ADORÁVEL SEDUTORA Quando eu era criança, achava maçã uma espécie de remédio. Bastava uma febre, uma necessidade de regime alimentar, lá vinha mamãe: - Hoje você só pode comer maçã. Depois veio a história da Branca de Neve, a maçã envenenada, e a fruta ficou associada ao medo. Na escola, com as aulas de religião, Adão e Eva e o paraíso, lá estava a maçã como fruto proibido. O tempo passou, vieram os filhos e começou tudo de novo. A mão de obra para raspar a maçã para a papinha do bebê e as dietas prescritas nos casos de diarréia. - Não gosto de maçã. Quero Coca-Cola com chocolate – o caçula pedia. - Chocolate não pode. Maçã. Na geladeira lá de casa vivia sobrando maçã. - Você não quer fazer regime? Maçã é que é bom. - Preguiça ter que lavar, mãe. Assim, quando cheguei à terra da maçã, confesso, não me emocionei. E se minha entrada nos Estados Unidos dependia daquela funcionária do Departamento de Imigração, então, que se danem as maçãs. A morena tinha unhas de um metro de comprimento listradas em roxo e laranja. Mais um coque de dois metros de altura no lado direito da cabeça, enquanto um topete, em vez de cair, descia em cascatas cacheadas tampando o olho só, nós três perfilados na maior seriedade. Finalmente bate o carimbo nos passaportes, me entrega e com a voz forte chama: - Next, please. (O próximo) Cheguei finalmente à terra da maçã. The Big Apple. Deixo o segundo maior aeroporto do mundo em movimento – o JFK – há dez anos com suas vias de acesso em obras, em constante ampliação, para o melhor fluxo dos veículos, e cruzo Queens, o primeiro distrito dessa New York que, todos garantem, vai me fascinar. Há maçãs em outdoors, canetas, bonés, camisetas e nas calçadas dos mercadinhos. Mas, ao entrarmos em Manhattan, o segundo distrito do percurso, não há maçã que segure a emoção. Nem a chuva fina que cai tornando o dia frio e cinzento prejudica a paisagem, na qual chama a atenção a fumaça vinda dos bueiros devido ao sistema de calefação do metrô e dos prédios. A fumaça está ali, quase em cada esquina, subindo e sumindo ente os mais loucos outdoors, colocados nas alturas, nos imensos prédios agarrados uns aos outros como se sentissem frio, com 30, 40, 70 andares. Anúncios em neon e luzes coloridas transformam as ruas em passarelas onde você desfila seu espanto diante de um traçado tão original. Estou diante da eternidade? As ruas são retas, a perder de vista, e nenhum prédio tem marquise. Tom Jobim tinha razão quando dizia que gostaria de passear por New York deitado na maca. O pescoço dói de tanto olhar para cima. Não pode é parar na calçada, pois as pessoas estão com pressa. - Get out of my way, stupid tourist. Is this your first time in New York? – o americano mostra impaciência atrás de mim. - O que ele está dizendo? Eu grito aflita para minha filha. - Para você sair da frente, sua “estúpida turista”. Ele pergunta se é a primeira vez que você vem aqui, mãe... É a primeira vez sim, e como todos os outros – japoneses, indianos, argentinos, italianos, etc, etc. – estou encantada, atônita, sem fala. Agora que já andei pela Broadway, vou para o hotel, com água filtrada jorrando por qualquer torneira e onde poderei sonhar que sou a Julia Roberts ou sonhar com o Brad Pitt. Em New York qualquer um sente-se uma celebridade. Bom, querem saber se gostei de New York? Basta abrir minha geladeira, novamente repleta de maçãs. Agora, nenhum dos filhos tem preguiça de lavá-las. É o nosso modo de dizer I Love New York. Dizem que New York ganhou o apelido de Big Apple por ser a menina dos olhos dos americanos, ou seja, New York is the Apple of my eyes, dentro de uma das expressões mais famosas nos Estados Unidos. Para outros é porque New York é como maçã: todo mundo quer dar uma mordida, no caso, sentir o prazer de estar lá (Everyone Wants to take a bite of it). Mais alguns garantem que o apelido vem do jazz, em 1940, dado pelos músicos negros do interior que se encantavam quando uma banda conseguia se apresentar na grande cidade, na Big Apple. E há ainda entre os americanos uma das mais antigas explicações: as maçãs de New York, desenvolvidas em clima frio, faziam o maior sucesso entre os habitantes do Sul, que passaram a se referir a New York como a terra das grandes maçãs. Qual a verdadeira? – eu quis saber logo ao chegar à cidade. Ao sair, turista de queixo caído, deixou de ter importância a descoberta. New York é apenas – e somente – uma adorável sedutora. Saindo para o aeroporto JFK, no meio da ponte Queensboro, sobre o East River, também acompanhei a tradição. Olhei para trás, com os olhos firmes no skyline da cidade (a silhueta dos prédios no horizonte) e murmurei: um dia eu volto. Dizem que dá sorte, como se fosse pouco eu ter conseguindo vir até onde vim. Sentirei saudades desta terra recortada pelos caminhões do Corpo de Bombeiros, que cruzam ruas e avenidas a todo momento socorrendo pequenos incêndios provocados pelas paredes dos apartamentos feitas com papelão e gesso. Sentirei saudades do frio no rosto, das ruas de mão única, dos antigos armazéns hoje transformados em luxuosos “lofts” (apartamentos amplos como os do filme Ghost) do Soho, das portas giratórias dos hotéis, dos chicletes salpicados no chão das estações de metrô, dos anúncios luminosos disputando com a lua quem brilha mais, do “Orange juice” em caixinha, do café que os brasileiros detestam. Sentirei saudades de ter saudades do Brasil. Embora viajando de volta com ele, sentirei saudades do nosso guia. Das 6 da manhã às 11 da noite, Cláudio resolvia problemas, sugeria, acompanhava, explicava, deixava um passageiro na porta do teatro, corria para levar outro grupo ao restaurante, chamava o garçom, fazia o pedido, corria ao teatro, traduzia as mensagens da secretaria eletrônica. Cláudio. Cláudio. Cláudio. Ele foi nossa New York traduzida para o português, nosso portão de entrada e agora, percebo, nosso portão de saída. Good Bye, Central Park, Estátua da Liberdade, Empire State, Quinta Avenida, Rockefeller Center com seus canteiros floridos. Good bye, comércio agitado, onde a vertigem das compras nos faz até perder o contato com a realidade. Good bye, New York. Quem conhece a cidade sabe como são difíceis as despedidas nesta capital do mundo. Não é exagero não. Nem foi por falta de aviso.