O SUJEITO EM PSICANÁLISE E EM FOUCAULT
RESISTÊNCIA E LIBERDADE NA SITUAÇÃO ANALÍTICA
Maria Fernanda Guita Murad
Foucault, ao definir o sujeito e sua implicação na luta de forças que
marca sua condição, refere-se à resistência envolvida nessas ações. Para ele
a resistência é inerente ao sujeito e mesmo necessária em suas relações,
como sujeito ativo.
O objetivo de Foucault ao estudar as relações de poder, não é analisar o
fenômeno do poder, mas sim examinar como em nossa cultura os seres humanos
se tornam sujeitos. O foco é, portanto, o sujeito. As relações de poder foram
utilizadas pelo autor por evidenciar o sujeito em questão, pois o sujeito
forçosamente está colocado nelas. São as relações de poder que constituem o
sujeito enquanto tal. Como doenças do poder, cita o fascismo e o estanilismo,
mas observa que elas, na verdade, expandem mecanismos já presentes na
sociedade. A sociedade é formada por racionalidades políticas instituídas que
categorizam a loucura, a morte, a sexualidade, ou seja, obedece a conceitos
instituídos. Contudo, o sujeito para Foucault também é histórico e, sendo assim, é
capturado em sua própria história, em sua própria cultura. O autor sugere que só
uma nova economia das relações de poder poderia ter um papel instituinte para
o sujeito.
Para isso, Foucault analisa o poder através do antagonismo das
estratégias, ou seja, analisando como as resistências atuam contra as
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diferentes formas de poder. Estas são batalhas contra o “governo da
individualização”, que prega a individualidade, mas, na verdade, ignora quem
somos individualmente. As resistências são uma recusa a qualquer forma de
poder que faz dos indivíduos “sujeitos à”. Elas incidem contra a submissão
da subjetividade. O autor vai postular que:
“Talvez, o objetivo hoje em dia não seja descobrir o que somos, mas
recusar o que somos. Temos que imaginar e construir o que poderíamos
ser para nos livrarmos desse duplo constrangimento político, que é a
simultânea individualização e totalização própria às estruturas do poder
moderno” (Foucault, O sujeito e o poder, p. 239).
O autor propõe uma nova concepção de poder. Para Foucault são as
relações de poder que legitimam o poder. Estas se exercem através da troca de
signos, pois não existe um poder fundamental. São ações de uns sobre outros,
sobre o campo dos sujeitos ativos. O poder só existe em ato. Também não é da
ordem do consentido ou do consenso. Para que haja relação de poder são
elementos indispensáveis:
“....que o outro (aquele sobre o qual ela se exerce) seja inteiramente
reconhecido e mantido até o fim como o sujeito da ação; e que se abra
diante da relação de poder, todo um campo de respostas, reações, efeitos,
invenções possíveis” (Foucault, O sujeito e o poder, p.243).
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O autor irá dizer que o exercício do poder se refere à ordem do
“governo”, não é nem guerreiro nem jurídico. Trata-se do governo dos homens
uns pelos outros. Governo é utilizado para designar a maneira de dirigir a conduta
dos indivíduos. Diferencia governo de soberania. Defende a arte de governar.
Esta arte implica em dobrar as forças sobre si, numa relação agonística, para
não tornar o governante um tirano. O poder só se exerce sobre sujeitos livres.
Não há confronto entre poder e liberdade, ao contrário, a liberdade é condição de
existência do poder. A relação de poder e a insubmissão da liberdade não podem
ser separadas. Não há um antagonismo entre poder e liberdade, mas um
“agonismo” (combate), uma relação de incitação recíproca e de luta de forças.
Viver em sociedade é viver em “relações de poder”. Foucault postula a
“intransitividade da liberdade” presente nas relações de poder, ou seja, não
há relação de poder sem resistência.
O que nos chama a atenção no estudo de Foucault é a relevância que o
autor dá à relação existente entre sujeito e resistência. Para o autor o sujeito
só assume essa condição quando é livre para exercer a resistência. É a isso
que o autor chama de liberdade e possibilidade de subjetividade. A
resistência não é algo da qual o sujeito deva ser destituído, ela é a mola
propulsora da subjetividade.
Através do pensamento de Foucault, podemos reportar à psicanálise uma
forma bem mais sutil de tratarmos as resistências que acontecem no campo
transferencial na situação analítica. Sabemos que o conceito de resistência em
Foucault refere-se à luta de forças que atuam entre os sujeitos e que os tornam
sujeitos propriamente ditos. Resistir é enveredar para outros modos de
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subjetivação, é reverter e subverter a individualidade que é efeito do
assujeitamento. Para Foucault, como vimos, a resistência é sempre positiva.
Contudo, não se trata aqui de fazermos um paralelo entre os conceitos de sujeito
e resistência neste autor e esses conceitos na teoria psicanalítica, mas, a partir
das postulações de Foucault, pensarmos a resistência que aparece na clínica
também sob essa positividade. Freud sempre se referiu à transferência como uma
forma de resistência com a qual não deveríamos antagonizar, mas sim acolhê-la e
desvendarmos o que ela nos oferecia como material relativo à neurose, ao sujeito.
A nossa intenção é, portanto, reforçarmos esse aspecto da resistência, isto
é, como expressão do inconsciente, mas também como propriedade do
sujeito
enquanto
possibilidade
que
este
tem
de
inventar
novas
subjetividades e “escolher” a que assujeitamento irá se vincular.
Quando Foucault defende que devemos recusar o que somos, no sentido
de podermos construir uma nova subjetividade, não quer dizer que devemos ficar
prisioneiros de outra subjetividade, mas que com a presença da resistência
inerente ao sujeito é possível uma mudança de posição subjetiva. Na
experiência analítica, a resistência atesta para a atividade do sujeito enquanto
sujeito desejante, como tentativa de escapar ao assujeitamento ao qual está
fixado, movimento paradoxal, à medida que quanto maior a resistência, mais este
permanece preso em sua própria teia significante.
Segundo Freud, existem as resistências do eu que resultam da libido em
estado de regressão, assim transformadas a fim de proteger o conteúdo latente.
Mas estas não são as únicas resistências presentes, pois existe a libido que sofre
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a atração dos complexos inconscientes recalcados que dá origem a mais forte
resistência. Para o autor:
“No ponto em que as investigações da análise deparam com a libido
retirada em seu esconderijo, está fadado a irromper um combate;
todas as forças que fizeram a libido regredir erguer-se-ão como
‘resistências’ ao trabalho da análise, a fim de conservar, o novo estado
de coisas” (Freud, A dinâmica da transferência, p. 137).
Conforme Freud, a resistência acompanha o tratamento passo a passo.
Por outro lado, diz o autor que:
“Cada associação isolada, cada ato da pessoa em tratamento tem de
levar em conta a resistência e representa uma conciliação entre as
forças que estão lutando no sentido do restabelecimento e as que se lhe
opõem, já descritas por mim”. (Freud, id. P.138)
O que essas passagens do texto de Freud têm de importante para nosso
estudo é que tratam a resistência ao mesmo tempo como luta de forças, mas
também como possibilidade de conciliação entre as instâncias que
interagem no sujeito.
Em Lacan, sobre a resistência na experiência analítica, vemos que a
resistência projeta os seus resultados no sistema do eu, na medida em que o
sistema do eu não é concebível sem o sistema do outro. Para o autor:
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“A resistência, com efeito, encarna-se no sistema do eu e do outro.
Ela se realiza aí a tal ou tal momento da análise. Mas é de outro lugar
que ela parte, a saber, da impotência do sujeito para desembocar no
domínio da realização da sua verdade” (Lacan, O seminário, livro 1, p.
63).
Podemos depreender dessa passagem do texto de Lacan que a
resistência se origina no sujeito, é do sujeito que ela parte, de sua divisão, e
que se produz no momento em que a palavra de revelação não se diz.
Conforme Lacan, a partir dos textos de Freud, é inclusive da
resistência que surge a transferência. O autor cita, na Dinâmica da
transferência, a seguinte passagem:
“... desde a sua manifestação no consciente até as suas raízes no
inconsciente, chegamos logo a uma região em que a resistência se faz
sentir tão nitidamente que a associação que surge então leva a sua marca
__dessa resistência __ e nos aparece como um compromisso entre as
exigências dessa resistência e a do trabalho de investigação” (Lacan, id.
p.51) ,
Freud irá concluir dizendo que a experiência mostra que é nesse momento
que surge a transferência. É no movimento através do qual o sujeito se revela,
que aparece o fenômeno da resistência. Portanto, no manejo da transferência,
o analista deve considerar que a resistência nunca se dissipará, ela é uma
expressão do inconsciente, e deve ser usada como meio de investigação da
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dinâmica do sujeito. Deve ser manejada considerando-se que é parte necessária e
estrutural do sujeito.
A resistência, para Lacan, no início de sua obra, é o ponto pivô
daquilo que se trata na transferência. Posteriormente, constituirá o conceito
de sujeito suposto saber como a mola da transferência; porém, com a
ressalva que não é o analista que deve ser colocado neste lugar, mas o
analisando:
“Se a palavra é tão livremente dada ao psicanalisante __ é
justamente assim que recebe essa liberdade __, é porque se reconhece
que ele pode falar como um mestre, isto é, como um estouvado, mas isso
não dará resultados tão bons quanto no caso de um verdadeiro mestre, de
quem se supõe que conduz a um saber__ um saber do qual se torna
penhor, refém, aquele que aceitar de antemão ser produto das cogitações
do psicanalisante, ou seja, o psicanalista __ posto que, como tal produto,
está ao final destinado à perda, à eliminação do processo” (Lacan, O
seminário, livro 17, O avesso da psicanálise, p.35)
Do lado do analista, portanto, a transferência deve ser tratada como o
desejo do analista. O analista também transfere para o paciente seus fantasmas,
também acolhe do analisando o seu imaginário. Entretanto, algo deve ser mais
forte e trazer o analista para o lugar do desejo, do irrealizável e não do querer do
analista. Assim, o desejo do analista se traduz num dobrar-se sobre si
mesmo, colocando de lado sua subjetividade imaginária, sua resistência,
para dar lugar ao desejo, isto é, permitir que o desejo do analisando deslize.
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Contudo, é a resistência do analisando que o analista deve acolher como
sinal do conflito que porta o sujeito. Esta é a expressão da impotência estrutural,
onde o sujeito luta consigo mesmo e contra o assujeitamento ao outro. Qualquer
tentativa de destruir a resistência seria, portanto, da ordem da violência da
interpretação. O trabalho analítico do manejo das resistências deve ter como
direção transformar essa impotência estrutural em impossibilidade e, com
isso, sustentar a liberdade do sujeito em novas produções de sentido como
efeito do assujeitamento.
Referências bibliográficas:
1- COUTINHO, A (2004) Tempo Psicanalítico, v.36, O manejo da Resistência
entre a corda e o Corte, SPID, RJ.
2- FOUCAULT, M (1995)
Uma Trajetória Filosófica, O sujeito e o Poder, ed
Forense Universitária, RJ.
3- FREUD, S (1912)
4- LACAN, J
A dinâmica da transferência, v. XII, ESB, RJ.
(1953-1954)
O Seminário, livro 1, os escritos técnicos de
Freud, JZ, RJ.
5- LACAN,J (1960-1961) O Seminário, livro 8, a transferência, JZ,RJ.
6- LACAN, J (1969-19700 O Seminário, livro 17, o avesso da psicanálise,
JZ,RJ.
• A responsabilidade dos artigos assinados é dos seus autores.
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