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O TERRITÓRIO REFORMADO PELO CAPITAL
FINANCEIRO: O CASO DOS ASSENTAMENTOS
RURAIS DA REFORMA AGRÁRIA EM SAPÉ-PB
Rômulo Luiz Silva Panta
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
[email protected]
Ivan Targino Moreira
Universidade Federal da Paraíba – UFPB
[email protected]
INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem por o objetivo compreender o processo de
monopolização do território pelo capital na agricultura camponesa, a partir da ação
territorial do PRONAF, em Assentamentos rurais da Reforma Agrária localizados em
Sapé-PB. Este trabalho é produto da pesquisa do projeto de dissertação do Mestrado em
Geografia, que está em fase de qualificação, sendo desenvolvido pela Universidade Federal
da Paraíba.
O referido projeto de pesquisa buscou atender especificamente os seguintes
objetivos: a) Analisar o processo de monopólio e dependência do território dos
assentamentos ao capital financeiro através da formatação das políticas de crédito que
subordinam e integram os lotes dos assentamentos ao circuito mercantil e subjugando a
renda da terra ao capital; b) Identificar e caracterizar as formas de resistência, recriação e
reprodução camponesa a partir da organização da produção e do trabalho nos lotes dos
Assentamentos; c) Analisar o processo de endividamento dos assentamentos, procurando
identificar as causas do endividamento e d) Compreender a ação territorial e os impactos
(resultados e implicações- autonomia e dependência) sobre a produtividade ocorrida a
partir da aplicação dos créditos de custeio e investimento do PRONAF (Programa Nacional
de Fortalecimento a Agricultura Familiar).
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No que se refere aos aspectos conceituais, se evidenciará os seguintes conceitos:
campesinato, assentamento, resistência, recriação, espaço e território (estes dois últimos se
apresentam para a ciência geografia também como categoria de análise) e monopólio do
território. Sobre o conceito de campesinato, se fará uso das diferentes apreciações as quais
envolvem este conceito. Neste sentido, e em observância aos paradigmas que envolvem
questão agrária e o modo de produção capitalista, a análise conceitual do campesinato
partirá da perspectiva marxista, onde a mesma se orienta por duas concepções diferentes
quanto ao seu futuro com desenvolvimento do capitalismo na agricultura.
Na concepção ortodoxa, o campesinato está em processo de aniquilamento, o
que preconiza o desaparecimento do camponês em detrimento da consolidação de duas
classes sociais no campo, os proprietários e o proletariado. Contudo na concepção
heterodoxa, enfatiza-se a resistência do campesinato ao modo de produção capitalista,
tendo em vista seu desenvolvimento se estruturar de maneira desigual e contraditória,
permitindo a essa classe social se reproduzir a partir de uma lógica diferenciada
concomitante ao modo de produção dominante.
Sobre assentamento, tem-se uma difícil missão quanto sua conceituação dada
sua natureza diversa, que permeia desde o processo de luta pela terra passando pelo
acampamento, e aos diversos processos de luta que envolve tal experiência. O conceito de
assentamento compreende-se como a criação de novas unidades agrícolas, visando o
reordenamento do uso da terra, por meio de políticas governamentais, ou seja, é um
território produto do Estado, diferentemente de seu aspecto inicial de acampamento.
Contudo, optou-se pelo conceito estabelecido a partir de Moreira e Ivan (2013),
que compreendem assentamento como uma “nova territorialidade, onde se estabelecem
novas relações espaciais”, contudo, é “um território dentro de um território maior dominado
pelo capital”, fruto do conflito estabelecido entre classes no espaço agrário. Os autores
ainda acrescentam este território como “lugar de morada, de produção de base familiar, da
policultura”, porém não deixando de haver uma subordinação, como diz Mitidieiro Jr. (2011),
um território de “resistência subordinada”.
No que se refere a espaço, estabeleceu-se os referenciais conceituais a partir de
Lefebvre (2008), que compreende o espaço como um “produto do trabalho e da divisão do
trabalho, a esse título, ele é o lugar geral dos objetivos produzidos, o conjunto das coisas
que o ocupam e de seus subconjuntos, efetuado, objetivado, portanto, funcional”.
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Para o conceito de território, partiu-se da construção de Raffestin e Quani. Esses
autores compreendem o conceito de território a partir da ação contraditória de forças,
emanadas pelas relações de poder.
No que se refere ao monopólio do território, o trabalho traz seu referencial a
partir de Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2000). A conceituação desse referencial se faz sob
a perspectiva do monopólio do território pelo capital. Nessa concepção “o capital
monopoliza o território sem, entretanto, territorializar-se”. (OLIVEIRA, 2000, p. 478-479).
Sobre a concepção de resistência e recriação camponesa, optou-se pela
abordagem realizada por Fabrini (2008), que compreende a resistência camponesa como
“um processo que se expande para além dos movimentos sociais e que também é
influenciado por forças locais materializadas no território”. Esse processo dá suporte à
recriação do campesinato que é fruto do processo contraditório do próprio movimento do
modo de produção capitalista.
MÉTODO E METODOLOGIA
A abordagem metodológica proposta se orientou a princípio de dois tipos de
métodos. Um método de interpretação da realidade frente aos sujeitos e objetos em análise
e o método de pesquisa que se refere à instrução que conduziu os passos metodológicos.
Nesse sentido, entende-se “método como fruto da associação de concepções filosóficas à
ciência”, ou seja, o método é a lente de percepção e investigação adotada pelo pesquisador
para ler e compreender seu objeto em análise.
Aqui se optou pelo materialismo histórico- dialético como método de
interpretação da realidade, fundamentado nos princípios da Geografia de posição crítica.
Este método é eleito tendo em vista que seus recursos e concepções de análise que poderão
prover uma melhor explicação sobre a problemática envolvendo sujeitos, objetos e
fenômenos verificados.
Nessa perspectiva, o materialismo histórico dialético tem como um princípio
básico
“a
ideia
materialista
do
mundo,
reconhecendo
que
a
realidade
existe
independentemente da consciência” (TRIVIÑOS, 1987, p. 50), sendo assim a realidade se
constitui a priori como matéria em si, para depois desenvolver a consciência do que é vivido.
Como método de pesquisa, que é compreendido como a técnica de pesquisa e
leitura do objeto, será utilizado o método etnográfico, amparado nos princípios da
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antropologia. Como instrumento metodológico, será utilizada a pesquisa de campo como
prática que aproximará o objeto da teoria.
Como procedimento metodológico se fez uso do trabalho de campo, que se
materializa como ferramenta que “aproximará o objeto da teoria, pois essa experiência
permite compreender as inter-relações existentes no espaço e no território, enquanto
conceitos chaves da Geografia” (LIMA, 2008, p. 5). Este instrumento orientará uma leitura
concreta material do objeto analisado ultrapassando assim, os referencias conceituais, a
partir da práxis que é estabelecida em decorrência da realização da pesquisa de campo.
Dessa maneira, o trabalho de campo se torna um procedimento de pesquisa
imprescindível, principalmente do ponto de vista da ciência geográfica e das relações que
esta ciência mantém com seu vasto universo de pesquisa.
Ainda na compreensão sobre o entendimento do trabalho de campo, Alentejano
diz:
O trabalho de campo é instrumento chave para a superação dessas
ambiguidades, não priorizando nem a análise dos chamados fatores naturais
nem dos fatores humanos (ou “antrópicos”). O trabalho de campo deve se
basear na totalidade do espaço, sem esquecer os arranjos específicos que
tornam cada lugar, (...) uma articulação particular de fatores físicos e humanos
em um mundo fragmentado, porém (cada vez mais) articulado (ALENTEJANO,
2006, p, 10).
Em continuidade a esta discussão, compreende-se o trabalho de campo, como
leitura concreta material do objeto analisado, sendo estruturado sob o seguinte recorte
escalar, compreende
três assentamentos
rurais da Reforma Agrária localizados em Sapé PB
(Santa Helena, Boa Vista e Rainha dos Anjos), sendo analisada a amostra de 30% do público
assentado que corresponde a cinquenta e cinco famílias. Esses referenciais trouxeram os
resultando que consubstanciaram os objetos resultaram na pesquisa, mesmo que em fase
inicial.
DISCUSSÕES
Os debates sobre a necessidade de soluções para o problema agrário no Brasil
não são recentes. Eles remontam ao século XIX, por ocasião da luta abolicionista (TARGINO,
2002). No entanto, a intensificação desse debate é relativamente recente. Durante os quatro
primeiros séculos de sua história (XVI-XIX), a sociedade brasileira viveu sob a égide
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socioeconômica do modelo agroexportador colonial, que se caracterizou pelas grandes
extensões de terras nas mãos dos latifundiários, sob o conceito de produto capitalizado, o
qual devia gerar receitas e obedecer aos regulamentos capitalistas da produção e
acumulação.
Durante o século XX, “foi preciso que o campesinato se consolidasse como classe
social e se proliferasse enquanto um contingente social expressivo, para que suas
demandas aparecessem elaboradas em forma de teses políticas” e se iniciassem os debates
sobre as condições conjunturais e estruturais de sua reprodução material e de sua ação
política. Neste sentido, “surgiu o embrião dos movimentos sociais que se consolidaram com
o Cangaço, as Ligas Camponesas, e posteriormente, a CPT e o MST” (STEDILE, 2005, p.13).
A partir das pressões dos movimentos sociais e da organização dos
trabalhadores, surgem os Assentamentos rurais, que se constituem como experiências de
luta, de resistência, que se posicionam contra o medo e contra o modelo capitalizado de
tratar a terra como mercadoria. Essas experiências, que antes eram embriões, hoje são
espaços com identidade, conteúdo estrutural e material, bem como imaterial e simbólico,
que produzem alimentos, esperanças e vidas.
Conforme antes já informado a pesquisa se concentra em analisar a ação
contraditória do capital nos Assentamentos Rurais da Reforma Agrária: Santa Helena, Boa
Vista e Rainha, Assentamentos estes constituídos a partir do processo de luta e frente ao
monopólio da terra, todos localizados em Sapé.
O município de Sapé pertence à Mesorregião da Zona da Mata Paraibana, que
compreende uma área de 5.231,0 km² (9,3% do território paraibano) que se estende desde o
Oceano Atlântico até os limites com a Mesorregião do Agreste Paraibano. Faz parte da
Microrregião Sapé que compreende 09 municípios (Sapé, Cruz do Espírito Santo, Mari,
Sobrado, Riachão do Poço, São Miguel de Taipu, São José dos Ramos, Pilar e Juripiranga)
(MELO; RODRIGUES, 2003, p. 9-16). (Mapa 01).
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Mapa 01: Localização do município de Sapé PB
Fonte: adaptado - Pamela Stevens, 201
Sapé limita-se ao Norte com os municípios de Cuité de Mamanguape, e Capim;
ao Sul com Sobrado e Riachão do Poço; a Leste com os municípios de Cruz do Espírito Santo
e Santa Rita; e a Oeste com Marí (RODRIGUÊS, 2001).
Referindo-se aos Assentamentos em questão, os mesmos foram originados em
detrimento do fechamento da Usina Santa Helena, a qual produzia açúcar e álcool, ao
mercado interno e externo. A Usina era integrante do Grupo “CIA. Agro Industrial Santa
Helena (CAIENA)”, concentrador fundiário da região, seu fechamento seu deu em 1993.
“Aponta-se como uma das causas para o fechamento da Usina, problemas de ordem
econômica, devido ao corte de subsídios e incentivos fiscais durante o Governo do
Presidente da República Fernando Collor de Melo (1990-1992)”, atingindo o setor canavieiro,
bem como a Usina supracitada (MOREIRA 1997, p.332). Ou seja, nesse movimento cíclico do
capital estes Assentamentos se terriorializaram e se constituíam como espaço de luta e de
vida.
Entretanto, quando se investiga o processo contraditório que envolve as reais
condições de sua infraestrutura, manutenção, desenvolvimento e reprodução dos
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Assentamentos, percebe-se a essência do problema da subordinação produtiva e territorial
da agricultura camponesa ao capital. Capital este que consegue manter, articuladamente, os
elementos opressores e o lastro de domínios nestes territórios, continuando a extrair a
renda da terra e limitando assim estes territórios enquanto unidades de manutenção e
reprodução social.
Por este prisma, esse trabalho, que se deriva do projeto de pesquisa do
mestrado justifica-se no intuito de procurar compreender a dialética que envolve os
Assentamentos Rurais da Reforma Agrária. Esses Assentamentos que, após o processo de
luta, apropriação e controle territorial, deveriam prover melhores condições e qualidade de
vida para os camponeses, bem como prover a justiça social. Contudo, dadas condições
estruturais e à conjuntura socioeconômica se mostram contraditoriamente limitados.
Nesse sentido, e na tentativa de dirimir estas tensões, o Estado passa a intervir
nestes territórios através de seus programas e políticas públicas, instigando a produção
agrícola de base familiar permitindo sua recriação, a partir da implementação dos seus
programas. Contudo, o Estado, (representa a hegemonia capitalista), através de seus
programas, a exemplo do PRONAF, “não possui ações que visam romper como o padrão de
desenvolvimento agrícola hegemônico produtivista vigente” (GAZOLLA e SCHNEIDER, 2005,
p.6).
O PRONAF surge na década de 1990 como um programa que tinha como
“objetivo promover o desenvolvimento sustentável do segmento rural construído pelos
agricultores familiares, de modo a propiciar-lhes o aumento da capacidade produtiva, a
geração de empregos e a melhoria de renda”, em respostas aos apelos dos agricultores e
manifestações ocorridas na mesma década (PRONAF, 1996, p.01).
No plano teórico, vários intelectuais do porte de Ricardo Abramovay, Maria
Nazareth Baudel Wanderley e José Eli da Veiga envidaram esforços com o objetivo de
fortalecer este programa e a categoria de agricultor familiar, “advogando a importância
econômica do agricultor familiar, sujeito este que até bem pouco tempo fazia parte das
preocupações do Estado, somente de maneira muito tímida. Utilizando principalmente, o
argumento da eficiência produtiva de tais sujeitos” (TOLENTINO, 2013, p. 24). Para dessa
forma, ratificar o quão é produtivista a agricultura familiar e, portanto passível de receber
investimentos.
Sob este plano de compreensão Neves comenta:
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(...) no Brasil, o termo agricultura familiar corresponde estão à convergência de
esforços de certos intelectuais, políticos e sindicalistas articulados pelos
dirigentes da Confederação Nacional dos Trabalhadores na agricultura,
mediante apoio de
instituições internacionais, mais especificamente
a
Organização das Nações Unidades para a Agricultura e Alimentação (FAO) e o Banco
Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD). Consagrado para dar
visibilidade ao projeto de valorização dos agricultores e trabalhadores rurais sob
condições precárias de afiliação ao mercado e de reprodução social, diante de
efeitos da interdependia entre agricultura a indústria e do processo de
concentração da propriedade dos meios de produção no setor agropecuário.
Nessa conjunção de investimentos político, os portavozes de tal projeto fizeram
demonstrativamente reconhecer a racionalidade econômica e social da pequena
produção agrícola; a capacidade adaptativa dos agentes produtivos e novas
pautas éticas de conduta econômica (NEVES, 2007, p. 230) (grifo nosso)
Contudo, o PRONAF continua a financiar o processo de aquisição de tecnologias,
insumos e produtos que foram, em grande parte, responsáveis pelo processo de fragilização
da agricultura familiar camponesa. A sua instrumentalização está voltada ao processo de
mercantilização, não deixando explícito o tipo de fortalecimento que ele quer gerar na
agricultura. Seu pacote de estímulos conduz ao processo de subordinação dos territórios à
ação monopolista do capital sem haver necessariamente sua territorialização, sujeitando,
todavia a renda da terra.
Nessa perspectiva, a pesquisa objetivou-se em analisar o processo de
monopolização do território pelo capital na agricultura camponesa, verificando os processos
de dependência e recriação da agricultura camponesa nos Assentamentos rurais da
Reforma Agrária em Sapé-PB, a partir do PRONAF, levando em consideração a ação
territorial do capital financeiro.
Desta maneira, é propósito desta pesquisa procurar compreender os processos
dialéticos e transformações que ocorrem no interior dos Assentamentos Rurais da Reforma
Agrária em Sapé (PB), analisando as contradições existentes entre capital-trabalho que
subordina e monopoliza as estruturas produtivas e o território a sua lógica de dominação,
mediadas pelo Estado a partir dos seus programas de estímulo à produção agrícola.
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Segundo Oliveira (2004), fazer análise sobre o campo significa mergulhar no
debate político, ideológico e teórico. A pesquisa se orientará sob a perspectiva teórica da
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corrente do Paradigma da Questão Agrária (PQA) 1. Os principais autores que escreveram
obras seminais sobre este paradigma são Kautsky e Lênin.
No debate proposto por este paradigma, encontram-se duas concepções de
análise distintas: “de um lado uma corrente que acredita na inevitável destruição do
campesinato e, do outro lado, os que acreditam na continuidade da existência de relações
não-capitalistas, como as relações camponesas de produção" (CAMACHO, 2011, p. 19).
Neste paradigma são trazidos elementos teóricos como a renda da terra,
monopolização do território pelo capital, a diferenciação econômica do campesinato, a
desigualdade social gerada pelo desenvolvimento do capitalismo e o movimento desigual e
contraditório do capitalismo no campo. Elementos estes norteadores para a compreensão
da problemática pesquisada.
Na ciência geográfica, o Paradigma da Questão Agrária traz em seu bojo o
processo
de
transformação
no
campo
discutido
a
partir
do
processo
de
construção-domínio-controle territorial. Neste sentido, optou-se pelo território como
categoria de análise geográfica. A compreensão de território, aqui proposta, se constrói a
partir de Raffestin, Quani, Moraes e Oliveira. Estes autores trabalham a categoria em análise
a partir do processo contraditório, das relações de poder, uso e dominação de uma porção
apropriada do espaço geográfico. Nesta perspectiva, o território possui funções políticas,
econômicas e culturais, carregando em si identidade e experiência.
Para Moraes (2000), a categoria território está inserida na perspectiva histórica
da relação sociedade e espaço, sendo ele, o território, o elemento de análise que permite a
compreensão de uma totalidade geográfica:
(...) o território é antes de tudo uma escala de análise da sociedade e da relação
sociedade ∕espaço, isto é, um recorte analítico que objetiva uma visão angular
específica da história. Em tal entendimento, o território emerge como uma
totalidade para a geografia, um espaço dotado de historicidade própria que
corresponderia à espacialidade de uma dada “formação econômica social”.
(MORAES, 2000, p. 21).
1
Esta pesquisa se desenvolverá sobre o debate do PQA, contudo, se faz necessário lembrar a existência do PCA
(Paradigma do Capitalismo Agrário), que surgiu na década de 1990 a partir das reflexões de Ricardo Abramovay. “Na
Obra “Paradigmas do capitalismo agrário em questão” (1998), Abramovay aponta que o campesinato tem que buscar
formas de se integrar ao capital para continuar existindo”, transformando-se em agricultores familiares que se
adaptam às exigências do mercado por meio do capital, das relações externas e do progresso técnico. (FERNANDES,
2009, apud CAMACHO 2011).
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Em Oliveira (1999), o território se contextualiza como abordagem referencial de
totalidade, que deve ser compreendido como um processo dialético das transformações das
relações de produção social:
O território deve ser apreendido como síntese contraditória, como totalidade
concreta do processo-modo de produção-distribuição-circulação-consumo e
suas articulações e mediações (...). O território é assim produto concreto da luta
de classes travada pela sociedade no processo de produção de sua existência
(...). Dessa forma, são relações sociais de produção que dão a configuração
histórica específica ao território. Logo o território não é um prius ou um a priori,
mas a contínua luta da sociedade pela socialização igualmente continua da
natureza. (OLIVEIRA, 1999, p.74).
Com base nestas perspectivas, pode-se compreender o território como um
elemento chave para apreensão da totalidade nos estudos em geografia, dado seu princípio
elementar de que todas as relações humanas (construção- desconstrução) sejam nas
instâncias políticas, ideológicas, sociais e econômicas se processam sobre uma base
territorial, sobre a terra. Essas relações estão imbuídas de concepções e significados que
carregam a multidimensionalidade do poder2, que é a característica inerente da categoria
território.
Em continuidade à perspectiva teórica, a pesquisa traz o referencial teórico do
monopólio do território pelo capital a partir de Ariovaldo Umbelino de Oliveira (2000),
referencial este basilar dada à natureza dialética da pesquisa e necessário para o
atendimento dos seus objetivos. Nesta compreensão teórica “o capital monopoliza o
território sem, entretanto, territorializar-se, criando e se recriando, definindo e se
redefinindo nas relações de trabalho e produção camponesa”, sujeitando a renda da terra 3
ao capital. (OLIVEIRA, 2000, p. 478-479).
Oliveira (2000) para fundamentar esta teoria baseia-se na acumulação primitiva
continuada de Rosa Luxemburgo, entendendo que no processo produtivo, “os capitais estão
2
O poder é inerente às relações sociais, que substantivam o campo de poder. O poder está presente nas relações
humanas, das instituições, nas empresas, enfim nas relações sociais que se efetivam na vida cotidiana, visando ao
controle e à dominação. É uma abordagem também multidimensional das relações de poder que se traduz numa
compreensão múltipla do território e da territorialidade. (SAQUET, 2007).
3
Este conceito se dá partir de Ricardo que define renda da terra como a parcela do produto total que fica para o proprietário da terra
depois de pagas todas as despesas, de qualquer tipo, referentes a seu cultivo, inclusive os lucros do capital
empregado, estimados segundo a taxa usual e ordinária de lucro do capital agrícola no período considerado. A renda
da terra é o excedente do preço sobre o que é necessário para pagar os salários do trabalho e os lucros do capital
empregados no cultivo da terra.
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envolvidos em dois processos distintos: na reprodução do capital, através do trabalho
assalariado, e na produção do capital com a sujeição da renda da terra gerada através do
trabalho familiar camponês” (CORREIA, 2011, p. 98).
Por compreensão teórica, a pesquisa procurará entender a problemática da
ação monopolista do capital industrial, comercial e financeiro no território, que se apropria
da fragilidade estrutural dos Assentamentos do ponto de vista da produção e das relações
de trabalho, subordinando-as aos seus interesses e a sua lógica de dominação.
Logo se faz necessário colocar que, o território em evidência, trata-se do
território capitalista, onde permanecem as relações de dominação, subordinação e
espoliação. Neste sentido, os Assentamentos em discussão se constituem como uma fração
deste território apropriada e controlada pelos camponeses, porém, permanecem
subordinados à lógica capitalista e, ao monopólio da terra.
Contudo, apesar do processo de monopolização do território pelo capital, o
capitalismo não transforma, necessariamente, todas as relações sociais em relações
capitalistas de produção, ou seja, não irão transformar todos os camponeses em pequenos
capitalistas, agricultores profissionais, que adquirem a fisionomia impessoal de agente de
mercado.
Neste sentido, para que se possa explicar o que está acontecendo no campo
atualmente, é necessário entender como é o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e
quais são suas estratégias para a acumulação do capital. Optou-se então, pela corrente que
compreende o desenvolvimento do capitalismo no campo a partir da teoria do
desenvolvimento
desigual
e
contraditório.
Neste
prisma,
compreende-se
que
o
desenvolvimento do “capitalismo para se recriar de forma ampliada permite a existência de
relações não tipicamente capitalistas, para assim garantir sua reprodução” (OLIVEIRA, 2004,
apud CAMACHO, 2011, p. 25).
O desenvolvimento do modo capitalista de produção, “para garantir sua
expansão” mantém alguns traços “produtivos não capitalistas particularmente em sua etapa
monopolista, onde ele cria, recria e domina estas relações não capitalistas de produção”
(OLIVEIRA, 1987, p.12). Ou seja, utiliza-se deste arranjo como uma reserva para prover a
reprodução do capital. Camacho concorda com a posição de Oliveira, ao afirmar: “Por isso,
acreditamos na tese de que o processo de desenvolvimento do modo de produção
capitalista no território brasileiro é contraditório e combinado e /ou desigual e contraditório”
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(CAMACHO, 2011, p. 25).
Por esta perspectiva, e em atendimento aos objetivos da pesquisa, se pretende
analisar o Programa de Fortalecimento a Agricultura Familiar (PRONAF 4), no intuito de
entender as contradições derivadas a partir da implementação deste programa, que
originalmente inaugurou um marco histórico da intervenção do Estado na agricultura
brasileira. “Programa este que foi criado e direcionado aos agricultores familiares, por se
apresentam como uma categoria social específica, reconhecida e legitimada pelo Estado,
categoria esta, até então, alijada das políticas públicas” (GAZOLLA e SCHNEIDER, 2005, p. 3).
Entretanto, quando se parte para análise das contradições pertinentes ao
programa, no sentido de compreender em que medida ele está contribuindo para o
fortalecimento
da
produção
familiar,
principalmente
para
a
produção
de
autoprovisionamento para a reprodução do homem do campo, enquanto agricultor familiar
camponês percebe-se que:
(...) o programa não possui ações que visam romper com o padrão de
desenvolvimento agrícola hegemônico instaurado, ou seja, ele continua a
reforçar o processo de desenvolvimento produtivista vigente. Neste sentido, o
pronaf continua a financiar o processo de aquisição de tecnologias, insumos e
produtos que foram em grande medida, responsáveis pelo processo de
fragilização da agricultura familiar. Assim, o PRONAF exacerba o processo de
mercantilização e de externalização junto aos agricultores familiares (GAZOLLA e
SCHNEIDER, 2005, p. 6).
Por este prisma, compreende-se o programa como uma proposta de Estado em
fomentar uma política agrária assentada na lógica das correntes teóricas que defendem a
viabilidade da agricultura familiar articulada ao mercado financeiro e comercial e, baseada
no incentivo ao progresso técnico. Esta corrente foi influencia pelas ideias de Abramovay e
advém da matriz teórica do Paradigma do Capitalismo Agrário (PCA), corrente esta que se
estrutura na compreensão de que o desaparecimento dos camponeses seria previsto pela
metamorfose em agricultores familiares, onde “o ambiente no qual se desenvolve a
agricultura familiar contemporânea é exatamente aquele que vai asfixiar o camponês,
obrigá-lo a se despojar de suas características constitutivas”. (ABRAMOVAY, 1998, p. 131).
4
O PRONAF surge como uma política pública com ações voltadas para dar suporte à agricultura familiar, criada pelo
Decreto Presidencial nº 1.946 de 28 de junho de 1996, durante o primeiro governo do ex- Presidente Fernando
Henrique Cardoso.
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Contudo, quando a análise se debruça a compreender a ação territorial e os
impactos no que se refere aos resultados e as implicações (autonomia e dependência) sobre
a produtividade ocorrida a partir da aplicação dos créditos de custeio e investimento do
PRONAF, percebe-se que há um processo de reprodução do “campesinato como uma forma
social não plenamente capitalizada, embora a lógica, seja capitalista” (OLIVEIRA, apud
ALMEIDA, 2003, p.75).
Esta reprodução se dá a partir da subversão da lógica produtivista de mercado.
Neste sentido, o processo de subversão é compreendido a partir da destinação que é dada
ao crédito, que é redirecionado aos interesses e as necessidades na unidade familiar. Ou
seja, enquanto o desenho do programa prevê que a aplicação dos recursos será voltada à
perspectiva de mercado sob o modelo da especialização produtiva, a práxis se processa de
maneira controversa.
Na realidade, a aplicação destes recursos está sendo conduzida para o
atendimento das aspirações e das necessidades da unida familiar. São utilizados tanto para
dar sustentação às atividades produtivas, quanto para financiar itens do consumo familiar,
tais como aquisição de eletrodomésticos. Na prática, os camponeses subvertem a lógica
produtivista do Programa ao ampliar a sua utilização de modo a atender também às
necessidades de consumo familiar. Apesar das restrições impostas pelo Programa, os
camponeses fazem prevalecer à lógica da sua organização interna, onde o consumo da
família ocupa uma posição estratégica. Pode-se falar, então, os camponeses assentados têm
em vista a criação e recriação das condições que garantem a reprodução do grupo familiar e
não a busca do lucro, conforme orientação do Programa.
Para o entendimento deste processo contraditório, buscou-se compreensão a
partir da vertente teórica que se orienta pelas ideias de Rosa Luxemburgo (1985) e
Chayanov (1981). Estes autores compreendem o campesinato dentro do desenvolvimento
do capitalismo por outro prisma. Esta corrente do marxismo heterodoxo preconiza que o
desenvolvimento do capitalismo no campo, contraditoriamente, é responsável pela criação e
recriação de relações não tipicamente capitalista de produção. É neste sentido que se está
sendo pensado o processo de resistência, recriação e reprodução camponesa nos
interstícios do modo de produção capitalista.
Em Rosa Luxemburgo este processo se compreende a partir dos “espaços
vazios”, deixados por Marx onde:
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(...) a acumulação de capital é o processo de troca de elementos que se realiza
entre modos de produção capitalistas e os não capitalistas. Sem estes modos, a
acumulação de capital não pode efetuar-se. Sob este prisma, ela consiste na
multiplicação e assimilação dos mesmos, e daí resulta que a acumulação do
capital não pode existir sem as formações não-capitalistas, nem permite que
estas sobrevivam a seu lado. (...) O processo de acumulação tende sempre a
substituir onde que seja, a economia natural pela economia mercantil simples,
esta pela economia capitalista, e esta pela economia capitalista, levando a
produção capitalista – como modo único e exclusivo de produção – domínio
absoluto em todos os países e ramos produtivos. E é nesse ponto que começa o
impasse. Alcançando o resultado final – que continua sendo uma simples
construção teórica -, a acumulação torna-se impossível: a realização e
capitalização da mais-valia transformam-se em tarefas insolúveis. No momento
que o esquema marxista corresponde, na realidade, à reprodução ampliada, ele
acusa o resultado, a barreira histórica do movimento de acumulação, ou seja, o
fim da produção capitalista. A impossibilidade de haver acumulação significa, em
termos capitalistas, a impossibilidade de um desenvolvimento posterior das
forças produtivas e, com isso, a necessidade objetiva, histórica, do declínio do
capitalismo (LUXEMBURGO, 1985, p. 285).
Na sua obra “Sobre a teoria dos sistemas econômicos não capitalistas” (1981),
Chayanov fundamenta sua análise sobre o funcionamento econômico das unidades
camponesas russas, afirmando que a lógica da organização das unidades camponesas de
produção (que se dá pelo equilíbrio interno entre trabalho e consumo), não pode assim ser
entendida a partir do cálculo capitalista do lucro. Neste sentido, ele considera que o
campesinato desenvolve uma “forma de produzir” de maneira distinta, tipicamente não
capitalista. É exatamente pela busca do equilíbrio entre trabalho e consumo no seio da
unidade camponesa, através das relações de produção e de trabalho que lhe são
características, que ela consegue coexistir e se recriar no capitalismo (CHAYANOV 1981).
A pesquisa pretende compreender o processo de recriação do campesinato a
partir das formas de resistência que se dá na organização da produção e do trabalho, onde
as relações capitalistas de produção dialogam com as relações não capitalistas para
completar o ciclo reprodutivo do capital.
RESULTADOS PARCIAIS
A pesquisa que originou este trabalho ainda se encontra em fase inicial no que
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refere à compreensão da problemática estudada, que compreende o processo de
monopolização do território pelo capital financeiro. Até o momento, foram efetuadas
apenas duas entrevistas e três visitas ao campo. A primeira entrevista foi dirigida ao Banco
do Nordeste, o agente de estado responsável pela administração do crédito e inserção do
PRONAF. A outra entrevista foi realizada com as lideranças dos Assentamentos pesquisados.
Outro procedimento de continuidade da pesquisa compreendeu pesquisa e coleta
documental efetuada aos dois sujeitos já mencionados. Com estes elementos conseguiu-se
apanhar os seguintes resultados prévios:
A autonomia produtiva é sensivelmente comprometida face o direcionamento e
a formatação na aplicação do crédito. Ou seja, o que plantar ainda é determinado, limitado e
ofertado institucionalmente. Logo nem sempre o projeto implantado corresponde aos
interesses e aprendizados acumulados dos camponeses, esse aspecto identificado dilui a
proposta participativa do PRONAF.
Outro aspecto é a articulação institucional, onde o banco busca cumprir apenas
metas financeiras. Ou seja, o território é reformado eminentemente aos interesses de
mercado e não as necessidades de sobrevivência do camponês assentado.
A aplicação dos recursos é totalmente atrelada aos grandes oligopólios do setor
agropecuário que fornecem os insumos e os defensivos agrícolas. Este processo se dá de
maneira encadeada com a norma institucional do agente de crédito que direciona a
aplicação dos recursos ao cumprimento dos padrões fundamentados a lógica produtivista
de mercado. A ruptura com esta lógica decorre na interpelação do crédito e
consequentemente na perda de programas assistenciais como o seguro safra e bolsa
família. Neste sentido, os recursos são pulverizados pelas exigências institucionais
resultando nas seguintes situações, a seguir observadas:
Na pesquisa documental foi percebido que 95% dos assentados já contraíram o
teto do valor do crédito ofertado pelo programa. Ou seja, os assentados estão maciçamente
endividados, contudo sem haver o tão propagandeado (de)senvolvimento. Outro ponto
tocante refere-se ao nível de inadimplemento, 82% dos assentados estão em condições de
inadimplência vetando a possibilidade de novos créditos em toda rede financeira e lojista do
país.
Desta maneira, a produção se orienta de forma deficitária e subordinada as
condições do programa, onde suas propostas de estruturação produtivista e de
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rentabilidade na prática se desintegram dada a situação de precariedade produtiva
implantada de forma maquiada nos assentamentos pelo programa, dada sua ação e
intenção produtivista incompatível com as reais condições e necessidades camponesas.
Concretamente, tomando por base os elementos até aqui observados, a pesquisa começa a
sinalizar a ocorrência dos processos de subordinação e monopolização do território a ação
do capital.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esse trabalho partiu de uma reflexão acerca das contradições que evolvem o
espaço agrário nordestino, sendo aqui evidenciado especificamente o espaço agrário da
Zona da Mata paraibana compreendendo três Assentamentos Rurais da Reforma Agrária
em Sapé PB. As análises partem das representações de desenvolvimento que envolve o
PRONAF enquanto uma política pública e um programa de crédito, sua ação no territorial e
os usos que os camponeses fazem desse programa a partir da prática.
Conforme apontaram os resultados prévios da pesquisa in locun, o PRONAF faz
parte de um pacote fechado de políticas neoliberais estabelecidas no Governo de Fernando
Henrique Cardoso, sendo ampliado pelos governos do PT (Partido dos Trabalhadores) a
partir das diversas linhas de crédito, no sentido colocar a agricultura camponesa de
produção familiar no circuito da economia mercantil mundializada, com isso combater os
movimentos sociais rurais e mascarar a questão agrária dificultando, ou mesmo, impedindo
a Reforma Agrária.
O PRONAF conforme Tolentino (2013, p. 57), foi pautado no “modelo de
desenvolvimento pós-fordista de acumulação flexível tal como proposto no capitalismo”, o
que pressupõe uma estrutura originada nos “países dominantes que pode ser
compreendida como veiculadora de representações que pressupõem uma dominação”.
Foram estes modelos, que para continuar a reproduzir o capital, tiveram de ir ao
mundo, como uma norma que, ao mesmo tempo em que é impositiva, só se faz
a partir do convencimento. Modelos de desenvolvimento são, na nossa
compreensão, não apenas a forma como o capitalismo opera estruturalmente
nos níveis econômicos e político, mas portam também representações que o
justificam. Enfim, os modelos de desenvolvimento hegemônicos guardam as
formas ideológicas pelos quais o capital tenta convencer que é o melhor
caminho (TOLENTINO, 2013, 57).
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Dessa maneira, o programa que ora foi criado para substabelecer às
necessidades dos camponeses, quanto a sua aplicação, na verade, subordina o campesinato
as amarras do capital. Sua real proposta se dá de maneira linear, subjulgando o território e
terra de trabalho aos interesses do capital.
No processo de obtenção dos financiamentos, os camponeses se inserem no
processo de metamorfização sob a perspectiva do agente de mercado, integrados ao
circuito mercantil. Esse processo de se dá através da ação articulada entre as políticas de
Estado, os agentes financeiros e os oligopólios internacionais.
Cada financiamento, seja do tipo custeio e ou investimentos, possui tramites das
liberações dos recursos que estão atrelados às exigências de mercado, subordinando os
camponeses aos interesses de uma cadeia produtiva, criada e estabelecida pelo Estado e
pelos oligopólios do setor agrícola internacional.
Os recursos tem periodicidade semestral quanto sua aplicação. As liberações se
dão para determinadas de culturas, as que estejam integradas na cadeia produtiva e não as
culturas conhecidas e já trabalhadas de forma habitual pelo camponês e sua família, não
havendo possibilidades de mudanças por parte do agente financeiro, com a justificativa de
evitar possíveis “riscos” nos processos de produção e comercialização.
Conforme pesquisa efetuada ao Banco do Nordeste, caso o “agricultor familiar”
que não se integre a este processo, o recurso não é aplicado e, devolvido a Estado, pois
segundo o agente de crédito, os estudos de racionalidade e viabilidade econômica indicam
uma ineficiência produtiva e, classifica como cultura de risco. Tal essência veta as
possibilidades de recriação camponesa a partir do programa e subordina o território aos
interesses do capital, numa espécie de desumanização posta pela tentativa de
“economicizar”.
Isso demonstra que o PRONAF cada vez mais se orienta atrelado ao mercado,
com racionalidade empresarial, “na tentativa de produzir um homo economicus, ignorando
que os camponeses não dirigem empresas e sim reproduzem seu habitar, que não é
estático e, sim construído a partir de um habitus”. (TOLENTINO, 2013, p. 229).
Ainda se tratando dos financiamentos, pôde-se perceber que as parcelas das
liberações estão vinculadas a aquisição compulsória dos pacotes de tarifas bancárias, dos
serviços, seguros, títulos de capitalização, tendo sua sequência vinculada ao cumprimento
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dessas exigências, ou seja, ao pagamento compulsório das tarifas bancárias.
Em verificação a esse processo de liberação dos recursos, percebeu-se que cada
parcela liberada está associada à aquisição de aplicação de adubos, intensivos agrícolas de
grupos oligárquicos como a Syngenta e Monsanto, com o pretexto de melhorar as condições
das lavouras, contudo não fornecem ou admitem práticas de melhoramento agrícola
alternativas, baseadas no conhecimento camponês e/ou na agroecologia.
Dessa maneira, mais uma vez, o território e agora o processo de produtivo do
campesinato está subordinado e subsumido pelo capital, pois as outras parcelas dos
recursos só se concretizam com a apresentação das notas ficais de aquisição dos
implementos agrícolas e do cumprimento das exigências dos fiscais do banco. Caso a
fiscalização do banco verifique incorreções nestes tramites, o fiscal interpela o projeto e
prejuíza5 o financiamento.
Nesta situação o camponês para se adequar as exigências do PRONAF que são
as mesmas do circuito mercantil, subjulga a renda da terra aos bancos e compromete sua
condição financeira, pois os mesmo tem que efetuar os pagamentos das parcelas ou
pagamento inteiro do financiamento como no caso dos custeios, caso contrário, todo seu
investimento, todo seu trabalho é subtraído aos ditames do capital financeiro.
Nesse sentido, conforme a lógica e as necessidades camponesas são reversas e
não se adequarem a esta modalidade de crédito, os níveis de prejuízamento e inadimplência
ultrapassam os 85%, inviabilizando a vida financeira do camponês e consequentemente, na
prática, impossibilitando o tão propalado desenvolvimento proposto pelo programa.
Neste sentido, nos cabe colocar aqui uma discussão. Quando se trata de
inadimplemento e endividamento, existe em toda região os discursos ocultos; as
resistências silenciosas que resultam do habitus dos camponeses, no sentido de
entenderem o PRONAF como recursos a fundos perdidos, ou em alguns assentamentos a
partir dos discursos mais politizados, o não pagamento se dá pela espera do perdão da
dívida. Tais elementos levam conforme já encontrado na pesquisa um elevado percentual de
inadimplemento e endividamento.
Contudo, contrariando os discursos que emergem e se espacializam no
5
O termo prejuízar significa a ação do agente financeiro (banco) em vetar as liberações futuras do financiamento e
contabilizar a operação financeira como vencida sendo corrigida a indexações de juros de atraso e mora, bem com,
exige o imediato pagamento. Caso contrário, a operação financeira é notificada e encaminhada ao registro do
SERASA, bloqueando o CPF do Assentado e possíveis créditos futuros em outras instituições bancárias, ou mesmo no
comércio.
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município de Sapé. O endividamento e o não pagamento, em sua maioria, se dão pela
situação da própria existência camponesa. Sua produção é destinada a manutenção
familiar, sua preocupação é com presente, com o futuro inserto e não com o futuro
abstrato, derivado de um pensamento empresarial.
No contrário se sua produção fosse destinada ao pagamento da dívida, ele teria
a renda da terra, seu trabalho, seu habitus subsumido ao capital. Tendo em vista que para
sanar a situação de inadimplente o camponês teria que destinar todo resultado da
produção ao pagamento das dívidas, para evitar seu bloqueio financeiro, ou se endividar
cada vez mais, na tentativa de conseguir ergue-se e tentar se colocar em situação de
adimplência. Contudo, suas necessidades vitais não se encaixam em tal lógica produtivista,
si trabalha todo dia, para si ter o comer todo dia.
Desta maneira, os níveis de inadimplemento e, de endividamento, não são
propositais ou orientados por um discurso, que até existe, más são, resultado da própria
formatação do programa e, sobretudo táticas de sobrevivência simples do campesinato.
“Comer e viver ou, pagar e tentar sobreviver”.
Tal compreensão se fundamenta a partir da análise das racionalidades
estabelecidas entre o PRONAF e os camponeses. O PRONAF obedece à racionalidade de um
cálculo empresarial, tomando por sujeito o homo economicus, o que demarca as distâncias
em relação a grande parte do seu público-alvo. Os camponeses por sua vez estão imbuídos
em uma lógica das previdências do que das previsões empresariais. O cálculo camponês se
funda na experiência, naquilo que foi passado por gerações, num saber-fazer (cf.
Woortmann e Woortmann, 1997).
Ainda na compreensão desenvolvimentista do programa compreende-se que o
mesmo é fruto das relações de um Estado capitalista e das alianças estabelecidas para
manutenção do mesmo, portanto, todos pseudobenefícios estão atrelados ao atendimento
dessas alianças, com os grupos, incorporações e oligopólios que sustentam o capitalismo.
Nesse caso:
(...) por mais vantajoso que possa parecer um determinado investimento em que
o uso do capital resulte em aumento de ganhos, isso não representa,
necessariamente, um estímulo para o camponês. Ele não trabalha com o
princípio capitalista de valorização do capital e, sim, com uma análise do
balanço-consumo que é subjetiva porque baseada nas necessidades da família
(PAULINO E ALMEIDA, 2010, p. 36-37).
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Contudo, em contramão a todo esse processo as táticas de recriação
camponesa, continuam a existir, isso dado a grande capacidade de resistir e graças a grande
arte de saber sobreviver. O que para o programa e para o agente financeiro é entendido
como transgressão, para o camponês é o atendimento emergencial de suas necessidades,
como, por exemplo, subverter a ordem formal do programa, mudar o destino dos recursos,
a cultura a ser plantada dada a época agrícola, a quantidade de chuvas, ao tipo de solo, a
quantidade de mão de obra e de pessoas a alimentar.
James Scott comenta em “As armas dos fracos”, como os camponeses se utilizam
das táticas de resistência e da desordem para se apropriarem da sua ordem, da sua lógica
existencial para poder sobreviver, fazer frente ao dominador e continuar a lutar. Segundo
Scott, até mesmo uma leitura casual da “literatura sobre desenvolvimento rural propicia
uma rica colheita de esquema e programas governamentais impopulares levados à extinção
pela resistência passiva do campesinato” (SCOTT, 2011, p. 4).
Nesta situação:
(...) entende-se que a equação do desenvolvimento seja frequentemente
reduzida a um jogo de soma zero. Como mostrou este estudo, os vencedores
desses jogos não são sempre, de modo algum, os dirigentes. O camponês (...) é
dificilmente um herói, na perspectiva do pensamento corrente sobre
desenvolvimento, mas ele frequentemente derrotou as autoridades por meio do
uso de suas habilidades para enganar (HYDEN, 1980, p. 231 apud SCOTT 2011, p.
4).
Dessa maneira, compreende-se a proposta de Luxemburgo, onde o modo de
produção capitalista dominante, subordina, monopoliza se subordina da renda da terra,
mais não aniquila todas as formas de produção não capitalistas, pois necessita delas para
reproduzir o capital. O processo de resistência desses segmentos se faz tão necessário
quanto, para haver a reprodução ampliada do capital, pois mesmo ocorrendo de forma
subordinada garante a reprodução, portanto, se faz necessária dada sua apropriação pelo
modo de produção dominante, pois essas são umas das características basilares do modo
de produção capitalista. Contudo, as formas de produção e sociedades não capitalistas,
resistem, e, reinventam o controle social para além do capital. Essa resistência será maior
compreendida a partir dos avanços da pesquisa.
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O TERRITÓRIO REFORMADO PELO CAPITAL FINANCEIRO: O CASO
DOS ASSENTAMENTOS RURAIS DA REFORMA AGRÁRIA EM SAPÉ-PB
EIXO 2 – Dinâmicas e conflitos territoriais no campo e desenvolvimento rural
RESUMO
Os debates sobre a necessidade de soluções para o problema agrário no Brasil não são recentes.
Eles remontam ao século XIX, por ocasião da luta abolicionista (TARGINO, 2002). A partir das
pressões dos movimentos sociais e da organização dos trabalhadores, surgem os Assentamentos
rurais, que se constituem como experiências de luta, de resistência, que se posicionam contra o
medo e contra o modelo capitalizado de tratar a terra como mercadoria. Entretanto, quando se
investiga o processo contraditório que envolve as reais condições de sua infraestrutura,
manutenção, desenvolvimento e reprodução, percebe-se a essência do problema da
subordinação produtiva e territorial da agricultura camponesa ao capital. A pesquisa objetiva
analisar o processo de monopolização do território pelo capital na agricultura camponesa,
verificando os processos de dependência e recriação da agricultura camponesa nos
Assentamentos rurais da Reforma Agrária em Sapé-PB, a partir do PRONAF, levando em
consideração a ação territorial do capital financeiro. No tocante à metodologia, a proposta se
orientará pelo materialismo histórico e dialético como método de interpretação da realidade que
leve em consideração a interação entre os sujeitos e os objetos da análise. O recorte escalar
compreende quatro assentamentos rurais da Reforma Agrária localizados em Sapé-PB (Santa
Helena, Boa Vista e Rainha dos Anjos), sendo analisada a amostra de 30% do público assentado
que corresponde a cinquenta e cinco famílias. A pesquisa ainda se encontra em fase de
qualificação. Até o momento percebeu-se que a autonomia produtiva é sensivelmente
comprometida face o direcionamento e a formatação na aplicação do crédito. Ou seja, o que
plantar ainda é determinado, limitado e ofertado institucionalmente. Logo nem sempre o projeto
implantado corresponde aos interesses e aprendizados acumulados dos camponeses, esse
aspecto identificado dilui a proposta participativa do PRONAF. Outro aspecto é a articulação
institucional, onde o banco busca cumprir apenas metas financeiras. Ou seja, o território é
reformado eminentemente aos interesses de mercado e não as necessidades de sobrevivência
do camponês assentado.
Palavras-chave: território; capital; assentamento.
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Romulo Luiz Silva Panta, Ivan Targino Moreira