Conheci pessoalmente José Mariano Gago pouco depois da sua nomeação para presidente da
JNICT, numa reunião que organizou com docentes e investigadores das ciências sociais. Por
razões que não consigo reconstituir, estávamos todos de pé. Temi o pior: um discurso típico de
um dirigente recém-empossado, longo, justificativo, maçador, particularmente desconfortável
dada a posição em que nos encontrávamos. Em poucos minutos fiquei rendido a uma visão
sobre uma política científica para o país que não só era clara, coerente e convincente como,
surpreendentemente, atribuía um papel decisivo às ciências sociais. Saí intrigado da reunião:
seria um discurso de circunstância proferido por um especialista em física de partículas recémchegado à presidência da JNICT e que, por isso, procurava seduzir os presentes?
As Jornadas Nacionais de Investigação Científica e Tecnológica, realizadas em 1987,
comprovaram que as minhas desconfianças não tinham razão de ser. Os contactos que
mantivemos nos anos seguintes, dos Encontros de Prospectiva no Convento da Arrábida à
edição do Perfil da Investigação Científica em Portugal dedicado às ciências sociais ou à
participação na iniciativa Cidades Digitais no âmbito do Programa Operacional para a
Sociedade da Informação, permitiram-me confirmar que José Mariano Gago possuía uma
combinação rara, quase única, de qualidades: erudição, reflexividade, visão, capacidade de
decisão e pragmatismo. Inteligente e mordaz, enérgico e teimoso, questionava tudo: ideias,
argumentos, propostas. Mas o objetivo era sempre o mesmo: ver mais longe, fazer mais e
melhor.
Compreende-se, por isso, que Mariano Gago tivesse o dom de transformar tudo em que
tocava. Mudança e futuro, para ele, não se resumiam a bonitas palavras a invocar em belos
discursos. Eram desígnios, obsessões, que guiavam a sua vida enquanto intelectual, decisor e
cidadão, mas também como colega e amigo. Nada o parecia atemorizar, desanimar ou sequer
levá-lo a desistir. Talvez seja essa a razão por que mantenho bem viva a memória dos
momentos de desespero de José Mariano Gago quando a súbita interrupção de acesso à rede
no Convento da Arrábida o impediu de perceber o que se passava em Nova Iorque no dia 11
de setembro de 2001. Durante duas ou três horas, o presente e o futuro fugiram-lhe
dramaticamente das mãos. Um curto período, é certo. O suficiente, ainda assim, para nos
permitir relembrar como José Mariano Gago convivia mal com a possibilidade de não poder
conhecer, entender, partilhar. Afinal, esta era a essência da força anímica que sempre o
moveu no âmbito de uma missão ambiciosa que atribuiu a si próprio em nome do
desenvolvimento da ciência e da modernização do país.
Lisboa, 21 de abril de 2015
João Ferrão
Instituto de Ciências Sociais
Universidade de Lisboa
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