EDSÔNIA DE SOUZA OLIVEIRA MELO
PROPAGANDA IMPRESSA: PRÁTICA DE LEITURA E
PRODUÇÃO TEXTUAL EM PERSPECTIVA DISCURSIVA
Cuiabá
2006
EDSÔNIA DE SOUZA OLIVEIRA MELO
PROPAGANDA IMPRESSA: PRÁTICA DE LEITURA E
PRODUÇÃO TEXTUAL EM PERSPECTIVA DISCURSIVA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação –
Mestrado em Estudos de Linguagem da Universidade Federal
de Mato Grosso – UFMT, como requisito parcial para obtenção
do título de Mestre em Estudos de Linguagem.
Área de concentração: Estudos Lingüísticos
Orientadora: Profª. Drª. Maria Rosa Petroni
Instituto de Linguagens
Cuiabá
2006
Descobri aos 13 anos que o que me dava prazer nas
leituras não era a beleza das frases, mas a doença
delas. Comuniquei ao Padre Ezequiel, um meu
Preceptor, esse gosto esquisito.
Eu pensava que fosse um sujeito escaleno.
- Gostar de fazer defeitos na frase é muito saudável,
o Padre me disse.
Ele fez um limpamento em meus receios.
O Padre falou ainda: Manoel, isso não é doença,
pode muito que você carregue para o resto da vida
um certo gosto por nadas... E se riu.
Você não é de bugre? - ele continuou.
Que sim, eu respondi.
Veja que bugre só pega por desvios, não anda em
estradas – Pois é nos desvios que encontra as melhores
surpresas e os ariticuns maduros.
Há que apenas saber errar bem o seu idioma.
Esse Padre Ezequiel foi o meu primeiro professor de
gramática.
(Manoel de Barros)
DEDICATÓRIA
Aos meus filhos Rafael e Guilherme que, mesmo
inconscientemente, compreenderam os momentos
de ausência.
“Mamãe, posso entrar e ficar só um pouquinho aí
com você?”
Perdoem a cara amarrada
Perdoem a falta de abraço
Perdoem a falta de espaço
Os dias eram assim...
(Ivan Lins)
AGRADECIMENTOS
A DEUS, por ter me guiado com a luz divina: “Tudo posso naquele que me
fortalece” (Salmo 23).
À minha orientadora, Maria Rosa Petroni, sempre à disposição, pela
confiança em meu trabalho e contribuições. Só eu o sei: foi-me
interlocutora valiosa.
À Banca do Exame de Qualificação, profª Maria Inês Pagliarini Cox e
Sônia Aparecida Lopes Benites, pela leitura atenta e sugestões.
Aos professores do MeEL pelas discussões teóricas, que foram valiosas.
Aos colegas do programa pelas discussões e conversas compartilhadas,
especialmente à Paula, amiga em todos os momentos. “Bigadu” pelo
carinho.
À FAPEMAT pela bolsa de estudos que me foi concedida.
Aos professores, coordenadores, funcionários, direção e, em especial aos
alunos da Escola Dr. Hélio Palma de Arruda por me possibilitarem a
concretização desta pesquisa.
Aos meus pais e irmãos, por torcerem, verdadeiramente, pelas minhas
conquistas e realizações.
Aos meus avós, “papai” e “mãe”, pessoas nas quais eu me espelhei e
aprendi a ser humana e a ser honesta.
Ao Vander que brinda comigo o prazer da conquista.
Aos meus amigos e familiares que aqui não foram nomeados, Aquele
abraço...
MELO, E. S. O. Propaganda impressa: prática de leitura e produção textual em
perspectiva discursiva.
RESUMO
Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa realizada com alunos da 8ª
série do Ensino Fundamental de uma escola pública na cidade de Cuiabá-MT, em
que utilizamos a propaganda impressa como objeto de ensino. O nosso objetivo
geral foi desenvolver um projeto pedagógico por meio da metodologia seqüência
didática, ressaltando os aspectos lingüístico-discursivos próprios desse gênero, a fim
de propiciar ao aluno uma leitura crítica de textos diversificados e levá-lo à produção
do gênero. Para atingir tal objetivo, organizamos as atividades práticas em duas
partes: inicialmente, realizamos o trabalho de leitura com propagandas comerciais e
sociais e, posteriormente, a produção textual com o tema a preservação do meio
ambiente. Para a fundamentação teórica, utilizamos a perspectiva sócio-histórica da
linguagem desenvolvida por Bakhtin (2004, 2003), apoiando-nos, também, em
Maingueneau (2004, 2005) e Geraldi (1997, 2004, 2005), dentre outros. Esse viés
teórico nos serviu tanto para o planejamento das atividades do projeto quanto para a
sustentação da análise. O trabalho foi conduzido pela metodologia da pesquisaação, no 4° bimestre do ano letivo de 2005. Dos dados obtidos, optamos por dedicar
nossa atenção às produções textuais dos alunos, resultantes do trabalho de leitura
em que realizaram diversificadas atividades para compreenderem as características
constitutivas de tal gênero. Os resultados demonstram que a prática de leitura e de
produção escrita do gênero do discurso propaganda impressa constitui-se em um
rico instrumento de ensino-aprendizagem nas aulas de Língua Portuguesa. Assim,
os professores têm a oportunidade de levar para a sala de aula um gênero de
circulação real, que faz parte do cotidiano dos alunos e de suas práticas de
linguagem e, com isso, estimular a sua criticidade.
Palavras-chave: gênero, propaganda impressa, ensino-aprendizagem.
ABSTRACT
This study presents the results of a research carried out with students from the eight
grade of Basic teaching at a public school in Cuiabá in the State of Mato Grosso
where it was used the printed propaganda texts as educational researched object. It
aimed at developing a pedagogical project by means of the didactic sequence
methodology, giving emphasis on the proper linguistic-discursive aspects of this
gender in order to propitiate the students a critical reading of diversified texts and
also offer them support for gender production. In order to reach such objective, it was
organized the practical tasks in two phases: initially, it was carried out the reading
work with commercial and social propagandas texts and later, the literal production
with the theme about the environment preservation. The theoretical bases counted
with the social historical perspective of the language developed for Bakhtin (2004,
2003), together with Maingueneau (2004, 2005) and Geraldi (1997, 2004, 2005),
amongst others. This theoretical bias gave support for the project activities planning
and also for the construction of the analysis. This research was carried out according
to the research-action methodology, during the school fourth bimonthly of year 2005.
From the obtained data, it was opted to dedicate the attention of the literal production
texts of the students, resultants of the reading process where they had carried out
diversified activities to understand the constituent characteristics of such gender. The
findings demonstrate that practical of reading and written production of the gender of
the printed propaganda discourse consists in a rich instrument of teach-learning in
the Portuguese Language classes. As a result, the teachers have the possibility to
take for the classroom a category of real circulation, that is part of the students’ daily
practical routine and also stimulate their critical sense.
Keywords: Gender, printed propaganda texts, teach-learning process.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ..........................................................................................................01
CAPÍTULO I – BALIZAS TEÓRICAS.........................................................................05
1.1 Breves considerações...............................................................................05
1.2 Gêneros do discurso: a perspectiva enunciativo-discursiva .....................08
1.3 Propaganda impressa: concepções teóricas ............................................16
1.3.1 Publicidade e/ou propaganda......................................................16
1.3.2 Estratégias persuasivas da propaganda .....................................18
1.3.3 Implícito e explícito no discurso da propaganda..........................22
1.4 Gênero discursivo em sala de aula e a seqüência didática ......................25
1.5 Formação do leitor crítico: leitura na perspectiva discursiva.....................27
CAPÍTULO II – PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: O ENCONTRO COM OS
SUJEITOS ................................................................................................................31
2.1 Pesquisa-ação: metodologia usada na elaboração do projeto .................33
2.2 Cenário e sujeitos .....................................................................................35
2.3 Corpus da pesquisa ..................................................................................36
2.4 Categorias de análise ...............................................................................36
2.5 O encontro com os sujeitos ......................................................................37
2.5.1 Leitura de propagandas comerciais e sociais........................................39
2.5.2 Atividade diagnóstica............................................................................40
2.5.3 Identificando e (re)conhecendo as especificidades do gênero ..............46
2.5.4 Leitura de propagandas sociais.............................................................56
2.5.5 Produção de propagandas sociais ........................................................65
2.5.6 Circulação das propagandas ................................................................67
CAPÍTULO III – ANÁLISE DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS.......................................69
3.1 Breves considerações...............................................................................69
3.2 Síntese das análises.................................................................................87
CONSIDERAÇÕES FINAIS ......................................................................................89
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................93
ANEXOS ...................................................................................................................97
Anexo I – Fotos da visita ao laboratório de Publicidade e Propaganda ....................98
Anexo II – Cartaz e folder........................................................................................101
Anexo III – Textos complementares: reportagens ...................................................104
Anexo IV – Textos não selecionados para a análise............................................... 119
INTRODUÇÃO
O sentido é potencialmente infinito, mas pode
atualizar-se somente em contato com outro sentido
(do outro), ainda que seja com uma pergunta do
discurso interior do sujeito da compreensão. Ele
deve sempre contatar com outro sentido para
revelar os novos elementos da sua perenidade. Um
sentido atual não pertence a um (só) sentido mas
tão-somente a dois sentidos que se encontraram e
se contactaram. Não pode haver um sentido único
(um). Por isso não pode haver o primeiro nem o
último sentido, ele está sempre situado entre os
sentidos, é um elo na cadeia dos sentidos, a única
que pode existir realmente em sua totalidade. Na
vida histórica essa cadeia cresce infinitamente e por
isso cada elo seu isolado se renova mais e mais,
como que torna a nascer.
(BAKHTIN, [1952/1953] 2003, p. 382)1
Muitos estudiosos da linguagem, nos últimos anos, têm discutido a
importância e a contribuição da leitura e produção de texto no processo ensinoaprendizagem. Há várias abordagens teóricas desenvolvidas acerca desse assunto,
mas parece haver ainda uma distância incomensurável entre as teorias acadêmicas
e sua efetivação na sala de aula. A prática de leitura acaba se restringindo às aulas
de Língua Portuguesa e, na maioria das vezes, é utilizado somente o texto verbal, o
qual ainda tem servido de pretexto para o estudo da gramática e do vocabulário ou
para sua mera decodificação, deixando à margem o exercício de interpretação.
O paradigma prescritivo de ensino de língua materna, centrado no repasse
de conteúdos gramaticais, começou a ser abalado com o advento da Lingüística
1
Apresentaremos algumas datas entre colchetes para indicar a primeira edição ou a época da
escritura dos textos publicados. As datas entre parênteses indicam o ano das edições consultadas.
2
moderna, em que o trato com textos tomou outros rumos. O trabalho com os
gêneros discursivos – que costuma levar em conta, durante a leitura e compreensão
de texto, fatores a ele externos, como aspectos sócio-histórico-culturais, ao contrário
do que se fazia na lingüística tradicional – mostra-se especialmente relevante, uma
vez que os sentidos se constituem pela relação homem/linguagem. Podemos dizer
que os estudos e pesquisas na perspectiva dos gêneros discursivos, na década de
90, romperam com a abordagem tradicional e linear de leitura e produção de texto
que se limitava à narração, descrição e dissertação, enfatizando apenas os aspectos
estruturais da língua. Agora, as discussões sobre a prática de leitura e escrita estão
centradas numa perspectiva discursiva, em que o aluno-leitor passa a ser
considerado autor do seu próprio discurso. Assim, tende a ser satisfatório o
resultado no ensino de Língua Portuguesa quando se põe o aluno, desde cedo, em
contato com os diferentes gêneros discursivos que circulam socialmente, em uma
verdadeira diversidade textual. Nesse sentido, o aluno não é simplesmente
preparado nas práticas lingüísticas; também seu conhecimento se amplia para atuar
nas situações concretas de participação social como cidadão ativo.
De acordo com Mikhail Bakhtin (2003), todos os textos que produzimos,
sejam orais ou escritos, apresentam um conjunto de características relativamente
estáveis, tenhamos ou não consciência delas. Essas características configuram
diferentes gêneros discursivos, que podem ser reconhecidos por três aspectos
básicos coexistentes: o conteúdo temático, a estrutura composicional e o estilo.
Assim, quando estamos em uma situação de interação, a escolha do gênero não é
completamente espontânea, pois leva em conta um conjunto de coerções impostas
pela própria situação de comunicação: quem fala, sobre o que se fala, com quem se
fala, onde se fala e com qual finalidade. Todos esses elementos condicionam as
escolhas do locutor que acaba por fazer uso do gênero mais adequado àquela
situação.
Tomando como base as reflexões acima, propusemo-nos desenvolver um
projeto com atividades práticas numa escola pública na cidade de Cuiabá, com uma
turma de 8ª série, destacando os aspectos discursivos e lingüísticos do gênero
discursivo da propaganda impressa, com o objetivo de que o aluno apreendesse as
especificidades básicas desse gênero ou, como afirma Bakhtin, suas características
relativamente estáveis, e tivesse condições de ler, o mais criticamente possível, os
3
textos com que depara diariamente e de produzir textos com qualidade. Para tanto,
partimos do pressuposto de que a língua deve ser estudada em situações concretas
de interação e que os interlocutores exercem papel ativo e dinâmico, ou seja, os
sentidos do texto são constituídos numa relação entre leitor-texto. Encontramos na
perspectiva sócio-histórica da linguagem, especificamente nos fundamentos teóricos
bakhtinianos, o alicerce tanto para a elaboração das atividades práticas quanto para
a análise dos dados.
Importante ressaltar que o nosso interesse por esse tipo de trabalho justificase por duas razões. Primeiramente, por ele se inserir na linha de pesquisa
Paradigmas de Ensino de Línguas, em que nos inscrevemos; em segundo lugar,
porque tivemos a oportunidade de levar para a sala de aula um gênero do discurso
de circulação social e que, infelizmente, ainda não se apresenta como prática de
leitura em grande parte das escolas. Aliás, esse aspecto foi evidenciado na
realização de uma pesquisa2 no ano de 2004, em que procuramos refletir acerca da
prática de leitura de um grupo de alunos de 7ª série de uma escola pública de
Cuiabá. Os alunos apresentaram uma visão estreita a respeito do gênero discursivo
trabalhado (propaganda). Durante a pesquisa, pudemos constatar que houve total
desconsideração da parte não-verbal do texto. Dessa forma, percebemos que a falta
de familiaridade dos alunos com o texto em questão resultou numa interpretação
fragmentada, isto é, o texto foi interpretado apenas parcialmente, dado que somente
o aspecto verbal foi considerado. O resultado dessa pesquisa, também, nos
incentivou na escolha do gênero propaganda impressa.
A realização de nossa pesquisa atual nucleou-se em três etapas:
procuramos, primeiramente, trabalhar com a leitura e análise de diversas
propagandas comerciais e sociais. Nas atividades, enfocamos os aspectos
lingüísticos, não-lingüísticos e discursivos, ressaltando as condições de produção,
circulação e recepção da propaganda impressa. Para tanto, disponibilizamos aos
alunos o suporte em que tais propagandas circulavam – revistas Veja e IstoÉ – para
que pudessem perceber como esses textos se apresentam; visitamos um laboratório
2
A pesquisa intitulada “Li, mas não compreendi”: O que tal enunciado revela acerca das condições de
produção de leitura? foi realizada no ano de 2004, no curso de Especialização em Língua
Portuguesa: Teoria e Prática, oferecido pelo IL/UFMT, sob a orientação da profa. Drª. Maria Inês
Pagliarini Cox. Tivemos como objetivo investigar os porquês de os alunos, durante o processo de
leitura de determinado texto, não conseguirem compreendê-lo e como eles o concebiam.
4
de publicidade e propaganda, oportunidade em que eles viram as etapas para a
produção desse gênero. Posteriormente, propusemos a produção textual com a
propaganda social e, por último, sua circulação no saguão da escola.
Tivemos como foco, para a realização dessa pesquisa, a seguinte pergunta:
A prática de leitura de propagandas impressas, por meio de atividades organizadas
em seqüências didáticas possibilita aos alunos produzirem textos adequados ao
gênero em questão?
Assim, para o relato da experiência de pesquisa, organizamos a dissertação
em três capítulos: no primeiro, apresentamos uma síntese de nossas balizas teóricas
centrada na teoria bakhitiniana da linguagem, especificamente, nas discussões dos
gêneros do discurso. Discutimos, por igual, os conceitos de publicidade e/ou
propaganda, suas características e a relevância do trabalho com os gêneros em sala
de aula. No segundo capítulo, expomos os passos percorridos para a realização da
pesquisa: a caracterização da pesquisa qualitativa, do contexto no qual foi realizada
e dos participantes. Apresentamos, ainda, os instrumentos de coleta de dados, as
categorias de análise. Neste mesmo capítulo, mostramos cada aula dada e
descrevemos como os alunos reagiram na realização de cada atividade. No último,
são apresentadas e analisadas as produções textuais dos alunos, à luz dos
pressupostos
teóricos
considerações finais.
desenvolvidos
no
primeiro
capítulo,
seguidas
das
5
CAPÍTULO I
BALIZAS TEÓRICAS
Os indivíduos não recebem a língua pronta para ser
usada; eles penetram na corrente de comunicação
verbal; ou melhor, somente quando mergulham
nesta corrente é que sua consciência começa a
operar. [...] Os sujeitos não “adquirem” a língua
materna; é nela e por meio dela que ocorre o
primeiro despertar da consciência.
[...]
A língua penetra na vida através dos enunciados
concretos que a realizam, e é também através dos
enunciados concretos que a vida penetra na língua.
(BAKHTIN, [1929]2004, p. 108)
1.1 Breves considerações
O intuito deste capítulo é esboçar os pressupostos teóricos que serão
mobilizados na análise e discussão dos dados. Assim, daremos um olhar especial à
teoria enunciativo-discursiva de Mikhail Bakhtin, especialmente, aos gêneros do
discurso.
O ensino de língua portuguesa, por muitos anos, se manteve ancorado na
gramática tradicional, ou seja, centrado na aquisição do código e da gramática
normativa. Essa prática começou a ser repensada no final da década de 70, a partir
dos estudos realizados na área da Lingüística Aplicada, Educação e Psicologia, o
que marcou uma mudança de paradigmas: antes conceitual e normativo, baseado
em exercícios estruturais, passa a ser centrado no texto, enfocando o uso e o
funcionamento da língua(gem).
Na década de 80, o texto começa a ser visto como objeto de ensino: passase a refletir acerca das reais situações de sua produção. Vale dizer: não se pretende
mais realizar atividades mecânicas e descontextualizadas no processo de ensino-
6
aprendizagem da língua escrita. Nesse período, os embasamentos teóricos de João
Wanderley Geraldi, em seu livro O texto na sala de aula ([1984] 2005), apresentam
algumas reflexões sobre esse ensino e um (re)dimensionamento das atividades de
sala de aula, centrando-o em três práticas: “leitura de textos, produção de textos e
análise lingüística”. Segundo o autor (2005, p. 90), na prática escolar, as atividades
lingüísticas são instituídas de forma artificial:
- Na escola não se escrevem textos, produzem-se redações. E
estas nada mais são do que a simulação do uso da língua escrita.
- Na escola não se lêem textos, fazem-se exercícios de
interpretação e análise de textos. E isso nada mais é do que
simular leituras.
- Por fim, na escola não se faz análise lingüística, aplicam-se a
dados análises preexistentes. E isso é simular a prática científica
da análise lingüística.
A esse respeito, Britto (2005, p. 126) reforça a falta de condições para a
produção de textos em situações reais, uma vez que a linguagem é trabalhada de
maneira descontextualizada. Desse modo, o aluno não sabe o que escrever, para
quem escrever e por que escrever. Assim, “são negadas à língua algumas de suas
características básicas, como a sua funcionalidade, a subjetividade de seus
locutores e interlocutores e o seu papel mediador da relação homem-mundo”.
Geraldi (1998, p. 22) acrescenta que o texto deve ser o ponto de partida
para o trabalho de leitura e produção escrita nas escolas, mas este deve ser
trabalhado em sua totalidade, estabelecendo relações dialógicas. Implica isso dizer
que deve ser considerada a correlação entre os textos já produzidos, observando-se
seu processo de produção, a partir do qual surgirão outros textos. A análise de
textos passa a centrar-se não numa abordagem estritamente lingüística, mas na
relação com as condições de produção:
O texto (oral ou escrito) é precisamente o lugar das correlações:
construído materialmente com palavras (que portam significados),
organiza estas palavras em unidades maiores para construir
informações cujo sentido/orientação somente é compreensível na
unidade global do texto. Este, por seu turno, dialoga com outros
textos sem os quais não existiria.[...]
Conceber o texto como unidade de ensino/aprendizagem é entendêlo como um lugar de entrada para este diálogo com outros textos,
7
que remetem a textos passados e que farão textos futuros.
Conceber o aluno como produtor de textos é concebê-lo como
participante ativo deste diálogo contínuo: com textos e com leitores.
Com a publicação dos Parâmetros Curriculares Nacionais – PCN – (BRASIL,
1996), na década de 90, as discussões a propósito do ensino de Língua Portuguesa
se acentuaram sobre os gêneros discursivos – ou textuais, como querem alguns
teóricos. Os PCN de Língua Portuguesa do 3º e 4º ciclos do Ensino Fundamental
(1998, p. 22) constituem-se em uma proposta pedagógica, cujo objetivo é formar um
cidadão crítico, “detentor de saberes lingüísticos necessários para o exercício da
cidadania”. Afirmam que o ensino da língua portuguesa, como prática pedagógica,
deve considerar o aluno “como sujeito da ação de aprender, aquele que age com e
sobre o objeto de conhecimento”. Assim, abandonando a dimensão restrita de ter a
palavra, oração e período como objeto de ensino, o trabalho com a língua, nessa
perspectiva, considera os gêneros materializados em textos como objeto de ensino.
O ensino de Língua Portuguesa pautado nos PCN é organizado pelo eixo
AÇÃO – REFLEXÃO, isto é, práticas de uso da linguagem (prática de escrita e de
leitura de textos e prática de produção de textos orais e escritos) e práticas de
reflexão sobre a língua e linguagem (prática de análises lingüísticas). Diante dessa
nova proposta, emergem várias pesquisas no espaço acadêmico, no sentido de
assumir os gêneros do discurso como objeto de ensino na prática de leitura e
produção textual. Como exemplo dessas pesquisas, temos as relatadas no livro
organizado por Roxane Rojo, intitulado A prática de linguagem em sala de aula –
praticando os PCNs (2000). O livro põe à mostra um conjunto de trabalhos
resultantes de pesquisas para aplicação do gênero em sala de aula. Além desse, há
outros, como Gêneros Textuais & Ensino (2005), organizado por Dionísio, Machado e
Bezerra, que reúne análises de textos da mídia; Gêneros: teorias, métodos, debates
(2005), que agrupa os trabalhos sob três abordagens na área de gêneros – sóciosemiótica, sócio-retórica e sócio-discursiva – o qual teve como organizadores
Meurer, Bonini e Motta-Roth. Além desses livros, há também grande número de
dissertações e teses desenvolvidas com base nesse novo paradigma – o estudo da
língua como atividade social. As discussões sobre esse assunto têm-se acentuado
também em palestras, seminários, cursos, simpósios, publicação de artigos, ensaios,
8
enfim, atualmente a abordagem dos gêneros do discurso é destaque nas discussões
sobre o ensino de Língua Portuguesa.
1.2 Gêneros do discurso: a perspectiva enunciativo-discursiva
Antes de tratar especificamente dos gêneros do discurso, faremos alguns
apontamentos acerca do pensamento bakhtiniano em relação à concepção de
linguagem,3 pois, dessa forma, teremos condições de compreender com mais
clareza a natureza real da língua na qualidade de fenômeno sócio-histórico e
ideológico.
Em Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929] 2004, p. 72)4, Bakhtin tece
críticas às duas correntes teóricas que marcaram os estudos lingüísticos em sua
época. A primeira refere-se ao subjetivismo idealista, que compreende a linguagem
como criação individual. Os adeptos dessa teoria acreditam que as formas de
manifestação da linguagem estão diretamente ligadas ao pensamento; portanto, se
uma pessoa não se expressa adequadamente é porque não pensa. Esta concepção
está relacionada com a gramática tradicional.
A segunda corrente teórica contra qual Bakhtin ([1929] 2004, p. 77) se opôs
foi o objetivismo abstrato. Nesta concepção, a língua é vista como um sistema
normativo do qual os falantes se apropriam para se comunicarem, isto é, há um
código em que o emissor transmite ao receptor uma mensagem por meio de um
canal. Em outros termos, é a linguagem como instrumento de comunicação, que
serve de apoio ao estruturalismo saussuriano. Sua principal função é a transmissão
de informações.
Contrariando as duas abordagens citadas, Mikhail Bakhtin ([1929] 2004, p.
123) afirma que
a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema
abstrato de formas lingüísticas nem pela enunciação monológica
isolada, nem pelo ato psicofisiológico de sua produção, mas pelo
fenômeno social da interação verbal, realizada através da
enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a
realidade fundamental da língua.
3
Para um estudo mais avançado sobre as concepções de linguagem, ver Travaglia (1997).
9
Como podemos inferir, a posição teórica de Bakhtin se insere na terceira
concepção de linguagem, isto é, linguagem como forma de interação. Nessa
concepção, a língua ultrapassa o conceito de meramente transmissora de
informações e passa a ser vista como lugar de interação humana. Trata-se, como
afirma Geraldi (2005, p. 42), “de um jogo que se joga na sociedade, na interlocução.
É no interior do seu funcionamento que se pode procurar estabelecer as regras de
tal jogo”. Assim, a linguagem é um lugar de interação social em que os interlocutores
agem e interagem no momento real da comunicação. Nessa perspectiva, os
contextos sócio-histórico e ideológico são constitutivos da teoria bakhtiniana, os
quais foram negligenciados pelas teorias já citadas – subjetivismo idealista e
objetivismo abstrato. Dito de outra maneira, reduzir a língua a um sistema abstrato
de normas ou à expressão da criação individual, para Bakhtin (2004), não abarca a
complexidade dos fenômenos lingüísticos, isto é, da “realidade concreta da língua”.
Essa abordagem constitui, a nosso ver, um dos primeiros passos para a
construção do conceito de gêneros do discurso, embora não tenha sido mencionada
de forma particular, pois, ao se opor às duas concepções e afirmar que a linguagem
se manifesta pela interação verbal, o filósofo russo ([1929] 2004, p.124) acrescenta
que5
a língua vive e evolui historicamente na comunicação verbal
concreta, não no sistema lingüístico abstrato das formas da língua
nem no psiquismo individual dos falantes.
Disso decorre que a ordem metodológica para o estudo da língua
deve ser o seguinte:
1- As formas e os tipos de interação verbal em ligação com as
condições concretas em que se realiza.
2- As formas das distintas enunciações, dos atos de fala isolados,
em ligação estreita com a interação de que constituem os elementos,
isto é, as categorias de atos de fala na vida e na criação ideológica
que se prestam a uma determinação pela interação verbal.
3- A partir daí, exame das formas da língua na sua interpretação
lingüística habitual.
5
Cabe aqui ressaltar as grandes contribuições proporcionadas pelo professor João Wanderley
Geraldi no Curso Livre de Estudos Lingüísticos Novos Paradigmas do Ensino de Língua Materna,
ministrado no primeiro semestre de 2006, no MeEL/IL/UFMT, para a compreensão desse assunto.
10
Rojo (2005) afirma que, geralmente, quando se fala em gêneros do discurso, o que
se pode observar é que, na realização das pesquisas acadêmicas, no Brasil, o texto
mais citado é o capítulo Os gêneros do discurso 6, do livro Estética da Criação
Verbal, de 1953. Mas, lendo atentamente o livro Marxismo e Filosofia da Linguagem,
de 1929, podemos depreender que o filósofo russo mencionou, várias vezes, termos
que remetem a esse tema, embora não o tenha feito de maneira aprofundada e
complexa. Nesta última obra, essa menção pode ser constatada nas próprias
palavras do filósofo russo ([1929] 2004, p. 43):
Mais tarde, em conexão com o problema da enunciação e do
diálogo, abordaremos também o problema dos gêneros lingüísticos.
A este respeito faremos simplesmente a seguinte observação: cada
época e cada grupo social têm seu repertório de formas de discurso
na comunicação sócio-ideológica. A cada grupo de formas
pertencentes ao mesmo gênero, isto é, a cada forma de discurso
social, corresponde um grupo de temas. Entre as formas de
comunicação (por exemplo, relações entre colaboradores num
contexto puramente técnico), a forma de enunciação (“respostas
curtas” na “linguagem de negócios”) e enfim o tema, existe uma
unidade orgânica que nada poderia destruir.
O termo gênero foi usado, por muitos séculos, para remeter aos estudos no
âmbito da literatura, aliás, iniciado na Antigüidade com Aristóteles, em suas grandes
obras – Poética e Retórica. Brandão (2004, p. 96) afirma que o estudo dos gêneros
se constituiu a partir dessas duas grandes obras, mas várias classificações têm sido
feitas ao longo dos tempos: “a clássica distinção entre poesia e prosa; a distinção
entre lírico, épico e dramático, a oposição entre tragédia e comédia, além da
distinção entre os discursos deliberativo, judiciário e epidítico”. Dessa forma, pode-se
perceber que a questão dos gêneros foi, inicialmente, preocupação dos estudiosos
ligados aos estudos literários.
6
Na tradução espanhola, o título desse capítulo se apresenta como El Problema de los géneros
discursivos. Barbosa (2001) considera esse título mais pertinente, uma vez que ele reflete a
problemática pretendida por Bakhtin para mencionar esse assunto. Neste trabalho, manteremos o
título da tradução da Martins Fontes (2003), isto é, Os gêneros do discurso.
11
Com Mikhail Bakhtin, na primeira metade do século XX, esse termo passou
a apresentar um conceito mais amplo. De acordo com a visão bakhtiniana da
linguagem, os gêneros do discurso são “os tipos relativamente estáveis de
enunciados utilizados em cada esfera da atividade humana” ([1952/1953] 2003, p.
262). Nesse sentido, ao nos comunicarmos e interagirmos na sociedade, fazemos
uso, a todo o momento, dos gêneros, por isso, há uma variedade infinita deles sobre
a qual não temos controle e nem domínio em sua totalidade. O conceito de gêneros
em Bakhtin está ligado às formas de dizer sócio-historicamente constituídas, ou seja,
não há uma finitude dos gêneros, pois a sociedade muda, e cada vez vão aflorando
outras formas de uso da linguagem nas diversas esferas sociais. Segundo esse
autor ([1952/1953] 2003, p. 262),
a riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas porque
são inesgotáveis as possibilidades da multiforme atividade humana
e porque em cada campo dessa atividade é integral o repertório de
gêneros do discurso, que cresce e se diferencia à medida que se
desenvolve e se complexifica um determinado campo.
Explicando de outra forma, para o filósofo russo, o repertório dos gêneros
amplia-se e modifica-se, à medida que as esferas de atividades se complexificam.
Importante é destacar, no entanto, que essas variações não são totalmente livres,
pois a estabilidade (relativa) é essencial para que haja uma compreensão responsiva
que, segundo Bakhtin (2003), sempre será ativa, considerando que todo ato
discursivo em situação de enunciação estimula uma resposta, mesmo que não a
esperada. A atitude responsiva é a compreensão da significação lingüística e
discursiva. Dessa forma, todo locutor visa à resposta do outro, seja uma
concordância, uma adesão ou uma objeção. Nas palavras do filósofo russo
([1952/1953] 2003, p. 271),
o ouvinte, ao perceber e compreender o significado (lingüístico) do
discurso, ocupa simultaneamente em relação a ele uma ativa
posição responsiva: concorda ou discorda dele (total ou
parcialmente), completa-o, aplica-o, prepara-se para usá-lo, etc.;
essa posição responsiva do ouvinte se forma ao longo de todo o
processo de audição e compreensão desde o seu início, às vezes
literalmente a partir da primeira palavra do falante. Toda
compreensão da fala viva, do enunciado vivo é de natureza
ativamente responsiva (embora o grau desse ativismo seja bastante
12
diverso); toda compreensão é prenhe de resposta, e nessa ou
naquela forma a gera obrigatoriamente: o ouvinte se torna falante.
O filósofo russo dividiu os gêneros em primários e secundários, propensos a
esclarecer a natureza do enunciado e seu processo de formação. Os primários
referem-se às situações cotidianas; são predominantemente orais, vistos como mais
“simples”. Estão mais relacionados às relações face a face. Os secundários são os
gêneros que aparecem em instâncias mais evoluídas; mais “complexos” e
predominantemente escritos. Estes formam-se com base nos primários.
No reportarmos aos gêneros do discurso, não podemos deixar de mencionar
a relação que Bakhtin estabelece entre o enunciado e a oração. Segundo esse
autor, nas obras Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929] 2004) e Estética da
Criação Verbal ([1952/1953] 2003), o enunciado é a unidade real da comunicação
verbal, cabendo as orações serem as unidades da língua (como sistema). Assim, o
enunciado é exatamente a realização enunciativa da oração, pois esta, como
unidade abstrata da língua, não provoca uma atitude responsiva ativa. O contexto é
fator determinante nessa relação. O enunciado concreto é dinâmico, tem vida, não é
uma unidade convencional, é real e se desenvolve no processo da interação social
através da participação dos sujeitos. Assim, os sujeitos, ao produzirem um
enunciado, estão sempre respondendo a um já-dito, a um querer-dizer; portanto, o
enunciado é, ao mesmo tempo, uma resposta e uma provocação para a construção
de outros enunciados: “cada enunciado é um elo na corrente complexamente
organizada de outros enunciados” (BAKHTIN, [1952/1953] 2003, p. 272). É esse elo
que garante o princípio dialógico constitutivo da linguagem. Para esse autor
([1952/1953] 2003, p. 282),
a língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura
gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de
dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas que nós
mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação
discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam. Nós assimilamos
as formas da língua somente nas formas das enunciações e
justamente com essas formas. As formas da língua e as formas
típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à
nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e
estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa aprender a
construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por
orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas). [...]
Nós aprendemos a moldar o nosso discurso em formas de gêneros
13
e, quando ouvimos o discurso alheio, já adivinhamos o seu gênero
pelas primeiras palavras, adivinhamos um determinado volume, uma
determinada construção composicional, prevemos o fim, isto é,
desde o início temos a sensação do conjunto do discurso que em
seguida apenas se diferencia no processo da fala.
Essa citação reforça a posição de Bakhtin, ao se opor à teoria do objetivismo
abstrato em Marxismo e Filosofia da Linguagem ([1929] 2004), pois, para o autor, “a
língua vive e evolui na comunicação verbal concreta”. Assim, é pela interação verbal
que os sujeitos se constituem como tais, e não pelo estudo das unidades
segmentadas da língua (fonemas, palavras, frases), vistas de maneira isolada,
descontextualizada de sua utilização. Assumir a concepção enunciativo-discursiva
como prática de ensino é considerar a linguagem como interação social em que os
interlocutores estudam a língua em reais situações de sua produção. Podemos ver,
aqui, a relação dessa citação como contribuição para os estudiosos da linguagem
repensarem o ensino de língua portuguesa. Dizendo de outra forma, a língua deve
ser estudada como prática social contextualizada no processo de interação verbal. A
nosso ver, é precisamente a partir dessa premissa que o ensino de língua
portuguesa deve se fundamentar.
Maingueneau (2004, p. 59), ao tratar dos gêneros, em sua obra Análise de
textos de comunicação, no capítulo intitulado Tipos e gêneros do discurso, afirma
que “todo texto pertence a uma categoria de discurso, a um gênero do discurso”.
Dessa forma, uma conversa, um jornal, um panfleto, um cartão, um artigo de
opinião, uma propaganda, etc. são termos utilizados pelos locutores de uma
sociedade para categorizar a imensa variedade de textos que são produzidos.
Assim, esse autor compreende os gêneros do discurso como “dispositivos de
comunicação que só podem aparecer quando certas condições sócio-históricas
estão presentes”. Ou seja, o aparecimento dos gêneros em todas as esferas da
atividade social estará diretamente condicionado a determinadas condições
históricas de uma determinada sociedade em que os enunciados são produzidos.
Nessa obra, Maingueneau trata amplamente das tipologias do discurso, pois,
para ele, a forma de categorizá-las é muito diversificada, por conta da variedade dos
tipos de textos existentes na sociedade. O autor cita as tipologias comunicacionais,
que se expressam por categorias como o discurso “polêmico”, “didático”,
14
“prescritivo”, etc. Estas indicam o que se faz com o enunciado, e elas podem se
apresentar
tanto
por
funções
da linguagem (função
referencial,
emotiva,
metalinguagem) como por funções sociais (função lúdica, de contato religioso etc).
Nessa classificação, o discurso publicitário tem como função predominante a
conativa, pois visa a atingir diretamente o leitor por meio da persuasão.
O autor chama a atenção para a dificuldade no traçar uma fronteira entre
esses dois tipos – funções da linguagem e funções sociais. Assim, posteriormente,
ele explicita as tipologias de situações de comunicação em que apresenta os
conceitos de gêneros de discurso e tipo de discurso. Para Maingueneau (2004, p.
61), “os gêneros do discurso pertencem a diversos tipos de discursos associados a
vastos setores de atividade social”. Essa categorização, por seu caráter
historicamente variável, contrapõe-se às tipologias comunicacionais que citamos.
Outras tipologias apontadas pelo autor francês são as lingüística e discursiva. A
primeira estabelece a relação entre o enunciado e a situação de enunciação; a
segunda, por sua vez, é a ideal para a Análise do Discurso, pois não dissocia as
caracterizações ligadas às funções, aos tipos e aos gêneros do discurso.
Em consonância com Bakhtin, Maingueneau ressalta a importância do
domínio dos gêneros como fator de economia, ou seja, não precisamos ficar atentos
a todos os detalhes de todos os enunciados com que deparamos no dia-a-dia, pois,
se assim fosse, a comunicação seria impossível. Outro aspecto mencionado por
esse autor é que os saberes compartilhados entre os participantes no momento da
interação contribuem para assegurar a comunicação.
Alicerçados em Bakhtin e assumindo que a aprendizagem da língua materna
se efetiva pelas enunciações concretas que produzimos, o grupo de estudiosos de
Genebra, composto por Joaquim Dolz, Bernard Schneuwly, Auguste Pasquier, entre
outros, há quase duas décadas, vem desenvolvendo trabalhos sobre o ensino de
língua a partir de gêneros. Para Schneuwly (2004, p. 26), o gênero constitui-se como
uma ferramenta, ou seja, um (mega-)instrumento – objeto socialmente elaborado –
de que o sujeito se utiliza para interagir em situações de linguagem na sociedade.
[...] há visivelmente um sujeito, o locutor-enunciador, que age
discursivamente (falar/escrever), numa situação definida por uma
série de parâmetros, com a ajuda de um instrumento que aqui é um
gênero, um instrumento semiótico complexo, isto é, uma forma de
15
linguagem prescritiva, que permite, a um só tempo, a produção e a
compreensão de textos.
Ao desenvolver esse conceito metafórico do gênero, Schneuwly acredita que
uma das particularidades desse instrumento é o fato de ele ser constitutivo da
situação comunicativa, apresentando níveis de operações que são necessárias para
a produção de um texto, os quais são organizados pela estrutura global do gênero.
Dentre as várias classificações dos gêneros vistas no decorrer do capítulo,
optaremos, neste trabalho, pelos pressupostos bakhtinianos, por acreditarmos mais
adequados aos propósitos deste estudo. Segundo Bakhtin ([1952/1953] 2003, p.
265), os gêneros do discurso são caracterizados por três elementos, fortemente
inter-relacionados.
O primeiro deles, o conteúdo temático, compreende a intenção discursiva, o
querer-dizer do locutor, ou seja, o que pode tornar-se dizível por meio dos gêneros.
“[...] interpretamos, sentimos a intenção discursiva de discurso ou a vontade
discursiva do falante, que determina o todo do enunciado, o seu volume e as suas
fronteiras”. Nesse sentido, os elementos lingüísticos e não-lingüísticos usados pelo
locutor, aplicados e adaptados a um gênero do discurso em uma situação concreta
de comunicação, possibilitam aos interlocutores uma atitude responsiva.
O segundo elemento, a estrutura composicional, é a forma como os gêneros
são organizados, estruturados, ou seja, como são apresentados. Podemos dizer que
essas formas representam o conjunto de restrições do que constitui o gênero,
marcando, assim, suas especificidades.
Por último, o terceiro elemento é o estilo, constituído pelas escolhas
gramaticais, fraseológicas e lexicais que fazemos para a construção dos gêneros.
De acordo com Bakhtin ([1952/1953] 2003, p. 266), todo estilo está ligado às formas
típicas de enunciados e pode refletir a individualidade do falante. Entretanto, nem
todos os gêneros são propícios a tal reflexo, pois em muitos deles
o estilo é indissociável de determinadas unidades temáticas e – o
que é de especial importância – de determinadas unidades
composicionais: de determinados tipos de construção do conjunto,
de tipos do seu acabamento, de tipos da relação do falante com
outros participantes da comunicação discursiva.
16
Importante é frisar que essas três características – conteúdo temático,
estrutura composicional e estilo – devem ser consideradas a partir do contexto de
produção, circulação e recepção do gênero, ou seja, os enunciados pertencem à
determinada esfera de atividade humana; são, portanto, sócio-historicamente
situados. Para Bakhtin ([1952/1953] 2003, p. 262), “esses três elementos estão
indissoluvelmente ligados ao todo do enunciado e são igualmente determinados pela
especificidade de um determinado campo de comunicação”.
Partindo desses conceitos, podemos afirmar que a propaganda impressa –
objeto deste estudo – constitui-se em um gênero de discurso por apresentar o tripé
bakhtiniano, isto é, geralmente é constituído da linguagem verbal e não-verbal –
multimodalidade – e, por igual, tem como finalidade persuadir e convencer o leitor a
adquirir um produto ou a aderir a uma idéia.
Trataremos agora, especificamente, das características da propaganda
impressa no que concerne à distinção dos termos propaganda e publicidade, das
estratégias persuasivas que as constituem e dos conceitos de subentendido e
pressuposição.
1.3 Propaganda impressa: concepções teóricas
1.3.1 Publicidade e/ou propaganda
Os termos publicidade e propaganda, embora sejam usados como
sinônimos, em não poucos casos, apresentam diferenças essenciais quando usados
tecnicamente. Etimologicamente, publicidade deriva de público, palavra de origem
latina – publicus – significando o ato de vulgarizar, de tornar público um fato ou uma
idéia. No século XV, na França, tinha um sentido de ordem jurídica, publicação de
leis, mas, segundo Rabaça & Barbosa (apud PINHO,1990, p. 16), o termo
publicidade perde esse sentido jurídico e passa a ganhar um significado comercial
em meados do século XIX: “Qualquer forma de divulgação de produtos ou serviços,
através de anúncios pagos e veiculados sob a responsabilidade de um anunciante
identificado com objetivos de interesse comercial”.
Já a propaganda é definida como a propagação de princípios e teorias
relacionadas com a política, com a religião e com a ética. Tem origem no latim –
17
propagare – que quer dizer propagar, difundir, estender. De acordo com Sandmann
(2003, p. 09), esse termo surgiu do nome Congregatio de propaganda fide
(Congregação da fé que deve ser propagada), criada em Roma, em 1622. Tinha
como finalidade a propagação da fé. Assim, o termo propaganda acoberta o sentido
de disseminação de idéias, princípios e doutrinas ligados aos valores religiosos.
Como podemos perceber, publicidade e propaganda são termos distintos no
que se refere à etimologia. Mas de acordo com Rabaça e Barbosa (1995, p. 481),
esses termos estão sendo usados sem muita distinção.
No Brasil e em alguns países da América Latina, as palavras
propaganda e publicidade são geralmente usadas com o mesmo
sentido, e esta tendência parece ser definitiva, independentemente
das tentativas de definição que possamos elaborar em dicionários
ou em livros acadêmicos. Em alguns aspectos, porém, é possível
perceber algumas distinções no uso das duas palavras: em geral
não se fala em publicidade com relação à comunicação persuasiva
de idéias (neste aspecto, propaganda é mais abrangente, pois inclui
objetivos ideológicos, comerciais etc.); a publicidade mostra-se mais
abrangente no sentido de divulgação (tornar público, informar, sem
que isso implique necessariamente persuasão).
Atualmente, no mercado de trabalho, de modo geral, esses termos se
distanciaram de suas definições próprias de origem, isto é, não há mais uma
fronteira clara entre “propaganda” e “publicidade”. Diante disso, e em decorrência do
uso das variedades de textos – tanto propagandas comerciais quanto sociais – que
utilizamos para o desenvolvimento das atividades práticas, faremos uso dos termos
propaganda e publicidade indistintamente, por considerarmos coerente com os
propósitos desta pesquisa.
Existe uma variação muito grande de classificação dos tipos de propagandas
e publicidade. Pinho (1990) apresenta a seguinte classificação: Publicidade de
produto, que se destina à divulgação de produtos em que o fabricante ou o produtor
leva o público-alvo ao conhecimento e à intenção de compra; a publicidade de
serviços geralmente apresenta anúncios que destacam vantagens e facilidades
oferecidas por bancos, financiadoras e seguradoras; publicidade de varejo (ou
comercial), que tem ligação direta com o consumidor final, anuncia produtos
fabricados por outras empresas e vendidos por empresas de varejo e, por último,
18
publicidade de promoções, que são estratégias criadas para divulgar e dar apoio às
promoções de vendas. Esta se utiliza de meios maciços, como TV, revista, outdoor
e, atualmente, a Internet.
Já no referente à propaganda, Pinho (1990) esboça a seguinte classificação:
propaganda política, tem como finalidade difundir os aspectos ideológicos,
filosóficos, partidários; propaganda eleitoral, tem como objetivo a conquista de votos
para os candidatos; propaganda governamental, visa à criação ou modificação da
imagem de determinado governo; propaganda institucional, tem por finalidade
posicionar empresas para o público interno e externo e não é ligada diretamente à
venda de produtos ou serviços; finalmente, a propaganda social compreende todas
as campanhas voltadas às causas sociais e, geralmente, tem como objetivo
informar, prestar esclarecimentos sobre violência, prevenção de doenças, acidentes
de trânsito, preservação do meio ambiente, entre outras questões sociais.
Atualmente, podemos observar que, além de grupos sociais que não visam a
lucros, como instituições filantrópicas, hospitais, grupos religiosos, órgãos públicos,
há o marketing social, que ocorre quando empresas comerciais se utilizam desse
tipo de propaganda para conquistar a simpatia do público, demonstrando
preocupação com as causas sociais7.
1.3.2 Estratégias persuasivas da propaganda
Com o advento da imprensa e, simultaneamente, o desenvolvimento da
mídia, o número de propagandas e publicidades cresceu de forma incontrolável.
Hoje, esses textos estão presentes em todos os lugares: nos outdoors, televisão,
7
De acordo com Kotler e Roberto (1992, p. 25), “o termo marketing social apareceu pela primeira
vez em 1971, para descrever o uso de princípios e técnicas de marketing para a promoção de uma
causa, idéia ou comportamento social. Desde então, passou a significar uma tecnologia de gestão da
mudança social, associada ao projeto, implantação e controle de programas voltados para o aumento
da disposição de aceitação de uma idéia ou prática social em um ou mais grupos de adotantes
escolhidos como alvo”.
19
rádios, Internet, panfletos, revistas, jornais. Enfim, é praticamente impossível
imaginar nosso dia-a-dia sem o bombardeio de anúncios. Para Vestergaard e
Schroder (2005), a expansão da propaganda ocorreu no final do século XIX por
força da superprodução decorrente dos investimentos tecnológicos, chegando a um
nível de desenvolvimento em que as empresas lançavam mercadorias mais ou
menos iguais e a preços equivalentes. Assim, as técnicas publicitárias mudam da
informação para a persuasão, o que fez surgir, no século XIX, as primeiras agências
publicitárias. Outra novidade, segundo esses autores, foi o desabrochar da televisão
– um dos meios de comunicação mais vistos pela população. A esse respeito,
Carvalho (2003) afirma que, até o século XIX, a publicidade limitava-se a informar o
produto vendido e seu custo, mas que, nas últimas décadas, ocorreram muitas
mudanças no uso da linguagem, isto é, a sedução e a persuasão substituíram a
objetividade informativa.
O discurso da propaganda é geralmente sustentado pela combinação de
recursos icônico-lingüísticos e que de maneira consciente procura convencer o
consumidor a adquirir um produto ou a mudar de comportamentos e atitudes. Para
isso, é utilizado um conjunto de técnicas e recursos semióticos, tais como jogo de
cores e imagens; diferentes tamanhos das fontes; frases curtas, períodos compostos
por coordenação; seleção lexical cuidadosa, uso de figuras de linguagem com
termos específicos, claros e concisos; linguagem clara e objetiva. Bolinger (apud
CARVALHO, 2003, p. 18), a respeito da linguagem publicitária, pontua: “Com o uso
de simples palavras, a publicidade pode transformar um relógio em jóia, um carro em
um símbolo de prestígio e um pântano em paraíso tropical”. Ao fazer a apresentação
de um produto, a propaganda acaba por reproduzir padrões de beleza e de
comportamento de uma determinada sociedade, ou estimula a desfazê-los, isto é,
dita o que está ou não na moda, o que uma pessoa precisa para ser bem-sucedida e
feliz, além de retratar comportamentos e papéis sociais presentes na família,
trabalho, lazer. Aliás, acaba promovendo uma igualdade utópica entre as pessoas e,
ao mesmo tempo, estabelecendo um grau de superioridade que será vista e
reconhecida pela sociedade.
O produtor do texto precisa levar em conta, ao “bolar” uma propaganda, que
um leitor em potencial lê uma revista ou um jornal, por exemplo, não em função das
propagandas lá encontradas, mas pelas reportagens, matérias que esses suportes
20
oferecem. A esse respeito, Vestergaard e Schroder (2005, p. 47) mencionam a
importância das imagens na produção de uma propaganda, já que estas se
diferenciam do texto verbal em relação à percepção, pois elas chamam mais a
atenção do leitor em um primeiro contato, ainda que seja de maneira rápida.
Segundo eles, o lingüístico apresenta uma dimensão temporal que não pode ser
abreviada, pois a sua unidade menor – a oração – tem começo e fim. Já o texto nãoverbal é visualizado de imediato, o que faz despertar a atenção do leitor. Uma vez
captada a atenção do leitor, o anúncio deve convencê-lo de que o produto vai
satisfazer suas necessidades ou despertar uma que até então não fora sentida. Não
basta sentir vontade de adquirir o produto. O anúncio precisa convencer o públicoalvo de que a marca anunciada é superior a qualquer outra similar e, assim, o
produto deve ser comprado.
Para ajudar a compreender os recursos não-lingüísticos empregados nos
textos utilizados nesta pesquisa, apoiamo-nos, também, na sexta hipótese8 − Uma
prática intersemiótica − desenvolvida por Maingueneau (2005, p. 145), em seu livro
Gênese dos discursos. Segundo ele,
limitar o universo discursivo unicamente aos objetos lingüísticos
constitui sem dúvida alguma um meio de precaver-se contra os
riscos inerentes a qualquer tentativa “intersemiótica”, mas apresenta
o inconveniente de nos deixar muito aquém daquilo que todo mundo
sempre soube, a saber, que os diversos suportes intersemióticos
não são independentes uns dos outros, estando submetidos às
mesmas escanções históricas, às mesmas restrições temáticas.
Nos textos publicitários, pode-se perceber que os recursos semióticos são
determinantes para a construção dos sentidos. O uso das cores e imagens, o
formato e a escolha da fonte são constituintes do texto publicitário. A disposição de
tais recursos não é aleatória, ou seja, quando um produtor faz sua escolha, são
levados em conta o produto anunciado, o suporte em que será veiculado, os
interlocutores, enfim, as condições de produção. Desconsiderá-las no processo de
leitura provocaria uma interpretação fragmentada.
8
No livro Gênese dos Discursos, Maingueneau (2005) apresenta sete hipóteses: primado do
interdiscurso, uma competência discursiva, uma semântica global, a polêmica como
interincompreensão, do discurso à pratica discursiva, uma prática intersemiótica e um esquema de
correspondência. Neste trabalho, faço referência à sexta hipótese.
21
A respeito dos recursos usados na construção de uma propaganda,
Sant’Anna (1999, p. 157) sustenta que um anúncio publicitário deve:
- Atrair a atenção (o anúncio deve ser visto);
- Despertar o interesse (o anúncio deve ser lido);
- Criar a convicção (o anúncio deve ser acreditado);
- Provocar uma resposta (o anúncio deve levar à ação);
- Fixar na memória (a coisa anunciada deve se lembrada).
Para que a propaganda produza o efeito explicitado, variadas são as
maneiras de elaboração desse gênero discursivo. Muitas vezes, utiliza-se de
recursos estilísticos da linguagem cotidiana e trabalha com crenças, mitos, valores
como forma de aproximação com o leitor. Nesses casos, é comum encontrarmos o
uso
de provérbios, gírias, estereótipos, marcas
de
informalidade, formas
eufemísticas para suavizar o discurso, letras de música, enfim, uma série de
recursos para passar a idéia de um mundo perfeito em que tudo o que uma pessoa
precisa para se realizar, ser feliz, viver em harmonia, com tranqüilidade está sendo
oferecido. Nesse caso, o público-alvo é fator fundamental, isto é, uma mensagem
publicitária feita para o público masculino difere completamente da que é feita para o
feminino ou para o público infantil.
Sandmann (2003) aponta aspectos especialmente criativos presentes na
propaganda, objetivando perceber o estilo e as características gerais desses textos,
destacando aos chamados desvios gramaticais:
•
Variação lingüística: trabalha com a linguagem coloquial, em que a fala
é adaptada ao contexto da situação. Há presença de gírias ou variedade de
determinada região em que o anúncio foi produzido:
Pense mais em você, sua bobona.
•
Empréstimo lingüístico: ocorre quando se faz uso de termos
estrangeiros em substituição aos da língua materna. É o caso da preferência por
griffe ao invés de “marca” para atender ao estilo do leitor e para transmitir idéia de
superioridade. Ocorre também a troca apenas de letras como forma de embelezar a
palavra:
Ká Entre Nós (nome de um bar em Curitiba).
22
•
Aspectos (orto)gráficos: usados para provocar efeitos expressionais
especiais, mas não como desrespeito às normas ortográficas:
As praias e sua Honda esperam por você.
•
Aspectos fonológicos: uso de rimas, ritmo e aliteração como forma de
brincar com as palavras e deixar aparecer um tom poético:
Aki tem Delicious Fish.
•
Aspectos morfológicos: jogo com as palavras complexas, prefixação,
sufixação e cruzamento vocabular usados para compor novas palavras ou realçar a
intensidade de sentido:
O supermóvel feito para você.
•
Aspectos sintáticos: uso de períodos simples, de preferência por
coordenação, paralelismo, simetria, muitas vezes fugindo da norma padrão; aliás,
esta é uma característica marcante da linguagem publicitária:
Para fazer vatapá, tutu à mineira, carreteiro e todas as comidas favoritas dos
brasileiros.
•
Aspectos semânticos: uso da polifonia para provocar duplicidade de
sentidos, apresentação de idéias opostas com a utilização da antonímia e
combinações estilísticas:
Um carro que diz onde você chegou antes mesmo de ter saído da garagem.
•
Aspectos (con)textuais: apresentam a estrutura predominante da
propaganda: título, texto e assinatura. Importante é salientar que este aspecto é
muito variável, pois, em muitas propagandas, encontramos apenas imagens, assim
como em outras falta o título, nem por isso deixando de ser criativas.
Todos esses recursos lingüísticos e não-lingüísticos reforçam a importância
do produto ou serviço propagado, estabelecendo maior aproximação com o leitor.
Influenciam opiniões, aguçam sentimentos e, em muitos casos, provocam mudança
de atitudes no leitor. Os efeitos de significação são construídos pela interação
locutor – alocutário, este a quem se procura convencer e de quem são esperados,
como resposta, atitudes e comportamentos.
1. 3. 3 Implícito e explícito no discurso da propaganda
23
Como já foi mencionado neste capítulo, o discurso da propaganda
caracteriza-se por uma linguagem econômica, rápida e marcada pela informalidade,
tendo em vista ser um gênero discursivo que não poderá ocupar muito tempo do
leitor. É interessante notar que nem todas as informações são exibidas de forma
explícita, isto é, há o não-dito que é compreendido pelo interlocutor. Ao tratar dos
conceitos de implícito e explícito, faz-se necessário discorrer sobre os de
pressuposto e subentendido. Em outros termos, os recursos argumentativos que
garantem o alcance do objetivo da propaganda – atingir o seu receptor, fazendo-o
adquirir algum produto ou aderir a alguma idéia que estão sendo propagados – são
(e talvez principalmente) os que não estão externalizados, mas sugeridos.
Ducrot (1997, p. 41), em sua teoria da argumentação, desenvolve um
trabalho, diferenciando os conceitos de subentendido e de pressuposição como
forma distinta de não dizer:
A pressuposição é [...] um elemento do sentido – se se considera o
sentido como uma espécie de retrato da enunciação. Dizer que
pressuponho X, é dizer que pretendo obrigar o destinatário, por
minha fala, a admitir X, sem por isso dar-lhe o direito de prosseguir o
diálogo a propósito de X. O subentendido, ao contrário, diz respeito
à maneira pela qual esse sentido é manifestado, do processo, ao
término do qual deve-se descobrir a imagem que pretendo lhe dar
de minha fala.
De acordo com esse autor, esses dois conceitos se apresentam em dois
níveis semânticos: o da pressuposição está no nível da significação e o
subentendido no do sentido. Assim, o primeiro se estabelece em um contexto
conhecido e compartilhado pelos leitores. Ele mostra informações fora do enunciado,
isto é, do que é posto, do que é dito. O posto no enunciado é o que se estampa de
forma explícita, é a base da formulação. Já o pressuposto, implica um enunciado
implícito e é nesse sentido que o interlocutor necessita compartilhar do mesmo
pressuposto que o locutor. O subentendido deixa por conta do interlocutor a
responsabilidade de interpretação do que não foi dito, mas está presente nas
condições da enunciação.
Maingueneau (2004, p. 33) afirma que os subentendidos, ao contrário dos
pressupostos, são conteúdos implícitos pragmáticos (ênfase do autor), ou seja, são
as inferências extraídas do contexto pelo co-enunciador. Os pressupostos são
24
também uma forma de implícito, mas estão na base lingüística e são definidos com a
ajuda do teste de negação. “O tipo de implícito que se evidencia pelo confronto do
enunciado com o contexto de enunciação, [...] é denominado subentendido. Esse se
opõe a um outro tipo de implícito, os pressupostos, que vêm inscritos no enunciado”.
Segundo Maingueneau (2004, p. 271), um enunciado como
“Pedro parou de fumar” veicula as informações seguintes: (1)
“Pedro, atualmente, não fuma”: é o posto, que corresponde a “aquilo
que é objeto confesso da enunciação dessa declaração”; (2) “Pedro,
antigamente, fumava”: é o pressuposto, que, embora, como o posto,
esteja de fato inscrito no enunciado (já que repousa sobre o
marcador “cessar de”), não constitui, contudo, o verdadeiro objeto
do dizer; e, eventualmente, também, (3) “Você faria bem em fazer a
mesma coisa”: conteúdo subentendido que só se atualizará em
circunstâncias enunciativas particulares.
Nos textos utilizados para a realização desta pesquisa, evidenciamos que o
uso dos pressupostos e subentendidos é meio altamente eficiente para garantir a
argumentação da linguagem. São recursos que possibilitam ao enunciador se eximir
da responsabilidade do dizer, pois os implícitos ficam sob a responsabilidade do
interlocutor, tendo em vista que o sentido é atribuído por sua interpretação. Isso se
dá porque há informações que não devem ser ditas por não ser convenientes dizêlas, mas podem ser sugeridas, ditas nas entrelinhas. Esses recursos visam a atingir
o objetivo principal do discurso da propaganda: convencer e persuadir o interlocutor.
É sobre esses dois conceitos que discutiremos.
Para tratar dos conceitos de convencer e persuadir, Perelman e OlbrechtsTyteca (1996, p. 22), em sua obra O Tratado da Argumentação – A Nova Retórica,
afirmam que um dos aspectos a ser levado em conta quando se trata da
argumentação é a adaptação do discurso ao auditório, isto é, ao leitor a quem é
dirigida a mensagem: “a argumentação efetiva tem de conceber o auditório
presumido tão próximo quanto o possível da realidade”.
Assim, se o produtor de um texto tiver uma imagem inadequada de seu
auditório, poderá sofrer conseqüências desagradáveis quanto à recepção da
mensagem. Nesse sentido, o conhecimento daqueles que se pretende atingir e
conquistar é, portanto, condição fundamental de qualquer argumentação eficiente.
Muitas vezes ocorre de o orador ter de persuadir um auditório heterogêneo, reunindo
25
pessoas diferenciadas quanto ao caráter, condição social, vínculos ou funções.
Nesse caso, serão usados argumentos múltiplos, que sejam convincentes para
atingir tal objetivo.
Para esses autores, a palavra persuadir apresenta uma dimensão maior do
que convencer, se for levado em conta o resultado final, sendo que este ato procura
atingir os desejos do interlocutor por meio de argumentos plausíveis e tem caráter
ideológico, subjetivo e temporal, dirigindo-se, assim, a um auditório particular. Já o
ato de convencer está ligado à razão por meio de pensamento lógico e racional,
sendo, dessa forma, capaz de atingir um auditório universal.
Embora os autores (1996, p. 31) estabeleçam distinções entre esses termos,
afirmam que há uma imprecisão de distinção na prática:
Propomo-nos chamar persuasiva a uma argumentação que
pretende valer só para um auditório particular e chamar convincente
àquela que deveria obter adesão de todo ser racional. O matiz é
bastante delicado e depende, essencialmente, da idéia que o orador
faz da encarnação da razão. Cada homem crê num conjunto de
fatos, de verdades, que todo homem normal deve, segundo ele,
aceitar, porque são válidos para todo ser racional. Mas será
realmente assim? Essa pretensão a uma validade absoluta para
qualquer auditório composto de seres racionais não será
exorbitante? Mesmo o autor mais consciencioso tem, nesse ponto,
de submeter-se à prova dos fatos, ao juízo de seus leitores. Em todo
caso, ele terá feito o que depende dele para convencer, se acredita
dirigir-se validamente a semelhante auditório.
Para esses autores, o objeto da teoria da argumentação apresentado na
Nova Retórica é o estudo das técnicas discursivas que permitem provocar ou
aumentar a adesão dos espíritos à tese que se lhes apresenta ao assentimento:
“Uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão
de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida ou, pelo menos, crie
neles uma disposição para a ação” (op cit., p. 50).
1. 4 Gênero discursivo em sala de aula e a seqüência didática
O ensino de Língua Portuguesa pautado na perspectiva discursiva requer
práticas pedagógicas baseadas no uso da linguagem em situações reais de
26
comunicação, objetivando-se a leitura e a produção dos gêneros do discurso. Para
isso, é necessário uma redefinição do papel do professor em relação à sua
concepção de linguagem no processo de ensino-aprendizagem. Sabemos que há
dificuldade muito grande de transposição dos estudos teóricos para a prática em
sala de aula.
O lingüista Ingo Voese (2004, p. 14) questiona essa dificuldade, ou seja,
essa distância que se verifica entre o que se produz na academia e a sua aplicação
no ensino de língua portuguesa. Em seu livro Análise do Discurso e o ensino de
Língua Portuguesa, aponta possibilidades de aplicação dos conceitos para a análise
propriamente dita, visando à melhoria das aulas.
Para Lopes-Rossi (2002), ainda hoje, nas escolas, a produção de texto
ocorre de maneira inadequada: há uma artificialidade da situação de produção e dos
temas propostos, além da falta de objetivos por parte do aluno e do professor, da
falta de leitor real (exceto o professor para a leitura dos textos dos alunos), ao lado
da falta de planejamento, somada à dependência do professor ao livro didático. São
essas razões, entre outras, que contribuem para o fracasso no tocante à produção
escrita nas escolas. É necessário que o aluno possa sentir que realmente está
produzindo para um leitor (que não deve ser apenas o professor), eliminando a
exclusividade das situações artificiais de produção textual que ainda se fazem tão
presentes no cotidiano da escola. Portanto, a produção de textos deve inserir-se
num processo de interlocução, o que implica a realização de uma série de atividades
- de planejamento e de execução - que não são lineares nem estanques. A autora
(2002, p. 33) sugere os seguintes passos para realização prática do trabalho com
gêneros do discurso:
- leitura do gênero para conhecimento das propriedades discursivas
e lingüístico-textuais;
- produção escrita do gênero (planejamento, elaboração da primeira
versão e refacção) e;
- divulgação ao público, de acordo com a forma típica de circulação
do gênero.
“Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos
por enunciados e não por orações isoladas e, evidentemente, não por palavras
isoladas”. Essa posição defendida por Bakhtin ([1952/1953] 2003, p. 283) é adotada
pela maioria dos autores que tratam a língua em seus aspectos discursivos e
27
enunciativos, e não em suas peculiaridades formais. Essa visão segue uma noção
de língua como atividade social e histórica. É dessa forma que os gêneros se
constituem como ações sócio-discursivas.
Dolz e Schneuwly (2004, p. 97) propõem o desenvolvimento de atividades
organizadas em seqüências didáticas, “um conjunto de atividades escolares
organizadas, de maneira sistemática, em torno de um gênero textual oral ou escrito”.
Este tipo de abordagem tem por objetivo ajudar o aluno a dominar melhor um
gênero, de maneira que ele tenha condições de utilizá-lo adequadamente em uma
situação comunicativa. Uma seqüência didática, em síntese, se estrutura da seguinte
forma:
1. A apresentação da situação – esse é o momento de expor aos alunos o
projeto que será desenvolvido, qual é o gênero que será abordado, a quem se
dirige a produção, que forma assumirá a produção, quem participará da
produção.
2. A primeira produção – a produção inicial tem papel central como reguladora
da seqüência didática, tanto para os professores como para os alunos.
3. Os módulos – nos módulos serão trabalhados os problemas evidenciados na
primeira produção de maneira que os alunos possam superá-los.
4. Produção final – nesta etapa, os alunos produzirão os textos, tendo a
oportunidade de melhorá-los, colocando em prática o que estudaram nos
módulos.
1.5 Formação do leitor crítico: concepção de leitura na perspectiva discursiva
A prática de leitura na abordagem discursiva é um processo complexo, pois
não se baseia na decifração de códigos lingüísticos ou reconhecimento de
parágrafos. O bom leitor não lê apenas linearmente. Sua leitura constrói os sentidos.
Assim, o objetivo principal na formação de um leitor crítico é criar condições para
que ele, por meio da reflexão sobre o funcionamento da língua nos textos, seja
capaz de desenvolver sua competência comunicativa de forma que interaja em
diferentes situações. A esse respeito, Maingueneau (2004, p. 43) salienta que essa
28
competência “consiste essencialmente em se comportar como convém nos múltiplos
gêneros de discurso: é antes de tudo uma competência genérica”.
De acordo com Brandão (2001, p. 21), o leitor crítico
- não é apenas um decifrador de sinais, um decodificador da
palavra. A palavra, para ele, é signo e não sinal (no sentido
bakhtiniano). Busca uma compreensão do texto, dialogando com
ele, recriando sentidos implícitos nele, fazendo inferências,
estabelecendo relações e mobilizando seus conhecimentos para dar
coerência às possibilidades significativas do texto;
- é cooperativo, na medida em que deve ser capaz de construir o
universo textual a partir das indicações que lhe são fornecidas;
- é produtivo, na medida em que, refazendo o percurso do autor,
trabalha o texto e se institui em um co-enunciador;
- é, enfim, sujeito do processo de ler e não objeto, receptáculo de
informações.
Cada um, com sua história de leitura, envolve-se e interage de modo
singular com um dado texto, e estes, com um conjunto de conhecimentos que o
leitor já possui, entre eles seus conhecimentos de mundo e lingüístico. É essa
interação que faz gerar a compreensão do texto lido. Nesse sentido, podemos
afirmar que “cada leitor tem a sua história” (ORLANDI, 2001, p. 43). A interação
leitor-texto marca a incompletude do texto que só se completa no ato da leitura.
Dessa forma, a compreensão e a interpretação de um texto nunca poderão ser
entendidas como atos passivos, pois, se quem escreve sempre pressupõe o outro,
quem lê co-enuncia. O texto é, portanto, reescrito em cada processo de leitura.
É papel da escola assumir essa postura e criar condições para que o aluno
seja leitor co-enunciador. A leitura, como prática social, exige um leitor crítico que
seja capaz de mobilizar seus conhecimentos prévios, quer lingüísticos, textuais, quer
de mundo, para preencher os vazios do texto, construir novos significados. O leitor
crítico parte do já sabido/conhecido, mas supera esse limite, incorporando, de forma
reflexiva, novos significados a seu universo de conhecimento para melhor entender a
realidade em que vive. Nas palavras de Brandão (2001, p. 22),
A concepção de leitura como um processo de enunciação se
inscreve num quadro teórico mais amplo que considera como
fundamental o caráter dialógico da linguagem e, conseqüentemente,
sua dimensão social e histórica. A leitura como atividade de
linguagem é uma prática social de alcance político. Ao promover a
29
interação entre indivíduos, a leitura, compreendida não só como
leitura da palavra, mas também como leitura de mundo, deve ser
atividade constitutiva de sujeitos capazes de interligar o mundo e
nele atuar como cidadãos.
Essa concepção revela que a atividade de leitura não deve representar
meramente o cumprimento de uma obrigação curricular, mas deve significar a
emancipação do aluno para que ele possa interagir com a sociedade em que vive de
maneira consciente, crítica e transformadora, no sentido da superação das
desigualdades sociais. As condições de produção de leitura e produção textual
tornam-se relevantes, uma vez que na perspectiva discursiva o que importa não é o
que o texto quer dizer, mas como ele diz, isto é, como o texto funciona. É na
interação leitor-texto que emergem os efeitos de sentido, a significação, além de
novas e/ou diferentes leituras, como afirma Orlandi (2004, p. 61):
A leitura aparece não mais como simples decodificação, mas como
a construção de um dispositivo teórico. [...] A questão do sentido
torna-se a questão da materialidade do texto, de seu funcionamento,
de sua historicidade, dos mecanismos dos processos de
significação.
Quando o sujeito fala, ele está em plena atividade de interpretação,
ele está atribuindo sentido a suas próprias palavras em condições
específicas. Mas ele o faz como se os sentidos estivessem nas
palavras: apagam-se suas condições de produção, desaparece o
modo pelo qual a exterioridade o constitui. Em suma, a interpretação
aparece para o sujeito como transparência, como sentido lá.
Nessa mesma perspectiva, Leite (2003, p.100) evidencia que “o sentido não
está no texto, mas na relação que este mantém com quem produz, com quem lê,
com
outros
textos
(intertextualidade)
e
com
outros
discursos
possíveis
(interdiscursividade)”9 .
Cabe, aqui, enfocar o conceito de dialogia em Bakhtin, pois, para ele, o
sujeito se constitui como tal por meio da linguagem e a linguagem é um ato
dialógico, ou seja, é relação com os outros. O outro, nessa perspectiva, pode ser um
livro, uma pessoa, um filme, enfim tudo com que é possível dialogar. As palavras
9
Orlandi (2001), ao discutir aspectos relacionados com o interdiscurso e intertexto, afirma que ambos
mobilizam as relações de sentidos, mas há diferenças entre esses dois termos: o primeiro tem sua
ordem no saber discursivo (o já-dito, memória afetada pelo esquecimento), enquanto o segundo
trabalha com as relações de um texto com outros textos.
30
não são auto-suficientes e independentes, elas significam nas relações sociais, isto
é, nas interações: “Por mais monológico que seja um enunciado, ele não pode
deixar de ser também, em certo grau, uma resposta ao que já foi dito sobre o mesmo
objeto, ainda que esse caráter de resposta não receba uma expressão externa bem
perceptível” (BAKHTIN, 1994, p. 317). Dessa forma, toda manifestação de
linguagem é resultante do processo dialógico e a constituição do sujeito se dá pela
relação com o outro, isto é, com o dizer do outro, com suas leituras. Logo, essa
relação está ligada aos aspectos sócio-históricos em que os sujeitos estão situados.
O texto constitui-se, nesta vertente, não em um amontoado de orações, mas
a partir de elementos discursivos e, para um trabalho prático, é necessário levar em
conta suas condições de produção, recepção e circulação. Recorrendo aos
conceitos bakhtinianos (2003, p. 287), “qualquer oração pode figurar como
enunciado acabado, mas, neste caso, é completada por uma série de elementos
muito substanciais de índole não gramatical [...]. Esse enunciado suscita resposta”.
Nesse sentido, o texto é visto como lugar de manifestação social e
discursiva que nos permite a interação verbal. No entanto, não podemos concebê-lo
somente como estrutura material, pois ele é lido e produzido por sujeitos que estão
inseridos sócio-historicamente em determinada sociedade e que, em decorrência
disso, refletem marcas dessa sociedade. Daí resulta que a leitura é prática de
interação social de linguagem.
31
CAPÍTULO II
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS: O ENCONTRO
COM OS SUJEITOS
O produto do trabalho de produção se oferece ao
leitor, e nele se realiza a cada leitura, num processo
dialógico cuja trama toma as pontas dos fios do
bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro
bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e
traçam outras histórias. Não são mãos amarradas –
se o fossem, a leitura seria reconhecimento de
sentidos e não produção de sentidos; não são mãos
livres que produzem o seu bordado apenas com os
fios que trazem nas veias de sua história – se o
fossem, a leitura seria um outro bordado que se
sobrepõe ao bordado que se lê, ocultando-o,
apagando-o, substituindo-o.
(GERALDI, 2003, p. 166)
Neste capítulo, explicitaremos os passos percorridos para a realização desta
pesquisa: a caracterização da pesquisa qualitativa, especialmente da pesquisaação, do ambiente onde foi realizada e dos participantes. Feito isso, apresentaremos
os instrumentos de coleta de dados, as categorias de análise e o projeto das
atividades práticas, seguido da descrição das aulas até a produção.
Conforme mencionamos na Introdução, nosso objetivo geral foi o de
desenvolver um projeto pedagógico por meio da metodologia seqüência didática,
com o gênero discursivo propaganda impressa, ressaltando os aspectos lingüísticodiscursivos, a fim de propiciar ao aluno uma leitura crítica de textos diversificados e
levá-lo
à
produção
desse
gênero. Para
tanto,
realizamos
atividades
de
reconhecimento e de identificação dos recursos lingüístico-discursivos e não-
32
lingüísticos, para que tivessem domínio dos elementos constitutivos desse gênero.
Também analisamos os recursos persuasivos da propaganda, de maneira que os
alunos percebessem as sutilezas do discurso presentes nesse gênero. Além disso,
propusemos atividades de análise lingüística, a partir das dificuldades apresentadas
por eles. Ao final desse trabalho, solicitamo-lhes que produzissem propagandas
impressas, utilizando os recursos lingüístico-discursivos estudados. Vale ressaltar
que as atividades de análise lingüística foram feitas no decorrer das aulas, quando
os alunos demonstravam o não-conhecimento de alguns conteúdos gramaticais.
Assumindo os gêneros do discurso como objeto de ensino, portanto levando
em consideração que a perspectiva adotada nesta pesquisa é enunciativodiscursiva, tínhamos como objetivo proporcionar a prática de leitura de propagandas
impressas para que os alunos pudessem produzir textos adequados ao gênero em
estudo.
Assim, desenvolvemos um projeto de atividades organizadas em seqüências
didáticas, com uma turma de 8ª série de uma escola pública de Cuiabá, de acordo
com as seguintes etapas:
Etapa 1: leitura de propagandas (comerciais e sociais)10. Foram feitas
atividades orais e escritas, enfocando os aspectos discursivos, como condições de
produção, recepção e circulação, e os aspectos lingüísticos e não-lingüísticos,
destacando as especificidades do gênero.
Etapa 2: produção de propagandas sociais (tema relacionado com a
preservação do meio ambiente). Nessa etapa, os alunos planejaram o texto, leram
reportagens para se informarem sobre a temática tratada – preservação do meio
ambiente –, produziram a primeira versão do texto e, após nossa leitura, análise e
discussão com eles, procederam à refacção.
Etapa 3: circulação dos textos produzidos pelos alunos por meio de uma
exposição no saguão da escola, onde foram vistos pelos demais alunos,
professores, pais e possíveis visitantes.
Passemos, agora, para a descrição da metodologia usada para a realização
do projeto.
10
A diferença entre propagandas comerciais e sociais pode ser vista no capítulo anterior, no item
1.3.1 – Publicidade e/ou propaganda.
33
2.1 Pesquisa-ação: metodologia usada na elaboração do projeto
Na pesquisa-ação, confere-se ao professor-pesquisador a oportunidade de
refletir a respeito de sua própria prática. De acordo com Andaloussi (2004, p. 139),
“a participação dos atores em uma pesquisa-ação, para transformar uma situação
problemática, permite-lhes vivenciar essa transformação e compreender os
mecanismos em jogo”.
Levando em consideração a vertente bakhitiniana da linguagem assumida
neste trabalho, tivemos a preocupação de propor um projeto de atividades práticas
enfocando a leitura e produção textual com propaganda impressa, visando a atender
as condições de produção, circulação e recepção desse gênero discursivo. Dessa
forma, organizamos o projeto em seqüências didáticas, conforme proposto por Dolz,
Schneuwly e Noverraz (2004), e nos embasamos, também, em outros autores que
propõem trabalho em forma de projetos, como Lopes-Rossi (2002a, 2002b, 2003) e
Barbosa (2001). É importante pontuar, aqui, que, embora usemos o modelo proposto
pelo grupo de Genebra, fizemos uma adaptação: não propusemos a produção
textual inicial do gênero trabalhado, mas uma atividade diagnóstica de leitura, para
sabermos como os alunos compreendiam tal gênero. A partir dessa atividade,
planejamos as demais. Assim, a produção textual foi proposta após o trabalho de
leitura. A preparação das atividades, gradativamente, nos possibilitou explorar
propagandas atuais, veiculadas no momento em que o trabalho estava sendo
realizado, o que não nos impediu de utilizar textos de datas passadas.
Para melhor visibilidade do procedimento, apresentaremos o plano geral de
atividades, de acordo com Kaufman e Rodríguez (1995) e, no momento posterior,
seu detalhamento:
1- Plano Geral
Nome do projeto: Propaganda impressa: prática de leitura e produção de texto em
perspectiva discursiva
Série: 8ª
34
Data de início: 20/09/2005
Data do término: 20/12/2005
Materiais utilizados: propagandas impressas, revistas, lápis, folha xerocopiadas,
retroprojetor, papel color set, tesouras, cola, régua, etc.
Etapas previstas:
Apresentação do projeto.
Visita a um laboratório de publicidade e propaganda.
Leitura e análises de propagandas comerciais e sociais.
Produção de propagandas sociais.
Exposição das propagandas.
2. Texto: produção de propagandas sociais
Situação comunicativa
Leitores: alunos, professores, pais e possíveis visitantes da escola.
Autores: alunos da 8ª série da Escola Estadual Dr. Hélio Palma de Arruda.
Caracterização do texto
Tema: Preservação do meio ambiente
São textos predominantemente multimodais.
Nos aspectos lingüísticos, podemos ressaltar: o uso de tempo verbal no presente,
modo imperativo e, muitas vezes, a modalização deôntica (dever); utilização de
operadores argumentativos, por vezes modalizadores do discurso (p.ex.: inclusive,
já, até, ainda, com certeza, facilmente, etc.); frases curtas e preferência por
períodos compostos por coordenação; seleção lexical cuidadosa, com termos
específicos, claros e concisos; linguagem clara e objetiva.
Nos aspectos não-lingüísticos, destacam-se jogo de cores e imagens; diferentes
tamanhos das fontes; distribuição dos elementos que compõem este gênero:
título, imagem, marca e o texto.
Todos esses aspectos visam a atingir o objetivo de persuadir e/ou convencer o
interlocutor à aquisição de um produto ou à mudança de comportamentos e
atitudes.
Temas para reflexão metalingüística
Aspectos gramaticais: verbo no modo imperativo, períodos compostos por
35
coordenação, modalizadores como “mas”, “até”, “talvez”, “com certeza”.
Aspectos ortográficos: trabalhados de acordo com as necessidades apresentadas
pelos alunos no decorrer da realização das atividades.
Aspectos textuais: estratégias de coesão e coerência no processo de produção.
3. Conteúdos de outras áreas e/ou atividades de reflexão metalingüística
Os assuntos referentes à temática tratada nas produções serão trabalhados
também na disciplina Ciências, por meio de seminários.
2.2 Cenário e sujeitos
Os dados desta pesquisa foram coletados com alunos da 8ª série B, do
turno vespertino, da Escola Estadual Dr. Hélio Palma de Arruda. Essa escola está
localizada no bairro Planalto, na cidade de Cuiabá. A turma é composta por 22
alunos na faixa etária de 14 a 16 anos; por esse aspecto, é uma turma homogênea.
A maior parte dos alunos reside no bairro e não precisa usar meio de transporte para
locomoção. Seu poder aquisitivo é baixo, não poucos precisam ajudar os pais nas
despesas da família. Convivem uns com os outros fora do ambiente escolar, muitos
são vizinhos e mostram-se bastante próximos.
Em sala de aula, é uma turma de referência na escola. Segundo a diretora e
professores, é a melhor turma, tanto em comportamento quanto em aprendizagem.
“Você foi premiada em fazer sua pesquisa nesta sala, os alunos são os mais
interessados da escola”, ressaltou a coordenadora.
A escola Dr. Hélio Palma de Arruda oferece o Ensino Fundamental e Médio
e funciona nos três períodos. Seu espaço físico é bem pequeno e a estrutura não
condiz com as expectativas. Não possui biblioteca nem laboratório de informática,
apenas salas de aula, diretoria, secretaria e sala dos professores. Dispõe de cantina
e de quadra esportiva, local utilizado também para a realização dos eventos da
escola, a exemplo de festa junina e demais comemorações.
O terreno em que a escola foi construída é amplo e cercado de árvores,
algumas típicas da região, como mangueiras. A sala de aula é pequena e pouco
confortável. As carteiras estão em condições deploráveis de conservação, paredes
36
rabiscadas. Há apenas dois ventiladores, insuficientes para aliviar o calor. A
professora de Língua Portuguesa é interina, formada em Letras, cuja prática em sala
de aula atinge, aproximadamente, dez anos. Começou a trabalhar com as séries
iniciais (1ª a 4ª) e atua no Ensino Fundamental e Médio há pouco tempo. Ela é muito
querida pelos alunos, tendo por eles sido escolhida conselheira da turma.
2.3 Corpus da pesquisa
O corpus desta pesquisa compõe-se dos textos produzidos pelos alunos,
resultante de um trabalho de leitura sobre propagandas. Durante a realização das
atividades, procuramos enfocar questões relacionadas com os diferentes recursos
que constituem as propagandas na sua materialidade lingüística e não-lingüística,
bem como os aspectos discursivos, ressaltando as condições de produção,
circulação e recepção. Durante a realização da pesquisa, usamos caderno de campo
para registro da maior parte possível das ocorrências, internas e externas à sala de
aula. É interessante destacar que as produções a ser tomadas como objeto de
análise foram feitas a partir do trabalho de leitura com propagandas sociais, e isso
ocorreu pelo fato de termos desenvolvido grande quantidade de atividades e, assim,
acreditávamos que os alunos estivessem preparados para a produção.
2.4 Categorias de análise
Serão analisados os textos dos alunos nos quais levaremos em
consideração as seguintes categorias de análise:
- aceitação da propaganda como texto,
- observação das especificidades do gênero, e
- estratégias persuasivas usadas nas produções.
Primeiramente, analisaremos se a propaganda se revelou texto passível de
leitura pelos alunos. Em seqüência, faremos a análise das produções, tomando
como base os seguintes aspectos: a) especificidades do gênero propaganda
impressa, observando se os textos dos alunos apresentam características
relativamente estáveis desse gênero, a saber, estrutura composicional, estilo e
conteúdo temático; b) estratégias persuasivas, procurando identificar como é
37
marcada a argumentação nos textos dos alunos, isto é, de que recursos persuasivos
eles se utilizaram para convencer o leitor sobre o que está sendo propagado.
Veremos agora o projeto das atividades práticas seguido da descrição das
aulas.
2.5 O encontro com os sujeitos
O primeiro contato que tivemos na escola serviu como forma de
familiarização com os alunos, professores, coordenadores e direção. Ficamos, no
período de uma semana, observando o cotidiano da sala de aula e, assim, foi nos
dada a oportunidade de conhecer a prática da professora e sua relação com os
alunos. Durante essa semana de observação, ainda que rapidamente, explicamos
aos alunos o que pretendíamos realizar e que eles iriam desempenhar papel
essencial no desenvolvimento do projeto. Os alunos demonstraram interesse e
ficaram felizes por terem sido escolhidos. Esse aspecto é de fundamental
importância na pesquisa-ação, conforme Andaloussi (2004, p. 131): “Conseguir uma
parceria é uma das condições de êxito do projeto que a pesquisa-ação pretende
desenvolver”. Assim, os sujeitos de pesquisa devem tomar conhecimento de todos
os passos que o trabalho seguirá: os objetivos, procedimentos metodológicos: “[...] o
pesquisador deve cuidar da criação de um clima de confiança com base em relações
transparentes e democráticas [...]”.
Já durante esse período, a direção da escola e a professora-regente
mostraram-se bastante interessadas pela realização da pesquisa, colocando-se à
disposição para nos ajudar no que fosse necessário. Nesse encontro, ficou
combinado que iríamos utilizar duas horas/aula semanais, às sextas-feiras, durante
o 4° bimestre. Explicamos que nossa proposta se assentava em um trabalho com
leitura e produção textual de propagandas impressas. Relevante ressaltar que,
desde o início da pesquisa, a escola foi sobremodo receptiva e contribuiu de forma
decisiva para sua realização, evitando qualquer interferência em nossas aulas, tanto
no que diz respeito a atividades pedagógicas, quanto em quaisquer outras
atividades que envolvessem os alunos. Essa postura da escola facilitou o
andamento e a seqüenciação das aulas, pois, como nossos encontros ocorriam uma
38
vez por semana, se houvesse interrupções em nossas aulas, isso acarretaria
prejuízos à pesquisa.
A partir desse primeiro contato, preparamos módulos de atividades
organizadas em seqüências didáticas, visando à leitura de diversas propagandas,
nas quais procuramos abarcar os aspectos discursivos, como a função social desse
gênero, suas condições de produção, circulação e recepção, bem como os
lingüísticos e não-lingüísticos. O objetivo dessas atividades era fazer com que os
alunos percebessem as características específicas constitutivas desse gênero e
passassem a ter um olhar crítico diante dele para realizar, posteriormente, a
produção escrita. De acordo com Thiollent (2003, p. 41), “com a pesquisa-ação
pretende-se alcançar realizações, ações efetivas, transformações ou mudanças no
campo social”. Este era nosso anseio: levar esse gênero discursivo para a sala de
aula como prática de leitura e produção textual. As atividades a seguir integram a
primeira etapa mencionada no capítulo anterior, isto é, leitura de propagandas
comerciais e sociais. Todas as atividades constantes deste capítulo foram entregues
aos alunos, tais como aqui transcritas.
No dia 30 de setembro de 2005, assumimos a regência da sala, conforme
combinado com a direção da escola e com a professora titular. Nessa aula, nossa
primeira atitude foi explicar aos alunos e à professora-regente todo o processo do
projeto, conforme pode ser visto neste plano, esmiuçadamente. Ressaltamos que a
participação deles seria de fundamental importância para o sucesso do nosso
trabalho.
39
2.5.1 Leitura de propagandas comerciais e sociais
Apresentação do projeto
Período: 30/09 e 04/10 - 4 h.
Objetivo: Expor aos alunos o projeto que será desenvolvido, permitindo-lhes o
primeiro contato com gênero.
Procedimentos:
•
Apresentação do projeto, explicando as seguintes questões: o que será
feito; qual é o gênero a ser trabalhado; como serão as aulas; qual a duração
do projeto; como será a produção textual.
•
Distribuição de alguns exemplares das revistas Veja e IstoÉ, para
serem folheadas pelos alunos.
•
Apresentação do contexto sócio-histórico da propaganda.
•
Questionamentos sobre os textos encontrados nas revistas (destaque
para as propagandas).
•
Visita a um laboratório de publicidade e propaganda.
Inicialmente, entregamos várias revistas para que os alunos pudessem
conhecer as partes internas desse suporte e localizar as propagandas, tal como elas
circulam na sociedade. Nesse momento, o objetivo foi respeitar, ao máximo, o
gênero na sua forma original, para os alunos perceberem não só um gênero, mas
também
sua
função
social.
Após
observação,
levantamos
os
seguintes
questionamentos:
Vocês já conheciam estas revistas? De que maneira vocês tiveram acesso a elas?
Conseguiram localizar as propagandas? Como é o aspecto visual desse gênero?
Como ele se constitui? Quem escreve esse gênero? Com qual finalidade? Como
escreve, com base em quais informações? Quem lê esse gênero? Em quais outros
lugares podemos encontrá-lo?
Não tínhamos o objetivo de trabalhar os aspectos conceituais com os alunos
a respeito dos gêneros do discurso. Interessava-nos, isso sim, mostrá-los na prática
para que eles percebessem as especificidades que caracterizavam as propagandas.
Em sala de aula, privilegiamos o termo texto, o que pode ser depreendido da maioria
40
das atividades que eles recebiam, embora isso não exclua a ocorrência do termo
gênero, em algumas situações.
Aspecto que vale a pena destacar foi o fato de todos os alunos
estranharem a propaganda como gênero discursivo. Quando fazíamos referência à
propaganda como texto, questionavam que não se tratava de textos, justificando:
“não tem título”, “não tem parágrafos”, “e esses desenhos aí?”, “ela é muito diferente
de um texto”. Aliás, como assinalamos na Introdução, esse é um dado que já
havíamos evidenciado numa pesquisa realizada em 2004, em outra escola pública.
Entre outros aspectos, foi um dos motivos que influenciaram a escolha de realizar
um trabalho prático com esse gênero discursivo.
Para conhecimento do ambiente prático em que tais textos são produzidos,
levamos os alunos ao laboratório de publicidade e propaganda de um centro
superior de ensino, na cidade de Várzea Grande-MT, conforme anexo I. Lá, a
professora responsável explicou, passo a passo (do planejamento à impressão final),
o processo de criação de uma propaganda impressa. Além disso, mostrou
propagandas que foram feitas pelos alunos do curso de Comunicação Social. Os
alunos visitantes receberam cartazes e fôlderes de propagandas sociais, como
podem ser vistos no anexo II.
2.5.2 Atividade diagnóstica
Data: 07/10/2005 – 2h.
Objetivo: identificar o conhecimento dos alunos acerca do gênero discursivo
propaganda impressa.
Entregamos aos alunos a atividade a seguir:
Hoje, é impossível imaginar as cidades sem os outdoors, a televisão, sem os
minutos destinados à propaganda; as revistas e jornais sem as páginas coloridas dos
anúncios... Vivemos rodeados por anúncios que informam, incitam, convidam, seduzem...
Conhecer e analisar as estratégias dos anunciantes é desenvolver nossa capacidade crítica
para aprendermos a selecionar, com critério, produtos e serviços.
Estudaremos neste bimestre, o texto publicitário impresso. Suas características,
seu tipo de leitor, os meios de comunicação em que esse gênero circula, os temas
abordados, linguagem utilizada, estrutura, marcas lingüísticas...
Como instrumento de trabalho, usaremos, para leitura e análise, propagandas
diversas. Posteriormente, trabalharemos com produções de propagandas sociais.
Espero que, através dessa proposta de estudo, você possa se deliciar com a leitura
e refletir sobre esse gênero discursivo tão presente em nosso cotidiano.
41
1- Leia os três textos que se seguem e responda:
a) Quais características básicas estes textos têm em comum que fazem com que os
denominemos propagandas?
b) Há diferenças entre eles? Quais?
c) Que outras características você considera que estão presentes na maioria das
propagandas?
2) Toda propaganda tem como finalidade persuadir o interlocutor, isto é, chamar sua
atenção e convencê-lo a comprar um determinado produto, adquirir um serviço ou mudar um
comportamento. Escolha uma das propagandas lidas e releia-a atentamente, procurando
identificar que recursos o autor utilizou para persuadir o leitor.
3- Ainda em relação aos três textos lidos, responda:
a) Quais são os produtos ou serviços anunciados? E quem são os anunciantes?
b) Em que suporte foram veiculados?
c) Qual é o público a quem se destinam?
42
43
44
(Veja, dezembro, 2004)
Nesta aula, pudemos constatar a pouca familiaridade dos alunos com a
utilização desse gênero discursivo como prática de leitura. Eles estranhavam
quando fazíamos referência às propagandas como textos: “Nós vamos responder
essa atividade desse tamanho olhando pra estas propagandas?”; e “Responder
exercício com propagandas. Essa é boa!”. Durante a realização dessa primeira
atividade, percebemos que os alunos não se preocupavam muito em ler
45
atentamente: davam uma olhada rápida e procuravam respostas nos textos.
Como não as encontravam, explicitamente, pediam ajuda.
A partir dessa primeira aula, decidimos trabalhar com grande número de
propagandas, mostrando a variação que esse gênero apresenta e os recursos
utilizados que o definem como tal. Apresentávamos vários textos no retroprojetor
e, após uma conversa informal com os alunos, fazíamos uma leitura global,
ressaltando os aspectos discursivos. Em seguida, eles recebiam a atividade
individual, com vista a que procedessem a uma leitura mais detalhada.
Descreveremos, agora, as aulas ocorridas no período de 11/10/2005 a
08/11/2005 – totalizando 6 encontros (12h) – nas quais procuramos trabalhar
alguns recursos lingüísticos (polissemia, argumento de autoridade, adjetivação) e
recursos semióticos (significação da cor, destaque na imagem). Indispensável é
registrar que as propagandas recebidas pelos alunos eram xerocopiadas, mas
eles tinham acesso à quase totalidade das propagandas originais nas revistas, no
momento da realização da atividade.
Paralelamente às atividades, trabalhamos dificuldades ortográficas e
gramaticais, conforme a necessidade da turma.
Com o decorrer das aulas, percebemos que os alunos não apenas se
mostravam mais atentos em relação ao não-lingüístico como constitutivo das
propagandas, mas também já conseguiam ver informações implícitas. Não mais
manifestavam o estranhamento quando nos referíamos às propagandas como
texto. Uma participação interessante foi quando apresentávamos, no retroprojetor,
a propaganda em que há a imagem do Murilo Benício. Uma aluna questionou:
“Por que será que eles não escolheram um ator que tá iniciando na TV e não é
famoso ainda?” Outra aluna mencionou a utilização de imagens de verduras para
estampar a propaganda da Nestlé. Os alunos foram percebendo as escolhas
estratégicas da propaganda para convencer o leitor. Outras observações no
tocante à reação dos alunos diante do trabalho de leitura serão feitas
paralelamente à apresentação das atividades.
46
2.5.3 Identificando e (re)conhecendo as especificidades do gênero
Objetivo: Propor atividades de leitura para que os alunos percebam as
características desse gênero, isto é, compreendam como ele se organiza, quais
são os recursos lingüísticos e não-lingüísticos usados em sua construção.
Os alunos foram reunidos em grupos e receberam quatro propagandas,
acompanhadas da seguinte atividade:
Observe estes textos e identifique os indícios lingüísticos que pressupõem determinado
interlocutor, isto é, o público-alvo de cada um. Para isso, leve em consideração os
seguintes aspectos: idade, sexo, grau de escolaridade, posição sócio-econômica e
suporte em que foram veiculados.
Em seguida, faça exposição das respostas em um cartaz e apresente oralmente
à turma.
47
Texto 1
(Veja, 1º de junho de 2005)
48
Texto 2
VEJA, 03 de agosto, 2005.
49
Texto 3
50
Texto 4
51
Para a realização dessa atividade, ficaram à disposição dos alunos os
seguintes recursos: cartolina, tesoura, caneta esferográfica, régua e lápis de cor.
O trabalho em grupo, no começo, causou certo tumulto, pois alguns alunos
discordavam das respostas. Havia quem não aceitasse a idéia do outro. Apesar
disso, o trabalho ficou pronto no tempo previsto e, em círculo, eles o
apresentaram para a turma. Foi escolhido de cada grupo um representante e, ao
final, eles deixaram os cartazes expostos em sala. Nessa apresentação,
percebemos que os alunos ficaram bem tímidos, diversamente de seu
comportamento quando reunidos no grupo.
Atividade 2
Observe os textos 1 e 4 para responder a esta atividade:
Em atividades anteriores, vimos que a propaganda tem como finalidade persuadir
o interlocutor, ou seja, chamar sua atenção e convencê-lo a comprar um determinado
produto ou mudar um comportamento. Para atingir tal objetivo, é necessário criar no leitor
o desejo, a vontade de adquirir o que está sendo anunciado ou de mudar o seu
comportamento. Quais são os recursos persuasivos que os publicitários utilizam para
despertar nas pessoas esse desejo? É sobre este aspecto que estudaremos nestas
próximas aulas.
1- Leia as propagandas e diga o que elas têm em comum em relação ao assunto tratado.
Qual é a relação dessa temática com o produto anunciado?
2-Quais são os produtos anunciados?
3- O que mais lhe chamou atenção nestas propagandas? Justifique.
4- Observe a data em que estas propagandas foram publicadas e os produtos
anunciados. Pensando nisso, quais são as pessoas que os anúncios pretendem atingir?
Qual é o objetivo dos anunciantes ao colocar tais propagandas na revista Veja?
5) O que aparece com mais destaque nestes textos: o lingüístico (palavras) ou o nãolingüístico (imagens)? Justifique sua resposta.
6- Observe o texto 4 e responda:
O DIA DOS NAMORADOS VAI SER QUENTE.
a) Veja no dicionário o que significa a palavra quente. Qual é o sentido desta palavra na
propaganda?
b) Qual é a cor predominante na propaganda? O que essa cor suscita no leitor?
7- Observe a imagem entre o casal e o texto: AGORA QUE VOCÊS CRESCERAM, JÁ
PODEM BRINCAR COM FOGO.
a) Qual é a relação entre a imagem e a frase?
b) Quais são os possíveis sentidos que podemos atribuir à imagem e à frase?
52
Inicialmente, pedimos que eles observassem os dois textos, tanto a parte
verbal quanto a não-verbal. Ressaltamos que todas as informações presentes no
texto eram importantes para a leitura, isto é, para a atribuição de sentido ao texto.
Mesmo assim, na realização dessa atividade, os alunos ainda denotaram
dificuldade de fazer a leitura da propaganda em sua totalidade, de relacionar a
imagem ao texto verbal. Passávamos de um em um, ajudando-os, e aos poucos
foram eles compreendendo o que estava sendo solicitado na atividade. O seu
envolvimento com a atividade foi surpreendente, pois se mostravam de fato
interessados.
Atividade 3
Para responder a esta atividade, leia o texto 2
1- Nesta propaganda, o que está em destaque: a parte verbal (escrita) ou a não-verbal
(imagens)?
2- Você conhece a pessoa em destaque nesta propaganda? De que maneira você a
conheceu?
3- O que significa escolher o Murilo Benício nesta propaganda? Qual é sentido que essa
imagem provoca?
4- Observe a data de publicação. A quem se destina essa propaganda? Justifique.
5- Qual é a sua interpretação da expressão TECHNOS. O RELÓGIO QUE O MURILO
BENÍCIO USA QUANDO É SÓ O MURILO. O que está subentendido, nesta afirmação?
6- Em que parte da propaganda, há um apelo direto ao leitor? Qual é a palavra que
reforça esse apelo?
Iniciamos
esta
atividade
perguntando
sobre
pessoas
que
eles
consideravam famosas e o que eles achavam da presença dessas pessoas nas
propagandas. Foram vários os exemplos: Xuxa, Gisele Bundchen, Ronaldinho,
Ivete Sangalo, Angélica, Luciano Huck ... Argumentavam que a escolha se deve
ao fato de essas pessoas causarem influência na opinião dos consumidores,
provocando seu interesse e simpatia. Após essa discussão, inserimos algumas
propagandas no retroprojetor, notadamente aquelas que exploravam esse
recurso. Cumprida essa tarefa, os alunos responderam à atividade escrita,
conforme segue.
53
Atividade 4
Para esta atividade, leia o texto 3
1- Qual é produto anunciado?
2- Quais palavras representam as qualidades do produto anunciado? Qual é a relação
destas palavras com as imagens?
4- Qual das imagens chamou mais a sua atenção? Qual é a relação das duas imagens
nesta propaganda?
5- Em sua opinião, por que o produtor escolheu a imagem de um homem para ilustrar o
texto que anuncia um eletrodoméstico?
6- Levando-se em conta o produto anunciado, a quem se destina esta propaganda?
7- Na parte lingüística (escrita), o que está em destaque? Comente-a, ressaltando a
escolha vocabular do produtor.
No começo desta aula, merece ser reportada a pergunta feita por um
aluno: “o que teremos de novidade hoje?” Sua pergunta nos remete à
metodologia de ensino, comum na maior parte das escolas brasileiras, que se
circunscreve aos recursos de sempre: giz, caderno, lousa e livro didático. Em
suma, prática que não motiva os alunos. Revela-se, com esta indagação, um
aluno motivado, curioso pela aula que ele tinha certeza de haver sido planejada.
Em todas as aulas, era hábito nosso formar um círculo, fazendo uma
retrospectiva do que havia sido trabalhado. Assim, deixávamos claro o que
iríamos trabalhar naquela aula, sempre pondo à mostra uma continuidade.
Na seqüência do trabalho, apresentaremos uma atividade em que
exploramos o contexto situacional. Em vista disso, selecionamos propagandas do
ano de 2001 – momento em que ocorreu o racionamento de energia.
Atividade 5
1-Leia os textos 5 e 6 e responda:
a) Quais são os produtos anunciados?
b) Levando-se em conta a data de publicação, qual é o contexto de produção destas
propagandas? Quais são as pistas presentes nestas propagandas que fizeram você
chegar a tal resposta?
c) Qual (quais) é (são) os interlocutor(es) destes textos?
2- Observe o texto 5 e indique o que representa a escolha da cor preta. O que sugere
essa cor nesta propaganda?
3- Você já ouviu e usou a expressão “... não é assim uma Brastemp”? Em que situações?
O que significa o uso de tal expressão?
4- Observando a propaganda, qual é a leitura que você faz desse título:
NÃO É PORQUE VOCÊ PRECISA ECONOMIZAR ENERGIA QUE A SUA VIDA VAI
DEIXAR DE SER ASSIM UMA BRASTEMP.
54
5- Ainda a respeito da frase acima, a quem se referem os pronomes você e sua?
Texto 5
Veja, 30/05/2001
55
Texto 6
Veja, 30/05/2001
56
Feito o trabalho com os textos anteriores, com o uso do retroprojetor,
ressaltamos os seguintes aspectos:
•
Como estes textos são organizados, estruturados?
•
Qual é a função do texto verbal? Como ele é posicionado nas
propagandas?
•
Qual é a parte do texto em que é feito um apelo direto ao leitor?
•
Estes textos possuem argumentos suficientes capazes de convencer o
leitor a comprar os produtos anunciados?
•
Em que posição aparece a marca/logotipo do produto anunciado?
•
O que aparece com mais destaque, o lingüístico ou o não-lingüístico?
•
Como é feita a distribuição dos recursos na propaganda?
Salientamos que, embora tenhamos destacado os recursos utilizados nas
propagandas trabalhadas, não podemos dizer que são os únicos, isso porque
este gênero discursivo apresenta grande variedade em sua construção. As
propagandas que lemos e discutimos apresentam características de propagandas
comerciais, conforme Pinho (1990).
Considerando nosso interesse em expor aos alunos uma variedade de
textos desse gênero, passaremos agora para o trabalho com propagandas
sociais.
2.5.4 Leitura de propagandas sociais
Objetivo: Questionar as condições de produção, circulação e recepção da
propaganda social impressa em nossa sociedade, bem como analisar a função
social e os recursos icônico-lingüísticos usados nesses textos.
Período: 11/11 a 22/12 – 4 encontros (8h)
Entregamos aos alunos a atividade abaixo.
Nesta seqüência de atividades, serão trabalhadas as propagandas sociais
impressas que foram veiculadas em revistas (Isto É, Veja e Claúdia). Faremos, assim,
leitura, análises e pesquisas de propagandas que apresentam tema relacionado ao meio
ambiente. Para isso, além do estudo e análises das propagandas, vocês farão também
leitura de reportagem para se informarem a respeito dos problemas ambientais que vêm
57
ocorrendo atualmente. O objetivo é que vocês tenham conhecimento para a produção
textual – atividade prevista na finalização deste projeto.
Observem os textos 7,8,9 e 10 para responder às questões propostas:
Texto 7
REVISTA VEJA, agosto, 2005.
58
Texto 8
59
Texto 9
Agência Lowe Loducca, dezembro, 1999.
60
Texto 10
ISTOÉ, 31 de janeiro, 2001.
61
Comentamos com os alunos, em aulas anteriores, que há grande número
de empresas comerciais desenvolvem projetos sociais. Isso retrata o marketing
social (Pinho, 1990). Como exemplo dessa prática, propusemos a análise de
propagandas da Fundação O Boticário de Preservação ao Meio Ambiente e da
empresa Natura. Para tanto, pedimos que os alunos observassem os textos 7 e 8 e
endereçamos a eles o seguinte questionamento:
Na sua opinião, qual é o interesse de empresas comerciais em desenvolver
propagandas de cunho social?
Após a discussão oral, iniciamos as atividades escritas.
Nessas atividades, foram trabalhados alguns recursos usados nas
propagandas, como provérbio, modo verbal no imperativo, o uso da imagem, cores,
uso da ambigüidade. Some-se a isso a escolha de vocabulário específico e de uma
linguagem simples e objetiva.
As questões gramaticais e ortográficas foram trabalhadas com o intuito de
responder às dificuldades dos alunos, surgidas no decorrer das aulas.
Atividade com base no texto 10
1- O texto se apropriou de um provérbio/ditado popular. Qual é esse provérbio e o que ele
significa?
2- E na propaganda, qual é o sentido que esse provérbio provoca?
3- Quem é o anunciante? A quem se destina o anúncio?
4- O que esta imagem transmite a você?
5- Qual é sua interpretação da imagem? O que representa a mudança de cores?
6- Qual é o objetivo da propaganda?
Antes da realização da atividade acima descrita, solicitamos que os alunos
cuidassem de observar em outros suportes – jornais, outdoors e TV – propagandas
sociais, atentos sempre a estes aspectos: Em quais circunstâncias encontramos
este gênero? Qual é o público que ele pretende atingir? Que tipo de resposta é
esperado do leitor? Quais são os temas enfocados nesses textos? Qual é a
importância de tratar de tais temas em propagandas?
Nessa atividade, os alunos citaram as propagandas por eles encontradas e,
ao tratar das questões postas acima, perceberam que o suporte influencia a maneira
como elas se apresentam: as das revistas são destinadas a um público mais
62
específico do que aquelas estampadas nos outdoors, ou divulgadas na TV e rádio,
dado que estas últimas são destinadas a um público mais genérico e, por isso,
menos exigente.
Sobre o tipo de respostas que se espera do leitor, os alunos opinaram que
as propagandas sempre querem fazê-lo acreditar no discurso apresentado
por elas. Já no tocante aos temas focados, a maioria dos alunos se limitou
a mencionar o anúncio de produtos ou de eventos. Foram poucos os que
conseguiram vislumbrar temas sociais.
Atividade com base no texto 7
1- Qual é o produto que está sendo anunciado nesta propaganda? E a quem se destina?
Limpa suavemente as mãos
Suaviza o impacto no meio ambiente
2- Qual é a leitura que você faz das frases acima?
Agora observe o enunciado
Use refil
3- O modo verbal no imperativo é freqüentemente usado em propagandas, uma vez esse
recurso tem por objetivo influenciar o leitor, persuadi-lo, aconselhá-lo e, na maioria das
vezes, fazer-lhe um apelo. Que efeito esse apelo produz ou tenta produzir?
Os alunos revelaram dificuldade em perceber o verbo no modo imperativo.
Em vista disso, foi nossa preocupação inserir esse conteúdo gramatical, para que
eles percebessem os efeitos de sentido que tal modo verbal provoca nas
propagandas. Assim, o estudo da gramática derivou de uma necessidade dos
alunos, numa real situação de uso.
Explicamos aos alunos nesta aula que, ao final do projeto, eles seriam
produtores de propagandas sociais. Os temas seriam referentes à preservação
ambiental. Pedimos que começassem a pensar sobre um aspecto dentro dessa
temática, para produção da propaganda.
63
Atividade com base no texto 8
1- A linguagem da propaganda costuma ser curta e em alguns casos apresenta mais de um
sentido. Observe a parte não-verbal e responda:
a) O que representa a imagem?
b) É possível atribuir mais de um sentido a ela? Quais?
2- Quem é o anunciante? Qual é objetivo deste anúncio?
3- Que resposta ou atitude se espera do leitor, nesta propaganda?
4- Quais são os argumentos lingüísticos e não-lingüísticos usados para obter tal resposta ou
estimular tal atitude?
Nessa atividade, os alunos se maravilharam com a imagem. Revelaram-se
interessados em realizar a atividade e já conseguiam perceber com mais
facilidade a relação constitutiva entre o lingüístico e o não-lingüístico na
propaganda.
Atividade com base no texto 9
Inicialmente, propusemos uma discussão oral levantando as seguintes questões:
1. Como você realiza a leitura da imagem? Estabeleça uma relação entre a imagem
apresentada e a frase “sou dono do meu nariz”.
2. Mudando a cor do não-verbal há mudança de sentido?
64
Agora responda no seu caderno:
1. Qual foi a intenção do autor ao escolher a imagem que estampa a camiseta da
campanha? Há marcas no texto verbal em que você possa ancorar sua resposta? Expliciteas.
2. Explique a relação que há entre as cores predominantes da campanha e a proposta da
propaganda.
3. Com a leitura do texto verbal, a expectativa que você tinha sobre a imagem se modificou?
Explique sua resposta.
4. A que sentido remete a expressão “sou dono do meu nariz”? A partir da leitura do texto
verbal é possível estabelecer mais de um significado para essa expressão?
5. Quais os recursos utilizados no texto (verbal e não-verbal) que o caracterizam como
propaganda?
7. Explique o sentido dos recursos lingüísticos sublinhados.
Tudo bem que você tenha consciência de que
o efeito estufa é um problema ecológico
do qual não há como fugir. Mas isso
não é motivo para se conformar.
Muito menos para ficar de braços cruzados.
8. Em que contexto a propaganda é calcada?
Os alunos, nesta segunda fase, mostraram-se bem mais familiarizados com
as propagandas como objeto de leitura. Durante a realização das atividades,
discutimos acerca das questões ambientais. Eles participaram ativamente, citando
graves problemas, não esquecidos o desmatamento, as queimadas, a poluição dos
rios, os animais em extinção, entre outros. Contextualizamos a necessidade de as
pessoas preservarem o meio ambiente e discutimos que é nesse contexto que as
propagandas sociais estão calcadas. Os alunos continuaram demonstrando
interesse na permanência do projeto. Faziam perguntas sobre o assunto e pediam
esclarecimentos quando não compreendiam as questões propostas. Em suma,
reafirmavam a necessidade de as pessoas se conscientizarem acerca das questões
ambientais.
65
2.5.5 Produção de propagandas sociais
Período: 29/11 a 12/12 – 4 encontros (8h)
Planejamento e organização do texto
Buscando ensejar aos alunos a oportunidade de colherem informações
outras a respeito do tema sobre o qual iriam produzir os textos, solicitamos
que
formassem
grupos
com
quatro
componentes.
Em
seguida,
entregamos reportagens, conforme o anexo III, que tratavam de diferentes
assuntos referentes às questões ambientais e propusemos a seguinte
atividade:
Façam a leitura das reportagens.
Cada grupo deverá discutir a respeito dos seguintes aspectos:
Qual é o assunto tratado no texto?
Como o autor organizou suas idéias? Qual é o posicionamento do autor frente ao assunto?
Será aberto o debate e cada grupo terá até 10 minutos para expor o que leu.
Cada grupo elegeu dois alunos para exporem o resultado da atividade
realizada e apresentarem os tópicos discutidos no grupo. Após a apresentação dos
alunos, foi aberto o debate para discussão do assunto. Dessa forma, todos se
inteiraram acerca dos assuntos tratados nas reportagens.
O objetivo desta aula não era um estudo aprofundado, mas que os alunos
se informassem no concernente aos assuntos que poderiam ser tratados nas
propagandas que eles iriam produzir a partir do tema escolhido. Vale informar que as
reportagens foram retiradas da revista impressa; no entanto, para sua inserção nesta
dissertação optamos pela versão online, pela facilidade de manuseio no corpo do
texto.
A escolha dessa temática deve-se a já termos trabalhado com elas nas
atividades de leitura, além de ser um assunto real, altamente relevante, e que, por
isso, merece especial atenção. Tivemos o cuidado de tornar o momento de produção
o mais próximo possível de uma autêntica situação comunicativa. Um dos aspectos
que contribuíram para isso foi o fato de os alunos saberem quem seriam os
interlocutores de seus textos, além do professor. Percebemos, no momento do
planejamento, sua preocupação quanto a esse aspecto. Outro ponto interessante é
que o tema integra sua realidade, pois, cotidianamente, vemos nos meios de
comunicação de massa, matérias e propagandas relativas à necessidade de nos
66
informarmos e nos conscientizarmos sobre os problemas ambientais que se vêm
intensificando.
Foi realizado, também, um trabalho interdisciplinar pela professora de
Ciências, que desenvolveu com eles uma pesquisa com variados temas
relacionados à questão ecológica, os quais foram apresentados na Feira de Ciências
– em dezembro de 2005.
Com a colaboração dos alunos, foram enumerados temas relacionados com
meio ambiente. Anotamos na lousa os que por eles foram sugeridos, como poluição,
queimadas, racionamento de água e de energia, desmatamento, devastação da
floresta amazônica, animais em extinção, entre outros. Assim, a cada um foi dada a
oportunidade de fazer a sua escolha.
Após essa escolha, os alunos começaram, um por um, a montar o
planejamento do texto. Para isso, foram dadas as seguintes informações:
-
Vocês irão produzir uma propaganda que será veiculada em cartaz. Agora, vocês
terão a oportunidade de planejar a respeito dos recursos que serão utilizados. (Qual
é a cor de fundo? Que imagem será utilizada? Como será organizado o seu texto?)
Antes desta aula, buscamos recursos no setor “Educação Ambiental”, da
Secretaria de Meio Ambiente – MT. Lá obtivemos material, como cartazes
de campanhas, fôlderes, panfletos e fitas cassete. Esses foram
distribuídos para todos os alunos da escola. Embora comportasse
assuntos diversificados, lançamos mão em nossa pesquisa do material
diretamente voltado para a temática escolhida.
Produção de texto
Após terem planejado o texto, deixamos à disposição dos alunos o material
necessário para a produção. A eles fizemos a seguinte proposta:
Imagine que você e seus colegas foram contratados para criar um anúncio para uma
campanha ecológica, destinada a promover a defesa e conservação ambiental da região
onde vocês moram. Para a criação do seu texto, não se esqueça de levar em consideração
os seguintes aspectos:
Público a quem se destina: alunos da escola, professores, pais e possíveis visitantes.
Local de publicação: Escola Estadual Dr. Hélio Palma da Arruda.
Objetivo do anúncio: Chamar a atenção das pessoas em relação à necessidade de
preservar o meio ambiente.
Período de publicação: dezembro de 2005.
67
Não se esqueça de observar:
Se a imagem e o texto verbal se complementam.
Se o anúncio como um todo é atraente para os leitores.
Se o texto apresenta bons argumentos para convencer o leitor a mudar de
comportamento/atitude.
Se a linguagem está adequada ao público a quem se destina.
Na produção, os alunos revelaram-se motivados. Passávamos de mesa em
mesa, orientando-os, mas não os ensinávamos. Na verdade, nossa pretensão era
que eles exibissem a criatividade e o conhecimento para a produção das
propagandas, ancorados nas aulas que tivemos. Ao final dessa aula, mesmo antes
da proposta de refacção, alguns alunos já deduziam que, mudando a cor, por
exemplo, a propaganda ficaria mais atraente; outros pretendiam montar um pequeno
texto para reforçar o que queriam abordar. Pudemos ver que eles já externalizavam
noção de algumas especificidades do gênero.
Mesmo antes da proposta de refacção, os alunos já haviam assinalado
algumas possibilidades de mudança no texto, tão logo o concluíram. Explicamos a
eles a necessidade de rever a produção, pedindo que observassem o texto e
percebessem o que poderia ser melhorado: quais pontos necessitariam ser
modificados,
acrescentados,
retirados.
Enfim,
interessava-nos
saber
se
a
propaganda apresentava argumentos suficientes para convencer o leitor. Aos
poucos, foram fazendo algumas alterações, mudando a cor de fundo, aumentando o
tamanho da letra e acrescentando informações. Como a propaganda é um gênero
multimodal, houve muitas mudanças em relação ao não-lingüístico. Alguns alunos
acharam melhor alterar a cor, outros adicionaram informações na parte lingüística.
Esses aspectos serão analisados no próximo capítulo.
2.5.6 Circulação das propagandas
Período: 16/12 a 20/12/2005
Os textos produzidos pelos alunos foram afixados na escola, durante uma
semana – de 16 a 20 de dezembro de 2005 – e lidos por colegas, professores,
funcionários, pais e demais pessoas que passaram pela instituição naquele período.
Para a análise dos dados, foram escolhidos textos de cinco alunos,
somando, assim, dez produções, sendo analisados os da primeira versão e os da
68
refacção. Os critérios para escolha desses textos foram os seguintes: freqüência
desses alunos em todas as etapas do projeto e empenho na realização das
atividades. Os alunos serão identificados por nomes fictícios.
69
CAPÍTULO III
ANÁLISE DAS PRODUÇÕES TEXTUAIS
Compreender o texto tal qual o próprio autor de
dado texto o compreendeu. Mas a compreensão
pode e deve ser melhor. A criação poderosa e
profunda em muitos aspectos é inconsciente e
polissêmica. [...] Assim, a compreensão completa o
texto: ela é ativa e criadora. A compreensão
criadora continua a criação, multiplica a riqueza
artística da humanidade. A co-criação dos sujeitos
da compreensão.
(BAKHTIN, 2003, p. 378)
Neste capítulo, analisaremos os textos produzidos pelos alunos após a
realização de um trabalho prático de leitura de diversas propagandas. Assim,
retomaremos, inicialmente, alguns pontos colocados na metodologia, a fim de
clarear os passos percorridos até chegar às produções. Em seguida, faremos a
análise dos textos.
3.1 Breves considerações
O corpus desta pesquisa compreende as produções textuais dos alunos
realizadas no final do projeto que, como já pontuamos, decorreram de um trabalho
de leitura desenvolvido no quarto bimestre do ano de 2005. O projeto teve duração
de três meses, com duas aulas semanais, o que somou, ao final, dezessete
encontros, cada um compreendendo duas horas. Além disso, houve a etapa de
circulação dos textos na escola, cuja duração esteve circunscrita a uma semana.
Nesta primeira parte da análise, faremos alguns apontamentos sobre como
ocorreu o trabalho de leitura, com o qual procuramos proporcionar aos alunos o
contato com o gênero do discurso propaganda impressa – a partir de atividades de
reconhecimento e identificação de seus recursos lingüístico-discursivos e nãolingüísticos – para que tivessem domínio dos elementos constitutivos desse gênero.
70
Mais que isso, foi nosso intuito analisar os recursos persuasivos da propaganda, de
maneira que percebessem as sutilezas do discurso presentes nesse gênero. Por
igual, buscamos contextualizar sócio-historicamente esse gênero discursivo, isto é,
quando e por que surgiu, em que esfera social ele circula, qual é o papel que a
propaganda impressa desempenha na sociedade e que mudanças esse gênero
sofreu no passar do tempo.
Um dos aspectos constatados no começo da pesquisa foi o fato de os
alunos não conceberem a propaganda impressa como texto. O estranhamento foi
geral, atingindo a turma por inteiro. Chegaram até a questionar, ironicamente: “mas
nós vamos trabalhar leitura aqui na escola usando propaganda?” Essa pergunta
testemunha que, em verdade, esse não é um texto presente na sala de aula. Mostra,
também, que o aluno, de modo geral, se encontra preso ao modelo tradicional de
texto. Como pôde ser visto no capítulo anterior, os alunos ainda estão presos a uma
concepção de texto seguindo a regularidade: título, texto dividido em parágrafos,
sem imagens, isto é, são considerados apenas os aspectos lingüísticos. O lingüístico
gera o único poder de significar. Qualquer outro componente ou dimensão de
significação é apagado. Esse aspecto foi evidenciado no momento da realização das
primeiras atividades, pois os alunos observavam as imagens não como constitutivas
do texto, mas apenas como ilustração.
Embora os alunos não conferissem significação à propaganda como texto,
não houve desinteresse por parte deles em participar da pesquisa. Aliás, a
participação e o comprometimento nas aulas foram bem satisfatórios no andar de
sua concretização. Demonstravam-se empolgados quando eram propostas as
atividades.
Sabemos que um trabalho como este apresenta várias possibilidades de
análise, mas, para atender aos objetivos propostos, daremos atenção às produções
escritas, considerando os aspectos indicados no item 2.4 do capítulo II.
Inicialmente, procederemos à análise da primeira produção e logo
passaremos à refacção. Nesta parte, veremos como os alunos materializaram as
especificidades do gênero, isto é, se os textos apresentam o tema (querer-dizer do
locutor), a estrutura composicional (plano de expressão, da estrutura organizacional)
e o estilo (seleção de recursos fraseológicos, lexicais e gramaticais da língua). A
partir dessa análise, passaremos a observar as estratégias persuasivas usadas
71
pelos alunos na construção das propagandas. Tal observação será realizada,
preferencialmente, nos textos refeitos.
Os textos serão apresentados na seguinte ordem: será feita, de início, a
indicação da ordem numérica dos alunos pela referência Sujeito, acompanhada das
letras a e b que remetem à primeira produção e à refacção, respectivamente. Em
seguida, o nome do aluno.
Os demais textos produzidos pelos alunos, não integrantes do corpus, são
apresentados no anexo IV.
Sujeito 1a - Pedro
Essa produção mostra que o aluno Pedro compreendeu a proposta. O tema
explorado por ele é “queimadas”. Ele mostrou coerência entre a temática escolhida e
os recursos, tanto lingüísticos quanto não-lingüísticos, para a organização do texto.
Em relação à estrutura composicional, podemos ver a distribuição desses recursos
feita de forma bem adequada ao gênero em questão: um enunciado em letras
grandes e as imagens em oposição permitem a visibilidade com facilidade. Além
72
disso, o fundo amarelo evoca a cor das chamas: o fogo é amarelo. Nos aspectos
estilísticos, o aluno fez a escolha de uma linguagem simples, o que possibilita
aproximação com o leitor. O enunciado Queimadas .... só se for a brincadeira se
revela muito propício para marcar a argumentação. O não-lingüístico reforça esse
argumento, ou seja, as imagens de queimadas e de crianças brincando
complementam o lingüístico. O intensificador “só” particulariza a idéia que o autor
defende. O uso polissêmico da palavra queimadas é uma forma de apelo ao leitor,
mas isso está no implícito, e não na materialidade lingüística. Há, dessa forma,
economia de informações; aliás, na elaboração da mensagem publicitária, esta é
uma maneira de envolver o leitor, isto é, ele não precisa ficar por muito tempo
concentrado na leitura.
Orientado a reescrever o texto, chamamos a atenção desse aluno para ver
que informações ele poderia acrescentar, modificar ou retirar para deixar o leitor
mais convencido da importância do tema em questão, conforme a proposta de
refacção apresentada no capítulo anterior. É significativo salientar que a proposta
permitiu ao aluno rever com cuidado o que ele produziu.
Sujeito 1b - Pedro
73
Pedro conseguiu tornar sua produção mais explícita, colocando ao lado das
imagens um complemento com uma parte lingüística, chamando, assim, a atenção
do leitor para o assunto tratado. Podemos observar a escolha lexical cuidadosa:
Fazendo queimadas você destrói florestas, polui o ar, prejudica a sua saúde e quem
sai perdendo esse jogo é você. O uso do pronome você refere-se diretamente ao
leitor, responsabilizando-o, caso pratique queimadas. Outro aspecto interessante é a
presença da palavra jogo, escolha altamente propícia ao enunciado em destaque,
que remete à brincadeira. No jogo, perde-se ou ganha-se. À luz da brincadeira, a
“queimada” não objetiva queimar nossas reservas, mas alcançar momentos de
felicidade, de distração e alegria. Já as “queimadas” são um jogo que não deve ser
jogado, uma “felicidade” fugaz e, assim, aquele que as pratica tem um destino
previamente traçado: será sempre derrotado, com o agravante de que atinge sempre
o “nós” ou, como diz Pedro, Quem sai perdendo é você.
Tendo em vista que esse texto foi produzido para ser veiculado no suporte
cartaz, a inserção do texto verbal é adequada, ou seja, o aluno optou por um
enunciado colocando-o em tamanho maior para chamar a atenção do leitor, o que
poderá despertar-lhe a curiosidade para ler o trecho que foi acrescentado. Caso
fosse veiculado em outdoor, a primeira versão estaria bem de acordo com o suporte,
pois este exige uma leitura rápida.
Ao
lado
dessas
considerações,
podemos
enfatizar
as
estratégias
persuasivas utilizadas nesse texto para atrair a atenção do leitor.
Na produção de Pedro, é possível perceber que há duas imagens colocadas
em oposição: a primeira, representando as queimadas, e acima dela o enunciado,
Queimadas... Tanto a parte lingüística quanto a não-lingüística denunciam a ação do
homem. As reticências usadas sinalizam a possibilidade de que o enunciado será
complementado. Abaixo, a imagem de crianças se divertindo põe às claras a
brincadeira (queimada) acompanhada da continuação do enunciado Só se for a
brincadeira, ativando o outro significado da palavra. A inclusão dessas imagens
ligadas ao lingüístico é forte recurso argumentativo, pois a ambigüidade gerada pelo
uso da palavra queimadas (no plural, referindo-se ao ato de queimar) é notada no
momento em que lemos o enunciado em seu todo e o relacionamos ao nosso
conhecimento adquirido culturalmente (da brincadeira). Ao estabelecermos essa
relação, percebemos o querer-dizer do locutor, que é o apelo para não praticarmos
queimadas. De acordo com Carvalho (2003, p. 61), muitas vezes, a ambigüidade
74
sugerida na propaganda é desfeita pela imagem ou pela própria seqüência da
mensagem. É o que sucede nesse texto, ou seja, à medida que o leitor compara as
imagens e faz a leitura da propaganda no seu conjunto, o sentido da palavra inicial
(queimadas) é (re)significado. Na parte lingüística posta no canto direito da
propaganda (resultado da refacção), esse querer-dizer é reforçado: Fazendo
queimadas você destrói florestas, polui o ar, prejudica a sua saúde e quem sai
perdendo esse jogo é você. Assim, podemos afirmar que a atitude desejada pelo
locutor é que as pessoas se conscientizem e não pratiquem queimadas; em outros
termos, essa seria a “atitude responsiva ativa” esperada, pois, como afirma Bakhtin
(2003, p. 272), “toda compreensão plena real é ativamente responsiva [...]. O próprio
falante está determinado precisamente a essa compreensão ativamente responsiva:
ele não espera uma compreensão passiva”.
Sujeito 2a - Caio
75
No que diz respeito à produção do aluno Caio, vimos que ele não explora
um tema específico. Para estruturar seu texto, seleciona uma imagem de tamanho
bem grande, a ocupar quase todo o espaço da propaganda, dividindo o enunciado
em duas partes: A natureza pede socorro! Salve enquanto ela está viva. Nos
aspectos estilísticos, o aluno lança mão de uma frase curta, de fácil compreensão,
constituída por um vocabulário forte, qual seja, a utilização do verbo pedir no
presente do indicativo. No sentido expresso por essa construção está subentendido
o co-enunciador (você): A natureza pede socorro para você. Conforme Maingueneau
(2004, p. 29), esse apagamento é um caso interessante quando se trata do gênero
publicitário, que, por natureza, implica fortemente seu co-enunciador. Se fosse
alicerçada tão-somente no verbo pedir, nossa compreensão poderia ficar atada ao
sentido usual de “pedir esmola”, atitude apassivada, o sujeito-pedinte mero
dependente de outro ser. Amarrado no substantivo socorro, o verbo pedir se apossa
de autoridade. É um implorar, um pedir com insistência, imprimindo ao sujeito o
papel que dele se espera: sujeito é o ser ativo, que impõe alteração, que provoca
reação, que não aceita dependência, que não se acomoda. Em suma, é brigador, é
agente. A natureza, nesse sentido, está reagindo. Se a ela não nos associarmos,
ambos – natureza e homem – seremos sufocados.
Assim, o uso da palavra socorro expressa a necessidade e, ao mesmo
tempo, o desespero da natureza, dando a impressão de que ela está no limite. Esse
argumento é reforçado pelo uso da exclamação, que evoca o sentido da entonação
usada na interjeição Socorro!, indicando perigo, urgência, grito. Na parte abaixo, no
complemento do enunciado, o locutor dirige o discurso diretamente ao leitor (salve
você). Isso pode ser visto pelo uso do modo verbal imperativo salve. A segunda
parte do enunciado deixa claro que o homem é o responsável e, portanto, é ele
quem deve agir. A expressão enquanto ela está viva corrobora que ainda há tempo,
ou seja, o homem, conscientizando-se de que deve preservar a natureza, pode
amenizar os problemas ambientais.
76
Sujeito 2b – Caio
Na reescrita, o aluno, como no exemplo anterior, achou necessário
acrescentar uma pequena parte lingüística para reforçar seu argumento: Do jeito que
estamos tratando a natureza ela não durará por muito tempo. e nós também. A
posição escolhida para essa parte lingüística – ao lado da imagem – e a letra em
tamanho bem menor estão adequados para manter a estrutura desse gênero. O
aluno se assume como ser humano participante desse processo, pois, como é
comum na publicidade, ele poderia ter optado pela segunda pessoa do singular (Do
jeito que você está tratando a natureza), mantendo assim a uniformidade com o
enunciado A natureza pede socorro! Salve enquanto ela está viva.
Como conseqüência desse ato, ele mostra o que poderá acontecer com a
natureza e com os seres humanos. Para isso, muda o tempo verbal (ela não durará
por muito tempo), ou seja, no futuro essa paisagem não vai mais existir. O aluno
finaliza o texto com a afirmação e nós também. Nesse trecho, ele prevê que o
homem também sofrerá graves conseqüências, podendo até desaparecer. É
significativo o uso do ponto final anterior à oração e nós também. Não preservada a
natureza, nossa vida corre perigo. Ela só poderá ser mantida, como também a de
nossos filhos e netos, se estiver ligada, unida à vida da natureza. O ponto final está
77
presente para dissociar natureza e homem. Mais que isso: sem a natureza, o
homem acabará findando sua própria existência, conferindo-lhe um ponto final antes
do esperado.
Vale enfatizar que a mudança do enunciador nessa propaganda apresentase, também, como forte recurso persuasivo. Num primeiro momento, o aluno toma o
uso do verbo na segunda pessoa Salve enquanto ela está viva (segunda parte do
título). O pronome implícito “você” individualiza responsabilidades, direcionando a
mensagem a cada um dos leitores, como é próprio do gênero e, num segundo
momento, toma o uso do pronome nós, inscrita aí uma coletividade (eu + vocês), ou
seja, o próprio enunciador se inclui no discurso, demonstrando sensibilidade pelos
problemas que estão ocorrendo com o meio ambiente. Nesse sentido, o enunciador
procura ganhar a adesão do leitor, persuadindo-o a compartilhar de seus pontos de
vista, construindo com eles a própria argumentação.
Outra mudança se deu com o não-lingüístico: o aluno reforçou a nitidez do
título, com a cor verde, passando mais uma vez a canetinha, deixando-o mais visível
para ser percebido – fator essencial nesse gênero. Foram também destacadas as
cores nas palavras Socorro (vermelha) e Natureza (verde). Essas cores assumem,
em nossa sociedade, significados já cristalizados: o vermelho indica proibição,
sangue, morte; o verde, por sua vez, aponta para esperança, natureza, vida,
liberdade. Tais significados contribuem para a construção da significação do texto,
uma vez que os relacionamos com sentidos já produzidos, acionados no momento
da leitura, isto é, a palavra socorro, a única do texto a ser pontuada com a cor
vermelha, sinaliza urgência, expressa a idéia de que a natureza está morrendo, e a
verde é a forma como a natureza deve se manter, se a preservarmos.
78
Sujeito 3a - Mila
Nessa produção, Mila escolheu como tema a preservação dos animais em
extinção. A aluna optou pela cor de fundo preta; como imagem-destaque, traz-nos
uma onça pintada, aparentemente, em seu habitat – um dos animais característicos
do Pantanal Mato-grossense. Ao lado da imagem, um enunciado inscrito no mapa
do estado de Mato Grosso. As cores colocadas em destaque preto-amarelo
deixaram o cartaz bem chamativo. A organização desses recursos constitui a
estrutura composicional do gênero discursivo propaganda impressa.
No que concerne aos aspectos estilísticos, podemos ver que, para a
construção do enunciado Não prenda os animais ... Seja amigo da onça!, a aluna fez
uso do verbo no imperativo negativo (não prenda), ao passo que, na segunda
oração, recorre ao imperativo afirmativo (seja). A escolha do primeiro modo verbal
indica proibição; quanto ao segundo, afirma o que deve ser feito. Em ambos os
casos, o modo imperativo está exercendo a finalidade de induzir o interlocutor a
cumprir a ação indicada pelo verbo. De acordo com Bechara (2001, p. 222), esse
modo verbal é usado “em relação a um ato que se exige do agente”. A esse respeito
Cereja & Magalhães (2002, p. 152) afirmam que o modo imperativo “é o mais usual
79
nas propagandas, uma vez que eles têm por objetivo influenciar o receptor,
persuadi-lo, aconselhá-lo ou mesmo fazer-lhe um apelo”.
Após o trabalho de reescrita, a aluna reforçou a parte visual, tornando mais
nítida a parte lingüística do enunciado em destaque, além de acrescentar um
pequeno texto abaixo da imagem: Se você continuar prendendo animais, imagem
como essa não será mais vista como motivo de orgulho; ou melhor, será vista
apenas no papel. Aqui, a aluna utiliza o pronome você, dirigindo-se aos leitores e, de
maneira cuidadosa, usa a condicional se, para dizer o que acontecerá com os
animais, caso as pessoas continuem prendendo-os. Nessa propaganda, a escolha
lexical feita de forma bem criteriosa está de acordo com a temática em foco:
prendendo animais, motivo de orgulho, amigo, animais, não prenda.
Sujeito 3b -Mila
No que diz respeito aos recursos persuasivos, podemos destacar a escolha
da imagem de uma onça pintada ao lado do desenho do mapa de Mato Grosso,
dentro do qual se lê: Não prenda animais... Seja amigo da onça! Aqui a utilização da
frase feita – “seqüência fixa menor ou maior de palavras, formando uma unidade
80
sintática consagrada pelo uso” (SANDMANN, 2003, p. 92) – e a imagem do animal
provocam a ambigüidade de uma maneira bem-humorada. Isso ocorre justamente
porque usamos essa expressão com uma intenção contrária à da propaganda, ou
seja, no nosso cotidiano, falamos de amigo da onça em situações de falsidade e
para nomear pessoas sem credibilidade. Já no texto, essa expressão provoca outro
sentido: é um apelo para que as pessoas estimem os animais e não os prendem
nem os maltratem. Esse é o jogo existente entre o sentido figurado e o sentido literal.
É importante destacar que, embora tal expressão seja usada na íntegra, o sentido
produzido é outro, a atitude que se espera do interlocutor é outra. Conforme
Carvalho (2003, p. 84), “a mensagem publicitária explora sistematicamente as
chamadas fórmulas fixas – frases feitas, citações, slogans, ditos populares, [...]
esses jogos de palavras facilitam a comunicação, estabelecendo uma certa
familiaridade com o leitor”.
A respeito desse recurso, Maingueneau (1997, p. 100) afirma que são
enunciados “já conhecidos por uma coletividade, que gozam o privilégio da
intangibilidade. Por essência, não podem ser resumidos, nem reformulados,
constituem a própria palavra, captada em sua fonte”. É esse saber compartilhado
que nos ajuda a construir o novo sentido desejado pelo locutor. Temos, dessa forma,
uma economia de informações explícitas, ficando assim subentendidas.
O desenho do mapa de Mato Grosso constitui recurso de grande força
argumentativa. A sua escolha não foi feita aleatoriamente, apenas para servir de
fundo para o enunciado verbal. Ainda que seja numa leitura rápida, o leitor consegue
perceber a relação da temática tratada com um estado em que a presença de
animais é grande. É comum aparecerem, na mídia, notícias, programas ou
reportagem, somadas à discussão a respeito da riqueza e da diversidade de
espécies animais no Pantanal Mato-grossense, nunca dissociadas da necessidade
de sua preservação.
Outro aspecto que merece ênfase é o uso da cor preta como pano de fundo,
contrastando com a cor amarela. Ao fazer uso dessa cor fúnebre, a aluna demonstra
tristeza, em havendo a extinção dos animais. Isso é reforçado na parte lingüística:
Se você continuar prendendo animais, imagens como essa não será mais vista
como motivo de orgulho; ou melhor, será vista apenas no papel. Assim, se o homem
não mudar sua atitude, os animais que poderiam ser apresentados com cores vivas
81
da natureza, demonstrando a sua existência real, serão ao contrário, exibidos sob
cor de luto, da escuridão, da morte.
Vale destacar que, quanto ao aspecto lingüístico, privilegiando o estudo da
língua, notadamente o conhecimento sintático, o texto comporta correção: Imagens
como essa não será mais vista. Mila não deu importância à concordância, o que não
lhe desmerece a capacidade criativa. À luz da correção, o texto deveria ficar com
esta escritura: imagens como esta não serão mais vistas. Assinalamos nesse trecho
que, mais que correção, motivo de orgulho foi a produção dessa aluna.
No âmbito da teoria bakhtiniana, podemos dizer que a compreensão desse
texto depende dos conhecimentos que os sujeitos adquiriram social e culturalmente
e das diversas linguagens que circulam nessa esfera de atividade social –
publicidade e propaganda. Assim, os sentidos são construídos na relação leitortexto, em determinado contexto sócio-histórico de produção e, portanto, sua
significação não pode ser estabelecida a priori.
Sujeito 4a - Sara
A produção textual de Sara se estrutura da seguinte forma: um enunciado
verbal centralizado e, ao meio, uma imagem, em formato oval, de uma cachoeira. Ao
82
lado esquerdo, uma parte lingüística e, no canto direito, uma frase imperativa. Nos
aspectos estilísticos, o locutor utiliza um questionamento, chamando a atenção do
leitor: Água, até quando? O uso do modalizador até quando unido com o ponto de
interrogação geram um impacto, ou seja, exigem do interlocutor um posicionamento,
instigam-no a pensar sobre esse assunto. Segundo Sandmann (2003, p. 29), “a
frase interrogativa é uma forma muito direta de apelo ao interlocutor, de empatia, de
interesse por ele”. Nesse sentido, o autor enfatiza que a frase interrogativa é usada
quando se quer obter uma informação, ao passo que a imperativa relaciona-se a um
comportamento. Ainda na parte lingüística, a escolha lexical feita pela aluna foi bem
cuidadosa e de acordo com a temática abordada: água, cai do céu, nosso planeta,
consumo, etc. O uso da expressão quem pensa assim está muito mal informado, em
uma linguagem simples, sugere intimidade e aproximação com o leitor. Podemos ver
aqui uma linguagem bem característica do gênero do discurso propaganda
impressa: marcas da oralidade, como se estivesse falando diretamente com o
interlocutor, uso de operadores argumentativos (até quando, afinal, mas, ainda),
presença de verbos no imperativo (valorize).
Em relação ao não-lingüístico, há o uso da cor azul como pano de fundo e
uma imagem bem agradável de uma cachoeira para sensibilizar o leitor da situação
em que se encontra o planeta quanto à escassez de água.
83
Sujeito 4b - Sara
É indispensável grifar que essa aluna não refez o texto, apenas reforçou as
cores para deixar a parte lingüística mais nítida e, assim, facilitar a leitura.
A respeito das estratégias persuasivas, podemos analisar algumas escolhas
feitas pelo locutor. Ao construir o enunciado com uma pergunta e, logo abaixo,
simular a resposta, traz para seu discurso a voz do outro, e nesse caso, de um leitor
desinformado sobre a questão tratada no anúncio.
Água temos e muita! Afinal coisa que encontramos em todo lado e que até
cai do céu. Mas quem pensa assim está muito mal informado e não sabe que nosso
planeta corre risco de ficar sem água boa para o consumo.
Note-se que, na primeira frase, há o ponto de exclamação para mostrar
despreocupação, tranqüilidade e, na segunda, a expressão cai do céu, expressão,
aliás, bem utilizada, remetendo a coisas adquiridas com facilidade. Isso nos lembra
situações em que pais chamam atenção de seus filhos sobre a necessidade de
economizar dinheiro: “pensa que dinheiro cai do céu”. Na propaganda, o uso é no
sentido literal mesmo, mas nos remete a esse outro discurso. A mudança do
84
enunciador introduzida pelo modalizador mas causa certo tom de ironia. Essa
alternância de vozes presentes no mesmo texto é forte marca argumentativa, dado
que se revela a forma de o locutor evidenciar a presença desse leitor desinformado
e despreocupado com esse assunto. Koch (2004, p. 156), ao apresentar as
estratégias discursivas identificadas por Guimarães (1981), afirma que a palavra
mas (ênfase da autora) é “ usada para frustrar uma expectativa que se criou no
destinatário”. Na propaganda, essa estratégia é bem elaborada: primeiramente, é
apresentado um argumento; com a introdução do “mas”, o locutor surpreende o leitor
ao veicular novo argumento, negando, assim, o anterior.
A frase imperativa, no canto direito, é uma forma de apelo direto a esse
leitor: Valorize a água que ainda resta! Observe-se que a escolha do verbo valorizar
sugere o sentido de que a água é preciosa, e na expressão ainda resta está
subentendido que a água está acabando ou pode acabar-se.
Sujeito 5 a - Nádia
85
Dentro da temática – A preservação do meio ambiente – a aluna elegeu um
subtema específico, mas, com as imagens selecionadas para a construção do texto,
ela convida o leitor para analisar o tema do desmatamento. Assim como os textos já
analisados, esse é um texto estruturado pela multimodalidade. Acima um enunciado
em destaque; ao meio um pequeno texto centralizado e abaixo, as imagens. A aluna
usou uma linha transversal, separando-as. Com a cor de fundo avermelhada, a parte
lingüística escrita com lápis preto não possibilita muita visibilidade.
Em relação aos aspectos estilísticos, podemos observar que Nádia
construiu o enunciado verbal pautando-se numa linguagem bem coloquial: E aí! Vai
continuar de braços cruzados. Do outro lado da linha, a expressão Só depende de
você. O uso da gíria E aí! provoca familiaridade com o leitor. Sandmann (2003)
afirma que, na mensagem publicitária, predomina o coloquial, manifestado por
diversos recursos, como as gírias e frases feitas. Na frase Vai continuar de braços
cruzados, podemos ver o uso da frase feita, continuar de braços cruzados. “Parecenos que o uso desses meios constitui-se em um valioso recurso para atrair o leitor,
para chamar sua simpatia, para prender sua atenção, para chocá-lo, como pode ser
no caso de certas gírias” (SANDMANN, 2003, p. 48).
Um dado interessante é que, quando essa aluna terminou o texto, não
parecia satisfeita com sua produção. De imediato, ela já havia percebido algumas
incoerências, como a inversão das imagens. O outro elemento mencionado por ela
foi a cor de fundo. Nesse mesmo dia (da produção), Nádia percebeu a falta de
clareza com relação às partes que compõem a estrutura do gênero. É importante
sinalar que, a partir dos recursos usados na construção da propaganda, percebemos
a “intenção discursiva” do falante, mas faltou o acabamento do todo do enunciado.
Por meio da proposta da reescrita, a aluna alterou, consideravelmente, seu
texto. A oposição das imagens e da parte lingüística feita, inicialmente, por uma linha
transversal desordenada foi substituída pelas cores preta e laranja. Além disso, a
aluna inverteu as imagens, colocando-as em coerência com o enunciado verbal: de
um lado, sob pano de fundo preto, E aí! Vai ficar de braços cruzados, relacionando-o
com imagens, dando a idéia dos prejuízos causados pelo desmatamento; já do outro
lado, sob pano de fundo alaranjado, a expressão Só depende de você. Abaixo, as
imagens de árvores e um rio, apresentadas de maneira bem agradável. Nádia
modificou, ainda, a legibilidade das palavras, pois, na primeira versão, a parte escrita
estava com uma aparência bem prejudicada: palavras em tamanhos diferentes,
86
algumas iniciadas com letras minúsculas e terminadas com maiúsculas (brAÇOS);
além disso, a cor de fundo não era adequada às cores das letras. Na segunda
versão, a aluna digitou a parte escrita e mudou também a cor, o que melhorou
consideravelmente a aparência da propaganda. Algumas correções foram feitas: o
ponto de interrogação que estava faltando, a grafia das palavras “colaborassem” e
“consciente”.
Nádia mostrou-se bastante comprometida com o “acabamento” da
propaganda, principalmente no que diz respeito às características estruturais, visto
que ela reaproveitou toda a parte lingüística e boa parte da não-lingüística feita na
primeira versão. A sua intenção discursiva era a mesma, mas sabia que precisaria
adequá-las melhor ao gênero. Vejamos o resultado desta refacção.
Sujeito 5b - Nádia
Em relação às estratégias persuasivas, os argumentos de Nádia são
marcados, inicialmente, pela informalidade. O locutor, em tom de brincadeira, chama
a atenção do leitor, mostrando-se próximo; por isso, ao usar a frase feita Vai
87
continuar de braços cruzados, pede para ele se mover, agir. É importante observar a
informação pressuposta nesta expressão, isto é, ao utilizar a locução verbal vai
continuar, está implícito, ou seja, está inscrito no enunciado que o leitor não tem se
preocupado com as questões ambientais e, assim, o locutor questiona se ele não vai
mudar essa postura.
Como já analisamos no texto da aluna Sara, a interrogação é forte
argumento nessa propaganda, pois exige do leitor uma resposta, uma atitude. Do
lado direito, em oposição, a aluna responsabiliza o leitor – Só depende de você. O
uso do modalizador só e do pronome você particulariza a atitude esperada pelo
locutor. Abaixo, centralizado, aparece o discurso: Se todos colaborassem nada disso
estaria em reportagem. Seja consciente e preserve o meio ambiente. O verbo no
subjuntivo – colaborassem – acompanhado da condicional – se – mostra que as
pessoas não estão colaborando. É interessante que os alunos fizeram leituras de
reportagens, como foi apresentado na metodologia, e uma delas tratava da questão
do desmatamento. O conhecimento compartilhado pela aluna e seus colegas, na
aula em que tratamos deste assunto, está subentendido na informação Nada disso
estaria em reportagem.
Nádia, com o uso do verbo no imperativo, encerra a parte lingüística com
um apelo ao leitor: Seja consciente e preserve o meio ambiente. A rima utilizada
nessas palavras provoca a aproximação com o leitor.
No que diz respeito ao aspecto não-lingüístico, a argumentação é marcada
pelo contraste das cores, acompanhadas das imagens. O preto evoca o sentido de
destruição e a cor laranja, em contrapartida, é viva, expressa alegria. O impacto
dessas cores complementa a parte lingüística. Dito de outra maneira, o locutor
chama a atenção do leitor para mudar de postura, para descruzar os braços e agir.
3.2 Síntese das análises
Como afirmamos, ao produzirem esses textos, os alunos já haviam tido
contato com o gênero discursivo propaganda impressa. De acordo com Bakhtin
(2003, p. 285), “quanto melhor dominamos os gêneros tanto mais livremente
empregamos, [...] realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de
discurso”. Tendo em vista que esse gênero discursivo apresenta muitas variações,
são mais plásticos, não exigimos que os alunos seguissem uma padronização. No
88
entanto, eles teriam que levar em conta o suporte em que os textos seriam
veiculados – cartaz – e escolher um subtema dentro da temática “preservação do
meio ambiente”. No momento da produção, eles tiveram a oportunidade de escolher
a imagem, as cores, a distribuição desses elementos no cartaz e, quando foram
orientados a reescrevê-los, não exigimos o que teria de ser modificado, alterado, ou
seja, deixamos que eles observassem o texto e vissem o que poderia ser acrescido
para torná-lo mais atraente, criativo, de forma que conseguissem a adesão do
público ao assunto propagado. Ainda de acordo com o filósofo russo (idem), “ao
falante não são dadas apenas as formas da língua nacional (a composição
vocabular e a estrutura gramatical) obrigatórias para ele, mas também as formas de
enunciado, isto é, os gêneros do discurso”.
Os textos produzidos pelos alunos evidenciam sua capacidade em relação à
apreensão do gênero do discurso propaganda impressa. Isso nos possibilita
constatar que conseguimos proporcionar-lhes o contato com um gênero de grande
circulação social, por eles desconhecido como prática de leitura e produção textual
no universo escolar.
Durante a elaboração das propagandas, percebemos sua preocupação com
as características constitutivas desse gênero, isto é, a construção dos argumentos,
considerando tanto os lingüísticos quanto os não-lingüísticos. Percebemos que eles
sabiam que não poderiam colocar apenas frases soltas e isoladas; antes, tinham de
constituir um todo significativo.
89
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O discurso escrito é de certa maneira parte
integrante de uma discussão ideológica em grande
escala: ele responde a alguma coisa, refuta,
confirma,
antecipa
as
respostas
e
objeções
potenciais, procura apoio, etc.
(BAKHTIN, 2003, p. 123)
Toda pesquisa só tem começo depois do fim.
Dizendo melhor, é impossível saber quando e onde
começa um processo de reflexão. Porém, uma vez
terminado, é possível ressignificar o que veio antes
e tentar ver indícios no que ainda não era e que
passou a ser.
(AMORIM, 2001, p. 11)
Com este estudo, à luz da teoria bakhtiniana, procuramos refletir sobre o
percurso de um trabalho prático enfocando a leitura e a produção textual com o
gênero do discurso propaganda impressa, cujos resultados, por um lado, confirmam
a necessidade de busca de um ensino de qualidade e, por outro, comprovam a
viabilidade de aplicação dos gêneros na perspectiva enunciativo-discursiva ao
ensino dessas práticas sociais.
No considerar a linguagem um processo de interação verbal, no qual os
sentidos são produzidos a partir de uma relação dialógica entre os interlocutores, e
que, portanto, nesse viés teórico, a leitura e a produção de textos devem ser
orientadas em um contexto real de comunicação, procuramos desenvolver, nesta
pesquisa, um projeto em que a propaganda impressa fosse relacionada com seu
contexto sócio-histórico de produção, circulação e recepção. Para isso, realizamo-lo
em três etapas: leitura de propagandas comerciais e sociais, produção de
propagandas sociais e circulação destas na escola.
Inicialmente, no trabalho de leitura, evidenciamos a falta de familiaridade
dos alunos em lidar com as propagandas na qualidade de texto trabalhado na
90
escola. A sua atenção, durante a realização das atividades iniciais propostas, era
voltada apenas para o lingüístico. Nessa fase, o não-lingüístico foi totalmente
desconsiderado como parte constitutiva de significação. A partir dessa evidência,
tivemos a preocupação de enfatizar, nas atividades, os elementos lingüísticos e nãolingüísticos que constituem a propaganda impressa. Embora o foco para a análise
tenha sido as produções textuais, consideramos de fundamental importância a
realização do trabalho de leitura, conforme detalhamos no capítulo II.
Diante das análises dos textos, algumas reflexões merecem ser salientadas.
Para tanto, faremos uma retomada da pergunta norteadora dessa pesquisa: a
prática de leitura de propagandas impressas por meio de atividades organizadas em
seqüências didáticas possibilitou aos alunos produzirem textos adequados ao
gênero em questão?
Podemos afirmar que as produções textuais dos alunos apresentaram
características relativamente estáveis do gênero do discurso propaganda impressa,
por serem constituídas pelo conteúdo temático, estrutura composicional e estilo. A
apreensão das especificidades do gênero pode ser evidenciada na materialidade de
seus textos por meio das escolhas fraseológicas e lexicais, pela seleção das
imagens e das cores e, sobretudo, pela coerência com que esses recursos foram
utilizados. Foi gratificante ver o resultado e perceber sua criatividade não apenas em
relação à escolha de imagens e de frases, mas com a preocupação do todo, do
acabamento, objetivando provocar uma atitude responsiva no leitor. A esse respeito
Geraldi (2005, p. 3) afirma que, para a construção do texto, não é necessário seguir
regras, mas sim [...] “articulações entre situação, relação entre interlocutores,
temática, estilo do gênero e estilo próprio, o querer-dizer do locutor, [...]”. É dessa
forma que compreendemos o mundo, as pessoas e suas relações.
Assim, reconhecendo as limitações desta pesquisa, consideramos que os
gêneros da esfera midiática, especialmente a propaganda impressa, constitui uma
alternativa para o trabalho da leitura e produção textual, visto que, além de abarcar
tanto os recursos lingüísticos como os não-lingüísticos, isto é, a multimodalidade, é
um gênero de circulação social que faz parte da vida cotidiana dos alunos, de suas
práticas de linguagem. Portanto, levá-lo para a sala de aula e refletir acerca do
discurso presente nesses textos é contribuir para a formação de leitores críticos,
estimulando-os a interpretar o não-dito, mas constitutivo do todo da significação.
91
Concordamos com Barbosa (2001, p. 58) quando defende a adoção dos
gêneros do discurso como objeto de ensino, por abarcar aspectos lingüísticos e
discursivos e, assim, contemplar, o complexo processo de produção e compreensão
de textos. A autora sustenta sua justificativa pelos seguintes aspectos:
-
os gêneros do discurso permitem capturar, para além de
aspectos estruturais presentes em um texto, também aspectos
sócio-históricos e culturais, cuja consciência é fundamental para
favorecer os processos de compreensão e produção de textos;
-
os gêneros do discurso nos permitem concretizar um pouco
mais a que forma de dizer em circulação social estamos nos
referindo, permitindo que o aluno tenha parâmetros mais claros para
compreender ou produzir textos [...];
-
os gêneros do discurso fornecem-nos instrumentos para
pensarmos mais detalhadamente as seqüências e simultaneidades
curriculares nas práticas de uso da linguagem.
Tendo percorrido os passos desta pesquisa, ressaltamos que o trabalho na
perspectiva enunciativa com os gêneros do discurso não é tarefa simples, uma vez
que requer tempo para o estudo do seu contexto sócio-histórico de produção,
circulação, recepção e para o planejamento das atividades. Dessa forma, é
necessário que o professor-pesquisador faça um estudo da teoria bakhtiniana, para
compreender o que o filósofo russo propôs a respeito da linguagem como interação
verbal, pois, sem essa orientação, o trabalho com os gêneros pode tornar-se
superficial.
Evitar tal equívoco implica assumir a linguagem como processo de interação
verbal; significa entender que o sentido do texto depende da relação dialógica entre
os interlocutores; admitir que a língua não está pronta num sistema, mas ela é
constituída numa situação sócio-histórica concreta, no momento e no lugar onde se
dá a enunciação; é, enfim, considerar que os sujeitos se constituem na e pela
linguagem.
Dessa forma, o trabalho de leitura e produção textual será compreendido
como o processo de interlocução e de construção de significados. Consciente dessa
perspectiva teórica, o professor deverá considerar o aluno-leitor participante ativo no
processo de leitura, estabelecendo uma relação dialógica entre seu saber e outros
92
saberes, inseridas aí as condições de produção, circulação e recepção do gênero.
Em outras palavras, ao levar o gênero para sala de aula, é relevante assinalar as
seguintes questões com os alunos: em que esfera social esse gênero circula, qual é
o suporte no qual foi publicado, quem são seus interlocutores, com qual finalidade
esse gênero foi produzido. Para isso, é necessária a utilização de uma variedade de
textos do mesmo gênero com vista a que os alunos possam perceber as
semelhanças lingüísticas e discursivas entre eles, isto é, as especificidades que o
caracterizam como tal.
Esperamos
que,
com este
trabalho,
possamos
contribuir
para
o
fortalecimento desse novo paradigma de ensino-aprendizagem de língua materna.
Reconhecemos que não se revela simples a mudança, pois romper com um
paradigma cristalizado não acontece tranqüilamente. Como pontua Cox (2004, p.
126), “mas, afinal, o que muda sem agonia, essa linha tênue que separa o fim de um
tempo e o começo do outro?”.
93
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97
ANEXOS
98
ANEXO I
FOTOS DA VISITA AO LABORATÓRIO DE PUBLICIDADE E PROPAGANDA
99
Alguns alunos com dois técnicos do laboratório
Alunos no cromakey, juntamente com a professora pesquisadora (à esquerda)
e a responsável pelo estúdio (à direita).
100
Aluno fazendo teste no estúdio radiofônico
101
ANEXO II
CARTAZ E FÔLDER
102
Anúncio produzido pelos alunos do curso de Comunicação Social – habilitação:
Publicidade e Propaganda – 4° semestre.
103
Anúncio produzido pelos alunos do curso de Comunicação Social – habilitação: Publicidade e
Propaganda – 4° semestre.
104
ANEXO III
TEXTOS COMPLEMENTARES: REPORTAGENS
105
Especial
Perigo real e imediato
Para onde vamos com nossas agressões
ao planeta? O pessimismo da resposta varia,
mas há um consenso: a hora de agir é já
Vilma Gryzinski
Desde que a era das fotografias espaciais começou, há quarenta anos, uma nova
e prodigiosa imagem se formou no arquivo mental da humanidade sobre o que é o
planeta no qual vivemos. Do nosso ponto de vista no universo, provavelmente não existe
nada que se compare à beleza desta vívida esfera azul, brilhando na imensidão do
espaço, água e terra entrelaçadas num abraço eterno, envoltas num cambiante véu de
nuvens. O que as fotos não mostram, mas sabemos existir mais abaixo, é igualmente de
arrepiar. A luxuriante diversidade da vida espalhada por florestas, montanhas, desertos,
oceanos, rios, vibrando num diapasão constante que evoca uma história de 3,5 bilhões
de anos, desde as bactérias primevas até tudo o que respira, exala, anda, rasteja, suga,
fotossintetiza-se, multiplica-se e replica-se, neste momento exato, em nosso planeta.
Além de tudo cuja existência conhecemos, ainda há o que apenas supomos. "A totalidade
da vida, conhecida como biosfera pelos cientistas e criação pelos teólogos, é uma
membrana tão fina de organismos que envolvem a Terra que não pode ser vista a partir
de uma nave espacial, porém internamente é tão complexa que a maior parte das
espécies que a compõem está por ser descoberta", escreveu, numa tentativa de síntese
da grandiosidade do fenômeno, Edward O. Wilson, o grande biólogo americano.
Wilson está entre os cientistas de vulto que clamam insistentemente pela atenção
da humanidade para o perigo real e cada vez mais imediato para a sobrevivência de nós
mesmos, que podemos ser arrastados num paroxismo de autodestruição, levando
conosco as formas mais complexas de vida. Claro, sempre sobrarão as baratas. Nas
reportagens das próximas páginas, VEJA traça um panorama das armadilhas produzidas
pelos homens para si mesmos, desde a exaustão de recursos vitais como a água até os
efeitos incontornáveis do aquecimento global, que podem ser amenizados, na melhor das
hipóteses, ou agravados em proporções dantescas, na pior. Duas das reportagens
registram também pequenas réstias de esperança que podem vir a ser a salvação do
planeta.
Até recentemente, era comum falar em ameaças que poderiam afetar a vida de
nossos netos – uma perspectiva bastante incômoda, mas sem a premência dos desastres
iminentes. Hoje, até a palavra ameaça ficou superada. Os fenômenos deletérios estão em
andamento e muitos de seus efeitos serão sentidos ainda dentro da expectativa de vida
de boa parte da humanidade. Propaga-se, por exemplo, a noção de que está em curso a
106
sexta extinção em massa. As cinco anteriores conhecidas pela ciência deixaram registros
geológicos concretos. A maior aconteceu há 250 milhões de anos; a mais conhecida, a
que extinguiu os dinossauros, há 65 milhões. Extinções, evidentemente, fazem parte da
história da Terra – menos de 10% das espécies que em algum momento existiram
continuam a ter um bilhete no ciclo da vida do planeta. A taxa de extinção considerada
normal é de uma espécie em 1 milhão por ano; a atual gira em torno de 1.000 por ano
entre espécies conhecidas e ainda não catalogadas. O aquecimento global tampouco é
apenas uma hipótese no horizonte do médio prazo. Todas as grandes geleiras do planeta
vêm diminuindo, os oceanos estão se tornando mais quentes, animais mudam suas rotas
migratórias, a diferença de temperatura entre dia e noite cai. Os níveis de dióxido de
carbono são os mais altos dos últimos 420.000 anos. Se as emissões continuarem,
atingirão um estágio que ocorreu pela última vez no Eoceno, há 50 milhões de anos.
As previsões catastrofistas sobre o futuro da humanidade têm sido desacreditadas
desde que Thomas Malthus escreveu seu Ensaio sobre o Princípio da População, no fim
do século XVIII, prevendo uma superpopulação avassaladora. Ridicularizar os profetas do
pessimismo freqüentemente se revela um exercício saudável. A capacidade de adaptação
humana, somada aos vertiginosos avanços do conhecimento no último século, desmentiu
mais de um cenário apocalíptico. Mas hoje pouca gente está para brincadeiras. Um
levantamento recente de trabalhos científicos sobre as mudanças climáticas mostrou que
75% endossavam a hipótese do aquecimento global – os outros 25% foram considerados
neutros, pois analisavam métodos e procedimentos. Quando tratam dos efeitos das
transformações em curso, alguns estudiosos usam palavras que parecem saídas de obras
de ficção científica. "Acredito que as chances de nossa civilização na Terra sobreviver até
o fim do século presente não passam de 50%", escreve o cientista inglês Martin Rees,
professor de cosmologia em Cambridge, no livro Hora Final. Mesmo quando pende para
um lado mais conservador, Rees pinta um quadro de amargar: "As mudanças globais –
poluição, perda de biodiversidade, aquecimento global – não têm precedentes em sua
velocidade. Ainda que o aquecimento global aconteça na ponta mais lenta do espectro
provável, suas conseqüências – competição por suprimentos de água e migrações em
ampla escala – podem engendrar tensões desencadeadoras de conflitos internacionais e
regionais, sobretudo se eles forem excessivamente alimentados por crescimento
populacional contínuo".
A capacidade humana de alterar o planeta em escala geológica atingiu tal ponto
que o cientista holandês Paul Crutzen propõe que a época atual, Holoceno, iniciada há
apenas 10.000 anos, já acabou. Vivemos, diz ele, em pleno antropoceno – e isso
começou no fim do século XVIII, com a invenção da máquina a vapor, desencadeadora
do processo que mudou a face da Terra. A vaga de alarmismo que permeia o mundo no
momento é tamanha que permite perguntas altamente incômodas. Em escala
cosmológica, qual seria a importância do desaparecimento dos humanos da Terra (ainda
que levassem, em sua irresponsabilidade genocida, uma enormidade de espécies
consigo)? Mais ainda: o mecanismo de autodestruição não está embutido na própria
espécie, para barrar sua propagação virulenta e descontrolada, e entrou em ação
justamente num momento crítico?
Fazer perguntas para as quais não se tem respostas é próprio da espécie humana.
Podemos, no entanto, conjeturar. Uma resposta possível à primeira pergunta é que a
importância provavelmente é nenhuma. Mesmo que o surgimento de vida inteligente e
consciente tenha resultado de uma cadeia de eventos tão improvável que tenha
acontecido uma única vez – aqui mesmo, na nossa magnífica esfera azul –, a extinção da
107
espécie humana, por mais inominável que nos pareça, não significa o fim da vida. À
segunda pergunta, só podemos responder que, como não estaremos aqui para saber se a
hipótese se confirma, temos a obrigação de trabalhar com a idéia contrária: não estamos
programados para a extinção, ou pelo menos não agora. A vida começou na Terra há
cerca de 3,5 bilhões de anos e ainda há 6 bilhões pela frente antes que o sol incinere a
Terra. Cerca de 60 bilhões de seres humanos já viveram antes de nós. Seria demais
deixar um desaparecimento catastrófico acontecer justo no nosso turno.
Veja, 12 de outubro de 2005 (Versão online)
Especial
O paradoxo da água
Setenta por cento da superfície do planeta
é coberta por água – mas só 1% de todo
esse enorme reservatório é próprio para
o consumo do homem. O desafio é evitar
a poluição, o desperdício e distribuir
melhor esses recursos hídricos
João Gabriel de Lima
100 toneladas de peixes mortos pela poluição na Lagoa Rodrigo
de Freitas, no Rio de Janeiro, em 2000: o problema não é a quantidade de água, mas a qualidade.
Uma das visões mais espetaculares do século passado foi a primeira imagem da
Terra feita do espaço, na década de 60: uma gigantesca massa azul, com 70% de sua
superfície coberta por água. Neste início de século, uma preocupação recorrente – e
justificada – é a de que a água, tão abundante, se torne paradoxalmente cada vez mais
escassa para uso humano. Em março deste ano, o secretário-geral da Organização das
Nações Unidas, Kofi Annan, decretou os anos que vão de 2005 a 2015 como a Década da
108
Água. O objetivo é que nesse prazo se reduza à metade o número de pessoas sem
acesso a água encanada, cifra que ultrapassa 2 bilhões de pessoas. Mantidos os atuais
níveis de consumo, estima-se que em 2050 dois quartos da humanidade viverão em
regiões premidas pela falta crônica de recursos hídricos de qualidade. É um dado
gravíssimo quando se leva em consideração que 60% das doenças conhecidas estão
relacionadas de alguma forma com a escassez de água. Como isso é possível em um
planeta com tantos recursos hídricos? O problema pode ser equacionado em dois termos:
má distribuição e má gestão. O primeiro se deve à própria natureza, o segundo é culpa
do homem. A água é realmente a substância mais comum na Terra. No entanto, 97%
dela está nos mares, sendo assim imprópria para o uso agrícola e industrial e para o
consumo humano. Outros 2% estão nas calotas polares, em forma de gelo ou neve.
Resta, assim, apenas 1% de água doce, aquela disponível nos rios, lagos e lençóis
freáticos. Essa água é extremamente mal distribuída. Países como o Canadá e a Finlândia
têm muito mais do que precisam, enquanto o Oriente Médio praticamente nada tem.
O Brasil, dono da maior reserva hídrica do mundo – 13,7% da disponibilidade de
água doce do planeta –, expressa internamente esse paradoxo. Dois terços da água estão
concentrados na região com menor densidade populacional, a Amazônia. Isso significa
que um brasileiro de Roraima tem 1 000 vezes mais água à disposição do que um
conterrâneo que vive no interior de Pernambuco. A água é pesada e difícil de transportar.
Levá-la de um lugar a outro tem sido o grande desafio dos seres humanos desde o
tempo dos romanos, que construíam aquedutos por toda parte. O segundo problema
relativo à água é a má gestão – e, nessa área, há outro paradoxo. Mesmo sendo
essencial para a economia, a água sempre foi dada de graça. Até recentemente, nem os
industriais nem os agricultores, para não falar dos consumidores domésticos, pagavam
pela água, apenas pelo serviço de distribuição. É claro que, aplicando-se à risca o
princípio econômico segundo o qual não existe almoço grátis, esse raciocínio não se
sustenta. No fundo, toda a sociedade paga quando o governo subsidia empresas estatais
para que tratem a água que um empresário vai usar em sua fábrica, ou quando constrói
uma barragem para que um rio seja colocado à disposição dos lavradores para a
irrigação. Quando não se paga pelo que se consome, o resultado inevitável é o
desperdício. Por isso, quando se fala em solucionar os problemas da água no mundo,
uma palavra surge como um mantra: precificação. Significa que o governo, que é o dono
em última análise dos mananciais naturais de um país, deve cobrar pelos recursos
hídricos consumidos por seus cidadãos, revertendo o dinheiro para a cobertura dos
custos de tratamento da água e preservação dos ecossistemas ligados a ela.
Isso já ocorre em países como França e Alemanha, considerados exemplares na
gestão de água. No procedimento mais utilizado, o empresário ou o agricultor paga duas
vezes: pela água em si e pela licença para jogar os resíduos nos rios. Com isso, ele é
incentivado a gastar pouco e a tratar ele próprio a água antes de devolvê-la à natureza.
"Cobrar pela água é muito mais eficaz do que estabelecer milhares de leis de
preservação, quando se sabe que o Estado não vai ter como contratar gente para
fiscalizar e cobrar multas", diz Benedito Braga, diretor da Agência Nacional de Águas,
criada em 1997. A agência iniciou recentemente um projeto piloto de cobrança da água
no Rio Paraíba do Sul, compartilhado pelos estados de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas
Gerais. No ano passado, foram arrecadados lá cerca de 6 milhões de reais, os quais
serão reinvestidos em estações de tratamento em doze cidades.
No futuro, os consumidores domésticos também terão de repartir a conta da água
com empresários e agricultores, ainda que respondam por apenas 10% do gasto de água
doce no mundo. Afinal, são os esgotos não tratados os principais responsáveis pela
poluição dos rios, principalmente os das grandes metrópoles. O problema só será
resolvido quando se começar a cobrar pela água em si, não apenas por seu
abastecimento. Embora a idéia da precificação seja praticamente unânime, existem os
109
que argumentam que ela tornaria a água mais cara para quem mais precisa dela: a
população mais pobre. Existem várias maneiras de evitar que isso ocorra. Na África do
Sul foi estabelecido um consumo máximo por pessoa – apenas acima disso se cobra pela
água. A verdade é que o que sai caro, para a população pobre, é não ter água. Nos
países onde a carência é dramática, são as mulheres as encarregadas de ir até o rio mais
próximo com um vaso na cabeça – e, como ele freqüentemente fica a quilômetros de
distância, às vezes se perde o dia inteiro nessa empreitada.
Há pelo menos três mitos sobre a questão da
água, magnificados pela grita dos ambientalistas radicais
mas que não condizem com a realidade. O primeiro reza
que a água do planeta estaria acabando. Não é verdade.
A água é um recurso infinitamente renovável, já que, em
seu ciclo, ela cai das nuvens em forma de chuva, fertiliza
a terra, vai para o mar pelos rios e evapora de volta às
nuvens, novamente como água doce. O segundo diz que
o consumo doméstico desmedido estaria acabando com a
água do planeta. Trata-se de outro exagero. Apenas um
décimo da água potável disponível é gasto para que os
homens cozinhem, lavem roupa e façam a higiene
pessoal, enquanto 70% são alocados para a irrigação
agrícola – esta, sim, a grande vilã do desperdício. O
terceiro mito, derivado desse, é o de que os recursos
hídricos vão acabar porque, quanto mais o mundo se
desenvolve, mais ele precisa de alimentos e,
conseqüentemente, de água. Também não é exato. A
modernização das técnicas agrícolas vem fazendo com
que caia o consumo de água. De acordo com uma
estimativa do Pacific Institute, um dos mais respeitados centros de estudos mundiais
sobre o assunto, o consumo total de água nos Estados Unidos era de 600 quilômetros
cúbicos por ano na década de 80. Hoje está em menos de 500. A queda se deve também
à economia na indústria e no consumo doméstico. Nas fábricas, nos anos 30, gastavamse em média 200 toneladas de água para obter 1 tonelada de aço. Hoje, usando-se os
métodos modernos, esse consumo caiu para 3 toneladas. Nas casas, por exemplo, a
quantidade média de água utilizada nas descargas dos banheiros caiu para um quarto do
que era há vinte anos. O verdadeiro dilema é conseguir que, com uma população
mundial em constante crescimento, os recursos sejam mais bem distribuídos e que sua
qualidade seja mantida. A história ensina que o ser humano administra melhor aquilo
que é tratado como bem econômico. A água, que está na base de todas as cadeias
produtivas, faz jus a esse tratamento.
110
Uso irresponsável da natureza
A natureza é uma grande prestadora de
serviços para a humanidade. E é ela quem dá os
elementos básicos para a vida humana e o
desenvolvimento econômico. A água é o mais
fundamental desses serviços, que incluem também os
alimentos, as fontes de energia e os materiais usados
na fabricação de todos os objetos que nos rodeiam.
Nas últimas semanas, VEJA mostrou, em reportagens
especiais, que esses serviços têm um custo – altíssimo,
dependendo da maneira como os utilizamos. A
reportagem "A cegueira das civilizações" (7 de
setembro) discutiu o risco de a humanidade estar
repetindo o erro de sociedades do passado que
entraram em colapso porque não evitaram a destruição
ambiental causada por elas próprias. Em "Seis provas
do aquecimento global" (21 de setembro), VEJA
demonstrou que a mudança climática da Terra,
acelerada pelo homem, é um fenômeno real e que seus
efeitos não podem mais ser ignorados. É hora de rever
a forma como os recursos naturais são explorados.
A natureza contra-ataca
O planeta começa a responder com
derretimento de geleiras, secas, escassez
de água e aquecimento global aos milhares
de anos de agressões feitas pelo homem
Bia Barbosa
No cálculo que se tornou clássico na literatura científica popular, o astrônomo Carl
Sagan (1934-1996) propôs que se toda a história do universo pudesse ser comprimida
em um único ano, os seres humanos teriam surgido na Terra há apenas sete minutos.
Nesse período, o homem inventou o automóvel e o avião, viajou à Lua e voltou, criou a
escrita, a música e a internet, venceu doenças, triplicou sua própria expectativa de vida.
Mas foram também sete minutos em que a espécie humana agrediu a natureza mais que
todos os outros seres vivos do planeta em todos os tempos. A natureza está agora
cobrando a conta pelos excessos cometidos na atividade industrial, na ocupação humana
dos últimos redutos selvagens e na interferência do homem na reprodução e no
crescimento dos animais que domesticou.
111
A começar por seus bens mais preciosos, a água e o ar, o balanço da atividade
humana mostra uma tendência suicida. Com a mesma insolência de quem joga uma
casca de banana ou uma lata de refrigerante pela janela do carro pensando que se está
livrando da sujeira, a humanidade despeja na natureza todos os anos 30 bilhões de
toneladas de lixo. Quem mais sofre com a poluição são os recursos hídricos. Embora dois
terços do planeta sejam água, apenas uma fração dela se mantém potável. Como
resultado, a falta aguda de água já atinge 1,2 bilhão de pessoas em todo o mundo.
Quatro em cada dez seres humanos já são obrigados a racionar o líquido. Pior. Por
problemas principalmente de poluição, os mananciais, que ficaram estáveis por séculos,
hoje estão diminuindo de volume em todos os continentes, enquanto a população
aumenta. Se a Terra fosse do tamanho de uma bola de futebol, a atmosfera teria a
espessura do fio de uma lâmina de barbear. Pois bem, essa estrutura delicada vem
recebendo cargas de fumaça e gases venenosos num ritmo alucinante. Segundo
avaliação do Worldwatch Institute, em um único dia a humanidade e suas máquinas
jogam na atmosfera mais gás carbônico que todos os seus antepassados em um século.
Análises de amostras coletadas de ar encapsulado no gelo do Ártico, datadas conforme
sua profundidade, confirmam essa avaliação. Centenas de espécies de peixes comestíveis
foram extintas em apenas trinta anos pela pesca industrial, que usa satélites para
localizar cardumes e redes tão descomunais que poderiam engolfar um prédio de
quarenta andares. Pela presença de pessoas em seus habitats, animais estão sendo
extintos num ritmo cinqüenta vezes mais rápido que o trabalho seletivo da evolução
natural das espécies. Apenas um terço das florestas que viram a chegada dos
colonizadores europeus às Américas ainda está de pé. O Brasil é quase uma vitrine da
destruição tocada pelo homem. O país já perdeu 93% da Mata Atlântica, 50% do cerrado
e 15% da Floresta Amazônica. E as motosserras continuam em ação.
Individualmente, as agressões acima seriam absorvidas pelo ecossistema global,
acostumado a catástrofes naturais. O problema é que houve uma orquestração. Sem se
dar conta, os 6 bilhões de pessoas tornaram-se um fardo pesado demais para o planeta,
tanto sobre o solo quanto no mar e no ar. Agora, a natureza está mandando a conta. O
efeito mais apocalíptico dessa mensagem é o aquecimento global, cuja causa mais
provável é a concentração na atmosfera de gases produzidos pela queima de gasolina,
óleo e outros combustíveis por fábricas e veículos. O acúmulo desses gases poluentes
encapsula o calor do sol e não deixa que ele escape para o espaço sideral, transformando
a atmosfera numa estufa. "Durante anos, parte da comunidade científica se enganou
atribuindo o aquecimento aos ciclos naturais do planeta e às mudanças na atividade
solar. Hoje existe uma quase unanimidade de que o problema é causado por nós
mesmos", diz ninguém menos que Stephen Hawking, o reputado astrofísico inglês. O
último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, das Nações
Unidas, foi incisivo nesse aspecto. "Já estamos e vamos continuar pagando o preço do
que fazemos hoje com o planeta. Isso não é especulação. É uma constatação científica",
afirma Thelma Krug, coordenadora-geral de Observação da Terra do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais. Somente no ano passado, cerca de 29 bilhões de toneladas de
dióxido de carbono foram liberados na atmosfera.
Segundo especialistas, se o efeito estufa continuar a crescer no mesmo ritmo, a
temperatura média da Terra pode aumentar 5,8 graus centígrados até 2100. Essa
temperatura é 65% maior que o pior cenário de aquecimento global traçado há cinco
anos por um grupo de cientistas. Na época, a previsão foi tachada de pessimista.
Ninguém se iluda com a idéia de que a longo prazo todos estaremos mortos e, portanto,
que a Terra esteja um pouco mais quente daqui a 100 anos é um problema para os netos
de nossos bisnetos. Nada disso. Os primeiros sinais já estão por toda parte. São visíveis
os recuos das geleiras em ambos os pólos. O Ártico perdeu 6% de sua área entre 1978 e
1996, um ritmo quatro vezes maior que o registrado por observadores do século
passado. Os verões estão mais longos e os invernos mais curtos, atrapalhando o
metabolismo dos pinguins, no sul, e dos ursos polares, no norte. Atribuem-se às
mudanças climáticas provocadas pelo homem as inundações violentas que arrastaram
bairros inteiros na Itália nos últimos anos. O efeito em cascata pode ser sentido a
milhares de quilômetros de distância dos pólos. Em 1999, duas ilhas do Pacífico Sul
112
desapareceram sob as ondas com o aumento do nível do mar causado pelo derretimento
de geleiras.
No pior cenário, em algumas décadas o nível dos oceanos pode subir 80
centímetros. É uma catástrofe. Ilhas, deltas de rios, cidades costeiras acabariam debaixo
das águas. Países baixos como a Holanda teriam suas fontes de água doce
comprometidas pela salinização e a vida ficaria muito mais difícil. Cerca de 90 milhões de
pessoas seriam afetadas diretamente pelo aquecimento global. Dezenas de milhões de
outras sofreriam os efeitos indiretos do fenômeno. Com o calor, viriam as secas
prolongadas e agudas. Em 25 anos, 5,4 bilhões de pessoas, ou 90% da população atual
do planeta, teriam de racionar água. Como escapar da catástrofe anunciada ? Para
alguns cientistas, a maioria, % ainda existe tempo de reverter ou anular parte dos
efeitos simplesmente reduzindo drasticamente as descargas de poluentes na atmosfera.
A situação fica preocupante quando se sabe que houve um retrocesso nos Estados
Unidos, o maior emissor, com 26% de todas as descargas de gases que aumentam a
absorção de calor pela atmosfera. O presidente George W. Bush pretende ignorar
solenemente os acordos internacionais de controle do efeito estufa. "Mesmo se
mantivermos as emissões de CO2 no nível em que estão hoje, a trajetória do planeta a
longo prazo é extremamente preocupante", avalia Luiz Gylvan Meira Filho, presidente da
Agência Espacial Brasileira, autoridade que fala internacionalmente em nome do governo
brasileiro quando o assunto é aquecimento global. Fica cada vez mais claro que a
humanidade precisa tratar com mais carinho sua hospedeira, a Terra. Biólogos como o
inglês James Lovelock acreditam que os contra-ataques da natureza são resultado de
ajustes naturais que os ecossistemas do planeta estão fazendo para manter a saúde da
Terra. Essa é a chamada Hipótese Gaia. Segundo ela, a Terra é um organismo dotado da
capacidade de manter-se saudável e que tem compromisso com todas as formas de vida
– e não com apenas uma delas, o homem.
Veja, 18 de abril de 2001. (versão online)
113
Uma nuvem de poluentes do tamanho de três Brasis e com
3 quilômetros de espessura cobre uma parte da Ásia, onde vive um quinto da
humanidade
Jacarta, na Ásia, envolta pela nuvem de poluentes: redução
de 15% na luz solar
Dez anos depois da Eco 92, há pouco para comemorar. A poluição e o uso
predatório dos recursos naturais aceleraram o efeito estufa e a destruição
das florestas. Mas existem formas de corrigir esses erros
Daniel Hessel Teich
O perigo da degradação ambiental causada pelo homem costuma ser
representado nas campanhas ambientalistas por animais ameaçados de extinção. O
simpático e desajeitado urso panda, que está desaparecendo junto com seu habitat nas
montanhas da China, é um dos símbolos mais utilizados pelos ecologistas. Neste
momento, há um símbolo muito mais tenebroso no ar. Trata-se da formidável nuvem de
poluentes que se estende do Japão ao Afeganistão, no sentido leste–oeste, e da China à
Indonésia, no sentido norte–sul, abrangendo uma região da Ásia em que vive um quinto
da humanidade. De tonalidade marrom e tamanho equivalente a três Brasis, essa nuvem
de venenos tem 3 quilômetros de espessura e representa 1,5% da atmosfera na região.
Nuvens parecidas flutuam ocasionalmente sobre os Estados Unidos e a Europa, mas
nenhuma teve igual tamanho e durabilidade. A mancha foi percebida pelos satélites em
órbita sete anos atrás e desde então vem sendo estudada por uma equipe de
especialistas convocada pela Organização das Nações Unidas (ONU). Na semana
passada, anunciou-se a primeira conclusão: trata-se da mais densa e ampla
concentração de poluentes já detectada.
Na lista das grandes catástrofes ecológicas preparada pela Associação Americana
para o Avanço da Ciência, a nuvem asiática é comparada ao buraco de ozônio, o
pesadelo que dominou o debate ambientalista na década passada. "O perigo é global, já
que uma nuvem desse tamanho pode cruzar meio mundo em apenas uma semana",
adverte o alemão Klaus Töpfer, diretor executivo do Programa de Meio Ambiente da
ONU. O coquetel de partículas de carbono, sulfatos e cinzas orgânicas é resultado das
emissões de gases de fábricas, usinas termelétricas e escapamentos dos automóveis.
Essa é, digamos, a contribuição industrial para o fenômeno. "O crescimento econômico
do sul da Ásia fez com que a poluição dobrasse nos últimos vinte anos", diz o indiano
Victor Ramanathan, coordenador do estudo que desvendou os segredos da nuvem. Mas
não é essa a única causa. A população pobre da região queima o que tiver à mão para
cozinhar e se aquecer – de madeira a estrume, passando por garrafas de plástico e
embalagens. Como no Brasil, a queimada é a principal ferramenta para abrir espaço para
o plantio. Por causa da alta concentração de carbono, a nuvem de poluentes chega a
114
reter 15% da luz solar. Por falta de sol, o solo está ficando mais frio e o ar, mais
abafado. O ritmo das monções, o período de chuvas no sul da Ásia, foi alterado, com
efeito catastrófico para a agricultura. A safra de arroz colhida no inverno na Índia foi
10% menor que em anos anteriores. Estima-se que 500.000 pessoas morram só naquele
país em decorrência de problemas respiratórios causados pelo fenômeno.
Um desastre ambiental provocado pelo encontro de duas realidades que se entrelaçam –
o mundo industrializado de certas regiões asiáticas e a pobreza abjeta de outras – é
pleno de simbolismo e não podia revelar-se em momento mais apropriado. Na próxima
semana, mais de 100 chefes de Estado, à frente de um contingente de 60.000
delegados, discutirão em Johanesburgo, na África do Sul, a encruzilhada ambiental em
que o planeta está metido. Chamado de Rio+10, pretende dar continuidade às discussões
iniciadas na Eco 92, no Rio de Janeiro, em 1992. O balanço dos últimos dez anos contém
pouca coisa que possa sugerir que o encontro vai melhorar significativamente a situação
ambiental. A reunião no Rio tratou sobretudo de mudanças climáticas e biodiversidade.
Os participantes concordaram com um programa ousado de combate à deterioração da
terra, do ar e da água. Também decidiram buscar o crescimento econômico sem
degradar o meio ambiente. Apesar das juras de amor à natureza feitas naquela época,
pouca coisa saiu do papel. Dez anos transcorridos, apenas quarenta nações adotam
algum tipo de estratégia preservacionista. O que chegou a ser feito foi apenas um
arranhão numa realidade desastrosa. Hoje, as ameaças aos recursos naturais são ainda
maiores. Florestas, peixes, água e ar limpos estão mais escassos. Duas das mais
importantes fontes de biodiversidade, os recifes de coral e as florestas tropicais, foram
tremendamente degradadas. As emissões de carbono, o grande responsável pelas
mudanças climáticas e pelo aquecimento global, cresceram 10%. Nos Estados Unidos,
que abandonaram o Protocolo de Kioto, o tratado assinado por 178 países para controlar
as emissões desse gás, o salto foi de 18%.
115
AFP
Quanto ao crescimento sustentado, assunto tão
debatido, a coisa parece caminhar para o fiasco. Há mais
de meio século, Mahatma Gandhi, o magérrimo guru da
independência indiana, dizia sobre o assunto: "Que Deus
jamais permita que a Índia adote a industrialização à
maneira do Ocidente. A Inglaterra precisou de metade dos
recursos do planeta para alcançar tal prosperidade. De
quantos planetas um país grande como a Índia iria
precisar?", perguntava, perplexo, aquele que o primeiroministro britânico Winston Churchill chamava com
menosprezo de "aquele faquir indiano". Gandhi sempre foi
um homem de idéias reacionárias. Queria, em todos os
campos, a manutenção do estilo de vida de seu tempo.
Em certas coisas, pregava o retorno ao passado. Não Lixo na Indonésia: 95% dos
aceitava sequer a supervisão médica nas doenças. Mas esgotos em países pobres são
lançados em rios
seu aviso, por mais exótico e retrógrado que pareça,
ÁGUA
encontra eco num cálculo do Fundo Mundial para a PLANETA
escassez de água potável atinge
Natureza, a organização ambientalista mais conhecida 2Abilhões
de pessoas. Nesse ritmo,
pela sigla WWF. Usando estatísticas da ONU, ela concluiu dentro de 25 anos serão
bilhões.
que os 15% mais ricos da humanidade (o que inclui as 4
A água contaminada pelo descaso
minorias abastadas nos países pobres) consomem energia ambiental
mata
e recursos em nível tão alto que providenciar um estilo de 2,2 milhões de pessoas por ano.
vida comparável para o restante do mundo iria requerer 3 milhões de mortes são causadas
pela poluição do ar.
os recursos de 2,6 planetas do tamanho da Terra. Essa anualmente
As
emissões
de
carbono,
o
estatística ajuda a entender o dilema existente entre principal
poluidor
do
ar,
desenvolvimento e preservação ambiental. Os anos 90 aumentaram em 10% desde 1991.
foram de imenso crescimento na economia global.
Perversamente, muito dessa prosperidade teve conseqüências desastrosas para o meio
ambiente.
Na semana passada, como subsídio para a reunião em Johanesburgo, a ONU
divulgou um relatório sobre o impacto do atual padrão de desenvolvimento na qualidade
de vida e nos recursos naturais. Veja, por meio de itens selecionados do relatório, como
a questão ambiental ganhou maior volume na década passada:
2,4% das florestas foram destruídas nos anos 90, uma área equivalente ao território de
Mato Grosso. O desmatamento é maior na África, que perdeu 7% de sua cobertura
vegetal, e na América Latina, com 5%.
A proporção de recifes de coral ameaçados saltou de 10% para 27%, apesar de
protegidos pela Convenção da Biodiversidade.
O consumo global de combustíveis fósseis cresceu 10%.
Apenas três países ricos, Alemanha, Inglaterra e Luxemburgo, mantiveram estáveis
suas emissões de carbono, o gás do efeito estufa.
Num mundo em desequilíbrio, até a boa notícia embute riscos para o futuro. O
consumo de alimentos cresceu nas últimas três décadas. Nos países em
desenvolvimento, a quantidade de calorias consumidas diariamente foi de 2.100 para
2.700. Nos ricos, passou de 3.000 para 3.400. Isso exige maior quantidade de alimentos.
Hoje, 11% da superfície do planeta é usada para agricultura. A Europa, os países do sul e
do leste da Ásia já usam todo o seu estoque de terras agrícolas. O norte da África e a
Ásia Ocidental são desertos impróprios para a lavoura. Só a América Latina e a África
Subsaariana ainda têm potencial de expansão agrícola – mas novas fronteiras agrícolas
significam novos avanços sobre as florestas e sobre outras áreas intocadas. Pela
presença do homem em seu habitat, animais estão sendo extintos num ritmo cinqüenta
vezes mais rápido que o do trabalho seletivo da evolução natural das espécies. Metade
das espécies de grandes primatas, nossos parentes mais próximos na árvore da
evolução, deve desaparecer nas próximas duas décadas, se nada mais consistente for
feito para salvá-los. Individualmente, as agressões citadas acima seriam absorvidas pelo
ecossistema global, acostumado a desastres naturais. O problema é a orquestração. Sem
116
se dar conta, 6 bilhões de seres humanos se tornaram um fardo pesado demais para o
planeta.
Alcântara
Um estudo do Fundo Mundial para a Natureza Araquém
(WWF), divulgado no mês passado, estima que o homem
ultrapassou em 20% os limites de exploração que o
planeta pode suportar sem se degradar. O cálculo partiu
do pressuposto de que se pode explorar até 1,9 hectare
por ser humano. Qualquer avanço além dessa cota nos
deixaria sujeitos a catástrofes meteorológicas, como
enchentes e secas, e perda de qualidade de vida para as
populações futuras. Nessa conta, já estamos no vermelho,
com a dívida contraída com a Mãe Natureza crescendo de Queimada no cerrado brasileiro:
ameaçada
pela
forma assustadora. A média mundial de exploração é de região
desertificação
2,3 hectares por pessoa, contra 1,3 hectare há quarenta
anos. A distribuição é desigual. O Brasil mantém-se na FLORESTAS
90 milhões de hectares de
média, enquanto os países africanos usam apenas 1,4 florestas – área equivalente à do
hectare. Já a Europa e os Estados Unidos superam Estado de Mato Grosso – foram
violentamente a marca, registrando respectivamente 5 destruídos nos anos 90 em todo o
hectares e 9,6 hectares por pessoa. Significa que estão de mundo.
duas a cinco vezes além da média mundial. A estimativa é Um em cada 4 hectares
desmatados no planeta estava na
que a Terra tenha 8 bilhões de habitantes em 2025, um Amazônia brasileira.
aumento de 30% em relação à atual população mundial. 10% das espécies de árvores
conhecidas correm risco de
Serão bilhões de bocas a mais para ser alimentadas.
extinção.
O efeito mais terrificante por suas implicações no cotidiano
das pessoas talvez seja o aquecimento global. A década de 90 foi a mais quente desde
que se fizeram as primeiras medições, no fim do século XIX. Uma conseqüência notável
foram o derretimento de geleiras nos pólos e o aumento de 10 centímetros no nível do
mar em um século. A Terra sempre passou por ciclos naturais de aquecimento e
resfriamento, da mesma forma que períodos de intensa atividade geológica lançaram à
superfície quantidades colossais de gases que formavam de tempos em tempos uma
espécie de bolha gasosa sobre o planeta, criando um efeito estufa natural. Ocorre que
agora a atividade industrial está afetando de forma pouco natural o clima terrestre. No
ano passado, cientistas de 99 países se reuniram em Xangai, na China, e concluíram que
o fator humano no aquecimento é determinante. Desde 1750, nos primórdios da
Revolução Industrial, a concentração atmosférica de carbono – o gás que impede que o
calor do Sol se dissipe nas camadas mais altas da atmosfera e se perca no espaço –
aumentou 31%, e mais da metade desse crescimento ocorreu de cinqüenta anos para cá.
Amostras retiradas das geleiras da Antártica revelam que as concentrações atuais de
carbono são as mais altas dos últimos 420.000 anos e, provavelmente, dos últimos 20
milhões de anos.
Cerca de três quartos das emissões de carbono provocadas pelo homem nos
últimos vinte anos vêm da queima de combustíveis fósseis, como a gasolina. O restante
provém da queimada de florestas. "Não há mais dúvida de que as mudanças ambientais
são causadas pelo homem. Já não são só os ambientalistas que pensam assim", diz
Lester Brown, fundador do Instituto Worldwatch e diretor do Earth Police (polícia da
Terra, em inglês), baseados nos Estados Unidos. De acordo com especialistas, se o efeito
estufa continuar no mesmo ritmo, a temperatura da Terra pode aumentar 5,8 graus
centígrados até 2100. Algumas alterações na paisagem são atribuídas claramente ao
aquecimento provocado pelo homem. Na África, a montanha das neves eternas, o
Kilimanjaro, perdeu 82% da cobertura de gelo desde 1912. Em vinte anos, nesse ritmo,
não restará nada exceto rocha nua. Em algumas partes da África e da Ásia as secas
estão ocorrendo com maior freqüência e intensidade dobrada. A quantidade de chuvas
tem aumentado no Hemisfério Norte, principalmente na forma de grandes tempestades.
Os meteorologistas estão divididos sobre o assunto, mas muitos acham que as piores
enchentes em 100 anos, que na semana passada invadiram as ruas de muitas cidades na
117
Alemanha e na República Checa, se encaixam perfeitamente no contexto das mudanças
climáticas no continente. "Não tenho dúvida de que o efeito estufa fez aumentar as
chances de maior precipitação em áreas que não estavam acostumadas a chuvas
pesadas", diz o americano Gerald Meehl, cientista-chefe do Centro Nacional de Pesquisas
Atmosféricas, nos Estados Unidos.
Uma pressão desabusada é exercida sobre os ecossistemas de água doce, que
têm sido destruídos pela poluição e pelo uso descontrolado. Sete de cada 10 litros
utilizados pelo homem são destinados à agricultura, e mais da metade dela é perdida em
sistemas de irrigação ineficientes. Cerca de metade desses ecossistemas já foi arruinada,
e pelo menos 20% das 10.000 espécies conhecidas de organismos aquáticos já foram ou
estão sob ameaça de extinção. Estima-se que 30% das maiores bacias hidrográficas
perderam mais da metade de sua cobertura vegetal, reduzindo a qualidade da água e
aumentando os riscos de enchente. Cerca de 40% da população do planeta vive em
regiões com escassez de água potável, o que limita o desenvolvimento econômico, a
agricultura e os cuidados sanitários. "Até agora nossa prodigiosa habilidade para
expandir a população e aumentar o nível de consumo material ultrapassou de longe
nossa habilidade para entender e responder aos problemas que estamos criando para nós
mesmos", disse a VEJA Christopher Flavin, presidente do Instituto Worldwatch.
Há dez anos, embalada pela Rio 92, a Unesco, o braço cultural da ONU, publicou o
que pretendia ser o corolário do futuro: "Cada geração deve deixar os recursos da água,
do solo e do ar tão puros e despoluídos como quando apareceram na Terra. Cada
geração deve a seus descendentes a mesma quantidade de espécies de animais que
encontrou". A realidade virou tudo isso pelo avesso. O que se viu nos anos 90 foi um
avanço descontrolado sobre ecossistemas frágeis, que não suportam a exploração
agrícola intensiva, como as áreas de cerrados, savanas e de vegetação semi-árida. Essas
regiões correspondem a quase 40% da superfície total do planeta, ou cerca de 190
milhões de quilômetros quadrados, e respondem por 22% da produção mundial de
alimentos. A superexploração leva o esgotamento do solo a seu limite, um processo
conhecido como desertificação. A FAO, o órgão da ONU para a agricultura, estima que
250 milhões de pessoas em mais de 100 países são afetadas pelo esgotamento do solo.
"Esse problema está criando um novo tipo de migrantes, pessoas que não têm mais nada
a perder e estão dispostas a embarcar em navios de traficantes de pessoas e até mesmo
nadar oceano afora, no desespero de achar um lugar melhor para viver", disse a VEJA o
argelino Rajeb Boulharouf, diretor de relações externas do Secretariado das Nações
Unidas da Convenção para o Combate à Desertificação (UNCCD).
118
A pesca comercial, realizada com barcos-usinas equipados AP
com redes grandes o bastante para envolver um trem do
metrô, já esgotou ou está a caminho de esgotar 75% dos
pesqueiros do Atlântico Norte e do Mar Báltico. Estima-se
que cerca de 14,5 milhões de quilômetros quadrados do
fundo dos oceanos sejam varridos por redes que chegam a
profundidades de 1 500 metros. Apesar dessa sucessão de
tragédias ambientais, não é hora de ficar apenas nas
queixas. Assim como degrada o meio ambiente, o homem
Enchente em Praga, na República
é perfeitamente capaz de consertá-lo. Na última década, Checa: agora chove na Europa
os avanços foram localizados, mas significativos. A EFEITO
ESTUFA
emissão de poluentes na atmosfera caiu 30% no Leste O nível dos oceanos está subindo
Europeu simplesmente por ter sido desmantelado o devido ao aquecimento global.
A espessura do gelo no Oceano
arcaico parque industrial do antigo bloco soviético. Com Ártico ficou 40 % menor nos
incentivo governamental, as florestas européias cresceram últimos
quarenta
anos.
9 milhões de hectares, área equivalente à da Áustria. Mais Aumentou o volume de chuvas no
Hemisfério
Norte,
com
mais
de 10% das florestas no mundo estão atualmente sob tempestades
e
enchentes.
algum tipo de proteção legal. No Brasil, país que durante As secas tornaram-se mais
séculos devastou florestas despreocupadamente, ocorreu freqüentes e intensas na África e
na Ásia.
uma espécie de despertar ambientalista. De acordo com
pesquisas, quase a totalidade dos brasileiros é favorável à manutenção intacta da
Floresta Amazônica. Neste mês, o governo deve anunciar o projeto de criar 18 milhões
de hectares de reservas de preservação e extrativismo sustentado. Com isso, o tamanho
das áreas protegidas saltará de 3,8% para 10% do total da floresta. Levando em conta
que outros 20% da região amazônica são reservas indígenas, um terço da Floresta
Amazônica estará protegido da devastação – pelo menos no papel. "Pela primeira vez
estamos tomando como base a riqueza e a potencialidade da floresta para escolher as
áreas a ser preservadas", diz Mary Alegretti, secretária nacional de conservação da
Amazônia. "Nossa idéia é garantir a preservação sem fechar as portas para o
desenvolvimento da região." A idéia é correta. Afinal, temos um só planeta. É o que
deixaremos para nossos filhos e netos.
Com reportagem de Natasha Madov, Alessandro Greco, Flávio Sampaio e
Leonardo Coutinho, de Belém
Veja, 21 de agosto de 2002 (versão online).
119
ANEXO IV
TEXTOS NÃO-SELECIONADOS PARA A ANÁLISE
120
Sujeito 6 Lesi
Sujeito 7 Carol
Sujeito 8 Jonas
121
Sujeito 9 Nanda
Sujeito 10 - Raul
Sujeito 11 - Lucas
122
Sujeito 12 - César
Sujeito 13 - Tiago
Sujeito 14 - Roberto
123
Sujeito 15 - Iara
Sujeito 16 - João
Sujeito 17 - Jéssica
124
Sujeito 18 - Leo
Sujeito 19 - Lana
Sujeito 20 - Yuri
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