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29/10/2013 – DIREITO DE SUPERFÍCIE E SUA FUNÇÃO SOCIAL
1. BOSQUEJO HISTÓRICO
O direito de superfície tem origem no direito romano. Ele consistia na “concessão, dada
a particulares, do direito de usar o solo público com a possibilidade de, nele, realizar-se uma
edificação e dela se desfrutar com exclusividade, sujeitando-se, em alguns casos, à obrigação
de se efetuar determinado pagamento. Tinha, então, forma assemelhada à enfiteuse, locação,
compra e venda e, até, possivelmente, doação vitalícia intransferível”1.
Dada sua utilidade e atendimento à função social da propriedade, o direito de superfície
foi adotado por diversos ordenamentos jurídicos alienígenas, tais como da Bélgica, China,
Holanda, Suíça, Alemanha, Itália, Áustria, Espanha e Inglaterra2.
Em nosso ordenamento jurídico, o direito de superfície está regido pelo Código Civil e
pela lei 10.257/2001 (Estatuto da Cidade), “apesar de o art. 7º do Decreto-lei n. 271/67 ter
disciplinado a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, onerosa ou gratuita, por
tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins de urbanização,
industrialização, edificação, cultivo da terra ou outra utilização de interesse social. Tratava-se
do direito real relativo à concessão de uso de superfície bastante semelhante ao direito de
superfície”3.
Apesar das semelhanças que guardam referidos institutos, principalmente quando o
direito de superfície é concedido com caráter puramente social, eles ainda assim não se
confundem, pois o direito de superfície produz uma propriedade (da edificação ou da plantação)
1
AVAAD, Pedro Elias. Direito imobiliário: teoria geral e negócios imobiliários. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense,
2012, p. 220.
2
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, vol. 4: direito das coisas. 24 ed., São Paulo: Saraiva,
2009, p. 483.
3
Ibid, p. 471 / 472.
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distinta da propriedade do solo, caracterizando-se, assim, direitos reais autônomos. Ao direito
de superfície, inclusive, não se aplica o princípio da acessão.
2. PREVISÃO LEGAL
Há quem sustente que hoje o direito de superfície esteja regulado apenas pelo Código
Civil, pois este teria derrogado tacitamente os artigos da lei 10.257/2001, relativos ao tema,
dado que teria regulado inteiramente a matéria4.
Não é este, todavia, o entendimento predominante do tema. Para a maioria, o direito real
de superfície “encontra-se hoje regulado pela Lei n. 10.257/2001, arts. 21 a 24, e pelo Código
Civil nos arts. 1.225, II, 1.369 a 1.377 e 1.473, X”5.
Perscrutando o porquê da não ocorrência de derrogação da lei 10.257/2001, podemos
dizer que:
Apesar de incorporado ao Direito Brasileiro pelo art. 21 do Estatuto da
Cidade, o Código Civil prevê expressamente o direito de superfície no rol de
direitos reais, nos arts. 1.369 a 1.377. A partir de 11 de janeiro de 2003, as
legislações geral e especial iniciaram regime de coabitação. Não admitimos
aqui a aplicação da regra da lei de introdução, de acordo com a qual a lei
posterior revoga a lei interior [anterior], quando regula inteiramente a matéria
nela tratada.
A lei 10.257/01 é especial e a sua finalidade e essência são distintas do
modelo que agora é apresentado pelo Código Civil. O Estatuto da Cidade
regula a disciplina urbanística e deseja promover a função social da cidade,
tornando-a sustentável e dotada de condições dignas de vida. Já no Código
Civil o direito de superfície é um instrumento destinado a atender interesses e
necessidades privadas.6
4
AVVAD, Pedro Elias. Ob. cit., p. 230.
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 475.
6
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direitos reais. 4 ed., Rio de janeiro: Lumen Juris, 2007,
p. 398 / 399.
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Corrobora a coexistência harmônica de ambas leis, sem derrogação da mais antiga, o
enunciado 93 da I Jornada de Direito Civil, promovida pelo Centro de Estudos Judiciários –
CEJ do Conselho da Justiça Federal – CJF, nos seguintes termos:
Art. 1.369: As normas previstas no Código Civil sobre direito de superfície
não revogam as relativas a direito de superfície constantes do Estatuto da
Cidade (Lei n. 10.257/2001) por ser instrumento de política de
desenvolvimento urbano.
Perora-se, portanto, que a aplicação da lei 10.257/2001 é destinada apenas a imóveis
urbanos, quando, necessariamente, da criação do direito de superfície há atendimento da
disciplina urbanística e promoção da função social da cidade.
Por exclusão, todos os demais casos serão obrigatoriamente regidos pelo Código Civil,
como, v.g., quando há interesses particulares, ainda que por concessão do próprio Poder
Público, ou se trate de imóvel rural.
3. CONCEITUAÇÃO
Sem grandes divergências a respeito do conceito de direito de superfície, a doutrina
afirma que “é o direito real autônomo, distinto do de propriedade, de construir ou plantar em
terreno alheio por prazo determinado”7.
Tal conceito foi nitidamente extraído apenas do Código Civil, pois considera que o prazo
tem de ser obrigatoriamente determinado. Vejamos:
Art. 1.369. O proprietário pode conceder a outrem o direito de construir ou de
plantar em seu terreno, por tempo determinado, mediante escritura pública
devidamente registrada no Cartório de Registro de Imóveis.
Veremos adiante que a lei 10.257/2001, por meio do artigo 21, prevê a possibilidade de
prazo determinado e indeterminado, gerando o conceito abaixo transcrito:
7
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código civil comentado. 9 ed., São Paulo: Revista
dos Tribunais, 2012, p. 1.230.
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O direito de superfície consiste na faculdade que o proprietário possui de
conceder a um terceiro, tido como superficiário, a propriedade das construções
e plantações que este efetue sobre ou sob o solo alheio (solo, subsolo ou espaço
aéreo de terreno), por tempo determinado ou sem prazo, desde que promova a
escritura pública no registro imobiliário.8
Por fim, como conceito mais preciso por nós encontrado é o de que “a superfície pode
ser simplesmente definida como o direito real de ter a coisa própria incorporada em terreno
alheio9.
4. OBJETO
Podem ser objeto do direito de superfície as edificações ou plantações que forem
promovidas no terreno pelo superficiário.
A partir daí, cria-se a discussão sobre a possibilidade ou não de o superficiário, com
autorização do proprietário concedente, poder edificar em regime de incorporação imobiliária
em solo alheio. A resposta nos parece clara no sentido de que não será possível assim proceder,
haja vista não poder o superficiário alienar propriedade que não lhe pertence (solo) juntamente
com as unidades autônomas.
De outra sorte, admite-se o direito de superfície por cisão. Apesar de o tema ser
controvertido, a III Jornada de Direito Civil assim publicou o enunciado 250: “Art. 1.369:
Admite-se a constituição do direito de superfície por cisão”.
E o que significa direito de superfície por cisão? Significa cindir juridicamente o terreno
da edificação já a ele incorporada pela acessão, para que esta edificação (ou plantação) seja
dada a outrem em superfície, restando o terreno sob titularidade do primeiro. Retira-se aqui do
superficiário o dever de construir ou plantar, pois o proprietário concedente já lhe transferiu a
propriedade resolúvel apenas de parte daquela propriedade originária.
8
9
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 396.
ASCENSÃO, José Oliveira. Direitos reais. 5 ed., Coimbra Editora, p. 525.
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Há ainda outra discussão a respeito do direito de o superficiário utilizar além do solo, o
subsolo e o espaço aéreo.
O Código Civil, no § único do artigo 1.369, diz que o direito de superfície não autoriza
obra no subsolo, salvo se for inerente ao objeto da concessão.
Já o § 1º do artigo 21 da lei 10.257/2001 diz que o direito de superfície abrange o direito
de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no
contrato respectivo, atendida a legislação urbanística.
Ora, deveria ser óbvio que o uso do subsolo e do espaço aéreo são sempre vinculados
ao objeto do negócio jurídico. Se se concedeu direito de superfície para a construção de
estacionamento subterrâneo ou para perfuração de poços artesianos, o uso do subsolo será
essencial. Igualmente, para se promover determinada plantação ou edificação, o espaço aéreo
correspondente deve ser assegurado ao superficiário. “Não há necessidade de se mencionar o
espaço aéreo [no instrumento translativo de propriedade superficiária] porque esta expressão
está visceralmente ligada à exploração do solo. E o subsolo depende do objeto do contrato.10”
Colaciona-se um exemplo de direito de superfície em que só se transfere a propriedade
superficiária do espaço aéreo: “a aquisição por condôminos da superfície do terreno vizinho,
com o fim de impedir qualquer edificação no imóvel contíguo acima de limites que inviabilizem
o sossego, privacidade e, mesmo, o campo visual dos superficiários”11.
5. CARACTERÍSTICOS
Igualmente a outros direitos reais, o direito de superfície gera oponibilidade erga omnes,
sequela e direito de preferência.
10
11
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 478.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 402.
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5.1. EXCEÇÃO AO PRINCÍPIO SUPERFICIES SOLO CEDIT
Existe um princípio em direito – superficies solo cedit – que diz que os acessórios
seguem o principal. No caso, temos a regra de que o imóvel nu é o bem principal. As plantações
e construções, como regra, aderem à coisa principal, formando-se juridicamente um só bem,
pela chamada acessão.
Tal regra, porém, comporta exceções, como, inclusive, foi feito pelo artigo 94 do Código
Civil ao tratar das pertenças.
No caso de direito de superfície, a regra de que as edificações e plantações aderem ao
terreno não prosperam, como exceção ao princípio superficies solo cedit. Somente ao fim do
direito de superfície é que proprietário concedente terá as acessões incorporadas a seu terreno.
Quer dizer, a propriedade da edificação ou plantação é distinta da propriedade do solo.
Trata-se a superfície de propriedade resolúvel, que, quando finda, consolida os bens do
superficiário sob titularidade do proprietário do terreno, aí, sim, obedecendo ao princípio das
acessões. Podemos afirmar que:
Em princípio as construções e plantações são acessões contínuas,
caracterizadas por uma união exógena de coisas, por força da qual tudo o que
se planta ou constrói-se em solo alheio é de propriedade definitiva do dono do
solo. Trata-se do antigo princípio superfícies solo cedit. Esse princípio,
alinhavado no art. 1.255 do Código Civil, cederá no direito de superfície, pois
haverá a suspensão temporária dos efeitos da acessão, à medida que a
propriedade da construção ou plantação efetivada em solo alheio será daquele
que a realizou, permanecendo a propriedade do solo com o seu proprietário.
(...)
Há um fenômeno de superposição de duas propriedades distintas. Nesta
bipolarização da propriedade, o superficiário e o proprietário do solo atuam
em esferas distintas. Enquanto o superficiário adquire a propriedade resolúvel
das acessões (construções e plantações), o proprietário mantém a titularidade
sobre o solo. Ou seja, ao contrário da dogmática dos direitos reais tradicionais
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de fruição (v.g., enfiteuse, usufruto), não há um desdobramento dos poderes
dominiais, e sim a criação de duas propriedades autônomas.12
Fazemos ainda a seguinte indagação: “seria o direito real de superfície uma verdadeira
propriedade ou um direito real em coisa alheia? A resposta é: ambos”13.
E tanto a superfície é um direito real autônomo, ainda que inserto em coisa alheia, que
a III Jornada de Direito Civil assim publicou:
249 – Art. 1.369: A propriedade superficiária pode ser autonomamente objeto
de direitos reais de gozo e garantia, cujo prazo não exceda a duração da
concessão da superfície, não se lhe aplicando o art. 1.47414.
E também os artigos 1.473, X, do Código Civil, e o 22, IV, da lei 9.514/1997, cujos
incisos foram incluídos pela lei 11.481/2001, preveem de maneira expressa a possibilidade de
instituição de hipoteca e alienação fiduciária sobre a propriedade superficiária.
5.2. PRAZO
Aqui reside uma divergência em relação aos prazos do direito de superfície. Enquanto
o Código Civil fala em seu artigo 1.369 que o prazo será determinado, o artigo 21 da lei
10.257/2001 diz que o direito pode ser conferido por prazo determinado ou indeterminado.
Note-se que prazo indeterminado não quer dizer que o direito de superfície será perene.
Não se deve admitir a anulação dos efeitos da acessão, mas apenas sua suspensão.
Para os autores que defendem a derrogação da lei 10.257/2001, é claro, a duração do
direito de superfície somente poderá ser por prazo determinado. Mas, como já defendemos, para
cada situação, aplica-se uma lei. Portanto, para imóveis urbanos, quando, necessariamente, da
criação do direito de superfície há atendimento da disciplina urbanística e promoção da função
social da cidade, será aplicada a lei 10.257/2001, e, neste caso, a vigência poderá se dar por
prazo indeterminado ou determinado.
12
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 397 / 398.
Ibid, p. 399 / 400.
14
Art. 1.474. A hipoteca abrange todas as acessões, melhoramentos ou construções do imóvel. Subsistem os ônus
reais constituídos e registrados, anteriormente à hipoteca, sobre o mesmo imóvel.
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Parece-nos muito claro como funciona o direito de superfície por prazo determinado.
Mas a pergunta que resta é: como desvanece o direito real de superfície de prazo indeterminado?
São diversas as formas de extinção do direito real de superfície, que serão abordadas em
subitem próprio. Quer-se saber, porém, em condições normais, sem a ocorrência de
transgressões legais ou convencionais, se seria possível e como seria o fim do direito resolúvel
de superfície.
Dizemos que o direito de superfície é forma de propriedade resolúvel, e, como tal, se
sujeita a alguma condição que a extingue, para consolidação do bem superficiário em nome do
proprietário concedente. E qual seria essa condição resolutiva?
Essa condição resolutiva é a simples denúncia do negócio jurídico, que o proprietário
concedente pode realizar judicial ou extrajudicialmente em face do superficiário. Trata-se de
direito potestativo do titular do solo.
É claro que a permissão irrestrita do exercício desse direito potestativo, sem se observar
a função social do contrato e os investimentos realizados por parte do superficiário, pode ser
obstada judicialmente. O parágrafo único do artigo 2.035 e o artigo 473 do Código Civil assim
dispõem:
Art. 2.035. (...)
Parágrafo único. Nenhuma convenção prevalecerá se contrariar preceitos de
ordem pública, tais como os estabelecidos por este Código para assegurar a
função social da propriedade e dos contratos.
Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou
implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.
Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes
houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia
unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a
natureza e o vulto dos investimentos.
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Conclui-se, então, que deve “ser assegurado ao superficiário um prazo razoável para a
utilização do terreno, conforme o conteúdo da concessão”15, quando se tratar de concessão de
direito de superfície por prazo indeterminado.
5.3. PAGAMENTO
Os artigos 1.370 do Código Civil e 21, § 2º, da lei 10.257/2001, ditam a possibilidade
de o negócio ser realizado de maneira gratuita ou onerosa.
Se gratuita for a concessão do direito de superfície, a única contraprestação que receberá
o proprietário concedente será a edificação ou plantação ali realizadas, quando findo o direito
de propriedade superficiária.
Sendo onerosa, “o proprietário concedente (dono do solo ou fundieiro), havendo tal
convenção, passará a ter direito ao solarium ou cânon superficiário (remuneração periódica) e
nada obsta que haja previsão contratual de atualização monetária do valor das prestações
estipuladas”16.
Fica vedado ao proprietário concedente, porém, cobrar qualquer monta em caso de
alienação da propriedade superficiária, restando a ele apenas o direito de preferência, quando
se tratar de alienação onerosa.
O Código Civil veda tal cobrança, afastando o instituto da propriedade superficiária da
enfiteuse, em que o proprietário poderia cobrar laudêmio do enfiteuta.
Referida proibição está insculpida no § único do artigo 1.372 do Código Civil:
“Não poderá ser estipulado pelo concedente, a nenhum título, qualquer pagamento pela
transferência”.
Apesar de esta vedação estar encartada apenas no Código Civil, parece-nos
perfeitamente aplicável à lei 10.257/2001. O Código Civil trata principalmente de interesses
particulares e proíbe essa prática de cobrar laudêmio. Não haveria senso logico dentro do
15
MELO, Marco Aurélio Bezerra de. Novo código civil anotado, vol. IV, Direito das coisas. Rio de Janeiro:
Lumen Juris, 2003, p. 219.
16
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 479.
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sistema jurídico permitir tal cobrança quando se tratar de direito de superfície de caráter social
e urbanístico.
5.4. FORMAS DE CONSTITUIÇÃO
Tanto o artigo 21 da lei 10.257/2001 quanto o artigo 1.369 do Código Civil são
categóricos ao prescreverem que o direito de superfície somente se constitui com o registro da
escritura pública no Cartório de Registro de Imóveis competente.
A própria lei 6.015/1973 (LRP), por inclusão da lei 10.257/2001, traz em seu rol de atos
aptos ao registro o direito de superfície. Vejamos:
Art. 167 - No Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos.
I - o registro:
39) da constituição do direito de superfície de imóvel urbano;
Reparem que o referido item 39 diz que a constituição do direito de superfície de imóvel
urbano se dá por meio do registro. Não se trata, então, de ato meramente declaratório, mas, sim,
constitutivo do próprio direito.
Acreditamos que em relação ao direito de superfície regulado pelo Código Civil,
idêntica regra se aplica, por se tratar de direito real, que já tem por regra a necessidade do
registro para sua constituição. Não encontramos subsídios minimamente sólidos para afirmar o
contrário, motivo pelo qual comungamos da necessidade do registro para constituição do
direito.
Assevera a doutrina que é também possível a instituição do direito de superfície por ato
testamentário. “A norma não proíbe a instituição do direito de superfície por ato mortis causa.
De sorte que, por testamento público, o direito real poderia ser instituído regularmente. 17” Ou
seja; neste caso, o formal de partilha seria título hábil para registro no competente Cartório de
Registro de Imóveis.
17
NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Ob. cit., p. 1.231.
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5.5. FORMAS DE TRANSMISSÃO
Tanto o Código Civil (artigo 1.372) como a lei 10.257/2001 (artigo 21, §§ 4º e 5º)
dispõem sobre a possibilidade de transmissão da propriedade superficiária por ato inter vivos
ou causa mortis. E não apenas por herança se pode transferir por causa mortis, como também
por legado, ainda que os textos legais não sejam expressos nesse sentido.
Caso a transmissão do direito de superfície ocorra por causa mortis, os herdeiros ou
legatários ficarão sub-rogados no direito do de cujus, respeitando-se, inclusive, o prazo do
negócio jurídico. Se o de cujus já houvesse exercido 25 anos de propriedade superficiária em
negócio jurídico com prazo determinado de 30 anos, por exemplo, restaria aos herdeiros apenas
5 anos de propriedade superficiária.
Além disso, pelos artigos 1.373 do Código Civil e 22 da lei 10.257/2001, cabe o direito
de preferência, em igualdade de condições com terceiros, tanto ao proprietário concedente
quanto ao superficiário, quando qualquer dos dois alienar sua propriedade de forma onerosa.
Todavia, se a alienação ocorrer a título gratuito, não há como se conceber o direito de
preferência:
Aquele que preterir o direito de preferência do outro deverá pagar indenização
pelas perdas e danos e o preterido poderá depositar em juízo valor igual ao
pago pelo terceiro. Esse direito de preferência apenas poderá ser exercido em
caso de alienação onerosa, pois como poderia exigir, p. ex., o superficiário que
o dono lhe desse em doação o terreno que deseja doar a outrem, pois o doador
ao fazer uma liberalidade tem direito de escolher a pessoa beneficiária.18
5.6. FORMAS DE EXTINÇÃO
Extinto o direito de superfície, deve-se proceder à averbação na correspondente
matrícula, nos termos do artigo 167, II, item 20, da lei 6.015/1973.
18
DINIZ, Maria Helena. Ob. cit, p. 480.
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As forma de extinção são as seguintes:
a) consolidação dos direitos de superfície e de propriedade do solo na mesma pessoa;
b) inadimplemento de obrigações contratuais ou legais pelo superficiário;
c) por destinação diversa da convencionada;
d) distrato;
e) renúncia do direito de superfície;
f) deixar o superficiário de usar o terreno no prazo convencionado;
g) pelo perecimento do terreno;
h) desapropriação;
i) término do prazo contratado; e
j) pela denúncia, no caso de direito de superfície por prazo indeterminado.
Relativamente à desapropriação, surgiu uma questão bastante interessante: para quem e
em que proporção a indenização deve ser paga?
O Código Civil dispõe a respeito:
Art. 1.376. No caso de extinção do direito de superfície em conseqüência de
desapropriação, a indenização cabe ao proprietário e ao superficiário, no valor
correspondente ao direito real de cada um.
Está a dizer o Código Civil que o concedente receberá o preço do terreno nu e o
superficiário o valor das edificações (ou plantações). Mostra-se essa equação, porém,
absolutamente desproporcional.
Ilustramos a injustiça com o seguinte exemplo: concedido terreno para que o
superficiário erigisse prédio de alto valor, de 30 andares, com heliponto etc., e o prazo da
propriedade superficiária fosse de 50 anos. Decorridos 49 anos e 11 meses de exploração do
prédio pelo superficiário, o proprietário concedente (ou seu herdeiros) tem sua expectativa
quase consumada de ter aquela edificação para si, quando há a desapropriação.
Seria absurdamente injusta e desproporcional que a indenização pela desapropriação
fosse paga ao proprietário concedente o valor do terreno e ao superficiário o valor da edificação.
Interpretando o artigo de forma salutar, a IV Jornada de Direito Civil, por meio do enunciado
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322, bem ponderou que “o momento da desapropriação e as condições da concessão
superficiária serão considerados para fins da divisão do montante indenizatório (art. 1.376),
constituindo-se litisconsórcio passivo necessário simples entre proprietário e superficiário”.
5.7. ASPECTOS TRIBUTÁRIOS
Incumbe ao superficiário o ônus de responder pelos encargos e tributos incidentes sobre
a propriedade superficiária. Na verdade, tal responsabilidade se justifica pelo fato de que o dono
do solo não aufere qualquer proveito pelo uso do terreno, sendo titular apenas da nua
propriedade. Conforme dispõem o artigo 21, §3º do Estatuto da Cidade e artigo 1.371 do Código
Civil.
 Estatuto da Cidade:
Art. 21. O proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície
do seu terreno, por tempo determinado ou indeterminado, mediante escritura
pública registrada no cartório de registro de imóveis.
§ 1o O direito de superfície abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o
espaço aéreo relativo ao terreno, na forma estabelecida no contrato respectivo,
atendida a legislação urbanística.
§ 2o A concessão do direito de superfície poderá ser gratuita ou onerosa.
§ 3o O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos
que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda,
proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e
tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo
disposição em contrário do contrato respectivo.
 Código Civil:
Art. 1.371. O superficiário responderá pelos encargos e tributos que
incidirem sobre o imóvel.
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Vale ressaltar, que pode ocorrer, todavia, que o titular de direito de superfície ocupe
efetivamente apenas parte da propriedade. Nesse caso, arcará com os encargos e tributos
proporcionalmente à área que ocupar, evitando–se a sobrecarga de ônus relativa a terrenos não
utilizados, sendo totalmente possível as partes disponham diversamente no contrato. Tal
previsão, de pagamento proporcional está devidamente disposta no artigo 21, §3º do estatuto
da cidade. Cumpre frisar, que artigo 1.371 do Código Civil, não dispõem nada a este respeito.
5.7.1. INCIDÊNCIA DO ITBI NO DIREITO DE SUPERFÍCIE
Consoante redação do art. 1225, II do Código Civil, que trata sobre o rol taxativo, a
superfície constitui um direito real.
Dispõe o artigo 156, II da Constituição Federal:
“Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I - propriedade predial e territorial urbana;
II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens
imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis,
exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;”
(Destacamos)
Assim, tem-se pela leitura dos excertos em destaque que o direito de superfície é gerador
do ITBI – Imposto sobre transmissão “inter vivos”.
Questão que gera controvérsias é o fato gerador do aludido tributo: se no ato de lavratura
da escritura pública de constituição do direito de superfície, ou mediante o seu efetivo registro
na descrição tabular do imóvel.
Já é entendimento pacífico, tanto no Tribunal de Justiça de São Paulo, quanto do STJ,
que a exação só é exigível mediante o registro imobiliário, independente da data em que foi
lavrada a escritura pública de constituição da superfície. Neste sentido:
MANDADO DE SEGURANÇA ITBI Direito real de superfície Alegação de
violação de direito líquido e certo em razão da não incidência do tributo
Inocorrência - Fato gerador do imposto que se consubstancia no registro
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imobiliário do título aquisitivo do direito, tendo por base de cálculo o valor da
transação. Incorreção não configurada - Inteligência do estatuído no artigo 38
do CTN e arts. 7º e 8º da Lei Municipal 11.154/91. Sentença que denegou a
ordem mantida Recurso improvido. (TJSP. AC 0186585-25.2007.8.26.0000 .
15ª Cam Direito Privado. Rel: Rezende Silveira. Data da Publicação:
30/07/2012).
AGRAVO DE INSTRUMENTO Mandado de segurança Decisão que recebe,
sem efeito suspensivo, apelação contra sentença denegatoria do mandado
Imposto sobre transmissão inter vivos de bens imoleis. Exação fundada em lei
editada após lavratura de escritura publica de concessão de direito real de
supeificie de imoveL Irrelevância. Fato gerador do tributo que se
consubstancia no registro do titulo aquisitivo do direito real Ausência de
"fumus bom iuris" e de "periculum in mora" Recurso desprovido. (TJSP. AC
0178270-42.2006.8.26.0000 . 14ª Cam Direito Privado. Rel: Geraldo Xavier.
Data da Publicação: 23/07/2007).
5.7.2. ITBI NO MUNICÍPIO DE SÃO PAULO
Foi com a Lei Municipal nº 14.125/2005, mais especificamente em seu artigo 6º que a
legislação do município de São Paulo tratou expressamente da incidência do ITBI sobre o
direito de superfície, alterando a Lei 11.154/91, que tratava de forma mais genérica sobre a
matéria.
Este dispositivo legal supriu questionamentos específicos antes controvertidos, tais
como definição do sujeito passivo, e apuração da base de cálculo.
Atualmente, é o Decreto nº 51.627, de 13 de julho de 2010 que regulamenta a matéria.
Com relação ao sujeito passivo, assim dispõe:
“Art. 6º. São contribuintes do Imposto:
I - os adquirentes dos bens ou direitos transmitidos;
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___________________________________________________________________________
II - os cedentes, nas cessões de direitos decorrentes de compromissos de
compra e venda;
III - os transmitentes, nas transmissões exclusivamente de direitos à aquisição
de bens imóveis, quando o adquirente tiver como atividade preponderante a
compra e venda desses bens ou direitos, a sua locação ou arrendamento
mercantil;
IV - os superficiários e os cedentes, nas instituições e nas cessões do direito
de superfície.”
(Negritamos)
5.7.3. BASE DE CÁLCULO
Com relação a base de cálculo do ITBI no direito de superfície, prevê o artigo 38 do
Código Tributário Nacional: “ Art. 38. A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens
ou direitos transmitidos”.
Com relação ao Município de São Paulo, rezam os artigos 7 e 8º do Decreto
51.627/2010:
“Art. 7º. A base de cálculo do Imposto é o valor venal dos bens ou direitos
transmitidos, assim considerado o valor pelo qual o bem ou direito seria
negociado à vista, em condições normais de mercado.
§ 1º. Na apuração do valor venal do bem transmitido ou do seu respectivo
direito, considera-se o valor das benfeitorias e construções nele
incorporadas.
§ 2º. Não serão abatidas do valor venal quaisquer dívidas que onerem o
imóvel transmitido.
§ 3º. Nas cessões de direitos à aquisição, o valor ainda não pago pelo cedente
será deduzido da base de cálculo.
§ 4º. Não se considera na apuração da base de cálculo do Imposto o valor
das benfeitorias e construções incorporadas ao bem imóvel pelo adquirente
ou cessionário, desde que comprovada, à Administração Tributária, na forma
________________________________________________________________________________________16
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___________________________________________________________________________
e condições estabelecidas pela Secretaria Municipal de Finanças, que a
incorporação foi efetivada por tais agentes”.
“Art. 8º. A Secretaria Municipal de Finanças tornará públicos os valores
venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do
Município de São Paulo.
§ 1º. A Secretaria Municipal de Finanças deverá estabelecer a forma de
publicação dos valores venais a que se refere o “caput” deste artigo.
§ 2º. Os valores venais dos imóveis serão atualizados periodicamente, de
forma a assegurar sua compatibilização com os valores praticados no
Município, através de pesquisa e coleta amostral permanente dos preços
correntes das transações e das ofertas à venda do mercado imobiliário,
inclusive com a participação da sociedade, representada no Conselho
Municipal de Valores Imobiliários.
§ 3º. Os valores venais dos imóveis a que se refere o “caput” deste artigo têm
presunção relativa e poderá ser afastada se:
I - o valor da transação for superior;
(Destacamos)
Ou seja, o valor considerado para fins de tributação será sempre o de maior valor.
Acaso o contribuinte discorde do valor venal determinado pela Municipalidade, poderá
requerer avaliação especial do imóvel, conforme previsão do art. 10º do mencionado Decreto:
“Art. 10. Caso não concorde com a base de cálculo do Imposto divulgada
pela Secretaria Municipal de Finanças, na conformidade do artigo 8º deste
regulamento, o contribuinte poderá requerer avaliação especial do imóvel,
apresentando os dados da transação e os fundamentos do pedido, na forma
estabelecida pela Secretaria Municipal de Finanças, que poderá, inclusive,
viabilizar a formulação do pedido por meio eletrônico”.
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5.7.4. ALÍQUOTA
A alíquota do ITBI será de 2% sobre o maior valor (operação ou venal), consoante
disposição do artigo 12 do citado Decreto:
Art. 12. O Imposto será calculado:
I - nas transmissões compreendidas no Sistema Financeiro de Habitação SFH, no Programa de Arrendamento Residencial - PAR e de Habitação de
Interesse Social – HIS, aplicando-se a alíquota de:
a) 0,5% (meio por cento) sobre o valor efetivamente financiado, até o limite
de R$ 42.800,00 (quarenta e dois mil e oitocentos reais);
b) 2% (dois por cento), sobre o valor restante.
II - nas demais transmissões, aplicando-se a alíquota de 2% (dois por cento).
6. COMPARATIVOS COM OUTROS DIREITOS
Já discutimos as particularidades do direito real de superfície. Agora vamos falar em
linhas gerais algumas diferenças com outros direitos.
6.1. LOCAÇÃO / ARRENDAMENTO
Na locação e arrendamento, tem-se um direito pessoal, com caráter obrigacional, e o
pagamento do aluguel não gera direito de propriedade ao locatário, mas apenas o direito de
posse de imóvel alheio. Por este motivo, incabível seria, por exemplo, o locatário lograr
hipoteca ou alienação fiduciária do imóvel.
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6.2. USUFRUTO
Já o usufruto é mais parecido com o direito de superfície, por ser igualmente direito real.
A maior diferença que encontramos é o quanto estatuído no artigo 1.393 do Código Civil:
“Não se pode transferir o usufruto por alienação; mas o seu exercício pode ceder-se por título
gratuito ou oneroso”.
Ou seja, o usufruto, como direito real, é personalíssimo. Ele não pode ser transferido
pelo usufrutuário. Este pode ceder apenas seu exercício, mas não o direito propriamente dito.
6.3. SERVIDÃO
Comparando-se com a servidão, “tem-se que esta é inalienável e pressupõe um ônus de
um prédio a outro, cujos proprietários são distintos (art. 1.378 do CC). Ou seja: o prédio
serviente é distinto do prédio dominante, sendo impraticável a superposição da servidão em um
só imóvel, ao contrário do que ocorre no direito de superfície.19”
6.4. DIREITO DE USO
Quando a concessão ocorre pelo Poder Público, nos moldes do decreto-lei 271/1967, é
transferido o direito real de uso resolúvel de coisa alheia, para que o concessionário possa usar
e gozar do bem, sem, contudo, o concedente perder sua propriedade. Nesse sentido, tudo o que
for edificado ou plantado no imóvel a ele será incorporado por acessão.
19
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 408 / 409.
________________________________________________________________________________________19
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___________________________________________________________________________
6.5. ENFITEUSE
Destaca-se que a partir da vigência do atual Código Civil novas enfiteuses não mais
podem ser criadas, exceto em terrenos de Marinha. E este instituto não se mostra adequado ao
cumprimento da função social da propriedade.
Uma das grandes diferenças entre a enfiteuse e o direito de superfície é que a primeira
era instituída em caráter perene. Já a superfície é geralmente feita por prazo determinado, e
quando não o é, pode ser denunciada pelo proprietário concedente.
A enfiteuse é onerosa (foro) e a cada transferência de titularidade do domínio útil, há
pagamento de laudêmio ao nu proprietário; enquanto no direito de superfície, pode ou não haver
pagamento (solarium), e não pode o proprietário concedente exigir pagamento de laudêmio em
transferências de titularidade: a ele cabe apenas o direito de preferência.
Sobre o laudêmio, pode-se afirmar que “trata-se de cobrança que estimula o parasitismo
e desafia a função social”20.
Outra curiosidade é o disposto no Código Civil de 1916:
Art. 693. Todos os aforamentos, inclusive os constituídos anteriormente a este
Código, salvo acordo entre as partes, são resgatáveis dez anos depois de
constituídos, mediante pagamento de um laudêmio, que será de dois e meio
por cento sobre o valor atual da propriedade plena, e de dez pensões anuais
pelo foreiro, que não poderá no seu contrato renunciar ao direito de resgate,
nem contrariar as disposições imperativas deste capítulo. (Redação dada pela
Lei nº 5.827, de 1972).
Percebemos que transpassado o prazo de 10 anos, facultava-se ao enfiteuta o direito de
adquirir a nua propriedade mediante pagamento de 10 foros e 1 laudêmio. Já no caso do direito
de superfície, o superficiário somente poderá adquirir a propriedade do terreno mediante
acordo, sendo a recíproca verdadeira durante a vigência do negócio jurídico.
20
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Ob. cit., p. 410.
________________________________________________________________________________________20
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___________________________________________________________________________
7. DIREITOS ALIENÍGENAS
Como já dito anteriormente, o direito de superfície fora adotado por diversos países,
dentre os quais: Bélgica, China, Holanda, Suíça, Alemanha, Itália, Áustria, Espanha e
Inglaterra, além dos que serão abordados adiante.
7.1. ITÁLIA
Na Itália, “o Código Civil de 1942 consagrou o direito de superfície, limitando-o às
construções e proibindo que recaia sobre as plantações”21.
7.2. FRANÇA
Não consta de forma expressa o direito de superfície no Código Civil francês, mas ali
existem normas que permitiram à doutrina e à jurisprudência sua criação22.
7.3. PORTUGAL
O direito português admite o direito de superfície, de modo muito semelhante ao
tratamento conferido pela nossa legislação. Sobre o direito português podemos dizer que “o
direito de superfície é regulado pelo art. 1524 e ss., e a noção que a nossa lei dá desta figura é
a seguinte – “...consiste na faculdade de construir ou manter, perpétua ou temporàriamente, uma
obra em terreno alheio, ou de nele fazer ou manter plantações”23.
21
AVVAD, Pedro Elias. Ob. cit., p. 223.
AVVAD, Pedro Elias. Ob. cit., p. 224.
23
MOREIRA, Álvaro; FRAGA, Carlos. Direitos reais – segundo as prelações do Prof. Doutor C. A. da Mota
Pinto ao 4º ano jurídico de 1970-71. Coimbra: Livraria Almedina, p. 289.
________________________________________________________________________________________21
22
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7.4. UNIÃO DAS REPÚBLICAS SOCIALISTAS SOVIÉTICAS
Na antiga URSS existiu há muitos anos o direito de superfície. Naquele ordenamento,
“o direito de superfície conferia a seu titular o uso de determinado terreno sob a condição de
nele levantar uma construção. Direito real na coisa alheia podia ser alienado, mas ao Estado se
reservava o poder de imitir-se na posse do bem, consolidando a propriedade, desde que pagasse
o valor da construção. O direito de superfície foi abolido em 1949.”24
8. USUCAPIÃO SUPERFICIÁRIA
Grande parte da doutrina pátria tem defendido a possibilidade do direito de superfície
ser adquirido também pela usucapião. Nos ensinamentos de Francisco Eduardo Loureiro25:
“Cumpre ressaltar, ainda, que alguém seja possuidor de boa-fé
e justo título embora tenha adotado as cautelas legais para a aquisição do
direito de superfície (vg., mediante contrato por instrumento público), pode
ocorrer que o título fosse eivado de nulidade, desconhecida do
adquirente(v.g., aquisição a non domino). Nada impede que o possuidor de
boa-fé venha, verificada a prescrição aquisitiva, a usucapir a superfície”.
Todavia, tal possibilidade tem sido ventilada apenas e tão somente em seara doutrinária,
eis que no ordenamento jurídico não há qualquer menção sobre tal possibilidade.
Na legislação alienígena, há a positivação deste instituto, a exemplo do BGB alemão,
que trata do assunto em seu parágrafo 900. Nas lições de Frederico Henrique Viegas Lima26:
24
GOMES, Orlando. Direitos reais. 16 ed., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p. 411.
LOUREIRO, Francisco Eduardo. Alguns Aspectos sobre o Novo Código Civil e o Urbanismo.Temas de
Direito Urbanístico 4. Imprensa Oficial, página 177.
26
LIMA, Frederico Henrique Viegas de. O direito de superfície como instrumento de planificação urbana –
Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p. 79.
________________________________________________________________________________________22
25
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“A Usucapião é uma forma de aquisição do direito de superfície.
Caso exista um direito de superfície inscrito indevidamente por trinta anos ou
mais, o titular que, além da inscrição estiver na posse do imóvel por este
tempo portando-se como verdadeiro superficiário regularmente inscrito, o
adquirirá mediante usucapião tabular, em conformidade com o parágrafo
900 do BGB”.
8.1. PRAZO
Em decorrência da ausência de previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, com
relação ao prazo para declaração da usucapião, sugere-se a aplicação por analogia aos prazos
do artigo 1.379 do Código Civil, que regulamentam a usucapião da servidão, assim dispondo:
“Art. 1.379. O exercício incontestado e contínuo de uma
servidão aparente, por dez anos, nos termos do art. 1.242, autoriza o
interessado a registrá-la em seu nome no Registro de Imóveis, valendolhe como título a sentença que julgar consumado a usucapião.
Parágrafo único. Se o “possuidor não tiver título, o prazo
da usucapião será de vinte anos”.
Com relação ao termo inicial para a contagem do prazo, para o proprietário concedente,
apenas após o término do prazo do contrato de superfície inicia para ele o direito e dever do
exercício de sua pretensão reivindicatória ou reintegratória.
Assim, a contagem para a usucapião se inicia somente à partir da extinção do direito de
superfície.
Apesar da admissão do instituto da usucapião na propriedade superficiária pela doutrina,
na prática sua aplicabilidade se torna muito restrita, pois sua viabilidade se torna de difícil
visualização.
Com efeito, acaso determinada pessoa, desde que preencha os requisitos legais, ingresse
com a ação de usucapião, seria muito mais factível que o fizesse objetivando o domínio pleno
do imóvel, e não apenas a área objeto do direito de superfície, razão pela qual acreditamos não
existir previsão legal em nosso ordenamento pátrio.
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9. FUNÇÃO SOCIAL
“A função social da propriedade não elimina o direito subjetivo do indivíduo, mas
procura conciliar o seu interesse com as necessidades da sociedade” (Hely Lopes Meirelles,
parecer ao CNDU sobre o PL 775, RDP 73/95).
A chamada função social, nada mais é do que um contraponto do direito individual e
absoluto do direito de propriedade, sendo moldada paulatinamente e vagarosamente, levando
em conta o influxo de ideias e ideais que passaram a identificar a importância do interesse
coletivo, voltando a atender as necessidades próprias dos aglomerados urbanos.
9.1. FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA
A constituição de 1934, em seu artigo 113, n. 17, foi a primeira a consagrar o direito de
propriedade, vinculando-o ao cumprimento do interesse social ou coletivo. A constituição de
1946, já imprimia uma postura que estudiosos passaram a denominar de “relativização” da
propriedade privada por atender os interesses sociais, vinculados ao bem estar social,
promovendo à ideia de sua justa e igualitária distribuição, dando força a reforma agrária.
No entanto, com a edição da Carta de 1969, que consagrou a função social da
propriedade, como princípio maior de ordem econômica e social. Senão vejamos:
Artigo 160: A ordem econômica e social tem por fim realizar o
desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes
princípios:
(...)
III – a função social da propriedade
No que pese as tentativas anteriores, a efetiva construção das bases maiores da função
social da propriedade ocorreu apenas com a edição da Constituição de 1988. Assim, a função
social da propriedade, reconhecida em primeiro lugar no capítulo dos direitos fundamentais que
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disciplina os direitos e garantias individuais e coletivos, foi concebida com grande força e
contundência:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza,
garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à
propriedade, nos termos seguintes:
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social;
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e
na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme
os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
III - função social da propriedade;
9.2. Natureza Jurídica da Função Social
A função social da propriedade é denominando, inicialmente, de princípio
constitucional, assim é tratado o artigo 5, XXIII e 170 da CF, ou seja, o legislador complementar
deve se submeter aos desígnios do princípio da função social, assim como o aplicador do direito.
Além de configurar como princípio jurídico, a função social da propriedade também
ostenta natureza regra jurídica, desde que positivada e materializada pelo diploma incumbido
de desenhar o modelo de organização urbana de cada local. O plano diretor de cada município
tem esta função, pois deve indicar o conteúdo da função social, atendendo as peculiaridades de
cada cidade e, atuando neste sentido, estará concretizando a regra jurídica da função social da
propriedade.
Cumpre frisar que a função social da propriedade enquanto regra jurídica, não carrega
a marca da socialização ou relativização da propriedade privada, mas traz o melhor sentido de
solidariedade, em que a população e os proprietários são chamados a colaborar para a solução
dos problemas gerais da cidade, facilitando o trabalho do Estado, propiciando alternativas de
desenvolvimento social e sustentável.
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9.3. Função Social – Ordem econômica
Compondo capítulo de ordem econômica, a função social também é utilizada para
cumprir seu sentido econômico, ligado a propriedade, como fator propulsor de riquezas, que
pode exigir a intervenção do Estado para orientação e disciplina e de seu uso, controlando e
exigindo produtividade, sob pena de redistribuição agrária.
Por fim, a Constituição realiza a disciplina completa de política urbana, fixando seus
limites e seus padrões no artigo 182 da CF, vejamos:
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público
municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar
o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar
de seus habitantes.
§ 1º - O plano diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para
cidades com mais de vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política
de desenvolvimento e de expansão urbana.
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às
exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano
diretor.
§ 3º - As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa
indenização em dinheiro.
§ 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para
área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário
do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu
adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
I - parcelamento ou edificação compulsórios;
II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no
tempo;
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de
emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de
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até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real
da indenização e os juros legais.
Logo, podemos observar que a Constituição exige que diretrizes gerais e básicas para
organização das cidades sejam fixadas pelo Governo Federal, que podem estabelecer regras
gerais de conteúdo urbanístico, social e ambiental. No entanto, a política específica de
desenvolvimento urbano é de competência do Governo Municipal, devendo promover seu
implemento primado pelas necessidades e exigências do bem estar coletivo. A função social a
ser convertida em regra positivada pelo plano diretor vem incumbida de estabelecer padrões de
crescimento, ordenando a reorganização das cidades em atenção às peculiaridades e carências
locais.
Sendo assim, diante do exposto, podemos concluir que, uma das formas de respeitar a
função social da propriedade é atentando as regras dispostas no plano diretor de cada município.
Senão vejamos, no município de São Paulo:
Art. 11 – A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende,
simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei,
no mínimo, os seguintes requisitos:
I - o atendimento das necessidades dos cidadãos quanto à qualidade de vida,
à justiça social, o acesso universal aos direitos sociais e ao desenvolvimento
econômico;
II - a compatibilidade do uso da propriedade com a infra-estrutura,
equipamentos e serviços públicos disponíveis;
III - a compatibilidade do uso da propriedade com a preservação da qualidade
do ambiente urbano e natural;
IV - a compatibilidade do uso da propriedade com a segurança, bem estar e a
saúde de seus usuários e vizinhos.
Art. 12 - A função social da propriedade urbana, elemento constitutivo do
direito de propriedade, deverá subordinar-se às exigências fundamentais de
ordenação da Cidade expressas neste Plano e no artigo 151 da Lei Orgânica
do Município, compreendendo:
I - a distribuição de usos e intensidades de ocupação do solo de forma
equilibrada em relação à infra-estrutura disponível, aos transportes e ao meio
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ambiente, de modo a evitar ociosidade e sobrecarga dos investimentos
coletivos;
II - a intensificação da ocupação do solo condicionada à ampliação da
capacidade de infra-estrutura;
III - a adequação das condições de ocupação do sítio às características do meio
físico, para impedir a deterioração e degeneração de áreas do Município;
IV - a melhoria da paisagem urbana, a preservação dos sítios históricos, dos
recursos naturais e, em especial, dos mananciais de abastecimento de água do
Município;
V - a recuperação de áreas degradadas ou deterioradas visando à melhoria do
meio ambiente e das condições de habitabilidade;
VI - o acesso à moradia digna, com a ampliação da oferta de habitação para
as faixas de renda média e baixa;
VII - a descentralização das fontes de emprego e o adensamento populacional
das regiões com alto índice de oferta de trabalho;
VIII - a regulamentação do parcelamento, uso e ocupação do solo de modo a
incentivar a ação dos agentes promotores de Habitação de Interesse Social
(HIS) e Habitação do Mercado Popular (HMP), definidos nos incisos XIII,
XIV e XXIV do artigo 146 desta lei;
IX - a promoção e o desenvolvimento de um sistema de transporte coletivo
não-poluente e o desestímulo do uso do transporte individual;
X - a promoção de sistema de circulação e rede de transporte que assegure
acessibilidade satisfatória a todas as regiões da Cidade.
Art. 13 - Para os fins estabelecidos no artigo 182 da Constituição da
República, não cumprem a função social da propriedade urbana, por não
atender às exigências de ordenação da Cidade, terrenos ou glebas totalmente
desocupados, ou onde o coeficiente de aproveitamento mínimo não tenha sido
atingido, ressalvadas as exceções previstas nesta lei, sendo passíveis,
sucessivamente, de parcelamento, edificação e utilização compulsórios,
Imposto Predial e Territorial Urbano progressivo no tempo e desapropriação
com pagamentos em títulos, com base nos artigos 5º, 6º, 7º e 8º da Lei Federal
10.257, de 10 de julho de 2001, Estatuto da Cidade.
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Parágrafo único - Os critérios de enquadramento dos imóveis não edificados,
subutilizados ou não utilizados estão definidos nos artigos 200 e 201 desta lei,
que disciplinam os instrumentos citados no “caput” deste artigo, e estabelecem
as áreas do Município onde serão aplicados.
9.4. Função Social – Direito de superfície
Diante do que de tudo que já vimos, podemos concluir que o direito de superfície pode
revelar-se um importante instrumento para que a propriedade imobiliária cumpra sua função
social, seja na área urbana, seja na área rural. Não há dúvida que o instituto se apresenta como
meio de favorecer a função social da propriedade, na medida que facilita a utilização do terreno
não edificado, conferindo-se utilidade aos imóveis não utilizados por seus proprietários. E, mais
do que a função social da propriedade, apresenta-se o instituto como um dos meios de
implementar a função social da cidade, conforme referido no artigo 2º do Estatuto da Cidade.
Com efeito, uma das grandes utilidades do direito de superfície e a de permitir a
construção ou plantação sem necessidade de aquisição do terreno, o que oneraria o interessado
em seu aproveitamento. Com isto facilita-se a utilização de terrenos alheios. Desse modo, o
instituto pode contribuir para minorar a crise habitacional enfrentada em todo o país.
Do ponto de vista do proprietário do solo o direito de superfície pode trazer também
algumas vantagens, como a de permitir o cumprimento da função social de sua propriedade,
escapando das sanções previstas no artigo 183, parágrafo 4 da CF; a de permitir o recebimento
da importância estipulado, caso seja um direito de superfície oneroso; a possibilidade de onerar
apenas parte do terreno que esteja inadequadamente utilizado, entre outros.
Desta forma, podemos concluir que a função social, compreende-se em uma garantia
constitucional fundamental, que por meio de legislações infraconstitucionais, busca uma
propriedade mais justa, vinculada ao seu cunho social, buscando equilibrar as diferenças
sociais.
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29/10/2013 – DIREITO DE SUPERFÍCIE E SUA FUNÇÃO SOCIAL