Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães Approach to the relationships between design and national identity in Lina Bo Bardi and Aloísio Magalhães Anastassakis, Zoy; Mestre; PPGAS-MN/Universidade Federal do Rio de Janeiro [email protected] Resumo Investigo nas produções intelectuais de Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães como são articuladas as possibilidades de vinculação entre design e identidade nacional brasileira. Acredito que Lina e Aloísio podem ser entendidos como dois dos principais articuladores de uma ‘outra vertente’ do design nacional, que propõe alternativas à corrente concretista/ulmiana inspiradora da instituição do design no país. Observando como suas propostas são re-apropriadas hoje nos campos do design e da arquitetura, analisando contrastivamente suas produções discursivas e pesquisando sobre o quadro contextual onde ambos atuaram, pretendo contribuir para o adensamento das reflexões sobre as possibilidades para o design no Brasil. Palavras Chave: Lina Bo Bardi, Aloísio Magalhães, design, identidade nacional. Abstract I analize how the intellectual productions of Lina Bo Bardi and Aloísio Magalhães articulates the possibilities of linking design and brazilian national identity. I think Lina and Aloísio can be understood as two of the main sponsors of an ‘other side’ of national design, which proposes alternatives to the concrete/ulmian approach that inspired the design institution here. Watching how their proposals are re-appropriated today in the fields of design and architecture, analyzing and contrasting their discursive productions, and researching the contextual framework where both worked, I intend to contribute to the densification of the reflections on the brazilian design. Keywords: Lina Bo Bardi, Aloísio Magalhães, design, national identity. Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães Introdução Em minha pesquisa para o doutoramento, em desenvolvimento no Programa de PósGraduação em Antropologia Social do Museu Nacional, UFRJ, proponho uma reflexão sobre as possibilidades de vinculação entre design e identidade nacional brasileira, a partir da análise dos discursos e das trajetórias profissionais de Lina Bo Bardi 1 e Aloísio Magalhães 2. As questões que discuto surgem a partir de um interesse mais amplo em examinar as relações possíveis entre design e sociedade no Brasil, e, também, entre design e uma reflexão sobre o país. A partir deste interesse desenvolvi minha dissertação de mestrado (Anastassakis, 2007). Tendo iniciado aquela pesquisa em função de um interesse específico pelo designer Aloísio Magalhães, a partir de um primeiro levantamento bibliográfico e de entrevistas com pessoas ligadas a ele, pude perceber a complexidade e amplitude de sua presença para além do âmbito específico do design, mais especificamente no que tange à sua atuação na área de políticas culturais. Buscando aprofundar a pesquisa sobre sua atuação na área, deparei-me com o Centro Nacional de Referência Cultural (CNRC), órgão criado por Aloísio, em Brasília, em 1975. Pesquisando sobre o órgão, notei que a literatura corrente considera o CNRC como o embrião, ou o ‘lócus de experimentação’, das propostas que Aloísio levou para a esfera oficial em 1979, ano em ele que foi nomeado presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Percebendo a reincidência da classificação das políticas públicas de preservação do patrimônio cultural no Brasil em duas fases, a ‘heróica’ e a ‘moderna’, e a afirmação reiterada e unânime de que o ano de 1979 seria o marco divisor entre elas, questionei o que teria feito desse ano “o ano”. Nas narrativas sobre a trajetória das políticas de patrimônio cultural brasileiras – tanto as oficiais, quanto as produzidas pela academia – 1979 marca o momento em que o CNRC foi 1 Achillina Bo Bardi nasceu em Roma, na Itália, em 1914. Arquiteta, designer, cenógrafa, editora, ilustradora. Em 1946, após o fim da guerra, casou-se com o crítico e historiador da arte Pietro Maria Bardi, com quem viajou para o Brasil - país no qual o casal decidiu se fixar. No ano seguinte, P. M. Bardi foi convidado pelo jornalista Assis Chateaubriand a fundar e dirigir o Museu de Arte de São Paulo - MASP. Lina projetou as instalações do museu. Em 1948, ela fundou o Studio d'Arte Palma, voltado à produção manufatureira de móveis de madeira compensada e materiais "brasileiros populares", como a chita e o couro. Em 1951, junto ao marido fundou o Instituto de Arte Contemporânea, sediado no MASP. O IAC – considerado como a primeira experiência de ensino das artes voltadas para o contexto industrial no Brasil – funcionou por apenas dois anos. Em 1958, Lina transferiu-se para Salvador, convidada a dirigir o Museu de Arte da Moderna da Bahia - MAM/BA. Na capital baiana, organizou o Museu de Arte Popular do Unhão (1963) e o Centro de Estudos sobre o Trabalho Artesanal. Em 1962, idealizou a Escola de Desenho Industrial e Artesanato, projeto nunca realizado. Faleceu em São Paulo em 1992. 2 Aloísio Magalhães nasceu em Recife, Pernambuco, em 1927, pertencente a uma uma família de políticos - seu tio Agamenon Magalhães foi interventor de Getúlio Vargas em Pernambuco. Graduou-se em Direito. Trabalhou durante anos como artista plástico. Em 1954, fundou em Recife o “Gráfico Amador”, mistura de atelier gráfico e editora. Em 1960, montou no Rio de Janeiro aquele que viria a ser o mais importante escritório de design de sua época. Trabalhou para clientes particulares mas também para diversas empresas estatais, desenvolvendo projetos de grande porte, tais como as cédulas do cruzeiro e as identidades visuais da Petrobras, da Light, do Banco Central, da Caixa Econômica Federal e da Bienal de São Paulo. Em 1962, participou da fundação da Escola Superior de Desenho Industrial, onde lecionou durante alguns anos. Em 1975, criou em Brasília o Centro Nacional de Referência Cultural, órgão de pesquisa e ação em cultura popular. Em 1979, foi nomeado presidente do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Em sua gestão, realizou-se uma reformulação do Instituto e de suas políticas de preservação do patrimônio cultural. Em 1981, Aloísio foi nomeado Secretário de Cultura do MEC. Faleceu na Itália em 1982. 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães fundido ao Iphan, que, em seguida, foi desmembrado em Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Sphan) e Fundação Nacional Pró-Memória (FNpM). Assim, naquelas narrativas, o Centro surge como mais um episódio da trajetória das políticas oficiais de patrimônio cultural, vinculadas, desde 1937, ao Iphan e, por extensão, ao Ministério de Educação e Cultura (MEC). Contudo, conforme aprofundava as leituras sobre o tema, tal inserção do CNRC na trajetória das políticas de preservação cultural nacional soava como uma indexação não errônea, mas forçada, feita a posteriori. Quando tive acesso aos documentos produzidos pelo Centro, percebi que sua proposta era outra, desvinculada, a princípio, das questões que regiam o campo do patrimônio cultural. A partir de tal constatação, decidi ensaiar um movimento diverso do seguido pela literatura corrente, no que tange à reflexão sobre o Centro Nacional de Referência Cultural. Considerei retirá-lo do quadro das políticas públicas de preservação cultural, e pesquisar, dentro do material produzido pelo CNRC, as justificativas de sua criação. Então, na pesquisa de mestrado, ensaiei uma revisão da versão consagrada, ou seja, uma desnaturalização do local já ‘cativo’ onde o CNRC foi ‘colocado’ pela literatura corrente. O que questionei foi o modo apriorístico como alguns autores inseriram o CNRC nas políticas oficiais de preservação do patrimônio cultural nacional. Se ele foi ‘catalogado’ como pertencente a essa política, uma vez que, efetivamente, foi incorporado por ela em 1979, sendo definido, então, como de dentro, sugiro que ele não se propunha como tal, e, portanto, observei como ele se constituiu, de fora da esfera oficial de preservação cultural. Acredito que o CNRC estabeleceu vinculações mais íntimas com outras áreas, tanto políticas quanto teóricas. Sua fusão com o Iphan, que veio a modificar, de fato, o modo como se pensa e se pratica a preservação cultural a nível oficial no Brasil, parece ter sido mais uma saída política circunstancial encontrada pelo grupo, que estava confrontado com a necessidade de institucionalização definitiva, do que um planejamento cultivado e realizado em função de estritas afinidades temáticas. As questões que os pesquisadores do CNRC levantavam tinham uma vinculação mais imediata com os temas do desenvolvimento - e de sua relação com a cultura, que, por sua vez, era compreendida a partir de sua ligação com o contexto de onde ela emerge; da tecnologia – e dentro desse tópico, com o que era denominado de ‘tecnologia patrimonial’ (ou ‘prototecnologia’, ou ‘pré-design’), vinculado a um questionamento da ciência e de suas possibilidades em um país tropical e subdesenvolvido; da produção e da dinâmica cultural; de uma compreensão do papel de Brasília no contexto nacional; e, por fim, do design – profissão de origem de Aloísio Magalhães - como responsabilidade social, ou seja, do compromisso de construção de um desenho projetivo para o Brasil. Entendo então que a visão político-cultural levada para o Iphan com a fusão do CNRC era, de fato, mais comprometida com uma visão de futuro do que com uma estrita preservação do passado. Vale ressaltar que isso não significa dizer que na visão de Aloísio o passado não devesse ser considerado. Utilizando a metáfora do bodoque, ele dizia que a previsão ou a antevisão da trajetória de uma cultura é diretamente proporcional à amplitude e profundidade de recuo no tempo, do conhecimento e da consciência do passado histórico. Da mesma maneira como, por analogia, uma pedra vai mais longe na medida em que a borracha do bodoque é suficientemente forte e flexível para suportar uma grande tensão, diametralmente oposta ao objetivo de sua direção (Magalhães apud Leite, 2003: 11). Entendendo a produtividade de compreender as questões que nortearam a proposta de um órgão como o CNRC para além dos limites da área de preservação do patrimônio cultural, 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães investi em um movimento diferente daquele realizado até então: se a literatura sobre o patrimônio cultural no Brasil tenta trazer para dentro da trajetória das políticas públicas de preservação cultural a experiência do CNRC, ensaiei o exercício contrário. Tentando seguir a pista encontrada nos documentos de dentro, experimentei observá-lo de fora da trajetória do patrimônio cultural no Brasil, buscando lançar um olhar sobre a sua experiência enquanto algo que teve início, meio e fim, e uma inserção específica em um dado contexto histórico, em um diálogo aberto com diversas áreas e questões. Assim, pretendi contribuir para o adensamento da compreensão que se tem do CNRC e da atuação político-cultural de Aloísio Magalhães, considerando tanto suas afinidades com o campo do patrimônio, quanto suas filiações a outras áreas do pensamento e da ação culturais, como faces múltiplas e complementares do órgão e do pensamento de seu coordenador-geral. Ampliando o campo das questões: design e identidade nacional, Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães. Pesquisando sobre o CNRC, e buscando compreender o cerne de um (dito) ‘novo paradigma antropológico’ associado às políticas culturais veiculadas pelo Iphan a partir da administração de Aloísio Magalhães, não encontrei menções significativas à antropologia, mas sim, ao design. Observei que o que foi tomado (pela literatura corrente) como ‘paradigma antropológico’ – associado às idéias e ações de Aloísio – era, em sua concepção original, uma tentativa de busca por um design propriamente nacional. Assim, exploro, em minhas pesquisas, o fato de que Aloísio Magalhães entrou para o campo das políticas culturais pensando em design e em projeto, e não em antropologia. O que se passa, a meu ver, é que, talvez, a sua concepção de design fosse tal que suscitasse associações com a disciplina antropológica, e nessa medida interessa, então, investigar em profundidade no que consiste a sua concepção de design. Aloísio ancorava suas ações na idéia de projeto (ação projetual), e no pensamento do que seria um design (entendido como desenho projetivo) nacional, para pesquisar e agir politicamente na busca do que ele acreditava ser uma saída para o desenvolvimento do país – o encontro com sua cultura, com os fazeres e as tecnologias geradas pelo homem simples, que ele denominava de ‘proto-tecnologia’, ‘tecnologia patrimonial’, ‘tecnologia de sobrevivência’ ou ‘pré-design’. Com essas colocações, não pretendo dizer que as suas idéias não tivessem nenhuma relação com a antropologia. Apenas apontar para o fato de que há um deslocamento entre o que se diz (e o que se entendeu) que ele fez, ou que ele pensava, e o que encontramos nos documentos escritos por ele e pela equipe do CNRC. Nesse caso, por razões que merecem ser consideradas em maior profundidade, as fronteiras entre design e antropologia não são tão facilmente delimitáveis. Ou melhor, o que tem sido lido (pela literatura sobre patrimônio cultural no Brasil) como antropologia, pode ser também compreendido como uma visão de design. No campo do patrimônio cultural, os que falam de Aloísio e do Centro associam suas idéias a uma ‘perspectiva antropológica’. Aloísio e seus parceiros discutiam a partir de outros termos, tais como: processos culturais, produtos, tecnologias e design. A partir dessas observações, me proponho a pensar sobre as questões que estão envolvidas quando se toma por ‘antropológico’ um discurso que se formula a partir do campo do design. O que, por ora, podemos depreender desse ‘diálogo surdo’ (visto que essas áreas ainda não dialogam entre si) é que o discurso de Aloísio é recuperado hoje como uma das matrizes discursivas tanto no campo do patrimônio cultural quanto no campo do design. Em funções de tais constatações, decidi partir para uma investigação mais detalhada 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães sobre o pensamento de Aloísio, que considero, a princípio, como um pensamento de design. Por isso, na pesquisa para o doutoramento, em curso, decidi investigar que pensamento de design é esse, formulado por Aloísio Magalhães. A partir da leitura desse e de outros textos de Lina, decidi agregar à pesquisa sobre o pensamento do designer pernambucano uma investigação sobre a arquiteta italiana, uma vez que encontro em ambos reflexões sobre o mesmo corpo de questões, a saber, as relações entre industrialização, desenvolvimento e cultura popular, ou seja, entre design e identidade nacional. Seus exemplos são citados em palestras de especialistas nas áreas de arquitetura, design, artesanato e do patrimônio cultural, e muitas de suas idéias e iniciativas servem de base para a formulação de programas voltados para as áreas acima referidas, seja no âmbito de agências estatais, ou seja em termos de iniciativas privadas e modelos de ensino. Nesse sentido, entendo que os discursos e as atuações de Lina Bo Bardi e de Aloísio Magalhães exercem grande influência ainda hoje, no país. Suas reflexões transbordam as áreas específicas de suas atuações profissionais, espalhando-se para áreas contíguas a elas. Ambos são reconhecidos como profissionais em seus ramos específicos (a saber, a arquitetura e o design), mas, mais do que isso, têm servido como fonte de referências para a formulação de reflexões acadêmicas e de políticas públicas nas áreas de arquitetura, design, artesanato e também de patrimônio cultural. Assim, entendo que seja de vital importância para uma análise substancial do que é feito hoje no Brasil em termos de programas de incentivo às áreas acima referidas a compreensão das questões que norteiam os pensamentos desses dois agentes. Além disso, acredito que a análise de seus discursos e de suas atuações (político-profissionais) seja de fundamental importância para a compreensão das questões relativas ao design no Brasil de modo geral (desde sua instalação no país, como área de trabalho a ser exercida no mercado e ensinada nas universidades): de suas relações com o processo de industrialização, com a produção artesanal, e, também, com um projeto de país que se formula (e se rediscute) junto à implantação da profissão no país, ocorrida entre os anos 1950 e 60. Noto que ambos agiram no sentido de um transbordamento de sua prática profissional, em direção à reflexão e à busca por soluções para a questão do desenvolvimento nacional, articulado, em seus pontos-de-vista, necessariamente aos valores culturais do país. Ambos buscavam criar bases para o desenvolvimento de um desenho industrial nacional, contribuindo não apenas no campo projetivo, mas também no campo da reflexão e do debate intelectual sobre projeto, que aqui pode ser entendido como: arquitetura, design e cultura. Tanto Lina quanto Aloísio participaram ativamente das primeiras iniciativas de implantação do ensino formal de design no Brasil – ela em São Paulo e em Salvador, ele no Rio de Janeiro. Ambos tinham escritórios de sucesso, desenvolvendo projetos de arquitetura e design reconhecidamente relevantes para a produção de suas áreas de atuação. No entanto, ambos entendiam sua prática profissional e sua responsabilidade social enquanto ‘projetistas’ para além da estrita prática projetiva. Para eles, fazer arquitetura e design em um país como o Brasil significava também articular novas possibilidades de projeto e de desenvolvimento para a produção nacional, em um espectro mais amplo. Ou seja, fazer arquitetura e design implicava também, e necessariamente, em uma reflexão sobre as funções sociais do desenho industrial (Cara, 2008: 142). Segundo o designer e pesquisador Dijon de Moraes, o cenário de instituição do design no Brasil tinha como pano de fundo esse “forte desejo, e por que não dizer esperança, de realizar algo de novo e próprio que possibilitasse, mais que um reconhecimento em nível 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães internacional, a sedimentação dos ícones e do modus vivendi local” (Moraes, 2006: 74). Profissionais do projeto, como Lina e Aloísio, apostavam justamente no futuro industrial do Brasil e na indispensável presença da atividade do design como partícipe no desenvolvimento da cultura material dentro do processo de modernidade nacional. É interessante notar que o design é instituído e entendido como um projeto de futuro, exatamente como se via e se vê o próprio Brasil: como país do futuro (2006: idem). Tendo atuado como elementos fundamentais nos processos de instituição do design no Brasil, Lina e Aloísio, representavam, como afirma o designer João de Souza Leite (Leite, 2006), ‘outras vertentes’ dentro do pensamento de design trazido para o país através do intercâmbio de paulistas e cariocas com professores da Escola de Ulm, nos anos 1950 e início dos 1960. Dialogando com esse pensamento e também com o modernismo brasileiro, os dois propuseram, a partir de um determinado momento em suas trajetórias, outras formas de se pensar o design, diversas da matriz alemã que serviu de base para o modelo de design implantado no Brasil. O designer Pedro Luiz Pereira de Souza atenta para o fato de que a discussão entre design e identidade nacional não era exclusiva do design, quando lembra que ela já havia sido bastante debatida no campo da arquitetura, durante os anos 1950. É nesse quadro contextual (arquitetura, anos 1950) que emerge Lina Bo Bardi. Sua atuação frente ao Museu de Arte Moderna de São Paulo e ao Instituto de Arte Contemporânea é fundamental para a instituição do design como campo profissional no Brasil. Com a vinda do suíço Max Bill em 1951 e 1953, inicia-se um diálogo entre o Brasil e a Escola de Ulm, na Alemanha. A partir dessa aproximação surgem a Escola Técnica de Criação no MAM-RJ e a ESDI, iniciativas das quais Aloísio Magalhães participou de forma decisiva. A arquiteta Ana Luiza Nobre relaciona Lina e Aloísio, quando comenta sobre alguns ‘sinais de divergência’ (Nobre, 2008: 98) que espocavam aqui e ali entre os anos 1960 e 1970, no campo do design nacional: Lina, que havia contribuído para a aproximação brasileira a um modelo de design ulmiano no início dos anos 1950, no fim da década começa a reorientar sua perspectiva de ação, reagindo contra a vertente alemã do design; assim como Aloísio que, em sua proposta de flexibilização do mesmo modelo dentro e fora da ESDI, apresenta propostas que, segundo Pereira de Souza, “traziam em si um outro gênero de inquietação, outras formas de pensar e discutir o design.” (Pereira de Souza, 1996: 232). Ainda segundo Souza, “um pouco em consequência dessas ideias, surgiu uma tendência nacionalista do design” (1996: idem). Essa tendência “insinua-se no debate cultural brasileiro a partir do final da década de 1950” (Cara, 2008: 80), e ganha força ao longo dos anos 1960. Como alternativa ao modelo concretista (da qual a vertente ulmiana é um dos braços), vislumbra-se a possibilidade de conjugação entre a “produção artesanal / local e o desenvolvimento do processo de produção industrial no Brasil” (2008: idem). Para Milene Soares Cara, a discussão sobre a identidade do produto brasileiro apresenta uma “abordagem prioritariamente associada a uma assimilação da cultura popular e da experiência local com as perspectivas de um projeto participativo de toda a sociedade brasileira” (2008: 140). Nesse momento (em torno dos anos 1960) em que se discute a identidade do produto brasileiro, refletindo-se sobre a ‘construção de um desenho industrial autônomo com 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães características nacionais” (2008: 88), Lina e Aloísio destacam-se. Segundo Dijon de Moraes, Lina e Aloísio, “dentre os protagonistas do design brasileiro são importantes representantes a enfrentar os desafios da inserção da cultura local – autóctone e popular – no design nacional” (Moraes, 2006: 74). Para ele, no entanto, nenhum desses dois modelos promovidos por Magalhães e Bo Bardi foram disseminados de maneira sistemática no âmbito do ensino de design no Brasil, ao ponto de tornarem-se reconhecíveis como possíveis referências e como símbolo de uma escola de design local (Moraes, 2006: 59). Se os modelos propostos por ambos não foram disseminados sistematicamente nos momentos em que foram propostos (as ações de Lina na Bahia foram interrompidas pelo governo militar e sua Escola de Desenho Industrial e Artesanato não chegou a funcionar, de fato; e as ações de Aloísio foram parcialmente interrompidas com sua morte em 1982), acredito que há um fenômeno de re-apropriação dos pensamentos e das propostas de ambos que vem se consolidando de forma significativa desde o fim da década de 1980, seja durante o processo de formulação da Constituição de 1988, que, no que tange às políticas de patrimônio cultural, usou as propostas de Aloísio como base, seja nas administrações municipais de Luiza Erundina, em São Paulo, e de Mario Kértesz, em Salvador, que convidaram Lina, nos anos 1980 e 90, a colaborar com a criação de projetos e programas arquitetônicos-urbanísticos, seja nas diversas pesquisas que têm se dedicado a investigar uma série de aspectos das obras e dos pensamentos desses dois autores. Esse fenômeno, que se estende do campo políticogovernamental ao campo acadêmico, merece uma olhar mais atento, uma vez que em torno dele articulam-se questões fundamentais para uma reflexão sobre design e sociedade no Brasil, também hoje. Tendo atuado em frentes diferentes aproximadamente no mesmo período de tempo – ela com uma trajetória mais longa que a dele - e tendo proposto, cada um à sua maneira, novas possibilidades dentro do campo de projeto no Brasil, Lina teve sua atuação políticocultural (à época baseada em Salvador, Bahia) refreada pela ditadura militar que se instalou no país em 1964, enquanto Aloísio encontrou no mesmo regime ditatorial o espaço onde desenvolveu sua atuação junto às políticas de design, artesanato e cultura. É importante investigar em que esses intervalos de tempo e de espaço contribuem para qualificar diferentemente as ações e os pensamentos de ambos. É necessário, portanto, considerar tanto as aproximações quanto as diferenciações entre suas propostas, e é a isso também que me dedico na pesquisa. Se podemos afirmar que tanto Lina quanto Aloísio apresentavam, cada um a seu modo, visões renovadas do movimento moderno no design, pensando em novas possibilidades de diálogo do design com a identidade nacional brasileira, é a partir dessa ‘vertente’ ou ‘tendência’ – que tem nos dois seus maiores expoentes - que pretendo discutir relações entre design, cultura e sociedade no Brasil. Nesse sentido, busco analisar em que as proposições de ambos se distinguem, e em que elas dialogam, ou seja, quais os pontos de encontro, fronteiras, divergências e contradições entre as reflexões e as ações de Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães. Dessa análise, emergem questões fundamentais para uma reflexão crítica sobre as possibilidades (ainda hoje em discussão) para o design nacional brasileiro. Essa ‘outra vertente’, em que Lina e Aloísio estariam situados, é denominada por Pedro Luiz Pereira de Souza como ‘design de identidade nacional’ (Souza, 1996: 258). Para Souza, na ESDI as propostas de Aloísio “traziam em si um outro gênero de inquietação, 9º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design Aproximação às relações entre design e identidade nacional em Lina Bo Bardi e Aloísio Magalhães outras formas de pensar e discutir o design.” (1996: 232). Ele acredita que “um pouco em consequência dessas ideias, surgiu uma tendência nacionalista do design” (1996: idem). De forma análoga, Dijon de Moraes refere-se a uma ‘tendência independente do design brasileiro’ (Moraes, 2006: 16), dentro da qual, Lina seria um dos ‘pais fundadores’. Ora, se podemos considerar Lina e Aloísio como representantes fundamentais de uma vertente que propunha outras possibilidades para o design em solo brasileiro, analisar suas produções intelectuais é um movimento estratégico no sentido de compreendermos melhor quem somos e no que podemos nos tornar daqui para frente, enquanto designers no Brasil. Entendendo Lina e Aloísio como ‘bons para pensar’ as relações entre design e identidade nacional brasileira pretendo contribuir para a discussão sobre as possibilidades para o design em nosso país hoje. Orientando minha pesquisa nesse sentido, organizo o trabalho em algumas frentes: seja a partir da análise da produção intelectual de ambos, realizando um exame monográfico das reflexões formuladas pelos dois; seja através da análise contrastiva dos discursos produzidos pelo designer pernambucano e pela arquiteta italiana; seja através de uma revisão do material produzido contemporaneamente aos seus períodos de atuação, bem como reflexões posteriores (contemporâneas) sobre design e arquitetura no Brasil. Dessa forma, pretendo contribuir para o adensamento das reflexões sobre os papéis de Lina e Aloísio no Brasil, e, mais especificamente, sobre os modos como cada um dos dois entendia e experimentava a inserção de uma área do saber formalizada na Europa dentro de um contexto industrial (e de uma ideologia industrialista) no contexto brasileiro da segunda metade do século XX, bem como discutir como a partir do design eles re-elaboram, cada um a seu modo, questões relativas à identidade nacional brasileira. Além disso, considero também a produção intelectual contemporânea que se dedica a analisar a obra de ambos, observando como e porque Lina e Aloísio são ‘re-apropriados’ hoje nos campos do design e da arquitetura. Referências ANASTASSAKIS, Zoy. Dentro e fora da política oficial de preservação do patrimônio cultural no Brasil: Aloísio Magalhães e o Centro Nacional de Referência Cultural. 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