UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
AS FAMÍLIAS BRASILEIRAS: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA ESTRUTURA.
PATRÍCIA ESTEVAM BAGRICHEVSKY
ORIENTADORA: FABIANE DA SILVA
Rio de Janeiro, setembro/2003
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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES
PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO
DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS
PROJETO A VEZ DO MESTRE
AS FAMÍLIAS BRASILEIRAS: ALGUMAS
CONSIDERAÇÕES SOBRE SUA ESTRUTURA.
PATRÍCIA ESTEVAM BAGRICHEVSKY
Trabalho Monográfico apresentado como requisito
parcial para obtenção do Grau de Especialista em
Terapia de Família.
Rio de Janeiro, setembro/2003
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“A curiosidade como inquietação indagadora, como inclinação ao
desvelamento de algo, como pergunta verbalizada ou não, como procura de
esclarecimento, como sinal de atenção que sugere alerta faz parte integrante
do fenômeno vital. Não haveria criatividade sem a curiosidade que nos move
e que nos põe pacientemente impacientes diante do mundo que não fizemos,
acrescentando a ele algo que fazemos”.
Paulo Freire
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Dedicatória
Dedico esta pesquisa as pessoas que considero importantes no decorrer da
minha trajetória acadêmica. Em primeiro lugar a Deus, em seguida aos meus
familiares e aos meus amigos.
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Resumo
O presente trabalho destaca em sua introdução, o decorrer da
história da terapia de família sistêmica no qual nasce como uma resposta
alternativas às limitações que sofrem os tratamentos individuais. Para este
profissional, a família se converte em uma unidade, em um único organismo,
passando para um lugar privilegiado para a intervenção terapêutica. Com isso,
torna-se fundamental para este profissional, a compreensão da família.
No Desenvolvimento, é pesquisado o mito da família patriarcal,
desmistificando este modelo de família e contextualizando a família brasileira
desde a introdução do modelo de família portuguesa no Brasil. Posteriormente, é
analisado a estrutura da família brasileira na contemporaneidade, as mudanças
sofridas nas últimas décadas, a solidariedade entre os indivíduos como estratégia
de sobrevivência e as tendências da família em relação à sua organização.
Por fim, pode-se concluir que os arranjos familiares são diversos, não
existindo um único modelo, nem tão pouco modelo ideal. A estrutura familiar que,
a partir da década de 90, predominou foi a estrutura monoparental, no qual é
composta por um responsável, geralmente a mulher, e seus descendentes.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................07
CAPÍTULO I: A FAMÍLIA BRASILEIRA .........................................................10
CAPÍTULO II: O FORMATO DA FAMÍLIA BRASILEIRA
NA CONTEMPORANEIDADE
.....................................................................................................................................15
CONCLUSÃO............................................................................................................27
BIBLIOGRAFIA ......................................................................................................28
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Introdução
Segundo a autora Cristina Trillas (2002), a terapia familiar nasceu
como uma resposta alternativas às limitações que sempre sofreram e sofrem os
tratamentos individuais das pessoas que apresentam algum tipo de desequilíbrio
emocional, afetando o curso normal de suas vidas. A história da Terapia Familiar
Sistêmica é relativamente curta, mas ao mesmo tempo, intensa, e cheia de
esperanças em um futuro mais humano para a compreensão e tratamento dos
transtornos inerentes ao próprio fato de viver.
No final dos anos 50, alguns terapeutas que trabalhavam em instituições
psiquiátricas nos EUA decidiram devido a resultados insatisfatório obtidos com as
psicoterapias individuais, começar a trabalhar conjuntamente com os pacientes e
suas famílias. Mais tarde, incluíram em seu projeto as instituições psiquiatras que,
apesar das boas intenções, favoreciam a cronicidade de muitas enfermidades.
Após a introdução destas mudanças os resultados foram esperançosos.
Muito ocorreu desde então e hoje o caminho se encontra mais claro.
Entretanto, como sempre ocorre com as inovações no âmbito do saber, as
dificuldades enfrentadas por esses desafiadores do saber oficial não foram
poucas. Continuar com o projeto familiar e institucional implicou no enfrentamento
de todos os tipos de obstáculos Mas isso foi apenas uma parte, porque a
verdadeira dificuldade radicaria, principalmente em que todas as teorias
formuladas até então só colocavam as questões inerentes ao sujeito e ao seu
mundo interno. Em que se apoiar então para entender e tratar uma família? Foi
8
necessário construir postulados que refletissem a linguagem usada pelas famílias
em sua maneira de relacionar-se uns com os outros. Desta forma, começaram a
desenvolver premissas e formas de intervenção novas, que pouco a pouco, foram
ajudando a compreender melhor a dinâmica do sistema familiar.
Aplicando os conceitos da Teoria dos Sistemas Gerais (base principal em
que se fundamenta a terapia familiar) ao trabalho com famílias foi possível
reconhecer homens e mulheres como parte de um todo mais amplo, como
subsistemas de sistemas maiores.
Para o Terapeuta familiar, a família converteu-se em uma unidade, em um
único organismo, e assim, quando um ou mais dos membros do sistema
colocavam um problema, a família passou a ser o lugar privilegiado para a
intervenção terapêutica. Assim, a família observada como um sistema de relação
vivo, com seus equilíbrio e desequilíbrios, com suas etapas de crescimento e
estancamento, foi perfilando um caminho terapêutico onde o paciente designado
(portador do sintoma) não era nem o mais, nem o menos importante dos membros
familiares. Dessa maneira, o sintoma se converteu, basicamente, em uma espécie
de sinal de alarme; um aviso de que algo não funcionava bem (crise) e de que
algo tinha que mudar.
O terapeuta familiar não trata apenas ao paciente, o portador do sintoma,
seu trabalho visa reestabelecer o fluxo relacional da família de modo a conseguir
uma estrutura de funcionamento mais adequada ou a devolver a homeostase
perdida que permitiu a gênese de um ou vários membros do sistema familiar.
O terapeuta familiar confia plenamente na capacidade de reorganização e
regulação da família como sistema vivo em crescimento. A terapia familiar busca
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primordialmente liberar as possibilidades não utilizadas do grupo familiar. A terapia
é a procura do que não se conhece, mas tudo o que na realidade descobre a
família junto com o terapeuta, já estava lá desde antes. A única coisa que o
terapeuta faz e não é pouco, é acionar os mecanismos que já se achavam no
próprio sistema.
Portanto, este profissional se torna um facilitador para a família, um
profissional que se compromete com o problema que provoca o sofrimento de um
conjunto de pessoas que se relacionam entre si e que tentar, com a colaboração
de todos, ultrapassar um caminho muito doloroso para ser usado diariamente.
Neste sentido, o objetivo deste trabalho é levantar algumas considerações
sobre a estrutura da família brasileira nos dias de hoje, tendo em vista a formação
do Terapeuta de Família que lida diretamente com as mesmas. Torna-se
fundamental para este profissional, a compreensão da família, seus laços, sua
organização, e sua estrutura para uma maior eficácia em sua atuação profissional.
Para organizar o estudo, o primeiro capítulo trata do mito da família
patriarcal, desmistificando este modelo de família e contextualizando a família
brasileira desde a introdução do modelo de família portuguesa no Brasil.
O
segundo
capítulo
trata
do
formato
de
família
no
Brasil
na
contemporaneidade, as mudanças nas últimas décadas, a solidariedade entre os
indivíduos e as tendências da família em relação à sua organização.
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CAP 1 - A família brasileira
Há um consenso entre os pesquisadores quanto a necessidade de se
revisar o conceito de família, haja vista que este não pode ser compreendido de
uma forma genérica e única. Isto porque a sociedade não é homogênea, logo um
único entendimento sobre família não absorve a complexidade da constituição
social.
Para Samara (1987:30) na literatura “a família brasileira seria o resultado da
transplantação e adaptação da família portuguesa ao nosso ambiente colonial,
tendo gerado um modelo com características patriarcais e com tendências
conservadoras na sua essência. Esse modelo genérico de estrutura familiar
comumente denominada patriarcal, serviu de base para caracterizar a família
brasileira como um todo, esquecidas as variações que ocorreram na organização
da família em função do tempo, do espaço e dos diferentes grupos sociais. ”Ainda
segundo Samara, estudos recentes demonstram que nos séculos XVIII e XIX no
sul do Brasil, não predominava a existência das famílias “extensas do tipo
patriarcal”.
Contudo, discorda-se de tal afirmação, visto que, entende-se que as
famílias de tipo patriarcal eram hegemônicas, embora convivessem com outros
modelos de família. Isto é, a sociedade organizava-se nas mais variadas formas
de família, ainda que sempre haja um modelo que seja hegemônico.
11
Nos séculos XVIII e XIX, embora houvesse a predominância das famílias do
tipo patriarcal, haviam também outras formas de organização familiar, tais como:
famílias constituídas de formas ilegítimas, concubinato, bastardia e uniões
temporárias. Portanto, o modelo patriarcal, pautado na moralidade e em uniões
legitimadas pelo Estado e pela Igreja não era o único presente na sociedade
brasileira.
Existe uma forte tendência generalizada em acreditar na existência de um
modelo único de família, ou seja, o patriarcal com base na moral e na pureza.
Acredita-se que isto se deva não somente aos historiadores e aos romancistas
dos séculos XVIII e XIX, os quais escreviam a partir da influência cultural que
permeava a sua época mas, também, aos próprios padrões culturais que
influenciavam diretamente os indivíduos.
O mito da família patriarcal continua muito presente no imaginário social
dos indivíduos. Entende-se que isso se deva a uma tradição cultural da própria
sociedade, que ainda não rompeu totalmente com o seu conservadorismo. Desta
forma, acredita-se que mesmo que este mito tenha perdido força, ainda está
bastante presente no simbolismo de uma parcela significativa da nossa sociedade.
Paralelamente a compreensão da permanência do mito sobre a família
patriarcal, entende-se que este conviva com outros arranjos familiares. Sendo
assim, não pode-se utilizar conceitos genéricos para estudar a temática família.
Isto porque a estrutura da família varia de uma sociedade para outra assim como
de uma classe para outra, perpassando também pelas contradições sociais
(contradição econômicas, políticas, culturais...)
12
Com base em diversos estudos a respeito do tema família, pode-se concluir
que nunca houve apenas um modelo de família. De modo geral, os antropólogos
trabalham com tipos de família e diversos sistemas de parentesco e estes não
significam a mesma coisa, embora, relacionem-se entre si. Assim, na
compreensão de Velho (1987:80), família e parentesco são: “em princípio (...)
agências ou instituições privilegiadas para lidar com a questão da subjetividade”.
Há autores, como por exemplo Gilberto Velho (1987), que discordam da
existência tanto de um único tipo de família como também da existência de uma
“nova” família. Tendo em vista que entendem que sempre houve uma pluralidade
nas famílias, logo, não há nada de novo. Acreditam que a família é o alicerce da
sociedade e desta forma não muda a todo momento, haja vista, que a sociedade
também não se altera a todo instante.
No entanto, para Gilberto Freire (apud Velho, 1987), o modelo de família
brasileira é o patriarcal. Em contraposição, Gilberto Velho compreende que não há
um único tipo de família e que este padrão patriarcal não é encontrado na
contemporaneidade, embora haja algo semelhante a este.
Então, com base em uma parcela das correntes históricas e antropológicas,
compreende-se que não existe um modelo padrão de organização familiar, isto é,
não existe a família regular. Assim como “o padrão europeu de família patriarcal
do qual deriva a família nuclear burguesa (que a moral vitoriana da sociedade
inglesa do século XIX atualizou historicamente para os tempos modernos), não foi
a única possibilidade histórica de organização familiar a orientar a vida cotidiana
no caminho do progresso e da modernidade” (Neder:1998:28)
13
É importante conhecer como ocorre a distribuição dos tipos de família
distintos, de acordo com as fases do ciclo de vida. Isto porque os recursos
necessários (alimentação, vestuário, serviços de saúde, habitação, educação...)
em termos de quantidade e qualidade podem ser diferentes, dependendo da fase
do processo de formação, expansão ou envelhecimento em que as famílias se
encontram.
De acordo com Takashima (1998) uma outra questão importante
relacionada às famílias é demostrada através de pesquisas econômicas atuais no
tocante as estratégias de sobrevivência delas nos países da América Latina,
inclusive no Brasil. Estas pesquisas demonstraram a inviabilidade do estudo ou da
intervenção de forma fragmentada junto aos membros da família.
Verifica-se que o exercício das relações democráticas entre os integrantes
de uma família ocorre no seu dia a dia, ou seja, no convívio diário. A partir desta
socialização entre os membros é que eles serão capazes de conviver em
sociedade. A família é essencial no processo da socialização, assim como é no
processo de aprendizagem, pois possibilita a definição e a conservação das
diferenças entre os homens, situando os papéis básicos. Becker (1998)
compreende que a família é um grupo social que não pode ser percebida como
um fim em si mesmo e sim através de suas possibilidades de oferecer condições
de desenvolvimento de seus membros e em especial, as crianças.
Observa-se que as famílias na sociedade brasileira são resultado de
diversas variáveis e fatores que inter-relacionam-se, (como por exemplo, políticas
sociais, economia....) permeados por desigualdade espaciais, econômicas, raciais
e culturais.
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Como exemplo da pluralidade das famílias brasileiras utilizar-se-á uma
pesquisa realizada por acadêmicos de Serviço Social (1993), em dois Centros de
Educação Complementar da Prefeitura Municipal de Florianópolis. Nesta pesquisa
conclui-se que 73,3% das famílias eram de modelo nuclear, havendo a presença
dos pais ou não e 40% das mesmas se auto denominaram “desestruturadas”, pois
tinham problemas de interação. Constatou-se que esta família nuclear
demonstrava flexibilidade, visto que as mulheres apresentavam um papel central e
importante. “As famílias matrifocais constituíam 23,3% da amostra, modalidade
que tem aumentado consideravelmente” (Takashima, 1998:80)
As mães entrevistadas (64%) entendiam que os “pais físicos” não
participavam tanto do contexto educacional como do psicológico de seus filhos e
também na renda da família. Esta falta de participação tem sido expressiva na
passagem de uma geração para outra, fazendo com que os filhos não queiram ser
assumidos pelos pais, enfraquecendo seu processo de identificação. Essas figuras
paternas, geralmente, estabeleciam relações de poder, pautadas no autoritarismo,
no alcoolismo crônico e na violência de seu comportamento As entrevistas
expressavam que 70% dos pais não ajudavam nas atividades domésticas, quando
a mesma porcentagem das mães exerciam dupla jornada de trabalho.
O resultado desta pesquisa evidenciou que nessas famílias, os pais eram
despreparados e impotentes frente as barreiras e dificuldades existentes na vida,
assim como não assumiam suas responsabilidades. Também demonstrou haver
um distanciamento afetivo, a ocorrência de relações violentas e tensas,
“transformando-os
(Takashima,1998:80)
em
parâmetros
inaceitáveis
de
identificação”.
15
CAP 2 - Formato da família brasileira na contemporaneidade
O Brasil apresenta desde a segunda metade do século XX um processo de
modernidade “contraditório” e isto desencadeou mudanças na estrutura familiar no
início dos anos 90. Este processo diz respeito a algumas evoluções que a
sociedade sofreu tendo em vista que estas convivem com modelos antigos e
arcaicos.
Observa-se que as famílias tendem a ter seu tamanho diminuído, enquanto
que há uma variedade maior nos arranjos domésticos e familiares. O quadro mais
característico demonstra que aumentou significamente o número de adultos
vivendo sozinhos, assim como o número de famílias monoparentais. A vida
familiar tornou-se mais complexa em função do desenvolvimento do número de
famílias reconstituídas a partir do aumento nas taxas de separação, divórcio e
recasamentos. Verifica-se que as mudanças têm atingido nos últimos vinte anos
todos os segmentos populacionais da sociedade brasileira. Mas são as diferenças
raciais e regionais as mais evidentes.
Percebe-se elementos tanto de mudanças no relacionamento entre seus
integrantes como de continuidade nos arranjos tradicionais (casal com filhos).
Sendo assim, evidencia-se que tanto as esposas como os filhos estão
participando mais acentuadamente no mercado de trabalho e na renda familiar.
Tomando para si parte da responsabilidade de manutenção da família, que antes
16
cabia ao seu chefe. Isto acarretou transformações nos padrões de hierarquia e
sociabilidade.
Segundo Pereira (1994), as famílias brasileiras vêm sofrendo mudanças
significativas nos últimos vinte anos, tais como:
A) queda na taxa de fecundidade;
B) diminuição do número de casamentos, que tem como conseqüência o
aumento de pessoas morando sozinhas e das rupturas na unidade
familiar convencional;
C) transformações na organização e constituição da unidade familiar, que
deve-se em sua grande parte ao declínio dos casamentos e o
crescimento das separações, acontecimentos que levam a um aumento
das coabitações;
D) os indivíduos descasados ou solteiros permanecem sozinhos em
períodos variáveis, sendo estágios que ocorrem em função da
complexidade da reestruturação das relações familiares modernas;
E) aumento do número de famílias chefiadas por apenas um dos cônjuges.
Verifica-se que na maior parte das vezes este cargo cabe as mulheres
que em geral são solteiras, viúvas ou descasadas e em função da
necessidade financeira precisam se inserir no mercado de trabalho,
normalmente em atividades de remuneração e proteção social
precárias, acarretando na menor disponibilidade para as atividades
domésticas e acompanhamento da vida diária dos filhos.
Existem evidências que demonstram que grande parte das mulheres ao se
separarem de seus cônjuges ou companheiros, são atingidas pela pobreza,
17
visto que são postas a enfrentar solitariamente as despesas domésticas e
em contrapartida não encontram apoio nas políticas públicas voltadas para
elas. A conseqüência deste fato é a ocorrência de um fenômeno
denominado “feminização da pobreza”.
No início da década de 90, verificou-se que os brasileiros optaram por
residir em domicílios organizados por laços de parentesco, embora tenham sido os
arranjos domésticos do tipo não-famílias os mais crescentes, ou seja, domicílios
no qual residem uma pessoa ou um grupo de duas ou mais sem relação de
parentesco. 92,6% estavam organizados ao redor de uma família, com ou sem
filhos, e parentes residente, enquanto que 7,4% era formado por uma pessoa ou
mais sem relação de parentesco. (Goldani, 1994)
As diferenças entre os arranjos domésticos são marcados por um aumento
do número de famílias monoparentais de cor preta ou parda em relação a cor
branca. Essas diferenças pautadas na cor desencadeiam desigualdades socioeconômicas e discriminação.
Segundo Goldani (1994), um dado muito importante demostra que em
1989, a grande maioria dos domicílios brasileiros estava centralizado nas áreas
urbanas, sendo que 1/3 destes encontrava-se abaixo da linha da pobreza. Destes
domicílios atingidos pela pauperização, a maioria era formada por mulheres com
filhos e sem cônjuge. Com isso, nas áreas urbanas há uma estratificação da
pobreza, expondo um perfil bastante definido, dividindo o país em dois. As
mudanças ocorridas na estrutura familiar tornam-se ainda mais significativas
quando colocamos em foco os membros dependentes desta, ou seja, crianças e
idosos. “No Brasil, 3,3 milhões de crianças menores de 14 anos viviam só com a
18
mãe, sem cônjuge em 1989. Isto representou 11% das crianças residentes em
domicílios particulares. Já os outros 88% das crianças residiam em arranjos
formados por casal com filhos, e o restante em outros tipos de arranjos”. (Goldani,
1994:17)
Ainda para Goldani, houve um aumento significativo de crianças que
residiam somente com a mãe, fato este devido ao fenômeno de mulheres chefes
de família que representou um aumento de 18% no total do país e 33% nas áreas
metropolitanas. Este fator acarreta nas “más condições de vida das crianças e o
aumento destas ‘abandonadas ou pedindo’ pelas ruas da cidade”.
Então, observa-se que ocorreram transformações nas condições de
reprodução da população, nos modelos de relacionamento entre os integrantes da
família; os padrões de autoridade começaram a ser questionados; houve
alterações radicais sobre a posição da mulher na sociedade e na legislação
brasileira, o que redefiniu o conceito de família.
As mudanças na estrutura da família variam de região para região do país,
entretanto há uma generalização e um acentuamento destas nas regiões
metropolitanas. Estas afirmações estão pautadas nas tendências de variação nos
arranjos domésticos e familiares, assim como na diminuição da fecundidade no
país.
Sendo assim, as probabilidades de mudanças de cunho social, econômico
e demográfico apontam para uma variação ainda mais explícita nos arranjos
domésticos e para o surgimento de novas opções, bem como podem reforçar
algumas formas tradicionais de família, mesmo com significação distinta.
19
As transformações ocorridas na dinâmica da estrutura familiar advém de
mudanças mais amplas, também decorrentes da globalização das forças
produtivas e das relações de produção que na contemporaneidade estão
alterando as formações sociais. Ao citar-se a globalização das forças produtivas e
as relações de produção como algumas das causas das transformações na família
pretende-se, por exemplo, expor que a aceleração tecnológica e científica
influenciam diretamente tanto na estrutura como na organização da dinâmica
familiar.
Segundo Pereira (1994:106) “Tais processos repercutem diretamente na
organização e na estrutura familiar. A conseqüência mais imediata da revolução
tecnológica sobre a família foi que sua importância na reprodução da força de
trabalho deixou de ser vital”.
A introdução da mulher no mercado de trabalho e o anseio de desenvolver
suas potencialidades enquanto ser humano contribuíram para a aceleração de
transformações na estrutura familiar. Nas últimas décadas houve um aumento
substancial de mulheres brasileiras inseridas em outros espaços1 que vão além do
espaço privado, ou seja, cresceu a participação de mulheres no mundo do
trabalho, no campo da política, etc. Paralelamente a este acontecimento, também
ocorreu um aumento da discussões relativas ao feminismo, ao trabalho, às
desigualdades e direitos da mulher. Isso indica a importância da alteração no
papel da mulher nas mudanças referentes à dinâmica familiar.
A sociedade brasileira também sofreu modificações como por exemplo: a
luta pela democracia; afirmação dos direitos de cidadania, que se expressam na
20
Constituição Federal de 1988. A possibilidade de transformação da sociedade na
década de 80 foi decorrente da maior organização e participação política de
segmentos sociais distintos, que se realizou nas conquistas constitucionais.
Entretanto, tais conquistas não foram de fato efetivadas para uma parcela
significativa dos brasileiros, haja vista que não houve condições objetivas para o
exercício destas conquistas.
Segundo Goldani (1994:8) “em um quadro de conjuntura internacional
adversa, o modelo econômico brasileiro dependente se esgota e tem início um dos
períodos mais recessivos da história do país nos anos 80.” Tal contexto foi
decorrente da implementação de vários planos econômicos e programas de cunho
social, assim como da diminuição paulatina da eficiência do setor público,
motivada pela falta de investimentos. E tais acontecimentos desencadearam em
uma precarização das condições de vida da maior parte da população.
Concomitantemente a deterioração da qualidade de vida de grande parcela da
população, também ocorreu uma concentração de renda para uma minoria da
população
brasileira.
E
isto
acarretou
numa
fantástica
desigualdade,
possibilitando, de acordo com Goldani (1994:8), que o Brasil recebesse o título de
“campeão mundial da desigualdade”. Com isso, compreende-se que a década de
80 foi um período, no qual houve um acirramento das desigualdades sociais e
econômicas para a maioria da população. E em decorrência destes fatos, tal
período foi designado como a “década perdida”.
Essas desigualdades sociais e econômicas se intensificam a partir da
década de 90, quando há uma hegemonia do neoliberalismo, privilegiando
1
A mulher além de estar no espaço privado, passa também a deslocar-se para o espaço público.
21
iniciativas pessoais e privadas. Sendo assim, Goldani (1994:8), compreende que
havia a partir deste período houve “uma tendência crescente de transferência de
responsabilidades do Estado (tradicionalmente paternalista) para a comunidade e
a família”. Em função da precarização das condições de vida da maior parte da
população e da minimização da atuação do Estado no que diz respeito às suas
responsabilidades para com a mesma, observa-se que o modelo de família até
então predominante passa a conviver com outros tipos de arranjos familiares, os
quais a partir do presente momento baseiam-se nas redes de solidariedade, que
estendem-se para além dos laços de parentesco por sangue ou adoção.
Como conseqüência da diminuição da qualidade de vida da população
brasileira e da presença de um Estado mínimo, esta população tendeu a enfrentar
a crise que instalou-se no país no período em questão através do adiamento ou
cancelamento dos projetos de formação de novas famílias e também da não
expansão das famílias já existentes. Goldani (1994:8) afirma que “essas
tendências foram particularmente fortes na região mais pobre do país, o
Nordeste.” Além disso, foi necessário que um maior número de integrantes da
família se inserissem no mercado de trabalho a fim de tentar manter o padrão de
orçamento desta.
Desta forma, é possível afirmar que o crescimento do número de famílias
monoparentais se deve a maior inserção da mulher no mercado de trabalho, assim
como à uma tendência a alteração nos valores tradicionais, os quais até então
condicionavam a mulher apenas ao espaço privado. Este fato atingiu todos os
estratos sociais, em especial, aqueles nos quais há uma maior possibilidade de
escolhas.
22
De acordo com Pereira (1994:105), “(...) as alterações que têm afetado a
estrutura da família nos últimos tempos têm sido repentinas, profundas, de longo
alcance e relativamente concomitantes.”
Os mecanismos de solidariedade familiar, que têm por objetivo proteger os
indivíduos da exclusão social e de agressões externas, vêm sofrendo alterações
por conta das mudanças ocorridas na estrutura familiar. Com isso, os tradicionais
mecanismos de solidariedade são minimizados, possibilitando apenas uma
interação precarizada entre poucos integrantes da família, dificultando seja para
os pais ou mães solteiros(as) ou para os descasados ter um alicerce em termos
destes mecanismos, mesmo que tenham uma rede parental extensa. Isto porque
as mudanças ocorridas na dinâmica familiar também afetam esta rede (resultando
numa tendência a sua dispersão). Embora os mecanismos tradicionais de
solidariedade estejam precarizados, observa-se que ainda são essenciais,
principalmente para as famílias mais pauperizadas.
Não há um tipo de solidariedade e sim solidariedades, tais como a
solidariedade parental, solidariedade apadrinhada e a solidariedade missionária.
Autores afirmam que ao se tratar das famílias pobres, a convivência familiar
precisa ser garantida como algo necessário à sobrevivência material e afetiva.
Com isso, observa-se que a família nuclear é quase que absorvida pela estrutura
familiar ampla, composta por conterrâneos. Segundo Carvalho (1994:96-97), “se
se observar um cortiço ou uma favela em São Paulo, ver-se-á que tais famílias se
agrupam no espaço onde a rede de conterrâneos e parentes vivem. A
solidariedade conterrânea e parental é condição primeira para a sobrevivência e a
existência de famílias em situação de pobreza e discriminação. Pode-se dizer que
23
vivem em comunidades cuja identidade é marcada pela carência, sangue e terra
natal2.
A solidariedade parental ocorre diariamente na vida dessas famílias
atingidas pela pobreza, pois um precisa do outro, se configurando como ajuda
contínua, como por exemplo através de empréstimos para pagar uma conta de luz
ou água. Carvalho (1994), entende que embora isto ocorra mais evidentemente
nas famílias mais pobres, nenhuma família de outros estratos sociais está livre de
vivenciar tal situação e, por isso, a solidariedade é necessária. Desta forma,
compreende-se que a família extensa, o agregado de parentes e conterrâneos, ou
a pequena comunidade rural construam vínculos e sistemas próprios que
viabilizam os padrões de reprodução social. Ao se viver em grupo, há o aumento
das possibilidades da garantia da sobrevivência daqueles integrantes que
possuem rendimentos baixos. Contudo, a partir de suas vivências nas metrópoles
brasileiras, novos valores e padrões de reprodução social tais como: gerar um
número menor de filhos; a introdução da mulher como força de trabalho e a
diferenciação entre chefe e provedor.
A solidariedade apadrinhada é uma outra forma encontrada pela famílias de
baixa renda para darem continuidade a sua sobrevivência. conforme Carvalho
(1994:97) “um ou mais membros da família do trabalhador mantém laços mais
próximos com as classes média e alta, seja como empregados domésticos;
porteiros de prédios; jardineiros etc. Este vínculo assegura um canal de doação de
roupas, remédios, eletrodomésticos (...) fundamental na composição do consumo
2
“Estas reflexões são resultantes da pesquisa realizada sob coordenação da professora Aldaíza Sposati (PUCSP) sobre os padrões de reprodução social na ‘Sociedade Providência’. 1990.
24
das famílias em situação de pobreza”. Pautando-se nesses fatos, vê-se um
fenômeno de doação contínua, pois o empregado ganha um utensílio usado,
repassando o que já tinha à um parente que não tem. Sendo assim, inúmeras
vezes a ajuda de cunho solidário vem de uma sociedade-providência fluida, mas
que faz parte das formas de reprodução familiar.
Outra estratégia de sobrevivência dessas famílias pobres é encontrada via
a solidariedade missionária. Esta ocorre com a ajuda da Igreja Católica,
Protestante, Espírita ou seitas afro-brasileiras, que contribuem para a reprodução
social destas famílias pauperizadas. A Igreja através de suas pastorais possibilita
que estas famílias encontrem um auxílio emocional, afetivo e material. A
participação ativa de várias Igrejas constitui um vínculo facilitador para a
valorização de um trabalho de cunho coletivo que objetive a mudança nas
relações sociais e econômicas que atingem essas famílias empobrecidas.
Carvalho (1994:98), compreende que “estas solidariedades e processos são
vividos, no entanto, com contradições e conflitos próprios ao confinamento a que
estão submetidos.”
Compreende-se que a existência destes tipos de solidariedades é
importante, haja vista, que são estratégias de sobrevivência para as famílias
pauperizadas, buscando suprir suas necessidades, as quais deixam de ser
garantidas
pelo
Poder
Público
por
conta
da
sua
tendência
em
se
desresponsabilizar dessas práticas.
As mudanças ocorridas na dinâmica familiar foram rápidas, possibilitando a
criação de um novo contexto, no qual existem tanto novas oportunidades como
novas necessidades sociais. De acordo com Goldani (1994) tais acontecimentos
25
foram responsáveis pela aceitação de novos valores, mas também por confrontos
intergeracionais, superando as expectativas. Contudo, a adequação entre os
valores e as práticas sociais ocorreram de forma bastante desigual nos diferentes
estratos sociais.
Com todas as alterações sofridas pela estrutura familiar, surgiram
especulações à respeito da família como uma instituição precária e instável. Estas
são reforçadas a medida que há um Estado “incapaz” de viabilizar a prestação de
serviços sociais básicos, necessários às famílias carentes e seus dependentes.
Mudanças como a queda brusca das taxas de fecundidade e o aumento da
expectativa de vida, causam profundos impactos na estrutura etária e na
qualidade da longevidade da população, implicando em novos “tempos” individuais
e familiares. Isto possibilitou que os integrantes mais tempo inseridos na dinâmica
familiar, seja na primeira ou na segunda família, seja no papel paterno, materno,
de padrasto ou madrasta, como filhos, esposos, avós, etc.
De acordo com Pereira (1994), todas as repercussões desencadeadas
pelas transformações na estrutura familiar devem fazer com que haja um
entendimento de que as políticas voltadas para a família no atual estágio histórico
do seu desenvolvimento venham a ultrapassar a visão tradicional de uma família
que seja nuclear, ou seja, formada pelo pai, mãe e filhos, conforme o que existia
há cinqüenta anos. Quando, havia uma compreensão de que o lugar das mulheres
era o ambiente doméstico, embora muitas delas já exercessem atividades fora do
recinto privado. Ou seja, muitas trabalhavam fora de casa, mais isto era algo
velado na sociedade.
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Com o Movimento Feminista, as mulheres conseguiram ampliar a sua
inserção no espaço público e isto trouxe conseqüências de cunho cultural e
econômico de extrema significância, as quais não podem ser compreendidas
como algo apenas positivo nem como algo apenas destrutivo. Geralmente, ao se
separarem de seus cônjuges ou parceiros, as mulheres ficam coma guarda dos
filhos. Mas recebem um tratamento precarizado e desigual por parte das agências
de proteção e de seguridade social e somando-se a este fato, ainda são mal
remuneradas pelo mercado de trabalho. Com isso, verifica-se que há uma
tendência ao empobrecimento das famílias monoparentais.
Enfim, o papel da mulher mudou substancialmente na sociedade a partir do
momento em que conseguiu o seu espaço no mercado de trabalho. Isto
possibilitou que houvessem alterações importantes na concepção de direitos e
deveres entre os sexos, desencadeando até em uma ampliação da noção de
cidadania, que antes era restrita aos homens. Mas em contrapartida, a sociedade
ainda não está preparada para absorver as conseqüências geradas por essa
emancipação feminina.
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Conclusão
No decorrer deste Trabalho foi possível compreender que, em função da
complexidade das sociedades, não existe um único modelo de família e sim tipos
de famílias. A família, nas suas diferentes formas, é indispensável para a
socialização e aprendizado entre os homens e para os homens, respectivamente.
Em relação ao formato da família brasileira, na atualidade, observou-se que
a partir da década de 90 o modelo familiar que predominou, embora convivendo
com outras formas de arranjos familiares, foi o monoparental ou o de pessoas
vivendo sozinhas. Isto foi aprofundado por conta da hegemonia do Neoliberalismo,
o qual foi e continua sendo responsável pela intensificação das desigualdades
sociais e econômicas, dificultando ainda mais a sobrevivência das famílias
pauperizadas. Na maioria das vezes, essas famílias monoparentais são chefiadas
por mulheres, as quais geralmente são descasadas, viúvas ou solteiras e por
causa desta situação precisam se inserir no mercado de trabalho, normalmente,
em funções com baixa remuneração e com proteção social precária. Com efeito,
têm pouco tempo para cuidar de sua prole, bem como das atividades domésticas.
Também
verificou-se
que
o
Estado
começou
a
transferir
suas
responsabilidades para a comunidade e para as próprias famílias. Com tendência
a transformar-se em Estado mínimo, que diminuiu a aplicação de recursos em
políticas públicas ou os direciona para outros setores de seu interesse, que não
contemplam a família na sua totalidade. Desta forma, as famílias pobres precisam
contar com solidariedades de terceiros, haja vista que o Poder Público, em geral,
as deixa por sua própria conta ou as atinge com políticas sociais fragmentadas.
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Por conta dos distintos arranjos familiares e do próprio modelo hegemônico
na sociedade, houve a necessidade de atualização da legislação, atentando para
uma concepção mais próxima das práticas vigentes na realidade social.
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Bibliografia
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www.medired.com/spo, 2002.
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AS FAMÍLIAS BRASILEIRAS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES