A RESISTÊNCIA DA PERSONAGEM MARTHA EM CROSSING THE RIVER DE CARYL PHILLIPS Geniane Diamante Ferreira FERREIRA (PG-UEM) Thomas BONNICI (UEM) ISBN: 978-85-99680-05-6 REFERÊNCIA: FERREIRA, Geniane Diamante Ferreira; BONNICI, Thomas. A resistência da personagem Martha em Crossing the River de Caryl Phillips. In: CELLI – COLÓQUIO DE ESTUDOS LINGUÍSTICOS E LITERÁRIOS. 3, 2007, Maringá. Anais... Maringá, 2009, p. 399-410. 1. VIDA E OBRA DE CARYL PHILLIPS Caryl Phillips nasceu em St. Kitts, em 1958, e cresceu em in Leeds, Inglaterra. Depois de se formar no Queen’s College, em Oxford, ele escreveu seu primeiro romance, The Final Passage (1985), com o qual ganhou o prêmio de ficção Malcolm X. Seus romances seguintes, A State of Independence (1986), Higher Ground (1989), Cambridge (1991), Crossing the River (1993), The Nature of Blood (1997), A Distant Shore (2003), e, mais recentemente, Dancing in the Dark (2005) receberam inúmeras premiações. Seu romance Crossing The River, cuja parte está sendo estudada neste trabalho, foi indicada para o prêmio Booker em 1993. Ele também escreveu para a televisão, rádio, teatro e cinema. Seus trabalhos incluem três livros de não-ficção: The European Tribe (1987), The Atlantic Sound (2000) e A New World Order (2001). Ele também tem duas antologias, Extravagant Strangers (1997) and The Right Set (1999). Phillips estudou em universidades na Índia, em Singapura, Suécia, Canadá, Polônia, Barbados e Gana. Hoje ele divide seu tempo entre Londres e Nova Iorque, onde é professor de inglês e de Migração e Ordem Social na Faculdade de Barnard na Universidade de Columbia. Não é fácil categorizar seu trabalho, já que ele cobre temas muito diversos tais como o pós-colonialismo, o pós-modernismo, os negros britânicos e assim por diante. Mas um de seus temas predominantes é a condição dos imigrantes. Isto é mostrado de maneira relevante em seu primeiro romance e de forma mais sutil em seus últimos trabalhos. Evidentemente, o fato de Phillips ser caribenho nos remete a traços autobiográficos em seu trabalho, mas não se pode afirmar que há um paralelo entre sua vida e os personagens que cria. É claro que ele usa as dicotomias de sua própria 399 perspectiva para escrever. Por outro lado, ele também menciona outros grupos marginais (judeus, por exemplo) para fazer uma analogia. Mais que isso, ele escreve acerca de imigrantes em geral, que, apesar de possuir nomes definidos, poderiam ser os protagonistas de outras diversas histórias. Ele discute a diáspora em geral e todos os problemas que estas pessoas podem vir a enfrentar, inclusive os resultados, tais como alienação e/ou destruição destas sociedades. O trabalho de Phillips é tão significativo que muitos consideram que ele ‘concretizou’ o divórcio entre a Inglaterra e o Caribe e entre a América do Norte e a África. Desta forma, a partir de suas histórias, hoje nós podemos ler a História. 2. FÁBULA DO CAPÍTULO “WEST” DE CROSSING THE RIVER Este trabalho versa sobre o capítulo entitulado West do livro Crossing the river de Caryl Phillips. Este capítulo trata de uma mulher negra chamada Martha Randolph e sua jornada para o oeste dos Estados Unidos, daí, então, o nome do capítulo. Martha era uma mulher Africana que foi vendida pelo seu pai. Ela foi levada para a Virgínia, se casou com Lucas e teve uma filha, Eliza Mae. Eles viviam e trabalhavam como escravos em uma fazenda, onde eram submetidos a péssimas condições de sobrevivência. O Senhor de onde eles trabalhavam more e a fazenda é herdada por seu sobrinho, um banqueiro de Washington, que não se interessava pelo campo. Consequentemente, tudo foi vendido, inclusive os escravos, e Martha foi separada de Lucas e Eliza, pois foram vendidos a diferentes Senhores. Então, num dia frio de dezembro, Martha cruzou o Missouri (da Virgínia ao Kansas) com os Hoffmans, a família que a tinha comprado. Eugene Hoffman, o fazendeiro, que trabalhava com agricultura e pecuária, era casado com Cleo, que tinha sido educada para ser professora de música. Eles eram muito religiosos e não tinham filhos. Martha se sentia tão desolada que duvidou da existência de Deus e ouvia vozes do passado. Dada sua perceptível tristeza, o casal levou-a para Wilson, um jovem cavaleiro, evangeliza-la, mas ela não se sentiu tocada e tal intento foi deixado de lado pelos Hoffman. Martha estava então vivendo no Kansas e como a colheita não havia sido boa e o gado não estava dando lucro, ela foi chamada pelo seu Senhor e avisada de que eles tinham decidido se mudar para a Califórnia e a venderiam. Lembrando-se de todo sofrimento que havia passado no leilão e sentindo que tudo seria repetido, ela decidiu fugir. Ela estava decidida e assim o fez. Ela foi para Dodge e ficou lá por dez anos, trabalhando num restaurante, lavando roupa e cozinhando com uma amiga chamada Lucy. Um dia, três homens brancos entraram no restaurante e perguntaram por Chester. Lucy aconselhou Martha a advertilo, mas ele foi morto por tais homens. Chester era um homem negro com quem Martha vivia. Ele possuía uma loja in Dodge, o que era considerado estranho, mas que foi ‘permitido’. Martha e Chester se amavam e viviam bem naquele lugar. Diante da morte de Chester, Lucy sugeriu ir para Leavenworth, mas Martha estava tão chocada que não conseguia ao menos chorar. Pela primeira vez, ela contou à amiga que tinha tido uma filha. Depois de ficar trabalhando como lavadeira e se despedir de Lucy, que foi para a Califórnia, Martha recebeu uma carta da amiga, convidando-a para começar uma nova vida e ser feliz onde ela estava. Martha decidiu ir e se juntou a uma caravana de negros 400 que queriam formar uma comunidade para viver e trabalhar como pessoas livres longe da costa leste, onde a escravidão ainda era terrível. Durante a viagem, entretanto, ela adoeceu e foi deixada no caminho com uma assistente social. Seus últimos momentos foram num quarto frio e escuro através do qual uma mulher a guiou e serviu água. Ela foi colocada na cama com lençóis limpos e adormecia. Martha sentia muito frio e pensava sobre sua vida, sobre o que era importante: amor ou liberdade, pois ambos haviam sido tirados dela. Ela também pensava em sua filha. Por fim, Martha morreu sem chegar à Califórnia. 3. PATRIARCALISMO E PÓS-COLONIALISMO Em nosso trabalho, o patriarcalismo está associado ao colonialismo. Isto se deve ao fato de o imperialismo ter sido construído lançando mão desta ferramenta. O imperialismo construiu a crença de que a cultura européia era central e superior, usando suas descobertas científicas, a literatura, o comércio, entre outros, para justificar tal afirmação. No final do século XIX, o colonialismo europeu se popularizou e então a ideologia da sua superioridade, o que ajudou a dar suporte às conquistas e seus conseqüentes crimes. Desta forma, a submissão, a escravidão e a total destruição de inúmeras sociedades foram até mesmo consideradas como boas ações para os colonizados. Novamente, o patriarcalismo teve um importante papel. Conforme os territórios eram ganhos, uma nova cultura também era imposta, ou seja, a língua, a economia e principalmente o poder sobre a nova colônia, que era passado ao invasor, com a expectativa do enriquecimento. A destruição de uma diversidade de culturas em incontáveis nações é resultado deste imperialismo cultural. O colonialismo teve esta tarefa: criar o outro, este ‘insuficiente e inacabado’, convencendo o mundo com afirmações deturpadas sobre as colônias, de forma a manter seu poder sobre elas. Este ‘outro’ mencionado, o colonizado, - aplicando a teoria de Sartre e de Lacan (1977) – é alguém que está à margem da sociedade. Esta perspectiva era reforçada dada a posição centralizada que o colonizado ocupava. Tais crenças foram espalhadas ao redor do mundo e a idéia de primitivismo e de dependência das pessoas submetidas a países imperialistas ganhou força. Tudo isto foi construído por meio do discurso das classes dominantes. Eles não só influenciaram e exploraram a colônia, mas também criaram uma certa ideologia. Esta crença é tomada como verdade até pelos objetificados, já que estavam praticamente cegos, em virtude de todas as instituições de apoio acerca disso: educação, religião, língua escrita etc. Pode-se ver, desta forma, que o patriarcalismo e o colonialismo cooperam de forma que não somente os homens tenham privilégio sobre as mulheres, mas também famílias, instituições em geral e como os Estados (e a relação entre eles) são oraganizados para manter as posições de poder. O Racismo é outro conceito intimamente ligado ao Colonialismo e ao Patriarcalismo: Colonialism was the means through which capitalism achieved its global expansion. Racism simply facilitated this process, and was the conduit through which the labor of colonized people was appropriated. (…) Racist ideologies identified different sections of people 401 intrinsically or biologically suited for particular tasks. (Loomba, 1998, p. 125) Alguns conceitos (atitudes) foram largamente usados para proteger tais posições. Entre eles, podemos citar o essencialismo, como uma forma de representação da verdadeira essência das coisas e suas qualidades. Isto reduz pessoas a objetos, já que elas consideradas iguais de acordo com sua raça, sexo e assim por diante. A crença no essencialismo produz oposições forte versus fraco, homem versus mulher, racional versus irracional, colonizador versus colonizado, que são muito interessantes à metrópole. Importantes ferramentas são também o falogocentrismo, sistema que privilegia o falo como a principal diferença sexual e garantia de verdade, como elemento simbólico de poder; e o logocentrismo, que consiste na crença de que a língua é capaz de produzir um sentido acurado. Este último é muito relevante, já que se sabe que o discurso produz crenças e atitudes. Tem-se entendido que a língua tem um importante papel em ambos sexismo e colonialismo, produzindo as oposições anteriormente mencionadas. De acordo com Althusser (1984), o sujeito é construído pela ideologia. A classe dominante produz idéias por meio das quais o sujeito deve se ver. Tal ideologia é aceita já que é a única que dá a ele uma identidade, uma língua e convenções sociais. As instituições sociais (Igreja, Estado, Escola etc.) também contribuem para a construção desta ideologia e, consequentemente, do objeto, ou do ‘outro’. Em outras palavras, o colonialismo consiste em uma opressão sobre muitos (ou todos) campos da sociedade: econômico, cultural, religioso e assim por diante. Além da exigência de impostos e da exploração das pessoas e da terra, o colonialismo aqui referido (capitalista) também mudou a estrutura da sociedade em todas as áreas mencionadas. O resultado que se vê hoje é a devastação de nações inteiras, no que tange sua cultura, substituída pelo cristianismo e pela crença de que a Europa é a parte mais importante e central do mundo todo. Houve, então, o período pós-colonial e como estas nações oprimidas sobreviveram. Ou seja, a descolonização. Esta não é só uma tentativa de estar livre do colonizador opressor, mas também de toda forma de poder e controle provindo da metrópole. Deste modo, os sujeitos coloniais tentam reavaliar sua cultura, incluindo aí a língua, a religião e busca por sua identidade. Evidentemente, este é um processo difícil, já que o controle é exercido de forma sutil e sobre diversas gerações. No campo da literatura, o pós-colonialismo é um dos ramos mais percebidos no final do século passado. Assim, vêem-se diferentes perspectivas para analisar as sociedades além das fronteiras tradicionais. Os autores pós-coloniais põem de lado a visão de que o passado recente não é considerado real e de que a cultura pertencente às pessoas da colônia não era ‘apropriada’. Embora ainda haja preconceito contra o que é diferente, sabe-se hoje que há inúmeras culturas de diversos povos e períodos que devem ser levados em conta. Desta forma, é indiscutível que isto interfere em outras dimensões da sociedade como a etnia, o poder e as classes sociais, já que o patriarcalismo é uma imposição que submete não só o indivíduo em si, mas também o coletivo e suas instituições. O colonialismo é uma prova disso, pois se constitui como um dos produtos do patriarcalismo. 3.1 Estratégias para subverter o patriarcalismo e o colonialismo 402 Para não sofrer as conseqüências do patriarcalismo e do colonialismo, os colonizados usavam algumas armas para se defender da aculturação forçada a que estavam submetidos. Embora Spivak (1985) afirme que o sujeito não pode falar, pois não tem espaço para se expressar, Bhabha crê que há algumas táticas usadas pelo colonizador que podem ser consideradas como sua voz. Primeiramente, pode-se mencionar a mímica e a paródia como formas de resistência. Estes conceitos se referem ao fato de que o colonizado imita seu colonizador. Tal tentativa vai desde a forma de agir, tais como hábitos e estilo de vida à forma de pensar como valores e crenças. Principalmente a paródia pode ser sarcástica e subversiva, ridicularizando o colonizador. Ela é considerada como auto defesa, já que uma divisão é criada: o colonizador vê a si próprio a partir de uma perspectiva diferente. Ele percebe que sua ‘criação’ – o outro – não é o mesmo, consequentemente, o colonizado não está completamente dominado e pode constituir-se numa ameaça. A partir disso, tem-se o hibridismo em diferentes áreas da sociedade (língua, cultura, política etc.). Esta também é uma arma usada para reverter a dominação, já que é o ponto de vista da colônia contra o poder imposto, negando e desafiando sua autoridade. Além da paródia e da mímica, como previamente mencionado, Bhabha comenta a cortesia dissimulada. Quando o colonizado se torna ciente, enfrenta o colonizador e o rejeita, ele está, de certa forma, falando. Bonnici (2000, p. 258) cita três autores que expõem formas através das quais o colonizado se torna sujeito e constrói sua própria história. JanMohammed (1988) afirma que o autor da literatura pós-colonial deve dedicar-se à produção de esteriótipos negativos do colonizador e de imagens autênticas do colonizado. Desse modo, criará um mecanismo que foi produzido inversa mas eficazmente na era colonial. Bhabha (1983) recusa a polaridade colonizador-colonizado e reconhece que a alteridade é “a sombra amarrada” do sujeito, porque ambos se construíram. Esse hiato entre o sujeito e o objeto, o território da incerteza, é aproveitado pelo autor pós-colonial para reconstruir seus personagens pós-coloniais. O hibridismo pós-colonial, com sua subversão da autoridade e a implosão do centro imperial, constrói o novo sujeito pós-colonial. (...) Wilson Harris (1973) fala do sujeito colonizado como alguém que tem muitas facetas, o eu e o outro. A procura desse eu composto é a nova identidade pós-colonial. A violência (o desmembramento do sujeito) é seguida pela fragmentação e pela reconstrução do vazio a partir do qual as culturas são liberadas da dialética destrutiva da história. Tal violência referida é também uma importante ferramenta para o colonizado. Como dito anteriormente, quando está consciente, o colonizado vai da cegueira à luz, o que pode levá-lo à violência para se defender da sua própria objetificação e a da sua terra. Se o colonizado percebe que ele e sua comunidade se tornam parte da metrópole, interrompendo sua própria história e passando a pertencer à história de alguém, ele se torna capaz de questionar ou até de ir contra tal força. 403 Desta forma, a violência do colonizado e do colonizador são colocadas face a face, ou seja, a do colonizador tenta controlar a do colonizado para defender seus interesses. Além de ter forças opostas ‘equivalentes’ (não se pode dizer realmente equivalentes, já que uma vez que há um colonizado, ele já está em posição inferior), os colonizados se unem com o mesmo objetivo, o que os torna mais fortes contra o invasor. Todas estas armas têm o efeito de minimizar a autoridade da metrópole.Elas são todas tentativas de permanecer incólumes ou de voltas ao status prévio à invasão. Entretanto, o sujeito pós-colonial é diferente do que era o nativo. Por outro lado, é evidente que o colonizador também é influenciado pela colônia: (…) there is no neat binary opposition between the colonizer and the colonized, both are caught up in a complex reciprocity and colonial subjects can negotiate the cracks of dominant discourses in a variety of ways. (Loomba, 1998, p.10) Mas mesmo com suas diferentes formas de falar ou se expressar contra o colonizador, não se pode negar que são vítimas do imperialismo. Ainda, no discurso do nativo traços metropolitanos podem ser vistos, já que o prejuízo já ocorreu. Daí porque Spivak (1985) diz que não é possível que o subalterno fale (fala tomada, aqui, como qualquer forma de expressão). Talvez possa ser difícil recuperar sua voz como ela realmente era, mas ainda há a voz que expressa pelo menos parte da perspectiva dos oprimidos. A sugestão de que somente alguns subalternos possam falar, dadas as diferentes posições entre eles, é relevante e deve ser levada em conta. É preciso ter em mente que nem o discurso do indivíduo ou o da coletividade pode expressar as exatas crenças de determinada comunidade. Sabe-se que tanto as resistências quanto os discursos podem ser (ou são) diferentes. Os níveis de rebelião variam bastante também. Mas esta não é uma razão para não se considerar todos como subalternos e para não perceber que embora estejam sob relações de poder diversas, todas as vozes têm a verdade como pano de fundo – sua história. Quando o colonizado, como grupo, foi introduzido a novas práticas, língua e cultura, as pessoas foram logo contaminadas com assuntos novos e externos. Uma vez que os nativos estão em contato com a metrópole, suas raízes são prejudicadas, já que o sujeito (o novo) e o mundo ao redor dele não podem ser facilmente separados. 4. MARTHA COMO UMA MULHER LIVRE E SUA RESISTÊNCIA Embora Martha sofresse uma forte opressão, ela lutava para resistir às táticas de seu Senhor e colonizador para manter seu controle. É evidente que ela não podia mostrar sua tristeza claramente, senão ela poderia ser punida ou até mesmo morta. Entretanto, há algumas ações e comportamentos que podem ser vistos como auto defesa e resistência contra o homem branco. Desta forma, estes aspectos presentes no capítulo sob estudo serão apontados e discutidos. Quando o capítulo se inicia, o leitor já sabe que Marhta está indo na direção do Oeste dos Estados Unidos para encontrar Lucy, sua amiga. É importante dizer que seu objetivo é muito claro: 404 Apparently, these days colored folks were not heading west prospecting for no gold, they were just prospecting for a new life without having to pay no heed to the white man and his ways. Prospecting for a place where things were a little better than bad, and where you weren’t always looking over your shoulder and wondering when somebody was going to go wrong. Prospecting for a place where your name wasn’t ‘boy’ or ‘aunty’, and where you could be part of this country without feeling like you wasn’t really a part (our italics) (Phillips, 1994, p. 73). Como se sabe, neste período, o homem branco estava migrando para o Oeste na busca de ouro e, consequentemente, de enriquecer. Por outro lado, estas pessoas simplesmente queriam formar uma nova comunidade, onde as pessoas pudessem ser parceiras iguais. É interessante que logo no início, o leitor pode perceber os sentimentos e intenções de Martha, sendo possível encarar sua história como uma luta para atingir tais objetivos. Além disso, é marcante como os escravos consideravam a vida como algo melhor e mais importante que o ouro. Enquanto todos estavam buscando riquezas, eles queriam algo mais valioso para eles: liberdade. Mais que isso, eles não queriam isso apenas para si próprios, mas para aqueles que padeciam da mesma forma, já que desejavam ser ‘parte do país’, como comunidade – uma forma significativa de resistência. Sua grande conquista era ser visto como sujeito, pessoa, livre da escravidão, do patriarcalismo e, desta forma, do colonialismo. No trecho: ‘wondering when somebody was going to go wrong’, é claramente mostrado o quanto eles estavam, a cada gesto, sob o comando do homem branco. É também notável que seus objetivos não podiam ser mais simples: Martha só queria levar uma vida normal e equilibrada. Ela não almejava enriquecer, mas ser livre para trabalhar. Esta busca a manteve forte e esperançosa o suficiente para seguir em frente. Em outras palavras, isso mostra sua maior resistência, ou pelo menos, a que deu suporte a todas as outras. Todas as atitudes tomadas por ela para se salvar buscavam este desejo. A personagem Lucy, amiga de Martha, pode mostrar que este desejo não era só dela, mas dos negros em geral. Ela já estava no oeste, e escreveu uma carta para Martha “practically begging her to come out west and join her and her man in San Francisco” (Phillips, 1994, p. 74). Eles queriam ser pioneiros no oeste, mesmo se isso levasse muito tempo, trabalho e esforço. Eles estavam dispostos a superar todos os obstáculos, desde que fossem livres. Este senso de formação de comunidade pode ser visto como um dos tipos de resistência mencionados anteriormente. Isto significa que eles também queriam sua sociedade, onde as pessoas pudessem trabalhar e ninguém tivesse poder sobre a outra. Eles sonhavam viver numa relação sujeito – sujeito, em que todos vivessem seu papel sem a interferência ‘proprietários’. Em suma, apesar do descrédito de seus Senhores, eles eram todos ‘norte-americanos’ agora, não tinham mais sua própria terra e precisavam transformar aquela em que estavam em seu lugar novamente. Martha também guardava memórias de seu marido e sua filha. Ela pensava sobre eles e sobre todo o sofrimento. É preciso ser dito que quando alimentava tais recordações, também se tornava mais resistente ao homem branco. A seguinte passagem mostra isso muito claramente: 405 She no longer possessed either a husband or a daughter, but her memory of their loss was clear. She remembered the disdainful posture of Master’s nephew, and the booming voice of the auctioneer. She remembered the southern ladies in their white cotton sun bonnets and long-sleeved dresses (…) (Phillips, 1994, p. 78). Esta cena também mostra como a sociedade branca se comportava. A descrição das senhoras toda a pompa com a qual viviam. Seu ódio e, por vezes, indiferença pelos escravos é marcante. O olhar dos Senhores faz oposição à forma com que os escravos são descritos. A brancura de suas roupas nos conduz à idéia de limpeza, de pessoas que não trabalham e que, portanto, não suam, nem se sujam ou se cansam. A cena mostra claramente estes dois pólos. A situação não deixa o leitor esquecer que Martha tinha de lutar por sua liberdade. Ela também tentava raciocinar, tentando entender por que isto estava acontecendo: “Did they buy me to kill me?” (Phillips, 1994, p. 78). Embora seja um simples pensamento, isto mostra seu desacordo com a situação e, mais que isso, sua esperança de escapar dela. Sabe-se que esta não é uma resistência direta a seu Senhor, mas é a única que ela poderia ter. Martha tinha em mente que estar sob o controle alheio não era aceitável e isso a mantinha no caminho de seu desejo: ter uma vida nova, ser parte da nação. Além disso, algumas das ações mais simples e pequenas podem ser vistas como grandes conquistas para ela. Na condução dos Hoffman, por exemplo, uma “woman offered Martha a lace handkerchief, which Martha ignored” (our italics) (Phillips, 1994, p. 79), ou seja, ela mostrou sua vontade e isso já é muito. Outro momento importante a ser ressaltado é quando os Hoffaman a levam para ser ‘crisitianizada’: “Mr and Mrs Hoffman took Martha with them to a four-day revival by the river, where a dedicated young circuit rider named Wilson attempted to cast light in on Martha’s dark soul” (Phillips, 1994, p. 79). Obviamente, eles não queriam seu bem estar (já que tinham percebido sua tristeza). Eles a queriam domada para servir melhor. Entretanto, “(…) Martha could find no solace in religion, and was unable to sympathize with the sufferings of the son of God when set against her own private misery” (Phillips, 1994, p. 79), e isto pode ser considerado uma das grandes resistências apresentadas por Martha em toda sua vida. Mais que isso, aceitar a religião de seus Senhores era demais para ela. Afinal de contas, esta era a religião das pessoas que a torturava e Martha teria de se despir de sua própria cultura e substituí-la por algo que causava dor e, neste caso, Deus estaria na mesma posição de seu Senhor, já que ela seria tão submissa a Ele quanto o Cristianismo pregava. Como dito anteriormente, seria muito útil aos Senhores fazê-la ter tais crenças, pois isso a manteria sempre na mesma posição objetificada. Mais tarde, os Hoffaman decidiram ir à Califórnia, já que a colheita e o gado não estavam sendo proveitosos. Vendo isto, Martha sabia o que iria acontecer (p. 79), o que significa que ela observava e tentava entender os acontecimentos a seu redor. Ela não era então apenas um objeto manipulado pelos seus Senhores. Ela fica então ciente da decisão uma semana antes da partida: ela seria enviada para o outro lado do rio o que, para ela, era o mesmo que ir para o inferno. O mais significativo acerca desta cena é que, pela primeira vez, Martha fala: “Eventually she asked, ‘When?’ She was unable to tell whether she had cut him off by speaking” (our italics) (Phillips, 1994, p. 80). 406 Em virtude disso, ela toma, possivelmente, a decisão mais importante de sua vida: fugir. Em todo o texto, este é o melhor exemplo de sua resistência e, consequentemente, uma prova de que o colonizado tem voz, mesmo ser falar. That night, Martha packed her bundle and left the house. For where, she was not sure (don’t care where) being concerned only with heading west (going west), away from the big river (away from Hell, and avoiding nigger traders who would gladly sell her back over the border and into Missouri. (…) she knew the sky was heavy with stars. (Feeling good.) (Phillips, 1994, p. 80) A reação de Martha é realmente significante para provar como ela sempre foi fiel a seu objetivo. Tudo o que ela fez foi intencionando ir para o oeste para viver uma vida livre. Ela estava na busca de sua utopia, sua eterna esperança, ou seja, o céu cheio de estrelas que estava acima e a frente (oeste), em contraposição ao inferno (leste). Depois de ter escapado, o leitor vê Martha numa condição muito diferente. Já se passaram dez anos desde que ela chegou em Dodge “and set up laundering clothes, then cooking some, then doing both when Lucy agreed to come and help (…)” (Phillips, 1994, p. 82). Ela estava então trabalhando com uma amiga, ganhando seu próprio dinheiro. Mais que isso: ela conhecera Chester e estava apaixonada por ele. Nas palavras de Martha: “this man made me forget – and that’s a gift from above. I never thought anybody could give me so much love, even without trying, even without appearing to make any effort, without raising no dust about it” (Phillips, 1994, p. 84). Ela não estava habituada a receber qualquer tipo de demonstração de afeto, mas agora, depois de ter escapado, ela tinha conseguido até ter seu próprio negócio. Ela mesma não sabia a diferença que isto tinha feito, mas se sentia bem e isso era o suficiente. Este período de sua vida foi marcante: ela estava trabalhando, apaixonada por Chester e dividindo trabalho com uma amiga. Sua resistência contra o homem branco pode ser simbolicamente vista por três perspectivas. Primeiramente, ela estava trabalhando, ganhando seu próprio dinheiro. Em segundo lugar, estava apaixonada, reiniciando uma família. Finalmente, Martha tinha uma parceria com Lucy, construindo uma comunidade. Estes três aspectos levam-nos a três tipos de resistência – trabalho, amor e formação de uma sociedade – o que a conduzia ao seu propósito: tornar-se sujeito. A esta altura da vida, Martha estava começando a se estabelecer como uma pessoa independente. Contudo, sua vida estava marcada pela opressão do homem branco. De certa forma, ela voltou ao início (quando sua família tinha se perdido), quando Chester morreu. Ela estava tão machucada que não conseguia ao menos chorar (p.85). Agora, Lucy é uma das que resiste e quer convencer sua amiga a tentar fazer a vida em Leavenworth. Martha já estava cansada e não era mais fisicamente forte. Os anos estavam passando. “By evening her feet and ankles were so swollen (…) and her undergarments now grew strangely tight (…). She desperately needed to rest (…)” (Phillips, 1994, p. 86). Mesmo não se sentindo bem, Martha concordou em ir a Leavenworth e recomeçar tudo. Ela não desistira. Quando soube que havia um grupo de pioneiros negros partindo para a Califórnia, “Martha had a strange notion that she, too, must become a part of the colored exodus that was heading west” (Phillips, 1994, p. 87). Na verdade, esta “strange notion” devia ser seu primeiro desejo de viver livremente em uma comunidade de iguais. Ou seja, ela estava sempre agindo de forma que pudesse atingir seu objetivo, 407 mesmo que conscientemente não soubesse disso. Isto é tão claro, que ela não pergunta se pode juntar-se a eles, ela apenas comunica-lhes. Suas recordações também trabalham em seu favor, pois ela imagina: “I know I’m going to find my child in California” (Phillips, 1994, p. 89). É também interessante que, o que por um lado poderia ser visto como um traço do patriarcalismo (submissão), é considerado neste momento como a emergência de sua subjetificação, já que ela diz: “My role will be to cook for you” (Phillips, 1994, p. 88), definindo, literalmente, seu papel no grupo, como parte dele. Na descrição da viagem, é possível ver que a procura pela liberdade era algo dividido por todos: “Once there, they all dream of tasting true freedom” (Phillips, 1994, p. 93). Em outras palavras, a história de Martha é apenas uma representação deste grupo, já que tinham os mesmos sentimentos. Com todos os obstáculos, Martha nunca abandonou seu sonho. Mesmo sem perceber, ela conduziu sua vida de forma a atingir o objetivo mencionado neste trabalho. Ela estava sempre renovando suas esperanças, encarando as adversidades. Ela morreu fazendo isso. Seu sonho era maior e mais forte que ela mesma. 5. CONCLUSÃO Baseado no capítulo “West” do livro Crossing the River de Caryl Phillips, diferentes perspectivas vistas na vida de Martha foram discutidas, e, mais enfaticamente, sua resistência às forças opressoras. Entre tais forças, a escravidão, o patriarcalismo e o colonialismo foram apontadas teoricamente. Tendo sido estudados tais conceitos, eles foram aplicados ao texto. Apesar de ser ficção, “West” representa a história de milhares de pessoas, e, desta forma, aspectos históricos levantados puderam ser claramente vistos na obra de Phillips. O trabalho foi então dividido de forma que a opressão provinda das estratégias do homem branco e a resistência de Martha a ela fossem postas em pólos opostos. Quando a teoria sobre o patriarcalismo e a objetificação foi aplicada ao capítulo “West”, muitos aspectos foram revelados como traços significativos da análise. Martha é descrita como uma personagem determinada que estava na busca de sua utopia durante a vida. Ela sempre quis se tornar sujeito, para fazer de sua mera existência uma vida em si. Consequentemente, ela usou diferentes ferramentas, mesmo estando, na maioria das vezes, inconsciente disso. Martha tentou manter uma família. Após ter perdido Lucas, seu marido, e Eliza Mae, sua única filha, ela encontrou Chester e tentou, novamente, construir uma comunidade, recomeçar sua nção. Isto também é visto quando ela se junta aos pioneiros e cuida deles alimentando-os e lavando suas roupas. De certa forma, eles eram a nova família de Martha (depois das que havia perdido). Ainda, sua decisão de ir ao Oeste também foi motivada pela possibilidade de encontrar sua filha. Martha estava tentando exaustivamente construir sua vida e ter sua própria família, mas o homem branco apresentava tantas dificuldades e obstáculos, que isto se tornou quase impossível para ela. Seu sofrimento para se erguer como sujeito nos conduz à idéia de que ela não nasceu como pessoa, mas foi imposto que ela deveria se tornar uma e isso passou a ser sua ambição. Martha foi ininterruptamente impedida de ter sua própria história. Houve tantas perdas que ela não pôde suportar. Embora estivesse sempre resistindo, Martha terminou como vítima do patriarcalismo. Não se pode negar que ela não era mais uma escrava, mas as conseqüências das ações do homem branco estavam com ela para sempre, profundamente inscritas em sua memória. 408 No leito de morte, o leitor percebe que ela passou toda sua vida tentando ser alguém e, no fim, ela pôde ter apenas uma pequena amostra da pessoa que se viria a se tornar. Ela pôde ver a liberdade a sua frente, no oeste, mas morreu sem saboreá-la. Por outro lado, percebe-se que enquanto o colonialismo e a conseqüente escravidão destroem, as mulheres constroem. Isto quer dizer que as mulheres são uma força importante para reverter tal opressão, a condição compulsória de objeto. De fato, Martha é uma personagem representativa. Embora tenha um nome, ela é uma mulher como muitas outras que passaram sua vida tentando fazer a vida valer a pena. Sua venda e sua estada na Virgínia não foi algo singular, mas uma história repetida milhões de vezes com os negros. Da mesma forma, os Senhores não têm um nome (exceto os Hoffman) para que a amplitude destes acontecimentos seja compreendida. É evidente que outras perspectivas poderiam ter sido abordadas nesta pesquisa. Este texto é tão rico que muitos outros aspectos merecem mais observação e estudo. Alguns deles poderiam ser: o desenvolvimento dos negros nos Estados Unidos e suas contribuições ao país, como eles emergiram como cidadãos de segunda classe e como começaram sua verdadeira história, por meio da construção de suas comunidades. Sobretudo, no que tange esta pesquisa, como sua literatura apareceu como uma evolução, especialmente a de autoria feminina. REFERÊNCIAS ASHCROFT, Bill et al. The Post-Colonial Studies Reader. London: Routledge, 1995. BEAUVOIR, Simone de. The Second Sex. BONNICI, Thomas. Conceitos-chave da Teoria Pós-Colonial. Eduem: Maringá, 2005. __________, Thomas. O Pós-Colonialismo e a Literatura. Eduem: Maringá, 2000. BONNICI, Thomas e ZOLIN, Lucia Ozana (org.) 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