José Mariano Gago: Testemunho pessoal Diana Santos 18 de abril de 2015 O Zé Mariano foi a pessoa mais inteligente que jamais conheci, mas, mais do que isso, foi uma das pessoas mais humanas com que privei. Posso dizer que grande parte da minha realização profissional e científica passou pela sua presença e amizade: Em primeiro lugar, como recémchegada a um Técnico que era uma escola de excelência (não pouco também graças a ele), o deslumbramento pelo "jovem" físico que entusiasmava como poucos a massa estudantil, e cuja exposição "De que são feitas as coisas?" mexeu profundamente com muitos dos cidadãos do IST da altura. Em segundo lugar, o seu exemplo e ação: A sua postura de professor chegado humanamente aos alunos, organizando formas diferentes de comunicar ciência e humanidade. Era um professor como há poucos, pelo modelo que representava, e pelo respeito que tinha pelas ideias e estágios de desenvolvimento e maturidade dos alunos. Em terceiro, e mais importante do ponto de vista de resultados científicos, o terme contratado para as discussões para o Livro Branco da Ciência e da Tecnologia, que veio mais tarde a dar origem à Linguateca. Se, como ministro, esse contato foi obviamente seminal, o interesse dele e o seu amor pela língua portuguesa fizeram com que fosse um apoio e um pilar em todas as fases da Linguateca, quer fosse ou não ministro, quer estivesse ou não diretamente relacionado com as microdecisões que foram sendo tomadas ao longo destes 17 anos. Como testemunho da grande riqueza que foi têlo conhecido e com ele ter aprendido muito, e ainda mais ter tido o privilégio de poder considerarme amiga dele e da sua maravilhosa família, gostava de lembrar algumas características que o fazem absolutamente excecional como ser humano. E que fazem, além disso, Portugal um país feliz e afortunado por ter um tal filho! Muitas outras pessoas, a todas os quadrantes políticos e científicos, têm escrito em choque sobre o que o Zé Mariano significa(va) para eles, o que aliás demonstra o impacto da sua personalidade em tantos e variados meios. Mas do ponto de vista do processamento computacional da língua portuguesa, tenho eu, mais do que ninguém, essa obrigação: A primeira coisa que gostava de salientar, é que ele tinha uma capacidade retórica (no bom sentido) incomparável, e que qualquer discurso dele, na sua pronúncia um pouco nasalada, mesmo quando às vezes apenas se esperavam umas palavras próforma, era sempre um prazer ouvir. Dos meus tempos do Técnico ficou o dito Quem fala assim não é gago! que era o aforismo com que nos saíamos muitas vezes após o ouvir. A segunda coisa é que era um leitor sôfrego: Já muitos salientaram a sua extraordinária capacidade de trabalho, mas deve acrescentarse que também possuía uma extraordinária capacidade de ler, e gosto pela leitura (de textos literários), o que o fazia, aliás, ter uma cultura geral a todos os níveis exemplar. Era uma pessoa que sabia ouvir, que sabia conversar, e que em todas as áreas tinha pensado por si: desde a comida até à arquitetura, as opiniões eram dele: nunca apressadas, mas pensadas. Tinha um sentido de humor e uma empatia muito maiores do que o normal, o que o fazia ser amado tanto por choferes e polícias lembrome de ele e a mulher convidarem o polícia de plantão à porta de casa deles para tomar um café e aquecerse dentro, no Inverno como por todos os "grandes do mundo". Tinha uma capacidade de engenharia social e humana que faz um grande político: sabia avaliar uma pessoa e saber para que cargos ou tarefas a podia usar, para o melhor da pessoa e para o objetivo concreto. Era um líder por excelência, que sabia organizar equipas e prever a dinâmica. Mas nunca o vi usar as suas qualidades políticas em proveito próprio. Quanto à língua, e política da língua, sempre foi algo a que ele físico de partículas deu uma atenção e uma prioridade especialíssimas, e se o português não está melhor tratado computacionalmente no mundo, é por culpa nossa (de todos os membros da comunidade científica), apesar de todos os esforços e atenção que ele deu a esta área! Os seus interesses intelectuais e sem evidentemente negar a sua dedicação quase total à ciência eram vastíssimos, incluindo a engenharia, a arquitetura, a pintura e a literatura (a este respeito convém mencionar o seu interesse pelo teatro, que praticou na juventude), além das áreas por que é justamente conhecido, internacional e nacionalmente: a física, o ensino universitário e a política científica. Era um homem muito bom, que sabia pôr os seus amigos e colaboradores à vontade, mas que tinha uma visão estratégica e uma ação que estava nos antípodas do clientelismo ou do pagamento de favores. Era muito leal com as pessoas que o serviam, mas (pelo menos essa é a minha opinião) raras vezes era influenciado por elas. Além disso, muitas vezes o vi gerir conflitos de uma maneira absolutamente extraordinária. Na minha interação com ele aos longos dos últimos 17 anos, muitas vezes discordei e mesmo critiquei duramente algumas das suas opções contudo, e ao contrário do que seria talvez natural, ele mantevese amigo (embora inflexível) e não deixou que as minhas atitudes (que não cabe agora aqui revelar, visto que são relativas à nossa área) impedissem um relacionamento que foi dos melhores da minha vida profissional e pessoal. (E nesse contexto, quero afirmar que sou testemunha da sua amizade e solidariedade com outros governantes com quem também lidei. O primeiro, e a quem eu muito devo, assim como a Linguateca e portanto a nossa língua, é o professor Pedro Veiga; mas também apreciei a sua lealdade inquebrável em relação ao Professor Luís Magalhães, que penso que foi um dos seus braços direitos.) Embora eu tivesse rios e rios de histórias e de opiniões a contar, penso que este testemunho cobre o mais importante que eu tenho a dizer sobre o Zé Mariano, o professor por excelência. Obrigada por tudo, Zé Mariano! Se pudesse alguma vez criar um governo de glórias, penso que deverias ser, além de ministro da Ciência, o ministro da Língua!