OS NOMES PRÓPRIOS E SUAS IMAGENS NOS DICIONÁRIOS ILUSTRADOS BERNARD BOSREDON Sorbonne Nouvelle – Paris 3, SYLED Traduzido por GRECIELY CRISTINA COSTA Introdução A problemática da relação entre texto/imagem é uma problemática transversal mas desigualmente compartilhada. Ela interessa os semioticistas e os semiólogos, ela envolve muitas áreas da mídia e da comunicação em geral, mas permanece fora ou à margem das pesquisas linguísticas ou das práticas lexicográficas, especialmente na França. No entanto, desde a virada discursiva das ciências da linguagem, a análise linguística oferece novas perspectivas quando se aplica a objetos de linguagem híbridos ou multimodais, contanto que se leve em conta as condições semântico-pragmáticas de sua produção. Este é, por exemplo, o breve balanço que se pode fazer de uma análise especificamente linguística dos títulos de pintura: se a variação formal dos títulos de pinturas pode ser descrita de maneira adequada no quadro analítico das ciências da linguagem, ela só pode ser realmente compreendida se o modelo teórico dá peso suficiente para as condições pragmáticas nas quais se efetua a nomeação das pinturas (Bosredon, 1997). A análise semântico-pragmática das ilustrações de dicionários apresenta algumas afinidades com a análise da titulação de pinturas. Observamos, com efeito, alguns elementos comuns, notadamente o da etiquetagem na forma da copresença de uma figuração (representação em pintura) e de sua designação (título e/ou nome da obra). Três dicionários usuais ilustrados publicados recentemente na França - Dictionnaire Hachette (ed. 2011), Le Petit Larousse illustré (ed. 2012), Le Robert illustré & Dixel (ed. 2013) - oferecem a oportunidade de se interrogar a natureza das relações entre textos e imagens, a variedade dos tipos de legendas utilizadas e, sobretudo, as restrições pragmáticas impostas por um dispositivo técnico. Alain Rey sublinha oportunamente essa dimensão técnica no prefácio da edição de 2013 do Robert illustré lembrando que o dicionário de língua ilustrado constitui "uma encenação de vocábulos, nomes, imagens, fatos, ideias, todos identificáveis por palavras que a ordem alfabética torna fácies de encontrar ou recuperar. "Etiquetagem, legendas, dispositivo de ligação de um texto com uma figuração de objetos integrado ou não com o artigo, muitas semelhanças com os títulos de pintura certamente, mas que necessitam também ser examinados de perto pois o objeto "dicionário ilustrado" exige uma abordagem específica. Começarei com observações gerais sobre as ilustrações de dicionários. Até onde sei, há poucos trabalhos referentes às ilustrações de dicionários, na França. Além de 1 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> algumas observações nos prefácios ou no cotexto de dicionários, o que temos é constituído de um pequeno número de artigos, de algumas páginas de trabalhos cujo objeto é dicionário em geral. Este é especialmente o caso de análises já antigas como as de J. Rey-Debove (1971) e de J. Pruvost (1994). Elas irão servir de ponto de partida para nossa reflexão. Munido dessa bagagem inicial, proponho primeiramente lembrar o essencial dessas primeiras reflexões, depois, em um segundo momento, analisar um caso particular de ilustrações, as ilustrações de dicionários relativas aos nomes próprios, e especialmente, as que ilustram os nomes das pessoas. 1. Observações Gerais Como observa Josette Rey-Debove em sua obra de referência sobre os dicionários: "Há tradições lexicográficas nacionais; o dicionário de língua é, na França, desprovido de ilustrações [...]. A tradição americana não pratica essa dicotomia. A enciclopédia está profundamente entrelaçada com a língua e a ilustração sempre desejada"(Rey-Debove, 1971: 34). Jean Pruvost nota, de sua parte, 20 anos mais tarde: "Apenas muito recentemente alguns dicionaristas franceses, no entanto, sucumbiram a essa tentação" (Pruvost, 1994: 742). Assim os dicionários ilustrados, não sem relutância, no início, dos fabricantes de dicionários franceses, acabaram impondo essa forma compacta usual que nós conhecemos hoje, ou seja, entre 15.000 e 125.000 definições de um lado e, entre 3.000 e 5.000 ilustrações de outro (imagens reprimidas por tanto tempo ocupando um espaço considerável)1. Cruzando as reflexões de Rey-Debove e as de Pruvost, é possível afirmar que a questão da ilustração lexicográfica ou é uma questão muito específica, ou é uma questão relativamente secundária para os analistas, enquanto, paradoxalmente, constatamos hoje um forte desenvolvimento comercial da fórmula ilustrada do dicionário de língua. 1.1. Ilustrações de (PRUVOST, 1994) “technolectes” nos dicionários semasiológicos Comecemos por Pruvost, que, aparentemente, adquiriu a necessidade de ilustrar artigos e inicia uma análise em prol do desenvolvimento lexicográfico. Certamente, Jean Pruvost considerou a dimensão, há 20 anos, do papel cada vez mais importante da ilustração na confecção de dicionários. Porém sua atenção se concentrou especificamente no papel das imagens (desenhos, pranchetas, fotografias etc.) que acompanham artigos incluindo os termos técnicos ou “technolectes”. Decorre daqui, Louis Guilbert, segundo o qual, a significação de “technolectes” pode ser dada de modo mais eficaz por um desenho ou uma imagem do que por palavras, a ponto de afirmar que "[...] nas obras técnicas o desenho ou a fotografia está para nome técnico como o sinônimo está para a palavra comum"(Guilbert, 1973: 10 apud Pruvost, 1994). Neste contexto, artigos, imagens de dicionários e legendas derivam da tradição enciclopédica com seus arranhões, suas telas etc. repletos de termos científicos e técnicos. Pruvost retoma distinções feitas antes dele por Josette Rey-Debove (1971), como a oposição entre as ilustrações totais e as ilustrações parciais que são apenas uma parte do objeto a 1 Ver em Pruvost (1994) o detalhe histórico desse desenvolvimento editorial. 2 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> ilustrar. Ele elabora, enfim, uma terminologia adaptada à complexidade das ilustrações2. Este trabalho se apresenta como um primeiro projeto, focado sobre um domínio delimitado por sua especificidade (o domínio de "technolectes") e, por conseguinte, como uma interpretação inicial da questão. 1.2. A invasão de imagens ou como "apreender" a mistura semiótica (J. Rey Debove 1971) As observações de Josette Rey-Debove de 1971 são muito interessantes: a ilustração apresenta, na opinião da autora, algo de heterogêneo com relação ao dicionário. Mas essa heterogeneidade é preocupante e a autora dá as razões dessa preocupação com base na poderosa teorização que ela produz referente à compreensão do dicionário de língua. Logo, suas indicações são como pistas, questões a se investigar. Na grande introdução de sua obra, não há nada dito sobre a imagem. Oito seções constituem a primeira parte do livro e é preciso esperar a seção 1.7., apenas duas páginas densas dedicadas à ilustração. Na sequência, uma oitava seção de apenas uma página dedicada à ilustração enquanto "mistura de gêneros", no sentido da oposição clássica, entre informações enciclopédicas de um lado e, lexicográficas ou puramente linguísticas, de outro. Nós a deixamos para voltar à secção 1.7., composta por duas subseções 1.7.1 e 1.7.2, que convém detalhar em virtude de nosso propósito. 1.2.1. O caráter material da ilustração (Subseção 1.7.1) A ilustração constitui um sistema significante secundário que às vezes pode completar o artigo. A ilustração não é portanto sistemática como a entrada ou o artigo; Ela também fica fora deste último. É esse deslocamento tipográfico que dá sua autonomia fora do artigo. Afigura-se que a ilustração não está necessariamente integrada ao sistema entrada-artigo. O que lhe confere um caráter opcional que encontra sua utilidade na composição do livro: as ilustrações são removidas para ganhar espaço. No entanto, Josette Rey-Debove considera que a ilustração faz parte da microestrutura do dicionário. Ela destaca a polissemia do termo ilustração uma vez que pode denominar um desenho, uma fotografia, um diagramas, isolados ou agrupados em telas ao mesmo tempo. A autora salienta que, contrariamente à ordem do texto, a imagem é gráfica, isto é, tem duas dimensões. Isso significa que a imagem é um elemento superior ao texto? A autora não pensa assim. Inserida em um dispositivo textual de definições de língua e de informações enciclopédicas, a imagem do dicionário só existe sob o controle do texto. Como compreender de fato as imagens que coexistem com diferentes escalas ("o tentilhão3, a galinha d'Angola4 e o pinguim são representados do mesmo tamanho em uma mesma página", escreve Rey-Debove) se elas não tivessem se tornado coerentes pelo seu estatuto de ilustração de uma entrada. A autora afirma que o mundo assim representado não tem nenhuma coerência. Pois, justamente não trata de uma representação parcial do mundo, mas de uma exibição que coloca em cena uma entrada 2 Desenvolvida parcialmente a partir das primeiras observações realizadas por J. Rey-Debove inicialmente. 3 N.T. trata-se de um pequeno pássaro da Europa, de colorido bastante vivo e canto agradável. 4 N.T. é uma ave grande também conhecida como criaille guinea, originária da África e da Arábia, tem pernas robustas, sua plumagem é escura com pontilhados brancos. 3 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> e um referente representado por uma imagem. É, portanto, a ordem própria do dicionário que rege as imagens. 1.2.2. Representar as coisas pela ilustração para completar a informação (subseção 1.7.2) A autora lembra que a ilustração concerne a coisa nomeada (o referente) e jamais a coisa nomeante (o signo). É preciso que a coisa nomeada seja representável, e, portanto, concreta e visível. É por isso que, de acordo com Rey-Debove, as ilustrações do Petit Larousse, que ela escolheu para analisar, incluem nomes, objetos em vez de ações, qualidades ou relações. Ela enfatiza que cada ilustração é acompanhada de um lembrete de entrada. Os três dicionários ilustrados que constituem nosso corpus empírico apresentam essas características, às vezes, com cores diferentes de acordo com o dicionário para distinguir os nomes dos outros tipos de entrada5. Segue uma série de observações coletadas interessantes que constituem um esboço de um verdadeiro programa de trabalho a ser realizado. Reservamo-nos a ideia de que a imagem nunca é redundante na relação com a legenda e que o complexo ilustração/legenda fornece informações adicionais para o artigo sem que se instale uma forma de repetição. Em certo sentido, a parte ilustração-legenda da ilustração é totalmente diferente de uma determinada titulação clássica da pintura que pode, por exemplo, aceitar de forma coerente e natural o título o filho e sua mãe... sob a representação de uma criança nos braços de uma mãe. Ao reler estas páginas fortes sobre a avaliação comparada dos méritos do texto e da imagem na economia do dicionário, o leitor é sensível à preocupação da autora em dar autonomia total para a língua. A época é também a de um gênero de dicionário, o do dicionário de língua. É também, e, sobretudo, a época de um paradigma de conhecimento: o estruturalismo. Este contexto histórico é, certamente, uma das razões para confinar à imagem um papel complementar. Assim somente o texto pode definir a língua e o conhecimento das coisas. Por outro lado, a imagem não pode definir, nem uma nem o outro ("Nenhuma ilustração é definidora", escreve Rey-Debove). Apenas observações. Entretanto, a autora atravessa, sem muito desenvolver, um dos segredos positivos da ilustração de dicionário: "A ilustração mais exemplifica do que define". Trata-se de uma das propriedades pouco visíveis, mas presente que caracteriza este tipo de imagem, sua encenação pelo texto do dicionário constitui a definição por um lado e, por outro, a legenda da imagem. Na microestrutura do dicionário, após a entrada e a definição seguem de fato os exemplos de discursos e/ou o exemplo por ilustração. Encontrar-se-á aqui, sem dúvida, a profunda razão do caráter opcional da ilustração que seria somente uma das modalidades de exemplo, sua modalidade icônica. Concluirei este ponto dizendo que as indicações de Rey-Debove são importantes pistas para se retomar hoje. E me proponho a investigar uma delas, a partir da reflexão de Josette Rey-Debove, breve, leve, mas intrigante. A indicação que me interessa se situa no início do pequeno parágrafo introdutório, no qual a autora enuncia que existem três espécies de ilustração: a fotografia, o desenho e o diagrama. Em seguida, afirma que "A fotografia é mais apropriada para o nome próprio" (p. 34). Pode essa observação 5 Nomes próprios em azul, outras entradas em preto no Dictionnaire Hachette. 4 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> abrir uma janela inesperada sobre o impacto do referente na escolha de ilustrações de dicionário? 2. O nome próprio: artigo, imagem e legenda Nos limites desse artigo,vamos focar nossa atenção essencialmente, por um lado, na imagem e, por outro, na legenda. 2.1. Natureza e função das imagens nos três dicionários 2.1.1. Imagem ou Ilustração? Utilizarei a palavra imagem a fim de manter uma certa "neutralidade" em relação ao dispositivo do dicionário, para o qual nós usamos o termo específico ilustração (cf. as expressões dicionários ilustrados, ilustrações de dicionários, telas de ilustrações etc.). A questão surge todavia para saber qual especificidade possui o termo ilustração na relação com o termo imagem? Se falamos "a imagem de um objeto", não nos referimos "a ilustração de um objeto" numa mesma relação semântica. A imagem de um objeto é a representação de um "objeto referente" enquanto que a ilustração de um objeto é a representação de um referente "visado por uma definição" e, portanto, uma representação construída por um texto e trabalhado por um discurso. Nessas condições, o termo ilustração não é apenas uma palavra relacional ("imagem de um objeto"), é também um termo que se refere a uma função: "construir a imagem de um objeto correspondente a um referente descrito e construído por um texto". Nessas condições, as ilustrações são, portanto, imagens de um determinado gênero, imagens integradas ao discurso, escolhidas para e "motivadas" por um sítio textual específico, cuja dimensão pragmática é dupla: produzir representações pela linguagem e dar definições no domínio específico dos dicionários. Observamos "montagens" bimodais semelhantes em certos manuais, em alguns livros didáticos, livros populares ou enciclopédias especializadas. No entanto, notamos que essas montagens textos/imagens específicas estabelecem relações semânticas e referenciais diferentes das que nós observamos na titulação das pinturas, nas quais os títulos designam o que as pinturas mostram, nomeando-as. 2.1.2. Primeiramente as fotografias... Os nomes de pessoas exercem uma atração particular. As fotografias são realmente ilustrações privilegiadas para complementar os artigos de dicionário. Talvez esse seja o caso nas outras áreas, não só na imprensa, mas também na edição, às vezes na "contracapa" , às vezes sobre a própria capa de livros, onde o nome do autor indica uma "assinatura visual", ou seja, a cabeça daquele ou a cabeça daquela que leva o nome e assina o livro. Antes da existência da fotografia, os documentos utilizados para ilustrar os nomes de personagens são, em sua maioria, os retratos em pintura, as iluminuras, as esculturas (busto do personagem inteiro às vezes com seu cavalo de cerimônia ou seu 5 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> cavalo de guerra) e até mesmo as cerâmicas. Em suma, utilizamos toda a iconografia disponível em função dos meios disponíveis e do que a época nos deixou, o que mostra a iconografia abaixo através de imagens de objetos pertencentes a diferentes registros: Figura 1 - Chardin (retrato, Hachette) Figura 2 - Charlemagne (iluminura, Robert) Figura 3 - Charlemagne (escultura (busto), Larousse) Figura 4 - Charlegmane (escultura equestre, Hachette) 6 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> Figura 5 - Héracles (vaso, Hachette) O método é, portanto, regressivo. Ele utiliza os modos de representação visuais disponíveis, mas privilegia como padrão a fotografia quando existe, usando o que a história nos deixou. Constatamos também escolhas editoriais específicas de acordo com os dicionários. Hachette e Larousse privilegiam fotografias que se aproximam mais do formato e do enquadramento da fotografia de identidade6. Este formato, como veremos, pode evoluir em relação a alguns personagens, mas a orientação geral é a de um módulo de meia-coluna e de uma fotografia que segue desde o enquadramento da foto de identidade até a de um busto inteiro. Resumidamente, podemos dizer que um personagem de dicionário é representado, portanto, através da ilustração de uma cabeça, uma cabeça vista frontalmente exceto como vemos na série de ilustrações abaixo retiradas do Dictionnaire Hachette. O efeito de contiguidade produzido pela justaposição de duas imagens devido à ordem alfabética das entradas, como é o caso aqui, produz efeitos engraçados ou perturbadores que fazem da consulta a um dicionário ilustrado uma experiência atópica ao mesmo tempo lógica e "parasurrealista". Figura 6 - Hitler e Hobbes (juntos na mesma coluna, Hachette) 6 N.T. foto do registro, documento de identidade, cuja face é enquadrada. No Brasil, corresponde ao Registro Geral (RG). 7 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> Figura 7 - Hitler e Hobbes (em duas páginas próximas, Larousse) Figura 8 - General Hoche (Revolução Francesa) e Presidente Ho Chi Min (Vietnã) (Larousse) 2.1.3. Fotografias que fixam o personagem representado Que a fotografia ou uma representação icônica de uma outra espécie imobiliza, nada de mais normal (a escultura imobiliza de maneira mais incerta). Esta fixação, porém, toma diferentes formas. A fixação pode vir da particularidade da imagem, por exemplo, uma fotografia. A ilustração é datada em ambos os sentidos da palavra: a imagem de uma determinada época junto da data propriamente dita permite visualizar a idade do personagem. É possível identificar uma época através de detalhes, as roupas, o corte de cabelos ou os tipos de bigodes... (os diversos tipos de corte de cabelo dos homens são reconhecíveis em tempos diferentes). A fixação pode também se realizar na representação de um título ou de um estatuto específico que permite definir o nome da pessoa (cargo presidencial - militar - ou vestimenta e grau de comandante etc...). A ilustração participa, então, do gênero de representação do personagem histórico. Finalmente a fixação no papel com os atributos da função, da profissão, etc. que constituem junto às características simbólicas do personagem muitos dos traços ou propriedades definitórias do indivíduo. De maneira mais ou menos sóbria, e em uma encenação fotográfica (ou mais amplamente iconográfica) explícita, os dicionários ilustrados escolhem ilustrações abrangendo atributos simbólicos do personagem: uma coroa para um busto, um cavalo para um comandante, uma vestimenta que imortaliza o personagem em o momento escolhido de sua vida e da história. Esse tipo de fixação desempenha um papel particular no caso de artistas. Especialmente nas artes do espetáculo. Descobrimos o personagem a partir do que acompanha a representação 8 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> espontânea comum que constitui elementos de identificação marcantes, como podemos ver abaixo: Figura 9 - Alfred Hitchcock em 1963, foto montagem com dois pássaros (Hachette) Figura 10 - Alfred Hitchcock durante a filmagem de seu filme Os Pássaros (1963) (Larousse) Figura 11 - Hitchcock dirigindo Rod Taylor em Os Pássaros (1963) (Robert) Deixamos, então, o formato da fotografia de identidade. A este respeito, há um deslocamento muito interessante para observar entre Hachette e Robert. Se o personagem é de fato representado frequentemente ou figurativamente, ele também pode estar ausente. A ilustração torna-se um fragmento de seu trabalho, a ilustração faz referência por meio da metonímia a um autor. Outra alternativa, o fragmento também pode incluir a representação do personagem; temos, assim, ao mesmo tempo a 9 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> referência metonímica e a referência direta ao personagem, (autorretratos em ação de alguma forma): Figura 12 - Audrey Hepburn em Bonequinha de Luxo, de Blake Edwards (1961) foto (Robert) Figura 14 - Katherine Hepburn (foto de identidade, Hachette) Figura 13 - Chaplin interpretando Carlitos no filme O Garoto (1921) - foto (Larousse) Figura 15 - Cyd Charisse e Gene Kelly em Hollywood (foto, Robert) 2.1.4. Integração mais ou menos consistente da ilustração Quando a ilustração tem um formato próximo ao da fotografia de identidade que é o caso mais comum (Hachette e Larousse) - a integração com artigo é forte, mesmo quando se trata de artistas. Observamos diferentes opções de módulos, um módulo modesto (na forma de um pequeno pavé) em Hachette (1,5 cm ou mais de altura), muito modesto, no qual duas personagens podem ser dispostas paralelamente na mesma posição da coluna. Cores diferentes indexam imediatamente as fotografias no bom artigo, com exceção de Larousse que constitui um conjunto autônomo para os nomes próprios em uma segunda parte do dicionário. O Dictionnaire Hachette usa cores diferentes para as entradas de nomes próprios e a legenda da ilustração é da mesma cor (azul) para lembrar a ligação com o nome próprio da entrada. O Robert illustré utiliza uma cor específica (marrom) para as entradas, mas insere um lembrete discreto quando a ilustração não está associada ao artigo, um índice é colado acima da ilustração e distingue da legenda o que está na imagem. 10 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> 2.2. Legenda Ela apresenta o seguinte formato: nome do personagem (sobrenome ou primeiro nome + sobrenome). Le colonel Kadhafi (O coronel Kadhafi), no Hachette, está com o chapéu de comandante que conhecemos. A legenda faz referência unicamente ao seu nome através do título de Coronel e não pelo seu nome propriamente dito M' uammar Kadhafi ou Al Kadhafi. Na mesma linha, encontramos l’Amiral Nelson (O Almirante Nelson). Mas Cousteau torna-se modestamente Jacques-Yves Cousteau (Hachette). Alguns tem um nome, outros apenas são identificados pela primeira letra do nome, e às vezes aparece somente o sobrenome, pode-se pensar que a notoriedade serve de critério. Porém, estranhamente Hitler é precedido por um simples "A" (Hachette). No Robert Illustré, diferente do quadro restrito do Hachette (a fotografia de identidade) seguimos em direção a uma legenda que situa a fotografia, frequentemente com muitos detalhes. O leitor pode até encontrar uma reportagem fotográfica pequena (cf. Robert Illustré para De Gaulle): três fotografias e três frases. As duas primeiras em preto e branco colocadas uma sob a outra, a mais antiga acima. A terceira, colorida, sozinha ocupando a mesma superfície que as duas primeiras reunidas que lhe são adjacentes. Cada fotografia ilustra uma das três fases da vida do personagem, cada legenda sucessivamente é seguida pelas seguintes frases que lhe dão identidade e interpretação: (1) Em 18 de junho de 1940, o General de Gaulle fez, de Londres, seu famoso apelo à resistência. (2) Em 4 de setembro de 1963, De Gaulle leva uma grande multidão com o chanceler Adenauer, em Bonn. (3) De Gaulle e sua esposa em temporada na Irlanda, em junho de 1969, após o fracasso do referendo de 27 de Abril. Não é a aparência física do que o nome próprio denomina que é apresentado ao leitor. Esta é a escansão heroica de um destino histórico em três episódios chave da vida do personagem. A legenda é um comentário, profundamente enraizada na realidade histórica das cenas assim representadas. Nós não estamos diante de uma simples etiquetagem por um nome próprio, da efígie, da fotografia ou do autorretrato do pintor. Com efeito, é necessário analisar os artigos na relação com referente, ou melhor, na sua relação com a ilustração junto de sua legenda, sendo este conjunto bimodal imagem/texto detalhado, em geral, no artigo. A observação pode identificar a diferenciações sutis e não necessariamente controladas igualmente pelos redatores na articulação das legendas com as ilustrações. Podemos, assim, identificar recorrências estruturais nos padrões das legendas, como abaixo: 1) o formato mais simples: T. Hobbes (escrito em azul) Alfred Hitchcock (escrito em azul) em 1963 2) formatos mais complexos: Hercules (escrito em azul) matando a hidra de Lerna: vaso antigo, Século V a.C. Museu do Louvre Chardin (escrito em azul) Autorretrato ao cavalete: pastel, 1776, Museu do Louvre (escrito em preto e em itálico). 11 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> A última legenda com o título da pintura que ela integra poderia ser uma legenda de catálogo de pinturas. 2.3. Microestrutura do dicionário ilustrado Ao final ou quase dessa exploração acerca de alguns dicionários ilustrados, é possível sugerir algumas pistas para trabalhos futuros em relação à estrutura do artigo de dicionário. O artigo é composto de três elementos, os dois primeiros são obrigatórios: (1) a entrada, (2) o artigo propriamente dito. A ilustração ou módulo (3) é opcional. Ele pode seguir imediatamente o artigo ou ser inserido depois. Está, portanto, tipograficamente separado. Deve-se verificar se a falta de ilustrações tem um impacto sobre a forma e sobre o conteúdo do artigo. O dicionário permaneceria suficiente se removêssemos todas as ilustrações? A resposta pode variar. Em contraposição, ilustrações sozinhas nunca constituiriam mais do que uma reserva de imagens. Enfim, o distanciamento tipográfico da ilustração, a sua posição fora do artigo, concede autonomia à ilustração. Devemos, portanto, refletir sobre a relação de complementaridade possível entre a imagem e o texto se quisermos chegar a um conjunto verdadeiramente híbrido. Para concluir Estas variações da legenda, a evolução do dispositivo ilustração/legenda em relação ao artigo, o caráter opcional da ilustração cuja presença ou ausência indica um estado específico da notoriedade do referente, etc. todos esses elementos fazem parte de uma semio-pragmática enraizada em uma "atualidade" histórica flutuante incluindo os conhecimentos comuns. Os dicionários semasiológicos ilustrados nos convidam a aprofundar as análises multimodais em uma perspectiva que eu aproximaria da Sinalética7. Na verdade, a maneira de denominar e descrever os monorreferentes em situações de coerção (a questão do dicionário aqui) não é neutra sem dúvida. Ela está sujeita a várias restrições externas ao sistema da língua e de uma natureza diferente: um dispositivo semiótico específico escripto- visual por um lado, um real social e histórico por outro, que impactam as configurações possíveis das designações e legendas e que desenham assim um mapa de conhecimentos aceitos como usuais e compartilhados, de que a teoria pragmática da nomeação enquanto sinalética pode se apropriar. Referências GUILBERT, Jean (1973). « La spécificité du terme scientifique et technique », Langue française, n° 17, Les Vocabulaires techniques et scientifiques, dirigé par L. Guilbert et J. Peytard, Paris, Larousse, p. 10. PRUVOST, Jean (1994) . « L’illustration dictionnairique dans les dictionnaires sémasiologiques », Meta : journal des traducteurs / Meta : Translators’ Journal, vol.39, n° 4, p. 741-756. 7 Ver Bosredon, 1997: 234-266. 12 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br> REY-DEBOVE, Josette (1971). Etude linguistique et sémiotique des dictionnaires français contemporains, coll. « Approaches to Semiotics », n° 13, The Hague / Paris, Mouton. Dicionários Dictionnaire Hachette, 2011 Le Petit Larousse illustré 2012 Le Robert illustré, 2013 13 Entremeios: revista de estudos do discurso. v.6, jan/2013. Disponível em <http://www.entremeios.inf.br>