A ESTRUTURA ORGÂNICA DO ARQUIVO DA REAL COMPANHIA VELHA : PROPOSTA DE UM QUADRO DE CLASSIFICAÇÃO Beatriz Matos Fe mandes Técnica Superior de Arquivo na Câmara Municipal de Espinho A presente comunicação reflecte o trabalho de uma equipa coordenada pelo Prof. Doutor Fernando de Sousa no âmbito do projecto O Inventário da Real Companhia Velha. A proposta de apresentação de um Quadro de Classificação para o Arquivo da Real Companhia Velha, resultou do estudo dos diversos Estatutos da Companhia, no período compreendido, entre a data da sua instituição, em 1 756, e 1 890. A recolha da legislação regulamentadora da actividade da Companhia, assim como a análise da documentação produzida e recebida, por esta instituição, ditou-nos a necessidade de elaborar um Quadro provisório, que nos ajudasse a identificar a documentação, na fase de recenseamento. A presente proposta teve também como modelo, enquanto instrumento de tra balho, o Quadro de Classificação para os Arquivos Municipais, da autoria do Dr. José Mariz, publicado em 1 989, pelo extinto Instituto Português de Arquivos. Optamos, para o recenseamento da documentação, pela elaboração de um Quadro provisório, em virtude de termos encontrado a documentação num estado de total desorganização, não nos sendo por isso possível perceber a sua estrutura organizativa inicial. Na mesma unidade de instalação, ou sej a n a mesma caixa, encontrámos Certidões, Ordens d e pagamento, Libelos, Requerimentos , V�rej os de vinho e até Ordenados dos professores da Academia Real da Marinha e Comércio da cidade do Porto. O Quadro apresentado irá concerteza sofrer alterações, tendo em conta que a documentação ainda não se encontra totalmente recenseada e o estudo dos diversos estatutos e legislação, ser ainda um processo em curso . Estamos igualmente a analisar alguns inventários parciais que encontrámos, para os anos de 1 880 e 1 920 (infelizmente só para estes anos) e informações/instruções sobre o funcionamento de alguns serviços da Companhia. Pensamos que no próximo Seminário vos estaremos a apresentar o Quadro definitivo. Os Estatutos referem-nos a existência de um escritório, este serviço era ao tempo designado por Contadoria. A Contadoria produzia e recebia documen tação de expediente geral, contabilidade, fiscalização da produção e comer cialização de vinhos, aguardentes e vinagres e de pessoal. 55 BEATRIZ MATOS FERNANDES O Secretário era o funcionário responsável por este serviço. Entre as funções que executava, assistia e secretariava as reuniões do órgão executivo - Junta da Companhia ( 1 756- 1 843) e Direcção da Companhia a partir de 1 843, em virtude das alterações de Estatutos, que tendem a abolir de forma definitiva os privilé gios reais dados à Companhia. Privilégios esses que vinham a ser retirados desde 1 834 1 (Decreto de 30 de Maio de 1 834). Assim na Contadoria/Escritório encon tramos entre outras as seguintes séries documentais : Correspondência expedida e recebida, Requerimentos, Mapas de ordenados de funcionários, Relações de empregados, Apólices de seguros de empregados , Abonos em dinheiro, Aceitação, reforma, pagamento de letras, Contas com: fábricas, destilação, flor de enxofre, administradores, intendentes, comissários, agentes de Londres, de vinho guiado, exportado, armazenado, arrolado, Ordens de pagamento, etc. A análise dos Estatutos também nos indica a existência de um outro serviço o do Cofre da Junta ( 1 7 56- 1 843) - que hoj e em dia, designaríamos por Tesouraria. Nele efectuavam-se os pagamentos , guardavam-se as receitas arrecadadas e os capitais da Real Companhia. Este serviço produzia os Balancetes, os Conhecimentos de dinheiro entregue, os Extractos de contas, entre outras séries documentais. Em 1 843 2 por alteração estatutária procede-se a uma grande reforma na vida da Companhia, que se reflecte na documentação pro duzida. São criados dois Cofres designados por Cofre da Nova Gerência, com dinheiro para que a empresa pudesse fazer face aos novos desafios e o Cofre da Caixa de Amortização, para que a empresa pudesse saldar as sua dívidas com os credores. Para além destes cofres devidamente identificados no Estatuto de 1 843, foi necessário criar um cofre que substituísse as funções do Cofre da Junta (órgão extinto nessa data pelos Estatutos referidos) que a documentação passa a designar como Cofre Geral. Neste encontramos os Conhecimentos de dinheiro entregue, os Extractos de cpntas, Documentos relativos ao encontro de contas, etc. No que concerne à constituição da Companhia aparecem-nos séries como : Avisos e Ordens Régias, Legislação e Cópias de legislação, Procurações de accionistas, Apólices, Estatutos e Regulamentos internos, etc. A Companhia era constituída em 1756 por 1 Provedor, 1 2 Deputados e 1 Secretário. Além destes havia 6 Conselheiros , homens experientes e com actividade comercíal reconhecida. O Provedor e os Deputados tinham que ter nacionalidade portuguesa, ou serem naturalizados, serem moradores na cidade do Porto ou no território do Alto Douro. Tinham que possuir Acções no valor de 1 0 cruzados ou mais. A sua eleição fazia-se pela pluralidade de votos dos interessados, que tivessem três cruzados de Acções na Companhia. O Provedor, Deputados e Conselheiros , eram na primeira fundação nomeados pelo Soberano por um período de 8 anos; findos estes, apresen tavam as contas em Junta Geral, repartindo os lucros entre os interessados. Procedia-se a nova eleição de Provedor, Deputados etc . , que tinham a seu cargo examinar logo as contas dos seus antecessores. O mesmo Provedor e Deputados eram simultaneamente Tesoureiros . Todos os negócios propostos na Mesa venciam pela pluralidade de votos. 56 A ESTRUTURA ORGÂNICA DO ARQUIVO DA REAL COMPANHIA VELHA A Companhia gozava de inteiro crédito e as suas decisões tinham plena exe cução, como as que se praticavam nos Tribunais Régios. A seu arbítrio elegia os seus empregados, que conservava ou admitia em nome do seu bom governo. Sobre as eleições recenseamos as seguintes séries documentais: Eleições para Provedor; Eleições para Vice-Provedor; Eleições para Deputados ; Eleições para Conselheiros , Procurações para eleições, Recibos d e Pro curações para eleições, Listas de elegíveis . , etc. A Companhia tinha uin Juiz Conservador com jurisdição privativa, estando inibidos todos os juizes e tribunais de julgarem acções contenciosas, em que fossem autores ou réus, o Provedor, Deputados e mais funcionários. Quer as referidas causas ou acções tivessem carácter crime ou cível. Nas penas pecuniárias impostas por este Tribunal tinha o mesmo Juiz Conservador, poder judicial para acções com valor não superior a 1 00 cruzados. Para estas acções não havia nem apelo nem agravo do réu. Nos casos em que o réu incor ria em pena de morte o Despacho tinha de lavrado pelo Tribunal da Relação. O Juiz Conservador, o Escrivão e o Meirinho eram nomeados pela Mesa e a sua nomeação era confirmada pelo Rei. As funções do Juiz Conservador constavam das Ordens Régias e Determinações Reais e da Junta da Companhia, para esta tomar carros, embar cações utilizados na condução de vinhos e para obrigar os operários a servir a Companhia. Tinha o privilégio da Aposentadoria em toda a parte onde se deslocas se. Para o seu despacho auxiliava-o um Guarda que tinha como função proteger os seus cofres. O Juiz Conservador tinha direito de residência para os caixeiros e mais empregados que o acompanhassem nas suas deslo cações .A documentação recenseada apresenta as seguintes séries , entre outras : Autos , Libelos, Sentenças e Acórdãos, Procurações forenses, Testa mentos, Requerimentos forenses, Certidões forenses, Certificados forenses, Questões forenses, Devassas, etc. O Provedor e Deputados da Companhia, o Secretário e os Conselheiros enquanto exercessem estes cargos, não poderiam ser presos por ordem de ne nhum Tribunal ou do Ministro da Justiça, por causa cível ou crime, excepto em flagrante delito, sem ordem do seu Juiz Conservador. Os Oficiais e Feitores poderiam usar armas brancas e de fogo, necessárias para a sua segu rança pessoal e dos bens que transportavam. Para esse efeito iam munidos com cartas expedidas pelo Juiz Conservador, em nome do Rei. As Inspecções da Junta eram feitas às Tabernas do território do privilégio exclusivo da Companhia, estando essa inspecção a cargo do Provedor. A Contadoria inspeccionava os vinhos de embarque, os vinhos de ramo , as aguardentes, os vinagres, a arrecadação dos direitos que pagavam por entrada no Porto, os vinhos, aguardentes e vinagres, a Aula Náutica e a aula de Debuxo e Desenho . As sim recenseamos as seguintes séries documentais : Exames de vinhos, Mapas de manifestos de vinhos, Relações de prova de vinho qo ramo, Cadernos do vinho da novidade por freguesias, Cadernos do vinho da novidade por Distritos, Relações de qualificação dos vinhos do ramo 57 BEATRIZ MATOS FERNANDES e da novidade, Relações de vinho de 2a qualidade, Varejos de vinho, Vistorias a tabernas e armazéns, Tabelas de conversão de medidas, etc. No que diz respeito a questões relacionadas com práticas çonvencional mente denominadas por Assistência/Mecenato, encontramos as seguintes séries documentais : Subscrições de donativos para os cativos em Argel e para as urgências do Estado, etc. Quanto à estrutura orgânica da Real Companhia Velha durante a sua existência, os Estatutos atestam as competências de órgãos que exerceram funções similares . Um caso paradigmático é o do órgão Junta da Companhia, que como órgão · executivo, existiu entre 1 75 6 e 1 84 3 . Recenseamos docu mentação produzida e . recebida, identificando as séries documentais a saber: Actas, Minutas de actas, Lembretes das sessões da Junta, Deliberações e Resoluções, Determinações, Inspecções, Inquéritos, etc. A partir dos Estatutos de 1 843 este órgão é extinto, sendo substituído por outro órgão executivo, denominado Direcção da Junta. Esta em matéria de competências assume as da extinta Junta, acrescidas das de gestão dos Cofres da Nova Gerência e da Caixa de Amortização. Coexiste com o órgão executivo um outro designado por Assembleia Geral da Companhia, constituído pelos · accionistas da Companhia, que tem por funções eleger os membros dos órgãos, aprovar e ratificar as resoluções da Junta e dos outros órgãos. A Assembleia produzia as seguintes séries : Actas, Composições da Assembleia, Deliberações e Resoluções, etc. Em relação ao património da Companhia, para além dos livros de Registo de foros e de propriedades, recenseámos as séries a saber: Títulos de arrenda mento de loj as e armazéns da Companhia, Atestados de posse da propriedade, Cartas de arrematação de propriedades, Remissão de laudémios, Títulos de compra de propriedades, Relações de obras feitas em propriedades, e Relações de obras feitas em barcos, Inventários de quintas, fábricas, tanoarias, armazéns da Companhia, etc. A Companhia no exercício das suas competências, em total consonância com o Governo, chegou a substituir o Estado, em algumas das suas competências. Só assim poderemos compreender a sua função de responsabilidade na arrecadação das contribuições e impostos. A prova desta actividade reflecte-se nas séries documentais identificadas: Abonos de direitos reais, Benefícios eclesiásti cos, Conta total dos impostos alfandegários, Declarações do subsídio literário, Declarações dos impostos sobre vinhos, Relações dos direitos alfandegários, Relações de direitos reais, Lançamentos de contribuições extraordinárias, Pagamentos da contribuição para as obras públicas, Pagamentos da décima, Pagamentos dos direitos adicionais, etc. Encontramos também a Real Companhia a exercer funções do Estado na execução de obras públicas. Referimo-nos con cretamente às obras na Barra e estradas do Douro. Parte dos recursos monetários para a execução das mesmas, resulta dos impostos arrecadados. Recenseámos as seguintes séries: Planos das obras na Barra do Douro, Relações de pólvora para as obras na Barra, Mapas das obras feitas nas estradas do Douro, etc. 58 A ESTRUTURA ORGÂNICA DO ARQUIVO DA REAL COMPANHIA VELHA: . . N a questão d o ensino 3 ocorreu uma situação semelhante A Junta da Companhia estabeleceu a Aula Náutica, pelo Decreto de 30 de Julho de 1 762, como resposta ao pedido de 35 dos principais comerciantes da cidade do Porto, feito através de uma Representação dirigida à Coroa, datada de 1 8 de Outubro de 1 76 1 . Esta Representação tinha como objectivo a construção de 2 fragatas de guerra destinadas a comboiarem os navios mercantes que saíam pela barra do Porto. A Junta da Companhia ministrava uma instrução essencialmente de carác ter prático, a qual era acrescida de ensinamentos a bordo das embarcações mer cantis que efectuavam a carreira para os domínios ultramarinos. Recenseamos as seguintes séries: Ordenados dos professores, Mapas de alunos inscritos, etc. Passados alguns anos, a Junta da Companhia solicitou ao Rei a criação da Aula de Debuxo e Desenho, instituída pelo Decreto de 27 de Novembro de 1 779. O ensino ministrado tinha como objectivo principal o ensino do curso de pilotagem aliado a preocupações com a indústria fabril em fase de desen volvimento na cidade do Porto. Tanto a Aula Náutica como a de De buxo e Desenho funcionaram no Colégio do Meninos Órfãos até 1 802. Quanto à Academia Real da Marinha e Comércio da cidade do Porto cri ada pelo Alvará régio datado de 9 de Fevereiro de 1 803 , esta resultou de um pedido feito ao Princípe Regente (D. João VI), pela Junta da Companhia solic itando a instalação no Porto, de aulas oficiais de comércio e matemática, assim como de aulas para o ensino de línguas francesa e inglesa. Nesse pedido a Junta . disponibilizava meios para a manutenção e instalação da Academia em edifício próprio. Esta Academia substitui as Aulas Náutica e de Debuxo e Desenho. Após a revolução liberal como temos referido a Real Companhia inicia um período de perda de privilégios. Nesse quadro compreende-se que em 1 834 a administração da Academia tivesse entrado na regra dos outros estabelecimentos de ensino estatais, mantendo�se nesta situaçãO até 1 83 7 . Nessa data por iniciativa d o governo d e Passos Manuel sofreu uma profunda remodelação transformando-se na Academia Politécnica do Porto . Recen seamos as séries a saber: Mapas de alunos inscritos, Relações de alunos exami nados, Ordenados de professores, Ordenados de empregados, Correspondên cia, Requerimentos, Relações de despesa com obras, etc. Para finalizar gostariamós de dizer, que entendemos o Arquivo da Real Companhia Velha como um sistema de informação que . reúne, para além da documentação produzida e recebida pela Companhia, no exercício das sua longa actividade, também documentação gerada no âmbito de funções exerci das na esfera de competências geralmente atribuídas ao Estado. R�ferimo-nos concretamente à arrecadação das contribuições e impostos, à aplicação dessas contribuições e impostos nas obras da B arra do Douro e das estradas do Douro e no que concerne ao ensino na cidade do Porto. A documentação produzida nesse contexto será tratada como sub-sistemas de informação, englobados num sistema de informação mais vasto, que denominamos por Arquivo da Real Companhia Velha. 4 59 BEATRIZ MATOS FERNANDES NOTAS Altera profundamente a legislação reguladora da Companhia: extingue os monopólios e privilégios concedidos. A Companhia pàssa a ter um carácter exclusivamente comercial. ESTATUTOS da Companhia Geral de Agricultura das Vinhas do Alto Douro, de 17 de Agosto de 1 857. Para as questões relacionadas com a ligação da Junta da Companhia ao ensino baseamo · -nos na obra da autoria de RIBEIRO, Fernanda, FERNANDES, Maria Eugénia de Matos, Universidade do Porto - Estudo orgânico - funcional (Modelo de análise para fundamen tar o conhecimento do Sistema de Informação Arquivo) Porto: Reitoria da Universidade, 200 1 , pp.30 - 3 1 Gostaríamos de agradecer as sugestões recebidas pelos Professores Fernanda Ribeiro e Gaspar Martins Pereira a respeito de devermos considerar a documentação produzida no exercício destas actividades específicas pela Junta da Companhia como Sub - Arquivos dentro do Sistema de informação que é o Arquivo da Real Companhia Velha. BIBLIOGRAFIA COSTA, Sousa - Figuras e factos alto-durienses - Frei João de Mansilha e a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro. Porto: Instituto do Vinho do Porto, 1953. FONSECA, Álvaro Baltazar Moreira - As demarcações pombalinas n o Douro vinhateiro. 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