégias de reconhecimento global de palavras Objectivo da actividade: Aumentar o vocabulário visual (palavras que se reconhecem rápida e globalmente) Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. Objectivo específico: Treino de reconhecimento das seguintes palavras: Nome próprio da criança e de mais três amigos, e das palavras piano, violino, tambor e sino 1.Leitura pelo professor do poema Música Paulina toca piano e Virgílio, violino toca Tomás o tambor e o sacristão toca o sino Eu toco à porta da rua, para irritar a vizinha, quarenta vezes seguidas o botão da campainha Poemas da Mentira e da Verdade de Luísa Ducla Soares 2. 3. 4. 6. 7. Apresentação escrita do poema às crianças Actividades de memorização do poema pelas crianças(Repetição em coro e individual) Substituição do nome Paulina (1ª palavra) pelo nome de cada criança Recitação do poema transformado por cada criança Identificação (com ilustração) dos quatro instrumentos musicais da 1ª quadra piano sino violino tambor QuickTime™ and a TIFF (Uncompressed) decompre are needed to see this picture. QuickTime™ and a TIFF (Uncompressed) decompressor are needed to see this picture. QuickTime™ and a TIFF (Uncompressed) decompresso are needed to see this picture. QuickTime™ and a TIFF (Uncompressed) decompressor are needed to see this picture. 8. Construção de cartões com o nome e imagem dos instrumentos 9. Jogos de identificação dos nomes dos instrumentos 10. Substituição de todos os nomes próprios do poema por nomes das crianças da sala 11. Leitura do novo poema em coro 12. Leitura individual do novo poema por cada criança em que conste o seu nome e o de três amigos 3.2 Exemplo de actividades para para desenvolver estratégias de correspondência som/grafema Objectivo da actividade: Ensinar a identificar rapidamente o grupo consonântico pr Das palavras preto prato prima prova presa prego presente, escolhe a que deves colocar em cada coluna e que rima com as seguintes: Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. Horizontais 1. rima 2. meto 3. cova 4. quente Verticais 1. rego 2. mato 3. mesa 1 2 3 4 3.2 Exemplo de actividades de sons e letras iniciais Objectivo da actividade: apresentar a letra s em início de palavra 1. Ler às crianças uma história, um poema, uma adivinha em que o som [s] esteja em evidência 2. Certificar-se que todas as crianças identificam o som [ s], através de exemplos de segmentação e manipulação fonémica 3. Escolher nomes de crianças da turma cujo nome começa por [s] (Sofia, Sara, Sandra...) 4. Sentar o grupo de crianças em círculo para que todas se possam ver 5. Realizar algumas actividades de consciência fonológica em que esteja em evidência o som [s] 6. Perguntar às crianças o nome dos colegas referidos em 3. 7. Perguntar-lhes qual o som desses nomes que é o mesmo 8. Pedir aos visados que escrevam o nome no quadro 9. Salientar a correspondência entre o primeiro som e a primeira letra do nome das criança 10. Mostrar isoladamente a letra s e dizer /s-s-s/. Explicitar que os nomes que começam com o mesmo som se escrevem com a mesma letra 11. Isolar a letra e pedir às crianças palavras que comecem com o mesmo som e, portanto, se escrevem com a mesma letra 12. Distribuir cartões com imagens de palavras que começam por [s] e cuja palavra está escrita nas costas do cartão 13. Distribuir cartões com imagens de palavras que começam por outros sons (e letras, se já conhecidas) Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. 14. Baralhar os cartões e pedir a cada criança que indique se o cartão com imagem que recebeu corresponde à letra s 15. Trocar de cartões e repetir o jogo 16. Escolher com as crianças o cartão que deve ficar exposto na sala e que representa a letra s (é útil que possa corresponder a um movimento, como, por exemplo, saltar Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação. 4. Glossário Activação semântica: Comportamentos emergentes de leitura: Consciência fonológica: Decifração: Tradução sequencial de símbolos (letras ou conjunto de letras) em sílabas e palavras reconhecíveis, com base num sistema de correspondência som/grafema. Escrita alfabética- sistema de escrita regida pelo princípio alfabético em que cada som da fala, ou fonema, possui uma representação gráfica específica; deste modo, as palavras escritas são sequências de letras que se convencionou representarem sequências de sons específicos. Princípio alfabético- princípio geral subjacente à escrita alfabética que permite a correspondência de sinais gráficos, as letras, a segmentos fonémicos da língua oral Reconhecimento de palavras: identificação automática, rápida e eficiente do significado das palavras. Soletração: .... Atenção: Material de trabalho no âmbito do PNEP. Não é permitida a divulgação.