História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Pablo Picasso: tradição e ruptura
Flavio Felicio Botton
Professor de História da Arte/ UniABC - Doutorando /USP
Resumo: Este artigo tem por objetivo homenagear os 40 anos de falecimento do pintor espanhol Pablo Picasso,
procurando estudar em sua obra os diálogos travados entre as suas experimentações de vanguarda e a tradição da
história da arte.
Palavras-chave: Picasso, pintura, vanguarda
1 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Introdução
O uso de palavras cotidianas de forma conceitual, o que é feito por várias áreas das
ciências humanas, gera uma série de problemas e de inconvenientes e no caso de “moderno”,
não se dá de maneira diferente.
Procurar definir o que é “modernidade” talvez seja tão difícil quanto encontrar apenas
o nome de um artista para representá-la. Impossível encontrar um único exemplo que dê conta
de toda a complexidade da cosmovisão do mundo artístico que se instaura na Europa no
século XIX e que adentra pelo século XX com as vanguardas europeias. Por outro lado,
porém, é possível identificar na trajetória de um grande artista o diálogo que se estabelece
entre alguns elementos que constituem a sua obra, uns representantes da tradição e outros da
modernidade ou da própria ruptura com a mesma tradição.
O que este artigo objetiva é estudar esse diálogo entre tradição e ruptura em alguns
elementos constituintes da obra de Pablo Picasso. Para isso serão analisados alguns quadros
do pintor espanhol, com os quais a relação com a tradição se mostra de forma mais evidente.
Um longo caminho
Muitos são os elogios que podem ser feitos a Pablo Picasso. Homem da arte de
vanguarda, revolucionário mestre da pintura, inventor do cubismo, um dos poucos artistas que
se pode dar como criador de um estilo inconfundível. É certo ainda que a sua obra e a sua vida
são grandes, se não os maiores, representantes da arte do século XX.
Picasso começou a pintar muito jovem em Barcelona, filho de um modesto professor
de artes, que investiu desde muito cedo na carreira do rapaz.
Um de seus primeiros quadros conhecidos é Ciência e Caridade, (1897, óleo sobre
tela, 197 X 249, Museu Picasso, Barcelona). Essa obra, com a qual Picasso recebeu menção
honrosa na Exposição da Academia de Belas Artes de Barcelona ainda com 16 anos, interessa
sobremaneira ao objetivo proposto, pois se trata de uma tela de fatura e composição bastante
acadêmica, o que atesta a formação rigorosa do pintor. Em uma data em que Claude Monet já
havia pintado as séries da Catedral de Rouen e dos montes de feno e tinha já o seu estilo
consagrado, não se encontra sinal de impressionismo na pincelada de Picasso.
A composição do quadro é bastante equilibrada e se divide em uma diagonal sugerida
pela cama e pelo corpo esquelético da doente. Na parte inferior dessa linha imaginária, o
médico, concretização do ideal da ciência, toma o pulso da paciente. A metade superior deixa
ver a freira, com a filha da doente ao colo, estendendo o conforto de uma bebida fumegante, a
2 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br personificar a caridade. O fato de a pobre não esboçar reação para receber a xícara, assim
como a janela, que poderia vislumbrar uma saída, estar fechada, pode inferir que o estado dela
é muito grave, se não terminal.
Figura 1 Ciência e Caridade, (1897, óleo sobre tela, 197 X 249, Museu Picasso, Barcelona)
Em termos de cores, o quadro se apresenta em uma paleta bastante restrita, com
grandes áreas escuras e sisudas para a ciência, e outras claras e talvez esperançosas para a
caridade. Há, no entanto, o cobertor verde que abriga a doente, pintado com listras vermelhas,
cor primária que tem no verde a sua complementar, combinação muito cara a nomes como
Delacroix em suas Mulheres de Argel (1834), por exemplo. Por sinal, esse quadro do francês
será objeto de um dos chamados D’pres de Picasso, muito mais tarde, em 1955. Apesar da
janela cerrada, a grande área verde, juntamente com a presença da freira carrega um teor de
redenção, como um indicativo de salvação da pobre doente.
Por fim, destaca-se o elemento decorativo colocado na parede, logo acima da cama da
doente. Suas volutas bastante trabalhadas junto aos motivos florais esculpidos demonstram
um desenhista de traço fino e delicado.
Após esse exemplo de academicismo de que parte a trajetória de Pablo Picasso, nos
deparamos com uma série de experiências estilísticas interessantes. As pinceladas ganham
uma rapidez impressionista considerável em seu O moinho da Galette (1900, óleo sobre tela,
88 X 115, Solomon Guggenheim Museum, Nova York).
É de se notar a diferença entre o rosto das personagens que estão mais próximas do
primeiro plano e as que se encontram ao fundo da cena. No canto inferior esquerdo da tela,
vemos os traços mais detalhados das personagens femininas sentadas à mesa. Da mesma
maneira, aparece o rosto da personagem com o chapéu com adornos azuis. Embora nos
3 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br lembre uma máscara, menção condizente com as farsas da vida noturna, o rosto aparece bem
delineado. O mesmo acontece com a personagem feminina no canto oposto do quadro.
Figura 2 O moinho da Galette, Renoir (1900, óleo sobre tela, 88 X 115, Solomon Guggenheim Museum, Nova York)
Porém, ao repararmos nas personagens que compõem o grupo mais ao fundo do
cenário, os detalhes começam a se perder, assim como as pinceladas tomam uma velocidade
como que a expressar o movimento dos corpos e dos rostos embalados pela música e pela
agitação do ambiente. Apesar dessa pouca definição, não há perda de expressividade, pois
temos a nítida sensação de que algumas personagens, todas sorrindo, encaram diretamente o
próprio observador. A pintura, como era comum entre os artistas do final do século XIX, trata
do mundo urbano e, para retratar seus personagens, as representa por meio de fisionomias
fugidias, que remetem à vida urbana fugaz e intensamente veloz, provocando quase um
aspecto de foto desfocada.
Figura 3 Le Moulin de La Galette (1876, óleo sobre tela, 131 X 175, Museu D'Orsay, Paris)
4 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Além dessas pinceladas rápidas e das luzes refletidas nos copos e garrafas sobre a
mesa à esquerda do quadro, o tema da pintura também nos remete ao universo impressionista.
O Moulin de la Gallete já havia sido tema de outros pintores e, o mais conhecido deles que
tratou o festivo ambiente foi Pierre Auguste Renoir (1876). Em oposição à composição em
três grupos e com predominância de cores escuras, apenas pontuadas por vivas manchas de
cores primárias, realizada por Picasso, Renoir posiciona suas personagens em camadas
praticamente sobrepostas, embora ambos explorem o efeito de um amplo espaço vazio, o
francês à esquerda e o espanhol à direita da tela. Com Renoir, como sempre em seus quadros,
a sensação é de um ambiente harmonioso e feliz. Já em Picasso, a menção feita à máscara e as
cores escuras predominantes vêm nublar um tanto essa possibilidade de leitura, deixando o
ambiente, embora elegante, um tanto sinistro.
O efeito de desfocamento utilizado por Picasso já era perceptível na obra de Renoir,
como na de muitos impressionistas. Assim, pode-se inferir que, pelas pinceladas
impressionistas, a obra de Pablo Picasso adentra a modernidade.
Com A espera (Margot) (óleo sobre tela, 69 X 57, Museu Picasso, Barcelona), Picasso
supera a pincelada impressionista mais solta e experimenta o Divisionismo, fazendo uso das
primárias justapostas.
A imagem da personagem feminina, provavelmente uma prostituta, mostra uma
interessante ambiguidade. Os braços cruzados remetem a defesa, a alguém que quer se
manter, na realidade, distante desse mundo. Porém, dada a necessidade, o corpo se inclina
para frente, oferecendo-se ao observador. É notável ainda a forte maquiagem, com o branco
do pó de arroz e o vermelho do batom. Seus olhos atônitos e semiabertos nos falam do
cansaço, da bebida e da vida moderna desregrada.
A presença da técnica e do tema moderno não dispensa a referência a um elemento da
tradição plástica dos princípios da arte medieval. Trata-se do mosaico bizantino, que é trazido
por Picasso por meio da pinceladas semelhantes a pequenos quadrados, mas também da
escolha do enfoque da personagem de Margot.
Assim, o extravagante arranjo de cabelo da prostituta, assemelha-se à angelical aureola
da imperatriz Teodora (mosaico da igreja de São Vital de Ravena, 547 d.C.), acusada também
ela de uma vida mundana antes da ascensão promovida por Justiniano. A justaposição das
imagens, o emprego do recurso da frontalidade e a recorrência à tradição antiga para a
representação de uma prostituta não desvaloriza a imperatriz Teodora, mas sim trata de elevar
Margot, heroína anônima e desprezada da vida moderna.
5 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Figura 4 A espera (Margot) (óleo sobre tela, 69 X 57, Museu Picasso, Barcelona) Figura 5 imperatriz Teodora (mosaico da igreja de São Vital de Ravena, 547 d.C.) det.
Outra referência temática à tradição se dá com A bebedora de absinto (1901, óleo
sobre tela, 73 X 54, Museu Ermitage, Rússia). A personagem, como que enrolada em si
mesma como resultado do epidêmico vício em absinto, remete aos assuntos da fase azul de
Picasso, que se inicia nesse mesmo ano, tais como a solidão e a melancolia. A identidade da
personagem com a garrafa é tanta que ambos são representados no mesmo azul quase violeta.
Também por conta do vício, a personagem encontra-se claustrofobicamente colocada a um
canto do que parece ser um bar. Seus olhos semiabertos e sua boca enrugada mostram as
consequências do vício na vida da personagem que parece não mais ter mãos e sim garras,
indícios da animalização a que se submete nessas circunstâncias.
Como se disse, o tema era parte da tradição da pintura do final do XIX e, em 1876,
fora colocada na tela por Degas e, em 1889, por Lautrec. Em Degas, por exemplo, o tema
marginal se insinua não só pelas figuras, mas pela descentralização delas em relação à tela,
com excessivas linhas diagonais e um corte que chega a deixar de fora o cachimbo da
6 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br personagem masculina à direita. Em Picasso, a marginalização se percebe ao repararmos que
há vida em volta da personagem, conotada pelos reflexos do espelho na parede, mas que a
personagem não consegue se desprender de seu próprio universo, restringido pela bebida.
Figura 6 A bebedora de absinto (1901, óleo sobre tela, 73 X 54, Museu Ermitage, Rússia) Figura 7 Absinto, Degas (1876, óleo sobre tela, 92 X 68, Museu D'Orsay, Paris)
O quadro de Picasso, no entanto, não faz referência apenas ao tema cotidiano, mas
também a outras experiências pictóricas de relevo. Tome-se a pintura de Gauguin, por
exemplo, e seu predomínio de cores primárias e uniformes, o uso de fortes contornos bem
marcados, a perspectiva simplificada e a rejeição, em muitos casos, do naturalismo na
representação da figura humana. Toda essa descrição se aplica com poucas diferenças à
bebedora de absinto de Picasso. Mais um passo do mestre espanhol se dá, sem deixar de fazer
fortes referências a obras de outros pintores.
Porém, será com As senhoritas de Avignon (1907, óleo sobre tela, 245 X 235, MoMa,
Nova York) que Picasso irá empreender o que, segundo alguns historiadores, pode ser dado
7 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br como o maior movimento de ruptura desde Giotto. Essa obra, além de quebrar as leis da
perspectiva, instaura algo nunca antes pensado na pintura que seria a multiplicidade de pontos
de vista, processo em que se pode perceber o objeto simultaneamente de lado, de frente e de
costas. Da mesma forma, o conceito de beleza é modificado, não se tratando mais de uma
questão visual, mas conceitual.
Figura 8 As senhoritas de Avignon (1907, óleo sobre tela, 245 X 235, MoMa, Nova York) Figura 9 Máscara Africana ‐ Louvre
Esse quadro, chamado de primeira obra cubista por uns e apenas de protocubista por
outros, foi antecedido por uma série de exposições feitas em Paris, bastante marcantes para
Picasso. Uma delas seria a retrospectiva de Paul Cezanne e importaria para a arte do espanhol,
sobretudo por conta das assimilações geométrica presentes em suas obras. A outra, no Museu
do Louvre, sobre arte africana que resulta em enorme sucesso, principalmente por conta das
máscaras africanas.
8 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br As reduções geométricas são claras no desenvolvimento da obra de Cezanne, em toda
ela, mas principalmente nas séries que tem por objeto o Monte Saint Victoire, e serão de
extrema importância para o desenrolar do cubismo de Picasso e de Geoges Braque. Já os
contornos das máscaras africanas e a forma como reduzem a face humana ao seu essencial são
visíveis no rosto das senhoritas. Esse rosto, o das senhoritas e o das máscaras, não é humano,
embora não deixe de nos remeter a ele, pois carrega consigo a essência para a representação
da face.
Figura 10 Mont Saint Victoire, Cezanne
Além disso, um outro nome vem à baila ao se tratar das cinco prostitutas da Rua
Avignon, em Barcelona, retratadas por Picasso, mas para citá-lo é preciso decompor os
múltiplos pontos de vista do quadro. Temos, facilmente identificável, uma das moças que
aparece sentada, na parte inferior direita do quadro. Nas duas extremidades superiores, duas
moças descortinam a cena, enquanto que, ao centro, outras duas aparecem em posições ainda
menos verossímeis que as moças anteriores. Nesse caso, só podemos entendê-las se
admitirmos um ponto de vista diferente, dos muitos admitidos pela tela, colocando-as
deitadas, em relação às outras. Nessa posição, as moças passam a remeter ao grande retratista
neoclássico, Dominique Ingres, com suas banhistas:
9 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Figura 11 As senhoritas de Avignon (1907, óleo sobre tela, 245 X 235, MoMa, Nova York) Figura 12 Banho turco, Ingres (1862, óleo sobre tela, 108 cm, Louvre, det.)
Destacamos as posições dos braços, além da paleta reduzida e quase homogênea para
representar a pele das modelos, combinada com o azul, intenso em Ingres, e suave, em
Picasso.
A partir de então, as experimentações passam a ser mais radicais, ainda que não
abandonem o universo das referências artísticas. Mesmo quando se propõe a utilizar uma
linguagem que duvida das representações pictóricas, Picasso não abandona completamente a
tradição. Esse é o caso da colagem. Em Natureza Morta com cadeira empalhada (1912, óleo
sobre papel encerado sobre tela e corda, Museu Picasso, Paris), que é a primeira colagem da
história da arte, são introduzidos elementos reais colados à tela, inserindo dessa maneira um
elemento estranho ao mundo pictórico, a profundidade, a terceira dimensão. Ainda assim,
Picasso o faz por meio de um dos gêneros mais tradicionais da pintura, a natureza morta.
Picasso voltaria várias vezes para visitar a obra de Ingres e um grande exemplo disso
se dará em 1917, com Retrato de Olga na poltrona (1917, óleo sobre tela, 130 X 88, Museu
Picasso, Paris). Mesmo com o sucesso do cubismo e já com uma carreira consagrada, o
inquieto pintor se propõe novas experiências. Por conta de uma viagem a Itália, Picasso se diz
em uma nova fase neoclássica e executa um belo retrato à moda de Ingres, cujo único aspecto
que se considera vanguardista é a ausência de fundo (tela sem pintar) em que se forma um
cenário em que a personagem parece flutuar. A posição casual, que nos dá um aspecto
10 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br provocador e acarreta certa sensualidade, contribuição dos retratos femininos de Ingres, como
o de Madame Devauçay (1807) que abandona o aspecto quase hierático de até então, é visível
em abas as telas.
Figura 13 Retrato de Olga na poltrona (1917, óleo sobre tela, 130 X 88, Museu Picasso, Paris) Figura 14 Madame Devauçay, Ingres (1807)
Mais de 30 anos depois, quando já havia explorado outras possibilidades, as
experimentações cubistas voltam à obra de Picasso com Guernica (1937, óleo sobre tela, 349
X 776, Museu Rainha Sofia, Madrid) e, nesta tela, as referências são bastante conhecidas. O
quadro trata do histórico episódio do bombardeio da Luftwaffe à pequena cidade espanhola,
em 1937. A brutalidade da operação causa um número imenso de baixas entre civis, além de
uma grande destruição da cidade.
11 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Figura 15 Guernica (1937, óleo sobre tela, 349 X 776, Museu Rainha Sofia, Madrid)
Entre as oito personagens, humanas e animais, que compõem o quadro, as duas que
estão nas extremidades da tela nos chamam a atenção. São elas simbolicamente elementos que
remetem ao sacrifício, mas também à resistência. À esquerda, a mão com o filho morto no
colo, lembra a posição da Pieta, de Michelangelo. O sacrifício é inerente à figura de Cristo,
aquele que dá a sua vida em troca da salvação de todos os homens. Tendo essa imolação em
mente, a figura da outra extremidade, nos solicita a resistência, fazendo diálogo com a obra do
também espanhol Francisco Goya, os Fuzilamentos de Três de Maio de 1808, de 1814.
Apesar do invasor ser diferente, a proposta é igual. Da mesma maneira que o povo desafiou a
invasão napoleônica do século XIX, seria possível enfrentar a nova ameaça, a alemã. Assim,
com a resistência, o sacrifício dos mortos em Guernica, não seria em vão.
Detalhes dos Fuzilamentos de Goya, Guernica e Pietá A tela de grandes dimensões e de organização aparentemente caótica, pois está
construída meticulosamente para representar o caos da batalha, poderia ainda nos remeter às
cenas do gênero engedradas por Paolo Ucello, ainda que nesse caso, os grandes protagonistas
sejam os nobres cavaleiros, aqueles que fazem a guerra e não o povo que geralmente a sofre.
12 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Figura 16 Batalha de San Romano, Ucello (1450, têmpera sobre madeira, 182 X 323, Galeria Uffizzi)
Já em 1954, Picasso nos dá a tela Jacqueline com as mãos cruzadas (1954, óleo sobre
tela, 116 X 88, Museu Picasso, Paris). Aos oitenta anos, o pintor se casou com Jacqueline, que
tinha metade de sua idade, e faz dela uma centena de imagens. Na citada acima, destaca-se o
aspecto de quebra-cabeças que a figura assume. Como que procurando, por meio da pintura,
entender a mulher que está com ele, Picasso representa a sua companheira na enigmática
posição da esfinge.
Figura 17 A Esfinge e Jacqueline com as mãos cruzadas (1954, óleo sobre tela, 116 X 88, Museu Picasso, Paris) Podemos dizer, no entanto, que o pintor chega a uma conclusão, desvendando o
enigma proposto, ao atentarmos na posição semelhante a uma torre, como se coloca o pescoço
e a cabeça da retratada, assim como o seu olhar vigilante.
13 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Dos símbolos mais profícuos a representar a mulher durante o Renascimento, a torre é,
como espaço fortalecido, sinônimo de segurança e solidez, e nos remete à fortaleza moral, que
é firmeza e constância, no que tange ao caráter, qualidades que são transferidas à Jacqueline,
por meio do diálogo com a tradição. Um exemplo do uso da torre está em Retrato de uma
Mulher, de Lorenzo de Credi, obra que tem o status de ter influenciado a composição da
Monalisa, de Leonardo.
Figura 18: Retrato de uma mulher ‐ Lorenzo de Credi (1490, têmpera sobre madeira, 75 X 54, Pinacoteca Cívica de Forli)
Por fim, como último e categórico exemplo, já em 1957, as incursões vanguardistas de
Picasso não cessam e não cessarão até o fim de sua carreira, assim como as referências aos
importantes momentos da história da arte. Dessa fase são os chamados d’apres, releituras de
obras célebres da história da arte interpretadas por meio do estilo de Picasso. O dialogismo é
realizado com As mulheres de Argel, de Delacroix, Almoço na relva, de Manet, além de As
meninas, de Velàzquez, obra a que Picasso dedica 44 estudos.
14 História, iimagem e na
arrativas No 16, ab
bril/2013 ‐ ISSSN 1808‐989
95 ‐ http://ww
ww.historiaimaggem.com.br Figura 19 A
As Meninas – Diego Velázquez (1656, óleo sob
bre tela, 310 X 276) e o d’aprees de Picasso F
Figura 20 Mulhe
eres de Argel – Delacroix (1834, óleo sobre te
ela, 180 X 229, Louvre) e os d’’apres de Picassso Figgura 21 Almoço
o na relva – Manet (1863, óleo
o sobre tela, 20
08 X 265, Museu
u D’Orsay) e o d
d’apres de Picassso A
Assim,
até seus últim
mos trabalhhos, o mestre nos ateesta que a vanguardaa, que a
inovaçãão, aquela que
q se faz na perspectivva de uma nova
n
formaa de representação pictó
órica, só
se dá por meio doo diálogo coom a tradiçção. A gran
nde arte devve visar sem
mpre o futu
uro, mas
nunca pode
p
perder o seu víncuulo com o paassado.
15 História, imagem e narrativas No 16, abril/2013 ‐ ISSN 1808‐9895 ‐ http://www.historiaimagem.com.br Bibliografia
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