Influência da dosagem de cimento nas características mecânicas de
argamassas bastardas para rebocos de edifícios antigos
Bruna Silva
(UTL/IST)
Portugal
[email protected]
Ana Paula Ferreira Pinto
Prof.ª Auxiliar
(UTL/IST/ICIST)
Portugal
[email protected]
Augusto Gomes
Prof. Associado
(UTL/IST/ICIST)
Portugal
[email protected]
Resumo: As argamassas bastardas de cal aérea e cimento são utilizadas, por vezes, em
intervenções de conservação, como forma de obviar as desvantagens inerentes à utilização
de argamassas de um só ligante. Contudo, existem ainda algumas lacunas no que concerne
ao comportamento deste tipo de argamassas. Deste modo, pretende-se, com este artigo,
estudar a influência da dosagem de cimento nas características mecânicas de argamassas
bastardas formuladas com cal aérea e cimento. O estudo desenvolvido contribui também
para a avaliação da aplicabilidade de algumas técnicas não destrutivas de avaliação da
resistência neste tipo de argamassas, bem como identificar formulações com potencial
interesse para aplicação em rebocos de substituição de edifícios antigos.
Palavras-chave: Argamassas bastardas; cal aérea; cimento; teor em cimento;
características mecânicas.
1. INTRODUÇÃO
Os revestimentos de paredes, por constituírem uma camada de protecção, encontram-se
sujeitos a inúmeras acções agressivas que, por vezes, são responsáveis pela sua
degradação precoce. Deste modo, a sua substituição constitui-se como uma acção
frequente em intervenções de conservação de edifícios antigos.
Os revestimentos antigos são, em geral, constituídos por argamassas à base de cal aérea,
as mais utilizadas na construção até meados do século XX, altura em que se generalizou o
uso do cimento Portland. Isto levou a um abandono progressivo da utilização de
argamassas de cal aérea, tendo-se perdido muito do conhecimento relativo ao seu fabrico e
aplicação.
As consequências deste facto são particularmente gravosas em edifícios antigos, onde
cedo se manifestou a incompatibilidade entre a alvenaria antiga e as argamassas de
cimento, devido à elevada rigidez e resistência apresentadas, reduzida permeabilidade à
água e ao vapor de água e libertação de sais solúveis. Com efeito, os rebocos a aplicar em
paredes de edifícios antigos deverão verificar requisitos específicos, devido à natureza e
ao comportamento geral destas paredes ser muito diferente das actuais [1]. Dada a
impossibilidade de se conseguir reproduzir os materiais e técnicas de aplicação utilizadas
no passado, em anos recentes, têm sido desenvolvidos vários estudos com o objectivo de
incrementar o conhecimento científico neste domínio e assim estabelecer os principais
requisitos e características que as formulações preparadas com os materiais actuais devem
apresentar, de modo a que os revestimentos com elas produzidos sejam devidamente
especificados e aplicados, originando assim soluções com adequado desempenho e que
cumpram as funções que lhe são exigidas.
As argamassas à base de cal aérea, por apresentarem uma constituição semelhante à das
argamassas antigas são as que, em geral, apresentam melhor compatibilidade com os
suportes antigos. No entanto, os elevados ritmos construtivos actualmente praticados
tornam desvantajosa a utilização deste tipo de argamassas, devido aos seus longos tempos
de presa e endurecimento e reduzida resistência mecânica inicial.
Com o objectivo de reduzir as desvantagens apresentadas, quer pelas argamassas de cal
aérea, quer pelas argamassas de cimento, têm sido utilizadas argamassas bastardas. Muito
embora este tipo de argamassas seja utilizado com relativa frequência em intervenções de
conservação, o seu comportamento não tem sido objecto de estudos frequentes e
sistemáticos.
Deste modo, pretende-se, com este artigo, analisar a influência da dosagem de cimento
nas características mecânicas de argamassas bastardas de cal aérea e cimento e, deste
modo, contribuir para o incremento do conhecimento necessário à adequada selecção de
formulações com potencial interesse para a execução de rebocos de substituição de
edifícios antigos.
O artigo contribui também para a análise da aplicabilidade de algumas técnicas não
destrutivas de avaliação da resistência mecânica neste tipo de argamassas. Com efeito,
apesar da utilização destes métodos no controlo e avaliação do betão se encontrar bem
documentada, a sua aplicação em argamassas encontra-se ainda pouco desenvolvida. Estes
métodos podem ser úteis, tanto na caracterização de argamassas de revestimento,
auxiliando na selecção de soluções viáveis para aplicação em edifícios antigos [2], como
na avaliação do seu desempenho em obra [3].
2. DESENVOLVIMENTO EXPERIMENTAL
2.1. Materiais utilizados
Na produção das argamassas estudadas foi utilizada uma cal aérea hidratada em pó do tipo
CL 90, da marca Calcidrata, e um cimento do tipo CEM II/B-L 32,5N, da marca Secil.
Como agregados foi utilizada uma mistura, em iguais proporções, de areia de rio e de
areia amarela, com módulos de finura de 2,6 e 3,0, respectivamente. A caracterização das
areias poderá ser consultada em [4].
2.2. Formulações estudadas
Para dar resposta aos objectivos estabelecidos, tomou-se como referência uma argamassa
de cal aérea com traço volumétrico 1:3, dado se constituir como um traço de utilização
frequente neste tipo de argamassas.
Tendo em atenção que a produção de argamassas com base na relação ponderal entre o
ligante e o agregado permite reduzir a variabilidade associada ao recurso ao traço
volumétrico, efectuou-se a conversão do traço volumétrico da argamassa de referência em
traço ponderal, tendo-se obtido o traço 1:8.
A partir da argamassa de cal aérea de referência, com traço ponderal 1:8, foram definidas
outras 5 misturas ligantes, através da substituição parcial da cal aérea por cimento, nas
seguintes proporções:
 90% cal aérea + 10% cimento;
 75% cal aérea + 25% cimento;
 50% cal aérea + 50% cimento;
 25% cal aérea + 75% cimento;
 100% cimento.
A quantidade de água utilizada na produção das argamassas (relação água/ligante) foi a
necessária à obtenção de uma consistência adequada para a sua aplicação como camada
constituinte de um reboco (165±2mm). A consistência foi avaliada através do ensaio de
espalhamento de acordo com o definido na EN 1015-3 [5].
A composição das argamassas estudadas encontra-se resumida na Tabela 1.
Tabela 1 – Composição das argamassas estudadas (espalhamento = 165±2mm).
Traço ponderal
Argamassa
Cal Aérea
(Referência)
Bastardas
de Cal
Aérea e
Cimento
Cimento
Traço volumétrico
Cal
Cimento Areia*
Aérea
Água/total
de mistura
ligante
Cal
Aérea
Cimento
Areia*
CA
1
-
8
1
-
3
1,52
CACI 1
CACI 2
CACI 3
CACI 4
CI
0,90
0,75
0,50
0,25
-
0,10
0,25
0,5
0,75
1
8
8
8
8
8
1
1
1
1
-
0,06
0,18
0,53
1,59
1
3,5
4,2
6,3
12,6
6
1,46
1,44
1,37
1,30
0,72
*proporção de areia definida em função da totalidade da mistura ligante
2.3. Produção das argamassas e condições de cura
O procedimento usado na produção das argamassas baseou-se no disposto na NP EN 1961 [6]. A caracterização das argamassas estudadas foi efectuada com base em cinco
provetes prismáticos com as dimensões 40x40x160 (mm), de acordo com as indicações
presentes na NP EN 196-1 [6], e em dois provetes que resultaram da aplicação de uma
camada de argamassa, com cerca de 2 cm de espessura, em tijolos cerâmicos furados com
as dimensões 30x20x11 (cm).
Após produção e preparação, os provetes prismáticos foram imediatamente colocados no
interior de uma câmara de condicionamento, à temperatura de 20±2ºC e humidade relativa
de 60±5%, de onde foram retirados aos 7 dias para se proceder à sua desmoldagem.
Depois de esta estar concluída, os provetes foram novamente colocados na câmara de
condicionamento onde a cura prosseguiu nas condições anteriormente enunciadas até aos
28 dias, idade à qual se procedeu à caracterização no estado endurecido.
As condições de cura dos provetes constituídos pelas camadas de argamassa aplicadas
como revestimento de tijolos foram semelhantes às dos provetes prismáticos, diferindo
apenas do facto de terem permanecido em ambiente de laboratório até à desmoldagem,
que foi efectuada aos 7 dias de idade.
2.4. Ensaios realizados
A caracterização das argamassas no estado fresco realizou-se logo após a sua produção e
incluiu a determinação da consistência por espalhamento, com base nas indicações
presentes na EN 1015-3 [5], e da capacidade de retenção de água, de acordo com o
disposto na EN 1015-8 [7].
A caracterização mecânica dos provetes prismáticos foi efectuada aos 28 dias de idade e
incluiu a determinação da:
 Resistência à flexão e à compressão – com base nos procedimentos da EN 101511 [8]. Os valores apresentados resultam da média aritmética dos resultados
obtidos no ensaio de 5 provetes à flexão e de 6 meios provetes à compressão;
 Velocidade de propagação de ultra-sons – avaliada de forma directa, em 5
provetes de cada formulação de argamassa, utilizando um equipamento da marca
FARNELL, PUNDIT 6, equipado com dois transdutores de 54 kHz com 5cm de
diâmetro.
Por sua vez, a caracterização das argamassas aplicadas como camadas de revestimento
baseou-se na determinação da:
 Velocidade de propagação de ultra-sons – avaliada de forma indirecta, numa
camada de revestimento de cada formulação de argamassa, utilizando o aparelho
referido anteriormente;
 Dureza superficial – avaliada por recurso à utilização de um esclerómetro
pendular do tipo PT, numa camada de revestimento por tipo de argamassa.
3. INFLUÊNCIA DA DOSAGEM DE CIMENTO
3.1. Características no estado fresco
As Figuras 1 e 2 apresentam a influência do teor de cimento na quantidade de água
necessária à obtenção de argamassas com consistências semelhantes (espalhamento da
ordem de 165mm) e na capacidade de retenção de água das argamassas.
Na Figura 1 é possível observar que, quanto maior for o teor de cimento da argamassa
bastarda menor é a relação água/ligante necessária para a obtenção de um mesmo
espalhamento. De salientar, o reduzido valor da relação água/ligante obtido para a
argamassa de cimento (CI) quando comparado com o da argamassa constituída por 25%
de cal aérea (CACI 4), o que demonstra a elevada influência da cal aérea na consistência.
O espalhamento de 165±2mm conferiu uma trabalhabilidade adequada à generalidade das
argamassas, com excepção da argamassa cimentícia CI que se revelou relativamente seca,
Figura 3, cuja justificação estará relacionada com o traço ponderal utilizado (1:8). A
análise da Tabela 1 permite verificar que os traços volumétricos das argamassas vão
diminuindo com o aumento do teor em cimento, ou seja, o volume de agregado presente
na argamassa vai aumentando face ao volume de ligante, atingindo o seu máximo na
argamassa puramente hidráulica.
A trabalhabilidade de uma argamassa é influenciada pela quantidade de pasta presente e
pelo adequado envolvimento dos grãos por uma película de pasta. No caso da argamassa
CI, o baixo conteúdo em ligante limitou, aparentemente, a formação de uma quantidade de
pasta suficiente, levando à obtenção de uma argamassa cuja consistência não consegue ser
devidamente avaliada pelo ensaio de espalhamento utilizado. Por esta razão, os resultados
obtidos para esta argamassa devem ser analisados de forma cuidada.
A capacidade de retenção de água das argamassas é uma característica importante a ter em
atenção na selecção de argamassas de revestimento, especialmente quando se trata da sua
aplicação em edifícios antigos, dado que as suas paredes são constituídas por materiais
porosos e, por isso, com forte tendência para a sucção da água da argamassa [9]. Os
resultados apresentados na Figura 2 evidenciam que o incremento do teor em cimento
reduz a capacidade de retenção de água das argamassas de forma quase linear.
A consistência demasiado seca da argamassa CI foi responsável pelo elevado valor de
retenção de água registado para esta argamassa, Figura 2.
Figura 1 – Influência do teor em cimento na
relação água/ligante necessária à obtenção
de igual espalhamento.
Figura 2 – Influência do teor em cimento
na capacidade de retenção de água das
argamassas.
Figura 3 – Aspecto da argamassa CI.
3.2. Características mecânicas
A Figura 4 apresenta os valores das tensões de rotura, à flexão e à compressão, em função
do teor em cimento presente nas argamassas estudadas. A análise desta figura permite
verificar que a adição de teores de cimento inferiores a 25% da mistura ligante não
originou incremento de resistência mecânica, quer à compressão, quer à flexão, face ao
registado pela argamassa exclusivamente formulada com cal aérea. Já para teores de
cimento superiores a 25%, é evidente o aumento de ambas as resistências com a
percentagem de cimento na mistura.
De destacar ainda o acentuado incremento na resistência que a adição de teores de
cimento superiores a 75% origina. Com efeito, a argamassa de cimento CI apresentou uma
resistência 60% superior à da argamassa bastarda com maior conteúdo em cimento (CACI
4).
Note-se que resultados semelhantes foram reportados por Arandigoyen e Alvarez [10] e
por Martínez e Carro [11]. Os primeiros autores, ao estudarem as características
mecânicas de argamassas bastardas de cal aérea e cimento, referem que a adição de
pequenas quantidades de cimento (0 a 40%) a argamassas de cal aérea não ocasionou
incrementos significativos de resistência. No entanto, a adição de quantidades
significativas de cimento originou um aumento acentuado da resistência (segundo os
autores a argamassa de cimento apresentou uma resistência 50% superior à da argamassa
bastarda contendo 75% de cimento). Também Martínez e Carro [11] relatam um
decréscimo de resistência em argamassas de cal aérea com a incorporação de teores em
cimento inferiores ou iguais a 33%. Os investigadores justificam este resultado no facto de
as partículas de cimento não se encontrarem presentes em quantidade suficiente para se
comportarem como ligante, comportando-se antes como filler.
De acordo com Veiga e Carvalho [12], referidas em Rodrigues [9], o comportamento das
argamassas será tanto mais dúctil quanto maior for o valor do quociente entre a tensão de
rotura à tracção por flexão e a tensão de rotura à compressão. Um comportamento mais
dúctil permitirá optimizar a resistência das argamassas às tensões criadas, sem que sejam
transmitidos esforços muito elevados ao suporte. A análise da Figura 5 permite verificar
que a ductilidade das argamassas estudadas decresce, de forma significativa, com o teor
em cimento presente na mistura ligante, sendo de salientar que a presença de apenas 10%
de cimento na mistura ligante (CACI 1) foi responsável por uma redução de 35% da
ductilidade face à da argamassa de cal aérea (CA).
Figura 4 – Influência do teor em cimento na
resistência à flexão e compressão.
Figura 5 – Influência do teor em cimento
na ductilidade das argamassas.
A caracterização das argamassas estudadas foi efectuada também por recurso à
determinação da velocidade de propagação de ultra-sons, nos provetes prismáticos e nas
argamassas aplicadas como camadas de revestimento de tijolos, Figura 6, dado que ela é
utilizada frequentemente com o objectivo de avaliar, de forma indirecta, a resistência
mecânica e a homogeneidade de materiais. O valor da velocidade de propagação de ultrasons depende de diversas variáveis, nomeadamente da constituição e da porosidade do
material que é atravessado pelas ondas. Deste modo, materiais semelhantes mas mais
porosos apresentam velocidades de propagação mais baixas que materiais mais
compactos.
Figura 6 – Influência do teor em cimento
na velocidade de propagação de ultra-sons.
Figura 7 – Relação entre os valores da
tensão de rotura à compressão e da
velocidade de ultra-sons.
A análise da Figura 6 permite verificar que a influência do teor de cimento na velocidade
de ultra-sons é semelhante à registada na resistência mecânica das argamassas estudadas,
Figura 4. Isto é, a adição de teores de cimento inferiores a 25% da mistura ligante não
originou um incremento na velocidade de ultra-sons das argamassas bastardas face ao
registado pela argamassa exclusivamente formulada com cal aérea. Por outro lado, a
presença de teores de cimento superiores a 25% originou um claro incremento da
velocidade de ultra-sons, sendo este comportamento apenas contrariado pelo valor da
velocidade registado na argamassa de cimento (CI) aplicada como camada de
revestimento. O baixo conteúdo em ligante da argamassa CI, já referido, condicionou de
forma mais significativa a compactação associada à preparação das camadas de
revestimento do que dos provetes prismáticas e foi responsável por deficientes condições
de aderência desta argamassa ao suporte, com consequência nos valores de velocidade
obtidos.
Muito embora os valores de velocidade avaliados em prismas e nas camadas de
revestimento tenham manifestado a mesma influência do teor em ligante hidráulico, os
valores de velocidade registados, para cada argamassa estudada, foram sempre superiores
nas camadas de revestimento do que nos provetes prismáticos, Figura 6. Tal situação
justifica-se pela diferença do método de avaliação de velocidade utilizado e das condições
de compactação da argamassa.
A Figura 7, que relaciona os valores da velocidade de ultra-sons e da tensão de rotura à
compressão das formulações estudadas, permite verificar que a velocidade de ultra-sons
constitui-se como um método não destrutivo útil para a estimativa da resistência mecânica
das argamassas bastardas analisadas.
A resistência mecânica das argamassas aplicadas como camada de revestimento foi
também avaliada por recurso ao esclerómetro pendular. O método baseia-se na medição
do recuo da massa incidente (ressalto), após o choque, que será tanto maior quanto maior
for a dureza superficial do material que sofre o impacto. Os valores obtidos são
influenciados por diversos factores, entre os quais o modo de compactação da argamassa,
a textura da superfície de ensaio e a posição do esclerómetro durante o ensaio [3]. Os
valores de ressalto apresentados nas Figuras 8 e 9 correspondem ao valor médio de nove
medições realizadas em diferentes zonas das camadas de revestimento, para cada uma das
formulações de argamassa estudadas.
A análise da Figura 8 permite verificar que a influência do teor de cimento nos valores de
ressalto obtidos é semelhante à registada na resistência mecânica e na velocidade de ultrasons das argamassas estudadas (Figuras 4 e 6). Isto é, a dureza superficial de argamassas
bastardas de cal aérea e cimento só registou incremento mensurável para teores de
cimento superiores a 25%. Os valores de ressalto obtidos na argamassa CI registaram uma
variabilidade claramente superior à obtida nas restantes argamassas e originaram um valor
médio de ressalto baixo para esta argamassa (Figura 8). Esta situação teve como origem as
deficientes condições de aderência desta argamassa ao suporte.
A análise conjunta dos valores da tensão de rotura à compressão e de ressalto das
argamassas estudadas demonstra o potencial interesse da utilização do esclerómetro
pendular na caracterização mecânica deste tipo de argamassas, Figura 9.
Figura 8 – Influência do teor em cimento
nos valores de ressalto das argamassas.
Figura 9 – Relação entre os valores da
tensão de rotura à compressão e de ressalto.
3.3. Análise do potencial desempenho, em termos mecânicos, das argamassas
estudadas para rebocos de edifícios antigos
O potencial desempenho da aplicação das argamassas estudadas em rebocos de edifícios
antigos, em termos mecânicos, é avaliado através da análise da caracterização mecânica
realizada e dos requisitos definidos na NP EN 998-1 [13], que regula as argamassas
industriais para reboco, e dos propostos por Veiga et al. [14] para argamassas de
revestimento de edifícios antigos.
Na Tabela 2 são apresentados os requisitos relativos às argamassas de reboco de uso geral
(GP) e de renovação (R), em termos de resistência mecânica à compressão, preconizados
pela NP EN 998-1. Esta norma define argamassa de uso geral como uma argamassa que
não possui características especiais e argamassa de renovação como uma argamassa a
utilizar em paredes contendo sais solúveis, que possui elevada porosidade e
permeabilidade ao vapor de água.
A Figura 10 enquadra as argamassas estudadas nas categorias previstas na NP EN 998-1,
no que se refere à sua resistência à compressão aos 28 dias de idade e permite verificar
que nem todas as argamassas são potencialmente adequadas para utilização como rebocos
de uso geral ou de renovação. Note-se que as argamassas com teores em cimento
inferiores ou iguais a 25% apresentaram reduzida resistência à compressão. As
argamassas CACI 3 (50% cimento) e CACI 4 (75% cimento) apresentaram resistência
mecânica compatível com a classe CS II, requisito essencial à sua classificação como
argamassas de renovação.
Tabela 2 – Requisitos para argamassas de reboco no estado endurecido, em termos de
resistência à compressão, segundo a NP EN 998-1 [13].
Característica
Resistência à
Compressão
(aos 28 dias)
Tipo de argamassa/uso
GP - Uso Geral
R - Renovação
Categorias
CS I
CS II
CS III
CS IV
CS II
Valores [N/mm2]
0,4 a 2,5
1,5 a 5,0
3,5 a 7,5
≥6
1,5 a 5,0
Figura 10 – Categorias das argamassas, de acordo com a NP EN 998-1,
no que se refere à sua resistência à compressão aos 28 dias de idade.
Na Tabela 3 resumem-se os requisitos propostos por Veiga et al. [14] para as
características mecânicas de argamassas de substituição, baseados nos resultados obtidos
em inúmeros ensaios realizados sobre vários tipos de argamassas, assim como no seu
desempenho após aplicação, tendo como base o tipo de alvenarias mais correntes a sul do
país: alvenaria de pedra irregular ou mista de pedra e tijolo, com percentagens elevadas de
argamassa. A análise das Tabelas 2 e 3 permite verificar que os requisitos mecânicos
propostos por Veiga et al. para a resistência à compressão, estabelecidos para os 90 dias
de idade, são praticamente iguais aos definidos para a classe CS I, definidos para os 28
dias de idade, Figura 10.
Tabela 3 – Requisitos mecânicos mínimos de argamassas de revestimento para edifícios
antigos (adaptado de Veiga et al. [14]).
Característica
Resistência à Flexão (aos 90 dias)
Resistência à Compressão (aos 90 dias)
Valores [N/mm2]
0,2 – 0,7
0,4 – 2,5
A adequada protecção das paredes de alvenaria antiga implica a utilização de soluções
compatíveis com o suporte. Deste modo, é aconselhável a utilização de argamassas com
resistência mecânica semelhante à das argamassas que fazem parte integrante das
alvenarias antigas. Assim, em termos de compatibilidade mecânica com os edifícios
antigos, comparando os valores das tensões de rotura à compressão e à flexão (aos 28
dias) das argamassas estudadas com os requisitos propostos por Veiga et al., verifica-se
que nem todas as argamassas apresentam características adequadas para a aplicação em
vista, Figura 11.
Figura 11 – Comparação das características mecânicas das argamassas estudadas (28
dias) com os requisitos propostos por Veiga et al. (90 dias) [14].
Note-se que os requisitos mecânicos propostos por Veiga et al. [14] dizem respeito a
valores de resistência mecânica avaliados aos 90 dias, enquanto no presente trabalho a
caracterização mecânica das argamassas foi efectuada aos 28 dias. No caso das
argamassas predominantemente hidráulicas, a partir dos 28 dias não é esperado um
incremento significativo de resistência. Contudo, no caso da argamassa exclusivamente
formulada com cal aérea e das bastardas com elevado teor de cal é de esperar um
incremento de resistência dos 28 aos 90 dias, como aliás comprovam os resultados
obtidos, em condições semelhantes, por Agostinho [15] e Fernandes [16]. Deste modo,
tendo em atenção a evolução da resistência mecânica destas argamassas, é previsível que
estas venham a satisfazer, aos 90 dias de idade, os requisitos propostos por Veiga et al.
[14]. Por outro lado, as argamassas que se enquadram nos limites estipulados pelos
referidos autores logo aos 28 dias, apresentam resistências próximas do limite inferior,
pelo que se espera que estas se mantenham no patamar requerido com o aumento de
resistência originado pelos processos de carbonatação e hidratação. Por conseguinte, são
apenas de excluir as argamassas com maior conteúdo em cimento, ou seja, as argamassas
CACI 4 (75% cimento) e CI (100% cimento), por apresentarem valores excessivos de
resistência para a utilização prevista.
4. CONCLUSÕES
O artigo apresenta os resultados obtidos na caracterização de um conjunto de formulações
de argamassas que teve como referência uma argamassa de cal aérea, com traço
volumétrico1:3, e outras 5 formulações que resultaram da substituição de 10%, 25%, 50%,
75% e 100% da massa de cal aérea por cimento, todas com consistência semelhante.
Muito embora o artigo não proceda à avaliação global do potencial desempenho das
argamassas estudadas em rebocos de substituição de edifícios antigos, contribuiu para o
conhecimento da influência do teor em cimento em argamassas bastardas de cal aérea e
cimento. O estudo demonstrou também o interesse da utilização da determinação de
velocidade de ultra-sons e do esclerómetro pendular na caracterização mecânica de
argamassas bastardas de cal aérea e cimento, dado que ambas técnicas distinguiram as
características mecânicas das argamassas estudadas.
Os resultados obtidos mostram que o incremento do teor em cimento reduz a capacidade
de retenção de água e a relação água/ligante necessária para a obtenção de argamassas
com consistência semelhante. As argamassas mais ricas em cal aérea apresentaram boa
trabalhabilidade e capacidade de retenção de água, assim como maior ductilidade,
características importantes para a sua aplicação em rebocos.
O artigo confirma a influência do teor em cimento presente em argamassas bastardas de
cal aérea e cimento identificado por outros autores [10-11], e contribui para o incremento
do conhecimento existente, dado que permite verificar que:
 a adição de teores de cimento inferiores, ou iguais, a 25% da mistura ligante
não originam incremento de resistência mecânica face ao registado pela
argamassa de cal aérea;
 a adição de teores de cimento superiores a 75% da mistura ligante origina um
aumento acentuado da resistência mecânica deste tipo de argamassas;
Os resultados obtidos apontam para que a introdução de teores em cimento até 25% em
argamassas de cal aérea não acelera o desenvolvimento inicial da resistência mecânica.
Aspecto que se considera pertinente ter em atenção dado que, a opção de incorporação de
cimento em argamassas de cal aérea é muitas vezes justificada com o objectivo de garantir
um desenvolvimento de resistência inicial mais rápido.
O artigo analisou, considerando apenas a resistência mecânica das argamassas, a
influência do teor de cimento no potencial desempenho das argamassas bastardas de cal
aérea e cimento, em rebocos de substituição para edifícios antigos, tendo como referência
os requisitos da NP EN 998-1 e os propostos por Veiga et al. [14]. Considerando os
requisitos da NP EN 998-1 e os resultados obtidos, as argamassas de renovação baseadas
em misturas ligantes de cal aérea e cimento deverão ser formuladas por recurso a teores de
cimento superiores a 50%, dado que apenas as argamassas CACI 3 (50% cimento) e
CACI 4 (75% cimento) satisfizeram o critério estabelecido em termos de resistência
mecânica à compressão. Por outro lado, todas as argamassas formuladas com teores de
cimento inferiores a 75% satisfizeram os requisitos propostos Veiga et al. [14].
AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem a Fundação para a Ciência e Tecnologia através do financiamento
atribuído ao ICIST, Instituto de Engenharia de Estruturas, Território e Construção.
REFERÊNCIAS
[1] VEIGA, M. R.; Comportamento de rebocos para edifícios antigos: Exigências gerais
e requisitos específicos para edifícios antigos. Seminário “Sais solúveis em argamassas de
edifícios antigos”. Lisboa, LNEC, 14-15 de Fevereiro de 2005.
[2] CAZALLA, O.; SEBASTIAN, E.; CULTRONE, G.; NECHAR, M.; BAGUR, M.G.;
Three-way ANOVA interaction analysis and ultrasonic testing to evaluate air lime
mortars used in cultural heritage conservation projects. Cement and Concrete Research,
29 (11), 1999, pp. 1749-1752.
[3] SCHUEREMANS, L. et al.; Characterization of repair mortars for the assessment of
their compatibility in restoration projects: Research and practice. Construction and
Building Materials, 25 (12), 2011, pp. 4338-4350
[4] SILVA, Bruna; Influência da mistura ligante no desempenho de argamassas
bastardas para rebocos de edifícios antigos. Dissertação de Mestrado em Engenharia
Civil, IST/UTL, 2010.
[5] EN 1015-3 – Methods of test mortar for masonry - Part 3: Determination of
consistence of fresh mortar (by flow table). European Committee for Standardization
(CEN), Brussels, 1999.
[6] NP EN 196-1 – Métodos de ensaio de cimentos. Parte 1: Determinação das
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