A Indústria Farmacêutica Brasileira: Reflexões Acerca de Sua Estrutura, Restrições e de uma Política Industrial Ativa Autoria: Pedro Lins Palmeira Filho, Luciana Xavier de Lemos Capanema Resumo Em dezembro de 2003, o governo brasileiro sinalizou para uma mudança em direção a uma opção de atuação mais ativa na economia, por meio de suas políticas, ao anunciar as “Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior”. Com base na experiência dos países desenvolvidos, que em sua fase de desenvolvimento, atuaram ativamente na condução de suas economias e no desenvolvimento de suas indústrias, o governo federal selecionou quatro setores como prioritários nas suas ações positivas de política industrial, a saber: software, microeletrônica, bens de capital e cadeia farmacêutica. A cadeia farmacêutica foi selecionada como um dos alvos da política industrial por apresentar típicas falhas de mercado e por representar a produção de bens diretamente relacionados ao bem estar da população. Esse trabalho aborda algumas reflexões dos autores sobre a estrutura dessa cadeia produtiva, as restrições ao seu desenvolvimento e a nova política industrial com início previsto para 2004. 1 - Introdução É fato que declarações de políticas industriais positivas por parte de países em desenvolvimento sempre mereceram críticas dos defensores do livre mercado. Também é fato que a “febre liberalizante” das décadas de 1980 e 1990 parece ter sido, em certo grau, arrefecida. Apesar do tema ainda causar debates acalorados, onde as posições são defendidas de forma quase religiosa, parece estar se consolidando uma conscientização de que todos os países hoje ditos desenvolvidos, enquanto ainda em fase de desenvolvimento, nunca praticaram uma política industrial laissez-faire (Chang, 2003). No Brasil, o debate parece ter se estabelecido menos em torno da decisão de ações positivas de política industrial em si do que dos setores eleitos pelo governo para essas ações, a saber: software, microeletrônica, bens de capital e cadeia farmacêutica. Segundo as Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior divulgadas pelo governo brasileiro em dezembro de 2003, “o novo dinamismo econômico mundial pode ser caracterizado pela ampliação da demanda por produtos e processos diferenciados, viabilizados pelo desenvolvimento intensivo e acelerado de novas tecnologias e de novas formas de organização”. Nesse ambiente, onde a inovação parece ser um elemento-chave para o crescimento da competitividade industrial nacional, a indústria farmacêutica se insere como estratégica, pois além de ofertar produtos de cunho social, com fortes externalidades positivas, apresenta elevada capacidade inovadora e densidade tecnológica. Na década de 1990, o Brasil passou por um processo de liberalização comercial que trouxe, por um lado, a modernização e o aumento da produtividade em alguns setores industriais, mas, por outro, não conseguiu ampliar de forma significativa a sua base exportadora nem reverter sua tendência de queda de participação no comércio internacional. Para alguns setores, dentre os quais se insere a cadeia farmacêutica, o efeito foi dramático e no sentido contrário. Exposta de forma abrupta a um ambiente competitivo contestável, a indústria farmacêutica brasileira apresenta, hoje, um quadro preocupante de desindustrialização precoce. O argumento de Nassif (2003), de que a experiência brasileira dos últimos anos revela que dificilmente a estabilidade macroeconômica associada a políticas industriais horizontais será suficiente para promover a mudança estrutural da economia e do padrão exportador do país em termos dinâmicos, parece se aplicar de forma inconteste à indústria farmacêutica. Essa indústria apresenta uma estrutura de mercado concentrada e oligopolista, estando sujeita a barreiras de entrada, em função de proteção patentária, necessidade de altos investimentos em pesquisa e desenvolvimento - P&D, controle do fornecimento de princípios ativos e da força mercadológica das marcas dos laboratórios líderes. É um exemplo de atividade econômica que apresenta expressivas falhas de mercado e que gera produtos essenciais ao bem estar da população, caracterizando-se, assim, como um alvo ideal para políticas industriais específicas, ditas verticais. A estrutura da cadeia produtiva da indústria farmacêutica pode ser entendida a partir da proposta de classificação de seus estágios evolutivos, elaborada pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL e apresentada a seguir (Palmeira Filho e Pan, 2003). 1º estágio - pesquisa e desenvolvimento - P&D; 2º estágio - produção de farmoquímicos; 3º estágio - produção de especialidades farmacêuticas; 4º estágio - marketing e comercialização das especialidades farmacêuticas. A incorporação de um desses estágios tanto por uma empresa, quanto por um país, implica na transposição de significativas barreiras de entrada, econômicas e institucionais; necessitando, por isso, do apoio de políticas de médio e longo prazo tanto governamentais quanto das empresas (Frenkel, 2002). As grandes multinacionais da indústria farmacêutica operam nos quatro estágios, distribuídos pelos mais diversos países, de acordo com a infra-estrutura existente nesses países e com suas estratégias globais (Frenkel, 2002). No Brasil, a maioria das subsidiárias das multinacionais opera no terceiro e quarto estágios, algumas no segundo estágio. Nos últimos anos, houve algumas poucas tentativas de atividades referentes ao primeiro estágio, motivados pelos benefícios associados ao Programa de Desenvolvimento Tecnológico Industrial - PDTI. As empresas de capital nacional, na sua grande maioria, operam no terceiro e quarto estágios, existindo também algumas no segundo e apenas três foram identificadas por Frenkel (2001) trabalhando no primeiro estágio. Caso o Brasil continue ausente do primeiro estágio da produção de medicamentos, estará optando por uma inserção tradicional na divisão internacional do trabalho, mantendo-se fora do desenvolvimento de atividades de alto valor (Queiroz e Gonzáles, 2001). Segundo Silva (1999), os grandes laboratórios internacionais utilizam como sustentação de suas vendas, a diferenciação de produto obtida de duas formas: através da inovação, traduzida no lançamento de novos produtos, e por meio de intensivos gastos em marketing. Suas subsidiárias, com o intuito de aumentar suas margens, utilizam-se de um mecanismo conhecido na teoria econômica por preços de transferência. Esse termo se refere com freqüência à descrição dos preços utilizados na transferência de recursos (divisas), via importação ou exportação de produtos nas transações intercompany. No caso específico da indústria farmacêutica, representam as vendas com preços superfaturados, das matrizes das 2 grandes corporações para suas subsidiárias, justificadas, no entendimento destas, pelos altos investimentos e riscos envolvidos nas atividades de P&D inerentes ao setor. O texto está estruturado em dois grandes blocos. No primeiro, a indústria farmacêutica brasileira é caracterizada a partir de sua estrutura de oferta, da evolução da demanda, de suas importações e exportações, e de seu ambiente regulatório. Em seguida, no segundo e último bloco, é apresentada, de forma exploratória, uma proposta de política industrial para a cadeia farmacêutica, ressaltando seus pilares de sustentação, bem como os segmentos focais da política. 2 - A Indústria Farmacêutica 2.1 – Panorama Global Segundo dados do Intercontinental Medical Statistics - IMS Health, o número de fabricantes de produtos farmacêuticos está por volta de dez mil empresas. Dessas, apenas 100 empresas respondem por cerca de 90% dos produtos farmacêuticos destinados ao consumo humano. A América do Norte é o maior mercado e os Estados Unidos o país com maior nível de consumo e produção em termos monetários, seguido pelo Japão e Alemanha, concentrando cerca de 60% das vendas do setor (Pinto, 2003). No período de 1997 a 2002 a indústria farmacêutica mundial apresentou crescimento médio anual composto de 9,5%, atingindo um valor de US$ 401,2 bilhões ao final de 2002. Por regiões, o crescimento ocorreu de forma bastante diferenciada. Na América do Norte a indústria cresceu 14,2% a.a., na Europa 7,6% a.a., no Japão 3,5% a.a. e na Ásia/África/Austrália 9,9% a.a. A América Latina foi a região de menor desenvolvimento no período, com uma evolução de apenas 0,6% a.a. Os grupos de medicamentos que apresentaram maiores taxas de crescimento de vendas foram aqueles para tratamento cardiovascular (13%), do sistema nervoso central (13%), de desequilíbrios alimentares ou de metabolismo (10%), respiratório (6%) e doenças infecciosas (6%). 2.2 - A Indústria Farmacêutica Brasileira Estrutura da oferta Segundo informações da Federação Brasileira da Indústria Farmacêutica – Febrafarma, o IMS Health identificou um total de 551 empresas atuando no setor farmacêutico brasileiro. O país ocupa a 11ª posição no ranking do mercado farmacêutico mundial (varejo farmacêutico) com 1,498 bilhão de unidades vendidas e um faturamento em torno de US$ 5,56 bilhões em 2003. As multinacionais respondem por 70% das vendas para o mercado interno, excluindo a parcela de compras realizadas pelo governo. Os investimentos em pesquisas e os recursos aplicados pelas empresas em pesquisa foram da ordem de US$ 2 bilhões no período de 1994 a 2000. De 2001 a 2005, estão previstos investimentos anuais em torno de US$ 200 milhões. A Figura 1 apresenta o ranking das doze maiores empresas da indústria farmacêutica nacional, classificadas pela sua participação de mercado. Nota-se a presença de apenas uma empresa de capital nacional neste grupo (Laboratório Aché). 3 Market Share da Indústria Farmacêutica Brasileira Outros 54,9% ROCHE AVENTIS 6,0% 5,6% PFIZER 4,7% NOVARTIS 4,5% ABBOTT 4,3% SCHERING 3,1% BRISTOL 3,0% ASTRAZENECA 2,9% MERCK ACHE BOEHRINGER 2,8% 2,7% 2,8% JANSSEN 2,8% Figura 1: Distribuição do mercado farmacêutico brasileiro Fonte: Grupemef - Grupo dos Executivos do Mercado Farmacêutico Febrafarma / Depto. de Economia, SP/21-01-2004 Com base na Figura 1, é possível identificar que as doze maiores empresas do setor representam cerca de 45% do mercado brasileiro, enquanto as demais 539 respondem pelos 55% restantes. Em uma primeira análise, ao contrário do quadro mundial, o mercado farmacêutico brasileiro parece ter uma estrutura não concentrada. Entretanto, se considerarmos o poder das doze maiores empresas do setor de influenciarem o comportamento deste mercado, a análise aponta para um significativo grau de concentração. Segundo nota técnica do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada - Ipea (Magalhães et al, 2003a), a indústria farmacêutica brasileira apresenta uma estrutura de mercado concentrada por classes terapêuticas. De 95 subclasses terapêuticas, de medicamentos para doenças crônicas e/ou de importância no orçamento das famílias, o índice de concentração HerfindahlHirschman estava acima de 0,18 para 54. Este índice mede a participação relativa das vendas de todas as empresas no mercado. Para a autoridade de defesa da concorrência dos EUA, valores superiores a 0,18 significam mercados altamente concentrados, sujeitos ao poder de monopólio das empresas. Outra característica importante da indústria farmacêutica brasileira é a existência de 17 laboratórios públicos, federais e estaduais, cuja produção é voltada a atender ao Ministério e às Secretarias de Saúde. A maioria destes laboratórios possui uma linha de produção pouco diversificada e necessitando de atualização tecnológica. Vale salientar, entretanto, que o foco recente na produção de medicamentos contra a AIDS tem funcionado como importante fonte de barganha nas compras governamentais destes produtos (Gadelha et al, 2003). Evolução da Demanda O Gráfico 2, apresentado a seguir, explicita os resultados das vendas do setor farmacêutico de 1997 a 2003, por unidades vendidas e por faturamento em reais (descontados os impostos). 4 2000000 20000000 1600000 15000000 1200000 10000000 800000 5000000 400000 0 Vendas em 1000 Unidades Vendas nominais em R$ 1000 MERCADO FARMACÊUTICO - BRASIL Vendas nominais em R$ 1000 (sem impostos) e em 1000 unidades Período: 1997 a 2003 0 1997 1998 1999 2000 2001 2002 Vendas Nominais em R$ 1000 Vendas em 1000 Unidades 2003 Gráfico 2: Vendas de Medicamentos no Brasil de 1997 a 2003 Nota-se, no período em análise, uma constante e discreta queda no volume de unidades vendidas, acompanhada por uma constante evolução no valor das vendas em reais. A partir de uma análise apressada, poder-se-ia inferir que essa evolução espelhasse significativos reajustes de preços no período. O Gráfico 3, a seguir apresentado, indica a evolução dos preços farmacêuticos deflacionados pelo IPCA. Esses preços, no período compreendido entre janeiro de 1997 e dezembro de 2002, não oscilaram de forma significativa em relação ao IPCA, mantendo, contudo, os ganhos conquistados em períodos anteriores. Assim, parece razoável supor que o crescimento do faturamento dessa indústria, no período referido, deve ser conseqüência menos do reajuste de preços, do que de mudanças qualitativas na demanda de medicamentos. 5 250 225 200 175 150 125 100 75 50 25 Liberação de todas as CTs (mai/92) Início da Liberação pós Plano Collor II (out/91) 1º Reaj. Extraord. CAMED (nov/01) 1º reajuste CAMED 2º Reaj. CAMED (fev/02) jan-9 0 jun-9 0 nov-9 0 abr-9 1 set-9 1 fev-9 2 jul-92 dez-9 2 mai-9 3 out-9 3 mar-9 4 ago-9 4 jan-9 5 jun-9 5 nov-9 5 abr-9 6 set-9 6 fev-9 7 jul-97 dez-9 7 mai-9 8 out-9 8 mar-9 9 ago-9 9 jan-0 0 jun-0 0 nov-0 0 abr-0 1 set-0 1 fev-0 2 jul-02 0 Evolução dos Preços de Medicamentos Deflacionados pelo IPCA Fim do controle de (Base: Dez/89=100) preços pós Plano Collor I Plano Real (ago/90) Congelamento do Plano (jul/94) Collor II (fev/91) Início da Desvalorização URV Cambial (abr/94) (jan/99) Fonte: Depto. de Economia da Saúde - Ministério da Saúde Gráfico 3: Evolução dos preços dos medicamentos deflacionados pelo IPCA de 1990 a 2002 Ainda em relação ao Gráfico 3, é possível observar que, até setembro de 1990, a indústria farmacêutica apresentou perdas reais de preços, quadro que se inverteu com o fim do controle de preços decorrente do 1º Plano Collor (agosto de 1990). Assim, o setor passou por um período de recomposição de preços que se encerrou com o congelamento do Plano Collor II, iniciado em fevereiro de 1991. Em seguida, ocorreu um novo período de perda real de preços, encerrado em outubro do mesmo ano, com o início da liberação de preços prevista no mesmo plano econômico. A partir de então, teve início um longo período de elevação real de preços, reforçada pela liberação de todas as câmaras técnicas em maio de 1992 e que se encerrou com a criação da URV em abril de 1994. Com o Plano Real (julho de 1994) ocorreu o processo de perda real de preços da indústria farmacêutica. Entretanto, essa queda foi insuficiente para anular os ganhos gerados entre 1991 e 1994. Em janeiro de 1997, observa-se, ainda que de forma tímida, uma retomada do aumento real dos preços que vem oscilando de maneira pouco significativa. Hoje, no Brasil, apenas 19% dos domicílios, aqueles com renda acima de 10 salários mínimos, são responsáveis por 39% do consumo de medicamentos, estima a Febrafarma. Segundo Magalhães et al (2003a), o gasto das famílias brasileiras metropolitanas com produtos e serviços de saúde corresponde a cerca de 9% do total de seus dispêndios. Os 10% mais ricos da população respondem por 25% do total das compras de medicamentos no país, enquanto os 20% mais pobres são responsáveis por apenas 7%. No entanto, essas famílias mais pobres aplicam 66% do total de seu dispêndio com saúde na compra de medicamentos, enquanto as famílias mais ricas gastam apenas 24%. O quadro apresenta duas faces. Se por um lado o panorama é sombrio, mostrando de forma clara a dificuldade das camadas menos favorecidas da população de acesso aos medicamentos, por outro, observa-se um enorme potencial para a indústria no caso de movimentos de elevação de renda ou de redução de preços de medicamento. Uma análise específica da subclasse de medicamentos genéricos é 6 apresentada a seguir, uma vez que o comportamento dessa é bastante distinto do apresentado pelo setor farmacêutico. Genéricos Os medicamentos genéricos merecem uma análise à parte devido ao seu comportamento distinto do restante do mercado farmacêutico nacional. Essa classe de medicamentos foi instituída no Brasil pela Lei 9.787/99. Em fevereiro de 2000 foram registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa, os seis primeiros genéricos (Ministério da Saúde, 2001) e desde então estes produtos vêm apresentando demanda e oferta crescentes. Segundo dados da Anvisa, em janeiro de 2004, existiam 1.033 registros de genéricos naquele órgão, distribuídos por 57 classes terapêuticas, representando 261 princípios ativos e disponíveis no mercado sob a forma de 4.000 apresentações comerciais. A oferta está fortemente concentrada e, de forma inversa ao mercado em geral, com participação expressiva de empresas de capital nacional. Ao final de 2002, os quatro maiores produtores de genéricos, todos de capital nacional, cobriam 70% do mercado total. A Associação Brasileira das Indústrias de Medicamentos Genéricos (Pró-Genéricos) divulgou o balanço do setor em 2003, que indica um crescimento de 38,4% em relação a 2002. Elaborado pelo IMS Health, o diagnóstico do setor de genéricos no ano passado registrou vendas de US$ 311,6 milhões, representando 6,97% do mercado farmacêutico total, enquanto em 2002 foram contabilizados US$ 225,2 milhões. O segmento de genéricos deve ser encarado, tanto do ponto de vista das políticas públicas, quanto do ponto de vista empresarial, como um setor de interesse. Devido aos preços mais baixos, cerca de 30 a 40% em relação ao medicamento de referência, proporcionados pela ausência de diferenciação, a disseminação dessa classe de medicamentos pode (levando-se em consideração, obviamente, os fatores restritivos da renda da população brasileira) proporcionar uma melhoria do acesso da sociedade como um todo aos medicamentos. Do ponto de vista empresarial e seguindo o referencial proposto por Christensen (2003), os medicamentos genéricos podem ser vistos como um exemplo de oportunidade de introdução de inovação disruptiva, na medida que buscam atingir classes de consumidores até o momento não atendidas. Segundo o autor, são as empresas disruptoras aquelas que conseguem se firmar com padrões de crescimento acima da média, ameaçando os concorrentes já instalados no mercado. Essas empresas se estabelecem focando as camadas inferiores do mercado (para as quais os produtos ofertados já são “bons demais”) ou mesmo a camada do “não consumo” (aqueles consumidores não atendidos pelos produtos existentes). Uma vez estabelecidas, torna-se mais fácil para elas seguir “mercado acima” do que para as empresas concorrentes, já estabelecidas, contra-atacarem nas camadas mais baixas de consumo, o que exigiria uma nova estratégia de atuação. Comércio Exterior 7 Na Figura 4 são apresentados os dados de Balança Comercial de medicamentos com base nos dados do sistema Alice do Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior MDIC. Vale já ressaltar que as alíquotas de importação para farmoquímicos e medicamentos encontram-se entre 0 e 14%, sendo predominante a ausência de alíquota. A medida, válida até 31 de março de 2004 (Resolução nº 41 da CAMEX, 2003), vem favorecendo a entrada de produtos importados no país. Exportação e importação de medicamentos no Brasil (Capítulo 30 da NCM da Secex) em US$ milhões FOB 1800 1500 1200 900 600 300 0 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Exportações Importações Figura 4: Balança Comercial de Medicamentos em 1992- 2003 (US$ milhões FOB) Fonte: Magalhães et al (2003b) e Febrafarma (2004) Apesar da taxa de crescimento das exportações, com referência ao ano base de 1997, ter se mantido sempre acima da taxa de crescimento das importações durante o período avaliado, o nível das importações manteve-se muito alto em relação às exportações. A razão importações/exportações de medicamentos em 1992 foi de 2,8, crescendo até 1999, quando apresentou um pico de 6,5, e foi razoavelmente estabilizada em torno de 5,4 em 2003, valores que podem ser considerados bastante elevados. Para superá-la, seria necessário um enorme esforço, principalmente na redução das importações, através de sua substituição competitiva, bem como na formulação de ações positivas visando a promoção das exportações. A mesma observação pode ser estendida aos farmoquímicos, que apresentaram uma razão importações/exportações de 3,8 em 1990. Essa razão teve uma evolução crescente, atingindo, em 1999, um pico de 7,3. Desde então, observa-se uma tendência de reversão e, em 2002, o valor atingiu 4,8 (Figura 5). Contrapondo a demanda decrescente de medicamentos no mercado brasileiro nos últimos sete anos (Figura 2) com o déficit crescente na Balança Comercial do setor durante a década de 90 e estabilizado em altos patamares entre 2000 e 2003 (Figura 4), nota-se o claro movimento de desindustrialização pelo qual vem passando o setor. A Figura 5 apresenta a evolução das exportações e importações na década de 90 de 1.032 princípios ativos selecionados na definição restrita do setor farmoquímico. É possível observar a ocorrência de sucessivos aumentos do déficit da Balança Comercial desses produtos até 1999. De 2000 a 2003, verifica-se uma redução no déficit. O aumento da importação dos medicamentos prontos (Figura 4), em um mercado que vem se retraindo, pode ser apontado como uma das prováveis causas do movimento de redução no déficit comercial de farmoquímicos. 8 Vale ainda destacar que a maioria absoluta dos farmoquímicos importados não apresenta barreiras de patentes, além de suas rotas de síntese química serem bem conhecidas. Do total do valor FOB das importações de farmoquímicos em 1998, 83% tinham patentes originais anteriores a 1977, sendo que 47% eram anteriores a 1962 (Silva, 1999). Não há uma predominância da importação de produtos da fronteira tecnológica, o que implica na geração de uma maior margem através da fixação de preços de transferência de farmoquímicos antigos, cujos gastos em P&D já foram amortizados. Grande parcela dessas importações, cerca de 62%, parecem ser utilizadas pelas multinacionais como um meio de se arbitrar os ganhos entre filiais e matriz, através dos preços de transferência (Magalhães et al, 2003b). Exportações e Importações de Farmoquímicos no Brasil (US$ milhões FOB) 1400 1200 1000 800 600 400 200 0 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 Exportações Importações Figura 5: Exportações e Importações de Produtos Farmoquímicos- 1990 a 2003 Fonte: Magalhães et al (2003b) de 1990 a 2000, a partir de 2001, ABIQUIF (2004) A tendência apresentada pela indústria farmacêutica de aumento do seu déficit comercial na década de 1990 reflete menos o movimento de fusões e aquisições que resultou no fechamento e na concentração de plantas produtoras de farmoquímicos (Magalhães, 2002) do que a mudança estrutural do coeficiente de abertura dessa indústria. Nesse último aspecto, merecem ser destacados os anos de 1993 e 1999 (Magalhães et al, 2003b). Em 1993, foi extinto o Anexo C da Carteira de Comércio Exterior (CACEX) do Banco do Brasil, no qual eram incluídos os produtos beneficiados pela Portaria nº 4, que por sua vez, regulamentava a concessão de autorização para a produção de matérias-primas, insumos farmacêuticos e aditivos utilizados na fabricação de medicamentos. A conseqüente redução nas tarifas de importação, somada à apreciação do real e a forte presença de multinacionais no mercado nacional, que se utilizam da prática dos preços de transferência, provocou um considerável aumento no déficit da Balança Comercial de farmoquímicos (Silva, 1999). Em 1999, a desvalorização do real e a adoção do câmbio flutuante representaram uma reversão da tendência do país em apresentar déficits crescentes na sua Balança Comercial, o que não ocorreu no setor de farmoquímicos. De 1998 para 1999, o déficit destes produtos foi de US$ 1,75 bilhões e US$1,76 bilhões, respectivamente. Em 2000, houve um recuo neste déficit, porém causado pela redução do poder de compra do brasileiro que refletiu na queda do volume de unidades vendidas naquele ano (Magalhães et al, 2003b). Em suma, a indústria farmacêutica nacional é um bom exemplo de aprofundamento da dependência externa a que o país está sujeito. O Brasil se mantém dependente da importação 9 de farmoquímicos e de medicamentos antigos no mercado, com patentes vencidas e com suas rotas de síntese amplamente dominadas (Magalhães et al, 2003b). 3 - Política Industrial Farmacêutica Histórico Recente Durante a década de 1980 ocorreram algumas iniciativas governamentais com o intuito de desenvolver a produção nacional de farmoquímicos. Porém, no tocante à descoberta de novas moléculas não foi registrado qualquer progresso (Queiroz e Gonzáles, 2001). A dificuldade para a realização de atividades de P&D no Brasil neste período, decorrente da falta de interesse ou de capacidade das empresas instaladas no país, foi provocando uma defasagem desse segmento da indústria nacional frente à fronteira tecnológica. Enquanto as multinacionais optavam por manter o desenvolvimento de novos farmoquímicos em seu país de origem ou em grandes mercados, as empresas domésticas não tinham fôlego suficiente para manter tais atividades, consideradas de alto custo e risco (Queiroz e Gonzáles, 2001). O primeiro obstáculo que pode ser identificado para a ocorrência de pesquisa de novos medicamentos no país é a fragilidade das empresas locais. Apesar das empresas nacionais terem representado na década de 1980 cerca de 80% do número total de empresas instaladas no país, elas detinham menos que 20% do mercado e, entre os trinta maiores laboratórios apenas três eram de capital nacional. Outro desestímulo era dado pela falta de um arcabouço institucional que regulamentasse a atividade e pela ausência de uma lei patentária mais restritiva. Entretanto, a entrada em vigor da nova lei de patentes em 1997 deve ser vista como uma condição, mas não como um estímulo à pesquisa de novas moléculas (Queiroz e Gonzáles, 2001). Segundo Frenkel (2002), as políticas adotadas para o setor farmacêutico incluíam: a generalizada redução de alíquotas em todas as etapas produtivas a partir de 1989, a liberalização do controle de preços a partir de 1994 e a implantação da nova lei patentária em 1997. Esse conjunto de medidas visava o aumento da competitividade da indústria nacional, motivado pelo aumento das importações e pela decorrente intensificação da competição. A nova legislação patentária garantiria a atratividade do país à entrada de novos produtos, além de representar um estímulo à pesquisa de novos medicamentos. O efeito foi contrário ao esperado, ocorrendo diminuição na produção doméstica e aumento de preços dos medicamentos. No início da década de 1990, ainda no governo Collor, o fim da Portaria nº 4 dos Ministérios da Saúde e da Indústria e Comércio e a rápida redução das tarifas de importação sinalizaram claramente a adoção de uma nova postura do governo brasileiro, mais passiva frente à atuação das forças de mercado na economia. A década de 1990 foi marcada por uma onda liberalizante, onde o governo brasileiro se esforçou para seguir as orientações contidas no dito Consenso de Washington. A adoção de algumas medidas econômicas impactaram as estratégias empresariais de crescimento das empresas farmacêuticas no país. São elas: (i) a redução da proteção tarifária, (ii) o desmonte dos mecanismos estatais de regulação de preço da indústria e, (iii) o abandono da política industrial. 10 A Lei nº 9.787 de 1999 que cria os medicamentos genéricos surgiu como um novo instrumento de intervenção específico para o setor farmacêutico. O principal objetivo desta medida residia em aumentar a demanda e reduzir os preços dos medicamentos, tornando-os mais acessíveis à população brasileira (Frenkel, 2002). A inserção dos genéricos no mercado farmacêutico vem sendo bem sucedida, como já mostrado. Assim, o processo de liberalização comercial no Brasil, iniciado no fim da década de 80, teve seu mérito na modernização do parque industrial e no aumento da produtividade das atividades industriais em geral. Entretanto, a atual estrutura do setor farmacêutico, seu desempenho na Balança Comercial (Figura 4) e a evolução desse mercado nos últimos anos (Figura 2) mostram que o impacto das políticas liberalizantes se deu no sentido oposto ao desejado. A indústria nacional, em geral, não apresentou bons resultados no seu desempenho em comparação à fronteira tecnológica. O déficit da indústria farmacêutica na Balança Comercial é um dos principais consumidores de divisas do país, situando-se em cerca de US$ 2,2 bilhões anuais para a cadeia farmacêutica como um todo. Não houve nesse período qualquer expansão do consumo per capita de medicamentos ou preços mais acessíveis para a maioria da população. O elevado nível de importação de medicamentos prontos, em um mercado estagnado, para cuja produção não existem restrições técnicas, de patente ou de capacidade produtiva, mostra-se como o efeito mais adverso das políticas (ou da falta de) adotadas na década de 1990. A necessidade de reversão deste quadro se faz necessária e ratifica a decisão do governo de anunciar a cadeia farmacêutica como um dos setores alvo de política industrial, cujas diretrizes gerais foram anunciadas em 27/11/2003 pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Contexto Atual Como já abordado anteriormente, a indústria farmacêutica nacional se destaca como um dos alvos de política industrial por apresentar falhas de mercado e gerar produtos essenciais ao bem estar da população, além de ser uma indústria intensiva em tecnologia e caracterizada por sua elevada capacidade inovadora. Assim, uma política industrial para a cadeia farmacêutica deveria estar estruturada em cinco pilares: • • • • utilização eficaz do poder de compra do governo, estabelecendo condições diferenciadas para os produtores de farmoquímicos e de medicamentos nacionais, além de induzir a produção local daqueles medicamentos e farmoquímicos considerados de alto custo ou estratégicos; utilização racional dos laboratórios oficiais como pólos indutores de pesquisa e instrumentos de controle de preços; volta das alíquotas de importação aos patamares da Tarifa Externa Comum do Mercosul; disponibilização de linhas de financiamento diferenciadas, através do BNDES e da FINEP, que permitam às empresas sua adequação aos padrões técnicos internacionais, investimentos em aumento de capacidade produtiva, ações de fusão e aquisição, e fôlego financeiro para a atividade de P&D; 11 • concretização de um ambiente regulatório que promova a adequação dos padrões internos aos modernos padrões internacionais, sem criar desvantagens competitivas para o fabricante nacional, frente ao competidor estrangeiro. O governo possui uma ferramenta-chave para o desenvolvimento dessa cadeia produtiva, ou seja, a utilização racional de seu poder de compra. Em 2002 o Ministério da Saúde despendeu R$ 3,2 bilhões com a compra de medicamentos. A elaboração de um conjunto de medidas que permitam a esse Ministério, bem como aos laboratórios oficiais, realizar seu processo de compras com condições diferenciadas para as empresas nacionais, sem onerar os preços finais dos medicamentos, é condição necessária para o sucesso da política industrial. Nessa ação devem estar consideradas a agregação de valor pelas empresas beneficiadas, contratos de fornecimento de longo prazo, acordos de compensação tecnológica e critérios de qualidade. Em relação ao nível de preços dos medicamentos, preocupação constante da gestão e acompanhamento de qualquer iniciativa de política industrial, cabe algumas observações. Numa primeira análise, poder-se-ia pensar que o apoio ao fortalecimento de empresas nacionais, através de movimentos de fusões ou aquisições, poderia contribuir para a elevação do poder de barganha destas frente a seus compradores, com conseqüências negativas para o nível de preços. Entretanto, possíveis movimentos de concentração, até certo ponto necessários, não oferecem grandes riscos para a estabilidade dos preços de mercado, tendo em vista o ambiente de contestabilidade global, ao qual estão submetidos os laboratórios farmacêuticos. A exceção fica por conta dos medicamentos inovadores, cuja patente ainda válida confere ao seu proprietário o monopólio global. Eventuais abusos de preços são explicados pelo caráter razoavelmente inelástico da demanda frente ao preço, devendo ser coibidos por mecanismos eficazes de controle, como, por exemplo, a produção em laboratórios oficiais. As instituições públicas de financiamento deverão disponibilizar linhas de financiamento, através da criação de um programa setorial específico, que contemple taxas de juros diferenciadas e, também, compatíveis com o grau de risco das atividades de P&D nas empresas. Mecanismos de renda variável, sob a ótica do capital de risco também devem estar incluídos no programa, visando, principalmente, o fortalecimento das empresas nacionais. O órgão regulador, por sua vez, deve estar voltado para a elevação dos padrões de concorrência, melhoria da qualidade dos produtos comercializados no país, fortalecimento do poder de compra do consumidor e estabelecimento de regras objetivas para nortear os ajustes e correções de preços para os medicamentos. Contudo, a essência da regulação deve, ainda, ser orientada para o equilíbrio das condições impostas ao produtor local e estrangeiro. Devem ser evitadas quaisquer ações que ponham o fabricante nacional em desvantagem competitiva frente ao concorrente estrangeiro. Por fim, são propostos possíveis alvos da política industrial, ou seja, oportunidades a serem capturadas e ameaças a serem eliminadas ou reduzidas. • • • capacitação técnica e de gestão dos laboratórios oficiais, coordenada de forma central e estratégica; ampliação da fabricação de medicamentos genéricos no Brasil; ampliação da produção de farmoquímicos, através de ações conjuntas que envolvam a disponibilização de linhas de financiamento adequadas e o poder de compra do governo; 12 • • • • inserção da atividade de P&D nos laboratórios nacionais, através da disponibilização de linhas de financiamento com taxas e prazos compatíveis com essa atividade; indução às atividades de P&D relacionadas ao desenvolvimento de medicamentos para doenças negligenciadas, para medicamentos fitoterápicos e para drogas e princípios ativos obtidos por rota biotecnológica, através de mecanismos de financiamento com utilização de recursos não reembolsáveis dos fundos setoriais; apoio à adequação das instalações, processos e produtos às normas da Anvisa, a fim de garantir competitividade a nível global ao produtor nacional, através de linhas de financiamento diferenciadas; apoio a movimentos de fusão e aquisição de empresas, através de linhas de financiamento diferenciadas. 4. Conclusões A análise estrutural da cadeia produtiva farmacêutica no Brasil permite que se perceba o grau de concentração dessa atividade, o predomínio das empresas multinacionais no mercado e o processo de desindustrialização pelo qual vem passando. Esse processo foi desencadeado, principalmente, pelas políticas liberalizantes adotadas na década de 1990. Os dados de retração do mercado doméstico, associados aos crescentes déficits da balança comercial, se apresentam como conseqüências indesejadas deste movimento. A redução do poder de compra da população brasileira também não pode ser ignorada, relacionando-se diretamente com a retração do mercado farmacêutico brasileiro como um todo. Sua inversão de tendência depende, entretanto, além de políticas específicas para o setor, do crescimento da economia como um todo. Ainda relacionada à onda liberalizante do início da década de 1990, observou-se, de 1991 a 1994, uma forte recomposição de margens, por meio de aumento de preços acima da inflação. A partir de então, os preços da indústria farmacêutica vêm acompanhando, de forma aproximada, os níveis de preço da economia em geral. Essa constatação é relevante, pois contribui para o debate em torno do impacto dos preços médios dos medicamentos sobre a evolução (ou involução) de sua demanda em unidades comercializadas. Por um lado, parece ser razoável afirmar que, para uma parcela não desprezível da população brasileira, o acesso aos medicamentos é uma questão de renda, ou seja, quedas dos preços médios de medicamentos não contribuirão para uma melhoria do acesso direto aos medicamentos por parte desta população. Vale ressaltar, obviamente, que uma redução de preços contribuiria para uma melhora qualitativa e quantitativa dos programas governamentais de compra e distribuição gratuita de medicamentos. No outro extremo da pirâmide social, existe um pequeno extrato da população brasileira que se mostra indiferente ao preço, isto é, seja qual for o seu nível, ocorrerá o consumo. Entretanto, parece também ser possível visualizar uma categoria intermediária, significativa em termos de poder de compra, onde o consumo possui forte correlação com o preço. Para esta parcela em particular, qualquer política ou diretriz de governo que contribua para a redução dos preços internos representa significativo impacto de demanda, levando a oferta a reboque e, dessa forma, contribuído para a saúde do setor como um todo. É nesse contexto que os medicamentos genéricos e a produção local de farmoquímicos têm um forte potencial de contribuição. Os medicamentos genéricos podem ser considerados como um subgrupo setorial distinto, com lógica de competição também distinta. Por não apresentarem marca, os produtores de genéricos competem, sob uma ótica porteriana, com nítida estratégia de liderança em custos. Recém-criados no Brasil, apresentam um crescimento constante, atingindo, em 2003, 13 aproximadamente 7% das vendas em dólares do mercado farmacêutico brasileiro e com potencial para alcançar algo em torno de 20% dentro dos próximos cinco anos. Em países com mercados mais maduros, os preços dos medicamentos genéricos são, em média, cerca de 30% menores que os medicamentos de referência, o que já poderia ser responsável para atrair uma parte da demanda potencial. Convêm ressaltar que o advento dos genéricos não tem impacto sobre os medicamentos ditos inovadores, ou seja, aqueles ainda sob proteção de patente. O crescimento da produção de medicamentos genéricos, aliado a uma política industrial inteligente, poderia, ainda, contribuir para o adensamento da cadeia produtiva farmacêutica, favorecendo a produção local de medicamentos. A lógica não vale para todos os princípios ativos da indústria farmacêutica, mas a história recente mostra que a produção local de farmoquímicos leva a uma redução dos preços praticados pelos produtores estrangeiros no mercado brasileiro. Assim, se o efeito se propaga na cadeia, dois resultados não mutuamente excludentes poderiam ser observados: a elevação das margens e a redução dos preços médios por parte dos produtores de medicamentos. Este último, mais uma vez, teria impacto sobre a demanda, alavancando a cadeia como um todo. No lado da estrutura da oferta, as principais restrições ao desenvolvimento do setor farmacêutico, identificadas ao longo do trabalho, são: produção não-verticalizada, fragilidade das empresas de controle nacional e baixos investimentos em P&D. Para superá-las, são sugeridas três vertentes de ações governamentais de política industrial: (i) o apoio à produção doméstica de farmoquímicos, de forma a promover uma substituição competitiva de importações, contemplando, também, a utilização mais ativa do poder de compra do estado; (ii) o fortalecimento das empresas de controle nacional através de financiamentos e disponibilização de capital de risco que permita movimentos de fusões e aquisições envolvendo empresas com portfólios e competências complementares, a fim de reduzir, ainda que parcialmente, a grande desvantagem competitiva das empresas de controle nacional frente às concorrentes multinacionais e; (iii) a indução da volta da atividade de pesquisa e desenvolvimento – P&D nas empresas de capital nacional, por meio da disponibilização de recursos para o financiamento das atividades de P&D em condições de prazo e custo de adequados a essa atividade. A exploração dos entraves, restrições e das oportunidades identificadas no corpo deste estudo se prestam a orientar as futuras ações do governo no desenvolvimento da cadeia produtiva farmacêutica. Como em qualquer ação governamental complexa, a política industrial para a esta cadeia engendra uma considerável quantidade de atores de diversas áreas do governo, bem como interesses distintos dos diversos grupos que compõem o setor farmacêutico brasileiro. Assim, sua concretização depende não só da proposição e da realização de ações isoladas, mas de uma gestão continuada, com poder de organização, delegação e cobrança, que enxergue o desafio de forma ampla e sistêmica. Por fim, não deve ser esquecido que, apesar de todas as dificuldades que envolvem o trato com o setor farmacêutico, o Brasil possui um mercado ainda forte, estando posicionado em 11º lugar no ranking mundial. É a força desse mercado que sustentará, sob determinadas condições de contorno dadas pela política industrial a ser conduzida pelo governo, a elevação dos padrões qualitativos e quantitativos da oferta local, multiplicando seus efeitos benéficos para toda a cadeia farmacêutica e para a população. 14 Referências Bibliográficas: ANVISA, <www.Anvisa.gov.br>. Acesso em: 21 de janeiro de 2004. CHANG, H. J. Kicking Away the Ladder: The “Real” History of Free Trade, Foreign Policy In Focus - FPIF Special Report, dec. 2003. CHRISTENSEN, C. M. e RAYNOR, M. E. O Crescimento Pela Inovação. Rio de Janeiro: Elsevier Editora, 1993. “Diretrizes de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior”, Casa Civil da Presidência da República, Ministérios do Desenvolvimento, da Indústria e do Comércio Exterior; da Fazenda; do Planejamento, Orçamento e Gestão; e da Ciência e Tecnologia, 2003. FEBRAFARMA, <www.febrafarma.org.br>. Acesso em: 21 janeiro de 2004. 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